PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E PRODUÇÃO ARTÍSTICA 1 NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA 2 Cláudio Urgel A extensão universitária, que a princípio pode ter sido criada para o desenvolvimento de programas sociais de atendimento às camadas mais pobres da sociedade, tem hoje uma abrangência bem maior, com o envolvimento de vários segmentos da sociedade. De acordo com Evandro José Cunha, “ ... a Extensão tem tido várias frentes de atuação onde aparece em papéis diferenciados para a sua consecução. Neste sentido, a extensão tem sido continuamente entendida como atividade que faz a integração da Universidade com a comunidade, como prestação de serviços, como captadora de recursos financeiros, como articuladora dos trabalhos de assistência a saúde, de repasse de conhecimentos técnicos, de informações projetos e cursos sobre educação básica, de projetos de difusão cultural, prática de propostas de cursos e propostas de melhoria do meio ambiente, escritórios de repasse de informações tecnológicas e muitas outras atividades que hoje são configuradas 3 como Extensão Universitária, principalmente nas Universidades Públicas Brasileiras.” O Artigo 207 da Constituição Brasileira de 1988 estabelece o princípio da autonomia universitária. O mesmo artigo estabelece também o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, atividades-fins da universidade. A autonomia universitária está a espera da lei que regulamentará o seu funcionamento e acredito que a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão não será completa enquanto não houver um equilíbrio na valorização destas atividades, onde a extensão obtenha o mesmo status do ensino (Graduação e Pós-Graduação stricto sensu) e da pesquisa. As universidades, por iniciativa própria ou por força de uma política governamental, estabeleceram uma hierarquização entre ensino, pesquisa e extensão. O ensino na Graduação e Pós-Graduação vem em primeiro lugar, uma vez que é principalmente neles que o Governo Federal tem se baseado para elaborar o orçamento anual para as universidades. Isto pode ser constatado no Modelo de Alocação de Vagas e Recursos para 4 as IFES - Instituições Federais de Ensino Superior. A pesquisa recebe, como a pósgraduação, apoio através do CNPq e outras agências de fomento, não só financiando projetos, mas também concedendo bolsas para os professores, técnicos e estudantes envolvidos em projetos de pesquisa. Nesta hierarquização da atividade universitária, a extensão vem em último lugar, com tímidos programas internos de fomento e uma certa discriminação por parte dos órgão responsáveis pela política de pessoal docente nas universidades. No caso da UFMG, os novos professores que não participam de projetos de pesquisa, ou não tem produção científica, tem tido dificuldades em renovar seus contratos de Dedicação Exclusiva (a DE triplica o salário de 20 horas semanais), mesmo que eles tenham grande produção na extensão universitária (cursos e atividades artísticas). 1 Texto apresentado no X Encontro Anual da ANPPOM em Goiânia, GO, como representante da Área de Práticas Interpretativas na Mesa-Redonda “EXTENSÃO/INTERAÇÃO COM A SOCIEDADE E MÚSICA NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA.” 2 Professor de Violoncelo e Música de Câmara do Departamento de instrumentos e Canto da Escola de Música da UFMG. 3 Cunha (1996) pg. 05. O Professor Evandro José Lemos da Cunha é o atual Pró-Reitor de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais. 4 UFMG, PROPLAN, 1996. Como é do conhecimento de todos, o Governo Federal vem gradualmente diminuindo os recursos financeiros para as universidades. A perspectiva de autonomia das universidades apontam para um orçamento global, que, com base no orçamento atual, não atende a todas as necessidades das universidades. Os atuais critérios de distribuição de recursos, seja do MEC, seja interno das universidades, como é o caso da UFMG, usam variantes para compor as matrizes que não valorizam as características das escolas de música. Alguns exemplos destas variantes são: proporção do número de alunos em relação ao número de professores (não estão incluídos alunos dos cursos de extensão) - a peculiaridade do ensino de música com aulas individuais de instrumento/canto, resulta em uma proporção aluno/professor baixíssima; titulação dos docentes - escolas de música não possuem um grande número de doutores e mestres; - publicações - as publicações compõem a matriz enquanto que a produção artística (entendida na área de música como composições musicais e gravações de CDs) não é computada, os concertos e recitais sequer são considerados produção artística. Considerando estes fatos, escolas de música, assim como outras unidades das universidades, tem cada vez mais recorrido a prestação de serviços remunerada, seja para aumentar os recursos financeiros para o seu custeio e investimentos, seja para aumentar a remuneração de seus professores e funcionários. Neste contexto, parte da comunidade universitária tem questionado se a prestação de serviços deve ou não ser considerada atividade de extensão. Segundo Evandro José Cunha a prestação de serviços pode ser assim caracterizada: “A prestação de serviços é explicitada como um conjunto de ações extensionistas de caráter permanente ou eventual, que se define como a execução ou participação docente em tarefas profissionais fundamentadas em conhecimentos ou habilidades de domínio da Universidade transferidas à sociedade. No conjunto do que tem sido debatido na Universidade com relação a uma maior clareza do que se entende e se define como trabalho extensionista, a prestação de serviços se coloca como a de mais difícil definição, já que regulamentação resulta num maior controle institucional dos tipos de “serviços” que a Universidade pode prestar à sociedade e busca uma relevância acadêmica que esteja contida em sua execução.”1 Os questionamentos quanto ao enquadramento ou não da prestação de serviços como atividade de extensão universitária acontecem especialmente por ser ela uma atividade que envolve pagamento aos docentes, funcionários e estudantes envolvidos nos projetos. O que caracterizar uma atividade como extensão universitária é se os serviços prestados são de natureza acadêmica e fundamentados no princípio básico da atividade de extensão, isto é, o de transferir à comunidade conhecimentos gerados e instalados na instituição, contribuindo assim para as transformações de nossa sociedade. A pesquisa não deixa de ser pesquisa se for remunerada. O envolvimento de professores, funcionários e alunos em projetos de prestação de serviços chegou a um ponto que as universidades começam a regulamentá-la, para assim estabelecer normas e evitar uma supervalorização desta atividade em detrimentos de outras. No caso da UFMG, após longas discussões que envolveram toda a comunidade, o Conselho Universitário, órgão superior da Universidade, aprovou em novembro de 1995, uma resolução onde são estabelecidos critérios para prestação de serviços no âmbito da Universidade. Os critérios mais importantes para a prestação de serviços, constantes da Resolução 10/95, são: ser aprovada, acompanhada e avaliada pelos órgãos colegiados de cada unidade; a carga horária dedicada a mesma não poderá ultrapassar, em média, oito 1 Cunha (1996) pg 139-140. horas semanais; poderá ser exercida gratuitamente ou mediante pagamento; ser formalizada através de projeto que deverá, entre diversos outros aspectos, especificar os dados pertinentes aos direitos autorais e patentes sobre produtos, bens, processos e serviços; as equipes deverão ser constituídas, em sua maioria, por pessoal pertencente aos quadros da Universidade; os projetos que não se autofinanciarem e que sejam de relevância acadêmica e social, poderão se beneficiar de programas de fomento acadêmico da Universidade; do total do valor da prestação de serviços, 2% é destinado à Universidade, para atividades de fomento acadêmico; um mínimo de 10% para a unidade; cada unidade, através de seus órgão superiores, deve estabelecer normas específicas para a sua prestação de serviços. Após a publicação da Resolução 10/95 do Conselho Universitário da UFMG, a Escola de Música aprovou a Resolução 01/96, da qual tive a oportunidade de ser o relator enquanto presidente da Comissão de Legislação da Congregação da Escola de Música. A resolução da Escola de Música complementa algumas normas da Resolução 10/95, que entre outros procedimentos: conceitua a prestação de serviços nas áreas de conhecimento da Escola de Música, tais como, concertos, cursos de extensão, master classes, assessoramento à produções culturais, consultorias em suas áreas de atuação; estipula que do valor total destinado à Escola de Música (mínimo de 10%), 70 % seja destinado ao Departamento ou Órgão Complementar de origem do projeto e 30% à Diretoria da Escola de Música. A interveniência de fundações, entidades de apoio às atividades de pesquisa, ensino e extensão da universidade, tem sido de fundamental importância para toda a prestação de serviços. A maior parte das unidades da UFMG, incluindo a Música, utiliza os serviços da FUNDEP - Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa, entidade criada pela UFMG em 1974. Uma das mais recentes contribuições da FUNDEP aos projetos de prestação de serviços foi a criação do Regulamento de Concessão de Bolsas Acadêmicas da FUNDEP. Este regulamento é baseado em lei que autoriza os servidores das IFES, em suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, o recebimento de bolsas através das fundações de apoio das universidades. Para os projetos de prestação de serviços, a criação da Bolsa de Extensão da FUNDEP, pôs fim ao grande problema que era o pagamento dos participantes dos projetos sem a criação do vínculo empregatício com a FUNDEP. A taxa de administração da FUNDEP é de 10%, e em caso de projetos com grande movimentação financeira este percentual tem sido negociado. Existem varias possibilidades de projetos de extensão universitária para escolas de música, tais como: apresentações de concertos de orquestra, coral, música de câmara e solo, em eventos culturais e científicos, em teatros, hospitais e praças públicas; organização de corais no campus universitário; programas de educação musical em creches; cursos de extensão e muitos outros. No caso dos cursos de extensão, existe uma infinidade de tópicos que podem ser ofertados à comunidade interna e externa. A apreciação musical para pessoas que não sejam musicistas é um destes tópicos. É nos cursos de musicalização e formação básica de músicos que a Escola de Música da UFMG tem se dedicado com maior afinco nos últimos anos. Além de prestar um importante serviço à comunidade formando músicos e apreciadores de música, as escolas de música encontraram nos cursos de extensão, uma maneira de preencher uma lacuna existente em nossa sociedade, isto é, a preparação básica para uma formação de nível superior. Os cursos de extensão (musicalização e formação básica de músicos) da Escola de Música da UFMG estão passando por uma fase de transformações em conseqüência do momento atual da Universidade Pública Brasileira. O relato destas mudanças mostra, em parte, estas transformações, isto é, as atividades de extensão enquanto prestação de serviços. A Escola de Música da UFMG tem uma história que começa em 1925 com a criação do Conservatório Mineiro de Música, federalizado em 1950, passa a integrar a UFMG em 1962 1 e é transformado em Escola de Música da UFMG em 1972. As décadas de 60 e 70 foram um período de grande valorização da extensão, como pode ser visto na seguinte observação de Evandro José Cunha: “É reconhecido que, embora as universidades brasileiras, tenham iniciado trabalhos de extensão na década de 20, tem-se nos anos 60 e 70, através de interesses e incentivos governamentais e não governamentais, a criação de possibilidades concretas de estruturação do trabalho extensionista nas universidades.”2 É na década de 70, precisamente em 1976, que surgiu o CFM - Curso de Formação Musical, primeiro curso de extensão permanente da Escola de Música da UFMG com o objetivo de dar uma formação básica à adolescentes e adultos. O CFM é, no meu entender, uma adaptação do Curso Básico do Conservatório Mineiro de Música que depois de passar a integrar a UFMG, teve que se adaptar a organização da universidade, passando de Curso Básico de Conservatório à Curso de Extensão Universitária. A forte diferenciação que existe hoje entre as atividades didáticas na Graduação e na Extensão não existiam na década de 70, quanto teve início o CFM. Isto pode ser comprovado pelo fato de que logo após a criação do CFM, foram contratados professores com a justificativa dos mesmos atuarem no curso de extensão. Alguns destes professores lecionaram exclusivamente no CFM por muitos anos e foram obrigados, gradativamente, a assumirem disciplinas da graduação, sendo que hoje todos são obrigados a manter a média anual de 08 à 12 horas semanais na graduação como requisito mínimo de carga didática. Ao longo dos 21 anos de existência do CFM, ele sofreu modificações, entre as quais devemos destacar: diferentes participações de professores com alterações que vão desde à participação exclusiva de professores efetivos da UFMG, passando pela participação de professores externos, músicos da Orquestra da Escola, estagiários (alunos da graduação e pós); distribuição dos recursos financeiros capitados com alterações que vão desde uma cobrança simbólica de taxa escolar à uma efetiva cobrança de mensalidade, com a distribuição dos recursos variando entre o total controle pela Diretoria da Unidade à divisão de percentuais entre a Diretoria e a Coordenação do Curso. O CFM é hoje um curso de extensão em processo de extinção, decretada pela Congregação da Escola de Música a partir de um estudo realizado por uma comissão designada pela mesma. As dificuldades do CFM em se manter foram basicamente as seguintes; disparidade entre a grade curricular, o número de vagas e a disponibilidade de pessoal da Escola de Música; ilegalidade da contratação de professores externos com Contratos de Prestação de Serviços (permanente); participação de discentes em estágio sem orientação; ilegalidade dos contratos de estagiários por período superior a dois anos; questionamento de pais de alunos do CFM quanto as diferenciações entre aulas lecionadas por estagiários e por professores; alta inadimplência de alunos comprometendo os compromissos financeiros assumidos com estagiários e professores externos; participação de professores da UFMG sem remuneração (durante 20 anos) e sem o devido reconhecimento por parte da administração central da UFMG (a carga horária dedicada ao CFM deixou de ser reconhecida como carga didática); afastamento dos professores efetivos da Escola. Muitos dos problemas que afetaram o CFM, estão acontecendo hoje com o CMI - Centro de Musicalização Infantil (outro curso de extensão da Escola de Música da UFMG), que deverá passar por uma reformulação principalmente para continuar a atender a demanda por estágio dos alunos da graduação e 1 2 Reis (1993). Cunha (1996) pg 27. pós-graduação assim como o desenvolvimento de possíveis projetos de pesquisa na área de educação musical. Diante da regulamentação da prestação de serviços pela UFMG, da perspectiva da mudança da Escola de Música para suas novas instalações e das dificuldades do CFM, organizamos uma comissão interna do Departamento de Instrumentos e Canto para elaborarmos o projeto de um novo curso de extensão. Enquanto presidente da comissão fui relator deste projeto. Em termos de objetivos, o novo curso, CEM/INC - Cursos de Extensão em Música Instrumentos e Canto não é diferente do CFM. As suas principais características são: cobrança de taxas escolares; participação exclusiva de professores efetivos da Escola de Música; remuneração de todos os participantes do curso; conteúdo programático variável para as disciplinas, isto é, o programa do instrumento/canto é individualizado, dependendo do talento, da disponibilidade e dos objetivos de cada aluno; flexibilidade curricular, isto é, independência das disciplinas instrumento/canto e disciplinas teóricas do Departamento de Teoria Geral da Música da EM; não existência de órgão colegiado, apenas um coordenador vinculado à Câmara Departamental; matrícula semestral, evitando a manutenção de inadimplentes por um período muito longo; suspensão temporária de bolsas; divisão de prejuízos com inadimplência entre os professores e a Escola. Entre as três atividades-fins da universidade, ou sejam, ensino, pesquisa e extensão, as atividades artísticas melhor se enquadram como atividade de extensão. É na extensão que as escolas de música tem encontrado maior espaço dentro da universidade. É nas atividades artísticas e não na pesquisa, que um grande número de professores das escolas de música dedicam o seu tempo fora da sala de aula. Até então, as atividades de extensão universitária no âmbito da UFMG basearam-se mais 1 em práticas, tendo muito ainda a se desenvolver para a sua completa institucionalização. Na UFMG é grande a discussão sobre a proposta de regulamentação dos Núcleos Temáticos de Estudos Interdiciplinares. Estes núcleos terão como objetivo o desenvolvimento de propostas interativas no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão. Há quem diga que os Núcleos Temáticos deverão substituir, no futuro, os Departamentos que agregam professores de uma única área de conhecimento. A completa institucionalização da extensão é fundamental para o seu desenvolvimento. Vivemos hoje um momento especial em que é a extensão que tem apontando caminhos para a universidade. Desde a criação da dedicação exclusiva, professores das áreas de artes, saúde e muitos outros tiveram a sua prática profissional limitada. Todos estes profissionais estão, até certo ponto, impedidos de praticar suas habilidades. A regulamentação da prestação de serviços aponta para um caminho em que todos estes profissionais possam desenvolver suas habilidades, serem melhor remunerados e com certeza serem melhores professores. Uma discussão importante e atual para a área de artes é a definição de critérios claros do que é produção artística ou musical e do que é publicação para a área de artes. É fundamental que as escolas de artes de todas as universidades brasileiras promovam discussão em torno da equivalência entre a produção científica e artística e a equivalência entre publicações científicas e artísticas. A extensão e a produção artística não podem continuar como atividades marginais dentro da universidade. As áreas de artes correm o risco de serem atropeladas pela autonomia universitária. É necessário buscar a institucionalização da extensão, estabelecendo indicadores acadêmicos de produção 1 Cunha (1996) pg 152. artísticas e outras atividades de extensão, assim como procedimentos para a avaliação docente e departamental, e, acima de tudo, introduzir os índices de produção artística na elaboração das matrizes orçamentarias, seja internas das universidades, seja do MEC. Desde que regulamentada e integrada as atividades de ensino e pesquisa, a prestação de serviços enquanto extensão universitária não representa nenhuma ameaça de desviar a universidade de suas atividades-fins. Pelo contrário, além de motivar professores, funcionários e estudantes, ela veio para contribuir para o financiamento da universidade e também para gerar pesquisa, atendendo as necessidades de atualização da universidade que não pode estar dissociada das demandas da sociedade. REFERÊNCIAS CUNHA, EVANDRO JOSÉ LEMOS DA CUNHA. A extensão como estratégia de mudança na Universidade Pública. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1996. 169p. Tese, Doutorado em Artes. REIS, SANDRA LOUREIRO DE FREITAS. Escola de Música da UFMG - Um Estudo Histórico (1925 - 1970). Belo Horizonte: Editora Santa Edwiges, 1993. UFMG - Congregação da Escola de Música. Resolução 01/96, 1996. UFMG. Conselho Universitário. Resolução 10/95, 1995. UFMG. Departamento de Instrumentos e Canto - Escola de Música. Projeto CEM/INC Cursos de Extensão em Música - Instrumentos e Canto, 1996. UFMG. Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento - PROPLAN. Modelo de Alocação de Vagas e Recursos para as IFES, 1996.