O Trade Dress e a sua Aplicação no Brasil André Almeida Matos de Oliveira Pinto Advogado, sócio do escritório Oliveira Pinto Advogados. Graduado em Direito e pós-graduado em Direito Empresarial pela Universidade Católica do Salvador. Pós-graduado em Direito do Estado pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Vice-presidente do IBADIN – Instituto Baiano de Direito Intelectual. Diego Montenegro Advogado, sócio do Menezes, Garcia, Montenegro, Nova e Figueiredo - Advocacia e Consultoria. Graduado em Direito e pós-graduado em Direito Empresarial pela Universidade Católica do Salvador Lauro Augusto Vieira Santos Pinheiro Advogado, sócio do Hayne e Pinheiro Advocacia e Consultoria. Graduado pela Universidade Salvador. Pós-graduado em Direito Empresarial e em Direito Tributário pela Universidade Católica do Salvador. Especialista em Contratos Comerciais Internacionais pela Università di Bologna. Sumário: 1. Considerações iniciais – 2. Origem, evolução e significação: um breve escorço da trajetória do trade dress e da sua proteção – 3. O trade dress no Brasil – 4. Exemplos na jurisprudência brasileira – 5. Considerações finais – Referências bibliográficas 1. Considerações iniciais No Brasil, a inventividade economicamente explorada é protegida pela Lei n° 9.279/1996, conhecida como Lei de Propriedade Industrial – LPI. Com o escopo de prestigiar a justa concorrência e evitar a confusão dos consumidores, o dispositivo legal acima referido contempla o instituto do registro de marcas, estas entendidas como “sinais distintivos visualmente perceptíveis”, utilizadas para identificar a origem dos produtos e serviços postos no mercado (art. 122). O sistema brasileiro de proteção à propriedade industrial adotou o regime atributivo, segundo o qual, nos termos do artigo 129 da LPI, “a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148”. Ou seja, para que se considere efetivamente protegida, a marca deve estar devidamente registrada no INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, mediante procedimento administrativo Revista da ABPI – nº 121 – Nov/Dez 2012 próprio, no bojo do qual o mencionado órgão perquirirá o preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei. Como se vê, a legislação pátria optou por emprestar à marca o atributo de identidade do empresário, considerando-a suficiente para possibilitar ao público distinguir a origem do bem que pretende consumir. Todavia, experiências cotidianas apontam uma série de exemplos em que o reconhecimento de determinados produtos ou serviços se opera não só pela marca, mas também, quiçá principalmente, pela forma peculiar como se apresentam, pela roupagem que assumem, pela sua “vestimenta”, ou seja, pelo que se convencionou chamar de conjunto-imagem ou trade dress. Nesse particular, são inúmeros os exemplos de estabelecimentos que se tornam conhecidos pela forma peculiar de sua organização, arquitetura, decoração, cores, disposição das mesas, cadeiras, caixas, de sorte que a padronização desse conjunto de elementos não registráveis se sobrepõe, em importância, à própria marca. Trata-se de situação bastante comum entre lanchonetes, restaurantes e lojas de conveniência. 45 O Trade Dress e a sua Aplicação no Brasil Ocorre que, de igual modo, também não são poucos os casos em que empresários oportunistas, embora se utilizem de marcas distintas, reproduzem o conjunto-imagem de seus concorrentes mais consagrados, com o escopo de apropriar-se, indevidamente, de clientela alheia, induzindo em erro o consumidor menos atento. Nesses casos, a proteção à marca revela-se insuficiente para garantir a proteção ao bem jurídico que a Lei de Propriedade Industrial pretendeu tutelar (proteção à livre concorrência e ao consumidor). Eis, aqui, o ponto central do presente trabalho. Ao contrário do que ocorre com a marca, o conjunto-imagem não recebe proteção específica da Lei n° 9.279/1996 ou de qualquer outro diploma legal. Não há, no nosso direito positivo, nenhum dispositivo específico que garanta expressamente ao empresário o direito à exploração exclusiva do seu trade dress. Desse modo, e, sobretudo em função da tendência positivista ainda predominante no Brasil, exsurgem os seguintes questionamentos: o sistema jurídico brasileiro confere, ou não, proteção ao trade dress? É preciso que haja a edição de nova lei ou alteração da atual LPI para que o conjuntoimagem venha a ser tutelado ou, a partir da interpretação sistemática do regime existente, é possível garantir a almejada proteção? O objetivo do presente estudo é, exatamente, tentar responder aos questionamentos acima formulados, perpassando, para tanto, referenciais teóricos especializados, com incursões históricas e no direito comparado e, especialmente, conferindo o tratamento dado à matéria pelos mais diversos tribunais do País. É o que, doravante, passamos a fazer. 2. Origem, evolução e significação: um breve escorço da trajetória do trade dress e da sua proteção Como bem anota Cecília Manara,1 desde que existe produção humana, com finalidade lucrativa, resultante do trabalho, se pensa em protegê-la, a fim de garantir a exclusividade na sua exploração e evitar a ação dos imitadores, salvaguardando-se, com efetividade, a distintividade tão necessária ao destaque no mercado empresarial. A inexorável evolução tecnológica experimentada pelo caminhar da história das civilizações conduziu, portanto, o direito a sair da sua concepção clássica, românica, ampliando os seus tentáculos para albergar sob o seu seio legal, também, as criações de ordem intelectual, hodiernamente entendidas como propriedade imaterial. Nessa senda, o conjunto de direitos daí derivados passou a ser protegido tanto sob a égide da criação autoral (artística, científica e intelectual), como sob o manto da inventividade industrial com 1. MANARA, Cecília. A Proteção Jurídica do Trade Dress ou Conjunto-Imagem. In: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva e MORAES, Rodrigo. Propriedade Intelectual em Perspectiva. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 4. 2. BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. v.1. ed.2. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 1997. 46 misteres comerciais (patentes, modelos de utilidade, desenhos industriais e marcas), sempre respondendo à insígnia do novel Direito Intelectual. Assim, como meio de assegurar o retorno econômico daquele que produz um bem imaterial afeto ao comércio (dotado, portanto, do binômio economicidade/lucratividade) os juristas desenvolveram as leis de propriedade industrial, que, no sistema atributivo, adotado pelo Brasil, perpassam a ideia da anterioridade no depósito administrativo da criação, para garantir a sua exploração com exclusividade. Nada obstante, tal depósito prescinde de uma série de requisitos para que seja efetivamente deferido pelo órgão responsável pela sua organização e publicação. No caso das marcas, mais próximo à noção de trade dress, por exemplo, se exige, no brilhante entender de Denis Borges Barbosa,2 a distintividade, a veracidade e a novidade relativa, pois marca, ainda conforme o insigne autor, “é o sinal visualmente representado, que é configurado para o fim específico de distinguir a origem dos produtos e serviços. Símbolo voltado a um fim, sua existência fáctica depende da presença destes dois requisitos: capacidade de simbolizar, e capacidade de indicar uma origem específica, sem confundir o destinatário do processo de comunicação em que se insere: o consumidor. Sua proteção jurídica depende de um fator a mais: a apropriabilidade, ou seja, a possibilidade de se tornar um símbolo exclusivo, ou legalmente unívoco, em face do objeto simbolizado”.3 Deste modo, tem-se que o conjunto-imagem emana, diretamente, do direito marcário, podendo ser entendido como uma extensão da própria marca, pois nada mais é que a forma peculiar com que se reveste a apresentação de um estabelecimento, produto ou serviço. É, em verdade, a nota particular capaz de induzir o consumidor a identificar determinado estabelecimento, produto ou serviço sem necessitar de uma análise mais profunda, reconhecendo-o com um mero vislumbre, justamente, pela conjunção dos elementos que levaram à formação daquela imagem. Na lição de Ivan Hoffman: “the term ‘trade dress’ refers, in very general terms, to the ‘look and feel’ of a product or its packaging”.4 Assim, clarividente resta que a proteção ao trade dress deriva da estratégia mercadológica adotada por determinado empresário para conferir uma roupagem única ao seu estabelecimento, produto ou serviço. É o que atesta Tinoco Soares: Trade dress e/ou “conjunto-imagem”, para nós é a exteriorização do objeto, do produto ou de sua embalagem, é a maneira peculiar pela qual se apresenta e se torna conhecido. É pura e simplesmente a “vestimenta”, e/ou o “uniforme”, isto é, uma roupagem ou maneira particular de alguma coisa se apresentar ao mercado consumidor ou diante dos usuários com habitualidade.5 3. Idem, ibidem. p.624. 4. HOFFMAN, Ivan. The Protection of Trade Dress. Disponível em: http://www.ivanhoffman.com/tradedress.html. Acessado em: 16.05.2009. 5. SOARES, José Carlos Tinoco. Concorrência Desleal vs. Trade Dress e/ou ConjuntoImagem. São Paulo: Ed. Tinoco Soares, 2004. p.213. Revista da ABPI – nº 121 – Nov/Dez 2012 O Trade Dress e a sua Aplicação no Brasil A identificação do conjunto-imagem, embora na seara jurídica recorra a uma conjunção de múltiplos fatores, na prática é facilmente visualizável, servindo como exemplo a arquitetura e disposição das mesas, cadeiras, caixas e letreiros de lanchonetes como McDonald’s, Bob’s ou Burger King, ou em outras espécies de franchising, onde a preponderância do elemento padronização faz emergir o conceito de trade dress a olhos nus. A formação da proteção aos direitos inerentes à utilização com exclusividade do conjunto-imagem brotou de criação doutrinária confirmada pela jurisprudência, o que redundou, em países como os Estados Unidos da América, na aprovação de leis específicas sobre o assunto. Na realidade, há uma miríade de dados, advindos de alguns ramos do Direito Industrial, que devem ser analisados, conjuntamente, para que se possa identificar, com higidez, a existência ou não de trade dress apto a ser tutelado pelos tribunais. Em princípio, e em consonância com a lei norte-americana, a Convenção da União de Paris, e os fortificados julgados dos sodalícios ao redor do globo, para que haja ofensa ao conjunto-imagem de um determinado sujeito de direitos é premente que ali estejam presentes atos de confusão capazes de induzir o público consumidor a erro. E tais atos somente podem ser praticados quando o trade dress for dotado das seguintes características:6 1. strength of the palintiff’s Mark; 2. relatedness of the good; 3. similarity of the marks; 4. evidence of actual confusion; 5. marketing channels used; 6. likely degree of purchaser care; 6. Pressupostos assentes na legislação norte-americana, mas que deve informar, ainda que de lege ferenda, a percepção do operado brasileiro do direito. 7. HOFFMAN, Ivan. The Protection of Trade Dress. Disponível em: http://www.ivanhoffman.com/tradedress.html. Acessado em: 16.05.2009. 8. 1. Força da marca do estabelecimento; 2. Co-relação entre os bens; 3. Similaridade das marcas; 4. Evidências de real confusão; 5. Canais de marketing utilizados; 6. Provável grau de percepção do comprador; 7. Intenção do contrafator ao escolher a marca; e 8. Proximidade na expansão das linhas de produtos. [Tradução Livre]. Revista da ABPI – nº 121 – Nov/Dez 2012 7. defendant’s intent in selecting the mark; and 8. likelihood of expansion of the products lines.7 8 9 Ainda, segundo julgamento da Sexta Corte de Apelações dos E.U.A., o ponto de toque para o realce da “força da ‘marca’ do estabelecimento”, transparece da seguinte forma: Strength of a plaintiff’s trade dress depends upon the interplay of two elements, the uniqueness of the trade dress and the investment in imbuing a trade dress with secondary meaning.10 11 Desta pedra angular, extrai-se mais um conceito que será adrede investigado: secondary meaning ou significação secundária. Diferentemente do segundo uso médico, que foge à proteção patentária, a significação secundária, nos termos da doutrina daquele país, representa a capacidade distintiva do trade dress que deve ser tal a ponto de materializar verdadeiro amálgama entre estabelecimento e forma de apresentação, quase uma metonímia, linha que não deve jamais ser ultrapassada, sob pena da degenerescência. Um caso prático no qual se percebe nitidamente a transcendência do secondary meaning no trade dress é o da lanchonete fast food existente no Posto Namorado em Salvador (BA), onde as cores utilizadas, a disposição dos displays, dos ingredientes no balcão, o fardamento dos funcionários e a forma peculiar de se montar o sanduíche induzem o consumidor a crer que se trata de uma franqueada Subway, quando não é essa a verdade. Ora, quando a mera configuração do estabelecimento, destacada da sua marca ou de qualquer outro signo identificador registrável, tem o condão de induzir o convencimento da clientela no sentido de acreditar comprar em loja de determinada sociedade empresária, é de clareza solar a evidência da presença do conjunto-imagem tutelado pelo direito. 9. A expressão “marca” (“mark”) aí utilizada deve ser entendida lato sensu, como quaisquer elementos distintivos de determinado estabelecimento, produto ou serviço. 10. Apud. HOFFMAN, Ivan. The Protection of Trade Dress. Disponível em: http://www. ivanhoffman.com/tradedress.html. Acessado em: 16.05.2009. 11. A força do trade dress de um estabelecimento depende da conjugação de dois elementos, a unicidade do trade dress e o investimento efetuado para atribuir ao trade dress significação própria (secondary meaning). [Tradução Livre]. 47 O Trade Dress e a sua Aplicação no Brasil Assim, a formatação dos estabelecimentos e da arquitetura externa dos restaurantes da Pizza Hut, Hooter’s, RoadHouse Grill e Outback Steakhouse, p. ex., mesmo quando ausentes os letreiros, são capazes, a parte de outros elementos visuais, de identificar aquilo que representam, a qualidade indissociável dos seus franqueadores. Isso é que é, em realidade, o secondary meaning adquirido pelo trade dress. Cotejando, destarte, os argumentos então expendidos com o julgado da Sexta Corte de Apelação susomencionado, tem-se que tal “significação” adere ao conjunto-imagem de determinado empreendimento em virtude da força da sua marca, erigida com altíssimos custos financeiros e criativos, necessários para dotá-lo de unicidade. Sob a ótica, então, da teoria do Law and Economics, ensinada pela Escola de Chicago, tais gastos devem ser privilegiados em detrimento da “sagacidade” alheia, especialmente a do contrafator. E tal postulado não deriva de meras ilações, mas de análises econômicas sérias, sobretudo quando se tem em vista a inexorável consequência da não-proteção ao trade dress: a retração dos investimentos em criação e imagem; afinal a conservação e o crescimento do market share de determinada sociedade empresária é, como já dito em trecho supra, resultado exclusivo da porção de distintividade que o seu produto ou serviço conseguiu galgar em meio a concorrência, devendo gravitar, ainda, em uma atmosfera de confiança por parte dos consumidores, capaz de fazê-los preferir tais produtos ou serviços a outros, bem como de identificá-los em uma prateleira ou stand, em meio a tantos concorrentes, sem precisar deter-se por parcela significativa de tempo. O feixe de fatores, portanto, que deve transparecer para que se configure a ofensa ao conjunto-imagem de determinado de empresário, acentuadamente o que avalia o provável grau de percepção do consumidor, encerram o silogismo condutor do tema, que envereda, nitidamente, pela teoria dos atos de confusão como meio apto a estabelecer a co-relação dano-proteção. Segundo precioso vaticínio de Paulo Luiz Durigan, ocorre confusão quando: 12. DURIGAN, Paulo Luiz. Publicidade Comparativa: Informação Persuasiva e Concorrência. Disponível em: http://www.comparativa.com.br. Acessado em: 16.05.2009. 48 a) a anterioridade do bem objeto da confusão; b) existência de semelhança entre a nova produção e a anterior; c) é constatada através do ponto de vista do consumidor; d) elementos: nome empresarial, título do estabelecimento, insígnia, marca, disposição externa ou arquitetônica do estabelecimento, catálogos, circulares, prospectos, listas de preços, cartazes, rótulos de mercadorias, embalagens, recipientes e envoltórios, que não sejam de domínio público, e a própria publicidade; e) interferem na avaliação da existência, ou não, da confusão, o ramo de atividade dos concorrentes e o alcance territorial da clientela. Quanto ao ramo da atividade pressupõe-se que devam estar os concorrentes na mesma categoria de empreendimento. Em relação ao território a questão é variável de acordo com a notoriedade do signo distintivo e se a clientela é local, regional, nacional ou internacional; f) a absorção indevida de componentes de aviamento do concorrente, de modo integral ou em caráter substancial; g) exista suscetibilidade de estabelecer-se confusão entre os estabelecimentos, ou entre os produtos; h) a ação ou o expediente, ou o seu resultado, sejam idôneos para a desorientação dos consumidores.12 De se notar, portanto, que a confusão ocorrerá sempre que uma sociedade empresária, se apropriando de criação imagética de outrem, lograr êxito em captar a sua clientela, em ato frontalmente contrário às disposições de proteção contra a concorrência desleal, ensejando, via de consequência, óbvio acinte ao trade dress. Na dicção de Fábio Ulhoa Coelho, a diferenciação entre a concorrência leal e a desleal assim se verifica: São os meios empregados para a realização dessa finalidade [prejudicar os concorrentes] que as distinguem. Há meios idôneos e meios inidôneos de ganhar consumidores, em detrimento dos concorrentes. Será, assim, pela análise dos recursos utilizados pelo empresário, que se poderá identificar a deslealdade competitiva.13 A emulação, alhures, do conjunto-imagem de outrem, nesse prisma, é meio inidôneo de captação de clientela, pois adentra o aviamento de terceiro para enganar o consumidor, levando-o a crer que está 13. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. v.1. ed.12. São Paulo: Saraiva, 2008. p.191. Revista da ABPI – nº 121 – Nov/Dez 2012 O Trade Dress e a sua Aplicação no Brasil adquirindo, p. ex., o produto x, quando se trata, em verdade, do y, apresentado ao público em geral com a mesma “vestimenta” (formatação da embalagem, combinação de cores no rótulo, etc.) daquele. Assim, na preciosa lição de Cecília Manara: A proteção do trade dress ou “conjunto-imagem” é ainda considerada indefinida em nossa legislação, haja vista inexistir previsão específica na Lei de Propriedade Industrial (Lei n° 9.279/1996) e nas demais legislações atinentes à proteção de direitos intelectuais. Em nosso ordenamento jurídico, está prevista a proteção de apenas algumas partes da mencionada “aparência visual”, a qual se efetiva por meio do registro de marcas, desenhos industriais, patentes de modelo, direitos autorais, entre outros. Nosso sistema não reconhece a proteção exclusiva do trade dress ou “conjunto-imagem” integral, com todos os seus elementos característicos.14 Concessa maxima venia, entendemos que o sistema brasileiro confere, sim, proteção total ao conjunto-imagem, deixando, apenas, de consigná-la em legislação específica. A bem da verdade, e repisando as altercações supra, acreditamos que a legislação nacional está apta a conceder tutela integral ao trade dress, necessitando, entretanto, que lhe seja aplicada, apenas, a hermenêutica sistemática, através da conjunção de uma série de postulados normativos para configuração de tal proteção. Com efeito, a própria autora citada15 retorna ao tema para asseverar que, no campo do direito concorrencial, peculiarmente na prevenção à captação fraudulenta de clientela, há subterfúgios que permitem proteger o conjunto-imagem, como vimos afirmando ao longo deste tópico. Para João da Gama Cerqueira: Na base das leis particulares da propriedade industrial, a que acima aludimos, encontra-se o princípio ético da repressão da concorrência desleal comum a toda matéria. É nesse princípio que informa aquelas leis que são, no fundo, leis contra a concorrência desleal, no campo do comércio e da indústria, como, em outra esfera, as leis do mesmo caráter que protegem a propriedade literária e artística.16 14. Op. Cit. p.10. 15. Op. Cit. p.11. 16. Apud. MANARA, Cecília. Op. Cit. p.11-12. Revista da ABPI – nº 121 – Nov/Dez 2012 A proteção ao trade dress, analisada sob esse viés ora descortinado, revela-se, destarte, instituto jurídico de grandeza constitucional, com fulcro nos artigos 1°, IV (livre iniciativa), 5°, XXIX (direitos intelectuais), e 170, IV (liberdade de concorrência), todos da Magna Charta Republicana de 1988. Insta, outrossim, frisar que a violação ao conjunto-imagem vergasta não só os direitos de exploração exclusiva da sociedade empresária detentora, mas, também, os direitos dos consumidores. Ora, a legislação consumerista consagra a vedação aos atos de concorrência desleal (art. 4°, VI, do CDC) e à publicidade enganosa, precipuamente aquela baseada na indução a erro (arts. 6°, IV, e 37, §1°, ambos do CDC), alicerçada no simples fato de que a imagem de um estabelecimento, produto ou serviço é construída em cima da sua reputação, calcada na sua boa qualidade, de modo que o seu desvirtuamento, ou a sua usurpação por um concorrente, irá, forçosamente, levar o consumidor a adquirir um produto ou serviço diverso daquele em cuja qualidade confia. Assim, perfeitamente possível pleitear-se, junto ao Judiciário, a penalização do contrafator pela imitação do trade dress de determinado estabelecimento, produto ou serviço, bem como a tutela específica consistente na obrigação de não fazer, qual seja a de abster-se de utilizar o conjunto-imagem alheio. Senão, veja-se no próximo tópico os leading cases brasileiros. 3. O trade dress no Brasil Conforme retromencionado, o trade dress ou conjunto-imagem teve seu início nos Estados Unidos da América através de uma construção doutrinária e jurisprudencial com a finalidade de coibir a concorrência desleal visando proteger não só a empresa, mas também o consumidor. Vale destacar a afirmação de Cecília Manara17 de que “a livre concorrência deve ser praticada sempre respeitando os limites impostos pela livre iniciativa e pelas práticas leais da concorrência”. 17. ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva e MORAES, Rodrigo. Propriedade Intelectual em Perspectiva. São Paulo: Ed. Lumen Juris, 2008, p. 13. 49 O Trade Dress e a sua Aplicação no Brasil O direito brasileiro não regula o trade dress mas existem medidas judiciais que permitem uma proteção do instituto ao aplicar a lei contra a concorrência desleal. Nesse passo, é extremamente recomendado registrar a marca ou desenho industrial, quando possível, pois nos casos em que o objeto é a ornamentação e a originalidade pode-se utilizar o registro como fundamentação para a proteção.18 O primeiro caso de trade dress no Brasil, segundo Laurie Sheen Young,19 foi o da empresa Zippo Manufacturing Co, fabricante de isqueiros. O INPI recusou o registro do Zippo Lighter pois o tema ainda não era protegido por lei, mas com o advento da LPI, através do seu artigo 122, a marca tridimensional passou a ser protegida. Com a vigência da nova lei, a empresa afirmou que sem o registro, o isqueiro perderia seu caráter distintivo, levando o INPI a aceitar e garantir o registro. Os dois casos de maior repercussão acerca do trade dress no Brasil são:20 a) Calypso Bay Arrendamento de Marcas Patentes Ltda. (Mr. Cat) contra a Vipi Modas Ltda e Calçados Pina Ltda. (Mr. Foot); b) Spoleto Franchising Ltda. (Spoleto) e Gepeto Pizzaria Ltda. (Gepetto) contra Gptto Comércio Ltda. (Julietto) 3.1. Mr. Cat x Mr. Foot21 O caso conhecido como “Mr. Cat x Mr. Foot” transitou no estado de Goiás perante a 4ª Vara Cível de Goiânia sob o n° 1101/97. Ocorre que o caso na verdade não se tratou de uma disputa entre as duas marcas, mas da empresa Vipi Modas Ltda, que possuía a licença da Calçados Pina Ltda. para utilizar a marca “Mr. Foot”, e da Calypso Bay Arrendamento de Marcas Patentes Ltda. detentora da marca “Mr. Cat”, mas devido à marca ser da Calçados Pina Ltda., a mesma foi incluída na lide. Vale reproduzir um trecho da sentença citado por Denis Borges Barbosa na sua tese de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro:22 (...) O punctum saliens da questão gira em torno do fato das rés estarem fabricando e comercializando peças de vestuário e calçados sob marca similar às que autora fabrica e vende, sem sua autorização, além de conferir aos seus estabelecimentos aparência interna e externa muito semelhante à criada pela autora, além de adotar como marca a expressão MR. FOOT que é bem parecida com a marca da autora MR. CAT, gerando confusão nos consumidores, situação que configura concorrência desleal e desvio de clientela. (...) Destarte em havendo semelhança tal, ao ponto das rés levarem à confusão alguns consumidores, ao ponto da marca “Mr. Foot” ser tida 18. AMARAL, Elisabeth Siemsen do. Trade Dress Protection in Brazil. Disponível em: http://www.dannemann.com.br/site.cfm?app=show&dsp=esi3&pos=5.1&lng=pt. Acesso em 04 de abril de 2009. 19. YOUNG, Laurie Sheen. Trade Dress Law: A Study of Selected Countries. p. 14. Disponível em: http://www.wmitchell.edu/intellectual-property/research-series/files/ Trade%20Dress%20Law.pdf. Acesso em 04 de abril de 2009. 20. AMARAL, Elisabeth Siemsen do. Two Brazilian Decisions Involving Trade Dress. Disponível em: http://www.dannemann.com.br/site.cfm?app=show&dsp=esi4&pos= 5.1&lng=en. Acesso em 04 de abril de 2009. 50 com ao marca “Mr. Cat”, torna-se irrefragável a imitação em detrimento da autora, suscetível, mesmo, de coibição e a ensejadora de reparação indenizatória pelos prejuízos comerciais advindos. Assim, no que tange à imitação, imperioso consignar o seu conceito à luz do entendimento de JOSÉ CARLOS TINOCO SOARES, em sua obra intitulada Lei de Patentes, Marcas e Direitos Conexos. Pág. 201 Editora Revista dos Tribunais. Di-lo: “A imitação consiste no artifício empregado na composição de uma marca, cuja finalidade é iludir a justiça e o consumidor desatento...” Evidente que, uma vez imitada uma marca, obviamente gerará confusão sobre a qual se está contraindo, induzindo o consumidor a adquirir uma mercadoria pensando ser outra, em típica atitude de concorrência desleal. Neste tópico, esclareceu o experto que “... A loja ‘mister’ que estiver mais próxima do cliente é a loja que vai vender, porque os produtos são muito parecidos. Ao entrar numa dessas lojas o cliente somente saberá em qual delas está, se prestar bastante atenção, verá que os vendedores das lojas Mr. Cat usam aventais azuis. Ou se observarem atentamente o nome das lojas em suas fachadas, que são extremamente parecidas”. (fl. 246). Assim, o trabalho pericial concluiu que, em face da grande semelhança que as marcas em comento guardam entre si, confunde os consumidores, que, desatentos, adquirirão, por certo, mercadorias vendidas pelas rés, quando, na verdade, quereriam adquirir as mercadorias comercializadas pela autora, causando-lhe, assim, flagrante prejuízo. O magistrado entendeu que a Vipi Modas Ltda. utilizou a mesma formatação da loja da “Mr. Cat” bem como sua disposição dos calçados e embalagens, o que levou a caracterizar a concorrência desleal, mesmo sendo as marcas consideradas distintas. Desta maneira, segue abaixo o trecho final da sentença:23 Assim, do complexo probatório, tenho que as principais características das lojas Mr. Cat foram reproduzidas e imitadas pelas lojas Mr. Foot, deflagrando intuito desleal de obter desvio de clientela decorrente da associação equivocada por parte dos consumidores. Ao teor do exposto, sopesando as provas coligidas e tudo o que mais dos autos consta, considerando que os fundamentos expostos mostram-se suscetíveis de amparar a pretensão deduzida em juízo, julgo procedente o pedido constante na exordial e determino que as rés se abstenham das práticas que se assemelham às características comerciais, devendo, por conseguinte, em prazo de trinta (30) dias, alterar a decoração externa e interna das suas lojas, de modo a terem características próprias e que não se assemelhem ou confundam com aquelas utilizadas pela autora, sob pena de pagar multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), por desobediência ou transgressão à ordem judicial. De consectário, 21. Idem. 22. BARBOSA, Denis Borges. O fator semiológico na construção do signo marcário. Disponível em: http://denisbarbosa.addr.com/tesetoda.pdf. p. 29-30. Acesso em: 04 de abril de 2009. 23. Trecho utilizado pelo magistrado Adalberto de Oliveira Melo na sentença do caso Spoleto x Julietto. Revista da ABPI – nº 121 – Nov/Dez 2012 O Trade Dress e a sua Aplicação no Brasil por pertinente e comportável, condeno as rés, solidariamente, no pagamento de indenização por perdas e danos pelos prejuízos causados à autora, cujo montante deverá ser apurado, oportunamente, em liquidação de sentença por arbitramento. 3.2. Spoleto x Julietto O caso conhecido como “Spoleto x Julietto” trata-se na verdade da Ação de Procedimento Ordinário n° 001.2002.030612-2 ajuizada por Spoleto Franchising Ltda. e Gepeto Pizzaria Ltda. em desfavor da Gptto Comércio Ltda. na 18ª Vara Cível da Capital no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.24 A ação trata de dois pontos, um para cada autora: I) utilização da marca GPTTO; II) violação do trade dress da rede de fast food Spoleto. I) O artigo 129 da Lei n° 9.279/1996 dispõe que “a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular o seu uso exclusivo em todo o território nacional, observando quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos artigos 147 e 148”, o que levou uma das autoras a ingressar com a ação em comento. A empresa Gepeto Pizzaria Ltda., sediada no Rio de Janeiro, é detentora da marca GEPETTO, logo, possui o direito exclusivo de utilizar a marca em todo o território nacional. Ocorre que a autora supramencionada teve o conhecimento de que um restaurante em Recife utilizava o termo fonéticamente semelhante, GPTTO, em seu nome comercial, Gptto Comércio Ltda., e também como nome de fantasia de suas três lojas em Recife. Desta maneira, ajuizou a ação no intuito de coibir a utilização ou imitação de sua marca. II) A outra autora, Spoleto Franchising Ltda., ajuizou a ação contra a Gptto Comércio Ltda. pois esta violou o seu trade dress “(a) na forma de disposição dos balcões; (b) na localização do cozinheiro que, bem a frente do cliente prepara as massas na 24. Para que se tenha um melhor conhecimento do caso é de grande importância ler a sentença do magistrado Adalberto de Oliveira Melo, pois o mesmo teve o cuidado de redigir um relatório completo do processo. Para acessar digite o número da ação, 001.2002.0306122, no site do Tribunal de Justiça de Pernambuco: http://www.tjpe.jus.br. Revista da ABPI – nº 121 – Nov/Dez 2012 mesma hora, condimentando os pratos de acordo com o pedido; (c) no método de trabalho pioneiro – um fast food de massas – e na forma de atendimento ao cliente; (d) na disposição do fogão, geladeiras, mesas, cadeiras e outros utensílios; (e) na organização funcional do estabelecimento; (f) na variedade de tipos de massas, molhos e acompanhamentos, bem como na disponibilização selfservice de ‘torradinhas’ e outros condimentos... que no caso dos autos, existem, ainda, uma série de características qualificadas que concorrem para a disseminação de confusão no mercado e captação indevida da clientela das autoras, tais como a identidade dos produtos e serviços, do público-alvo e da faixa de preço dos produtos e serviços disponibilizados tanto pela ré quanto pelas autoras”.25 Durante a ação, após determinação judicial a Gptto Comércio Ltda. modificou seu nome para Julietto Comércio Ltda. e seu nome de fantasia para JULIETTO, daí vem o motivo do caso ser conhecido por “SPOLETO x JULIETTO”. A determinação do magistrado, como narrado na sentença, foi a seguinte:26 Para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinei, liminarmente, a intimação da ré para que cessasse as práticas de violação de marca registrada e de atos de concorrência desleal, abstendo-se de utilizar quaisquer marcas similar à marca “GEPETTO” ou qualquer configuração ou estruturação similar à aparência dos estabelecimentos das autoras, nos termos do artigo 209, da Lei n° 7.279/1996, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para o caso de transgressão do preceito, conforme determina o artigo 287, do Código de Processo Civil, sem prejuízo da apreensão de todas as mercadorias, produtos, objetos, embalagens, etiquetas e outros que contivessem a marca falsificada ou imitada, de acordo com o disposto no artigo 209, parágrafo 2°, da Lei n° 9.279/1996, nos termos do despacho exarado em data de 10 de outubro de 1992 (fls. 72 a 74). A autora modificou seu nome comercial e o nome da fantasia mas continuou imitando o trade dress da Spoleto Franchising Ltda. 25. Trecho retirado da sentença supramencionada. 26. Idem. 51 O Trade Dress e a sua Aplicação no Brasil como citado no laudo pericial emitido pela Drª Ana Luiza de Barros Costa Rego:27 8) Há uma concorrência bastante acirrada entre os estabelecimentos da primeira autora e da ré, já que ambos atuam no mesmo segmento de mercado e possuem características de suas estruturas interna e externa, no conjunto, bastante semelhantes, o que pode gerar desvio de cliente. Trata-se, portanto, de concorrência desleal. 9) A semelhança pode fazer com que os clientes se confundam, o que acarretaria um desvio de clientela. 10) A disposição do balcão, a marcação de comanda, localização do caixa, a visualização de alguns produtos, podem ser amplamente utilizados por diversos restaurantes dos shoppings. Entretanto, todos esses elementos combinados, com a interatividade no preparo da comida do cliente com o cozinheiro, consistem em um diferencial, adotado pelos restaurantes da primeira autora e reproduzidos pela ré. O caso é interessante pois foi um dos primeiros no Brasil a aplicar o conceito do trade dress ou conjunto-imagem. Para que tenha um melhor entendimento da decisão do magistrado, é de grande valia reproduzir o trecho final da sentença:28 Ante o exposto, julgo, por sentença, procedente o pedido inicial em todos os seus termos e, com fundamento nos artigos 5°, incisos XXIX e XXXII, e 170, inciso V, da Constituição Federal, nos artigos 2°, inciso V, 129, 130, inciso III, 189, inciso I, 195, incisos III e IV, 208, 209 e 210 da Lei n° 9.276/1996 (Lei de Propriedade Industrial), no artigo 159 do Código Civil, nos artigos 1° e 4°, inciso VI da Lei n 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e no artigo 33 da Lei n° 8.934/1994 (Registros Públicos), condeno a ré à obrigação de cessar definitivamente as práticas de violação de marca registrada e de atos de concorrência desleal, abstendo-se, assim, de utilizar qualquer marca similar à marca “GEPETTO” ou qualquer configuração ou estruturação similar à aparência dos estabelecimentos das autoras, nos termos do citado artigo 209 da Lei n° 9.279/1996, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para o caso de transgressão do preceito, conforme determina o artigo 287, do Código de Processo Civil. Condeno, ainda, a ré à obrigação de se abster de comercializar ou realizar atividade que possa, de qualquer maneira, dar a impressão ao público de que o estabelecimento da ré seria, de qualquer modo, licenciado ou filiado às autoras. Condeno, outrossim, a ré a pagar às autoras uma indenização pelo uso indevido de marca registrada e por atos de concorrência desleal, incluindo as perdas e danos e os lucros cessantes, cujo “quantum” deverá ser apurado em liquidação de sentença, segundo os critérios estabelecidos nos artigos 208, 209 e 210, inciso II, da Lei n° 9.279/1996. Condeno, finalmente, a ré, ao pagamento das custas e honorários, nos termos do artigo 20, do Código de Processo Civil, em valor equivalente a 20% sobre o montante da condenação, incluindo o valor da indenização que será apurado em liquidação de sentença. Considerando que as despesas efetuadas pela ré, não modificaram o visual de suas lojas, subsistindo as práticas de violação de marca registrada e de atos de concorrência desleal, a incidência da multa terá 27. Idem. 28. Idem. 52 como termo inicial o 1° dia útil seguinte ao prazo que lhe foi concedido para promover as modificações necessárias. P. I. e Registre-se. Recife, 12 de abril de 2004. Adalberto de Oliveira Melo, Juiz de Direito 4. Exemplos na jurisprudência brasileira29 Por fim, para melhor ilustrar a maneira pela qual a matéria aqui abordada vem sendo enfrentada no Brasil, convém colacionar, exemplificativamente, alguns julgados proferidos nos mais diversos tribunais pátrios: Atividade de frachising. Alegação de sociedade que explora atividade de franchising (Spoleto), no sentido de que a empresa-ré se utiliza dos elementos característicos dos estabelecimentos e do estilo personalizado que desenvolveu, em violação aos direitos da concorrência, Pretensão de indenização e de abstenção de utilização do conjunto-imagem desenvolvida pelo autor. Preliminar de cerceamento de defesa. Inocorrência. Manutenção da sentença que julgou improcedente o pedido calcado em escorreito laudo pericial trade dress. Apropriação do conjunto-imagem e concorrência desleal. Não caracterização. Marcas distintas e impacto visual completamente diferente das empresas autora e ré. (Apelação Cível n° 2005.001.29186, 7ª Câmara Cível do TJRJ, Rel. Helda Lima Meireles. j. 04.10.2005). Direito empresarial. Marca. Ação de reparação de danos pelo uso indevido de marca. Alegação de violação ao trade dress em razão do fabrico e comercialização do cigarro universal, ferindo os direitos da concorrência. Pretensão de indenização e de abstenção de utilização do conjuntoimagem desenvolvida pelo autor manutenção da sentença que julgou procedente o pedido calcado em escorreita configuração de trade dress. Apropriação do conjunto-imagem e concorrência desleal. Caracterização. Impacto visual quase idêntico e capaz de confundir o consumidor. Redução dos danos morais e exclusão da multa, em razão dos termos da liminar deferida. O dano moral deve se aproximar de uma compensação capaz de amenizar o constrangimento experimentado. Deve, portanto, ser fixado levando-se em conta a gravidade do fato, suas consequências, condição social da vítima e infrator, além de incorporar o caráter reparatório, punitivo e pedagógico. Redução do valor da condenação para que não configure enriquecimento sem causa. Provimento parcial do recurso. (Apelação Cível n° 2008.001.49286, 12ª Câmara Cível do TJRJ, Rel. Lucia Miguel S. Lima. j. 27.01.2009). Concorrência desleal. Configuração pela imitação do trade dress da apelada (art 195, inciso IV da Lei n° 9.279/1996). Cerceamento de defesa inocorrente. Indenização devida. Impossibilidade de cumprimento da obrigação de não fazer. Despejo acarretou a paralisação da atividade. Recurso provido em parte para se excluir da condenação à obrigação de não fazer e a multa dela decorrente. (Apelação Cível n° 5829234200, 3ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Rel. Beretta da Silveira. j. 16.09.2008). 29. Algumas jurisprudências foram, diferentemente das originais formatadas para facilitar a leitura. Revista da ABPI – nº 121 – Nov/Dez 2012 O Trade Dress e a sua Aplicação no Brasil Agravo de instrumento. Antecipação de tutela. Proibição de utilização de embalagens que, por suas características, verdadeira imitação do chamado trade dress, perceptível icto-oculi, é capaz de trazer prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação à agravante. Possibilidade. Recurso provido. (Agravo de Instrumento n° 4980794200, 3ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Rel. Beretta da Silveira. j. 16.09.2008) em relação às cores, o formato, o tamanho do frasco e a embalagem, objetivando angariar clientes da marca imitada, induz o consumidor em geral a erro, dúvida e confusão. A pretensão do autor de se ver indenizado por danos materiais e lucros cessantes não comprovados, há de ser indeferida. (Apelação Cível n° 1.0145.05.222124-2/003; 16ª Câmara Cível do TJMG; Rel. José Amancio; j. 08.08.07) Propriedade intelectual. Trade dress. Cópia servil do conjunto-imagem por parte da agravante. Decisão agravada que determina a busca e apreensão de produtos, além da abstenção de venda e estocagem. Agravo que altera a verdade dos fatos e induz o Tribunal a erro. Liminar concedida pelo MM. Juízo a quo que deve ser restabelecida. Agravo não provido, com imposição de multa por litigância de má-fé. (Agravo de Instrumento n° 5033024000, 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Rel. José Carlos Ferreira Alves. j. 27.07.2007) Agravo de instrumento. Reconvenção em ação declaratória com pedido de tutela antecipatória. Produtos alimentícios e identidade mercadológica. Livre concorrência e livre iniciativa econômica. Interesses/direitos difusos consumeristas. Ausência dos pressupostos à tutela antecipatória para fins de impedimento à utilização de conjunto-imagem. O litígio acerca da similaridade entre conjuntos-imagens de produtos alimentícios não justifica a litisregulação enquanto inexistente qualquer elemento que confira embasamento à intromissão judicial na livre concorrência e na livre iniciativa econômica, mormente quando a hipótese revela que a controvérsia aloja-se ainda no plano da estrita estratégia de consolidação de identidade mercadológica dos referidos produtos. Reconhecimento da consolidação doutrinária e jurisprudencial da tutela inibitória (aplicável, precipuamente, em casos de concorrência), uma vez relacionado com o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva. Entretanto, in casu, mostram-se ausentes os pressupostos da aludida tutela, na modalidade antecipada. Inexistência de justificativa para ingerência judicial, em sede de cognição sumária, no sentido de impedir a utilização, por uma das empresas litigantes, do conjunto-imagem de produto alimentício, tendo como base apenas a suscitada similaridade. (Agravo de instrumento n° 70024007635; 12ª Câmara Cível do TJRS; Rel. Judith dos Santos Mottecy; j. 05.06.08) Agravo de instrumento. Ação de Procedimento Ordinário com Pedidos de Indenização e Tutela Inibitória. Imitação de Trade Dress de Embalagens de Produtos Alimentícios. Pretensão a Substituição do Perito, por Insuficiência técnica. Trabalhos já iniciados. Hipótese em que melhor manter a decisão recorrida, até mesmo porque “o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos (CPC, art. 436), inclusive através do exame de pareceres dos assistentes técnicos. Recurso Improvido. (Agravo de Instrumento n° 5080214400, 3ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Rel. Egidio Giacoia. j. 17.12.2007) Marcas e patentes. Utilização indevida pela ré, de conjunto-imagem desenvolvido pela autora. Concorrência desleal. Ocorrência evidente. Replicação, pela ré do conjunto dos desenhos industriais produzidos pela autora. Procedência do pedido de abstenção da prática. Sentença mantida. Recurso improvido. Indenização. Responsabilidade civil danos consectários da reprodução indevida de desenho industrial. Desnecessidade da produção de prova do prejuízo. Lesão ínsita à própria prática. Mensuração dos danos. Entretanto, a ter lugar em sede de liquidação. Sentença mantida. Recurso improvido. (Apelação Cível n° 5940034/7-00, 6ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Rel. Vito Guglielmi. j. 02.10.2008) Marcas distintas. Conjunto-imagem dos produtos. Semelhança. Concorrência desleal. Laudo pericial. Confirmação. Danos materiais e lucros cessantes. Ausência de provas. Improcedência. O conjunto-imagem de produtos de marcas distintas com características muito semelhantes Revista da ABPI – nº 121 – Nov/Dez 2012 Propriedade industrial. Marca figurativa. Trade dress. Uso comum. Distintividade. Ausência. 1. Para que o sinal seja irregistrável, nos termos do art. 124, VI, da LPI, é preciso que o mesmo tenha caráter necessário (essencial, indispensável), comum (habitual, normal, usual, geral) ou vulgar (comum, ordinário, trivial, usual), sendo necessário também que o sinal tenha relação com o produto ou serviço a distinguir. O próprio dispositivo ressalva que o sinal será registrável, caso esteja revestido de suficiente forma distintiva. Tal vedação objetiva impedir o monopólio, bem como a concorrência desleal, eis que a utilização de uma marca com essas características implicaria em que empresas concorrentes, ao difundirem seus produtos, também o estivessem fazendo em relação ao produto privilegiado, o que, outrossim, poderia causar confusão no público consumidor. 53 O Trade Dress e a sua Aplicação no Brasil 3. O signo sobre o qual se controverte nos presentes autos é composto a partir do contorno de um recipiente do tipo lata, contendo em sua extremidade superior uma faixa em azul escuro, não havendo qualquer vinculação imediata entre a denominada “blue band” e o segmento mercadológico de tintas. Contudo, há várias empresas que se utilizam do mesmo design na confecção de seu recipientes ou embalagens, o que afasta a necessária distintividade capaz de dar azo a um registro marcário, cujo objetivo primordial é conferir exclusividade ao seu titular. 4. Certos segmentos mercadológicos ostentam características e elementos visuais similares e, até mesmo, idênticos, resultantes da tendência de mercado aplicada para a caracterização visual deste tipo de produto, situação que se coaduna com a hipótese em tela. Nesse caso, não há que se falar em exclusividade de uso dessas características, isoladamente, tendo em vista que seu uso é generalizado, retirando a característica de distintividade inerente à proteção ao trade dress. 5. Apelações improvidas. (Apelação Cível n° 2002.51.01.025650-2; 2ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região; Rel. Liliane Roriz; j. 27.05.08) 5. Considerações finais A Lei de Propriedade Industrial restringe a sua proteção às marcas, invenções, modelos de utilidade e desenhos industriais, nada dispondo a respeito do instituto do trade dress ou conjunto-imagem. Aliás, inexiste no Brasil qualquer dispositivo legal que discipline, especificamente, a “roupagem ou maneira particular de alguma coisa se apresentar ao mercado consumidor ou diante dos usuários com habitualidade”.30 Todavia, como visto no decorrer desse trabalho, o sistema jurídico brasileiro fornece aos seus aplicadores todos os instrumentos necessários à proteção ao trade dress, a par da inexistência de regras positivadas que se destinem a essa finalidade. Com efeito, a interpretação sistemática de normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção à concorrência, tais como os artigos 1°, IV (livre iniciativa), 5°, XXIX (direitos intelectuais), e 170, IV (liberdade de concorrência), Constituição Federal de 1988, bem assim os arts. 4°, VI, 6°, IV, e 37, §1° do Código de Defesa do Consumidor, além de outras regras esparsas que repelem a concorrência desleal, permitem concluir que, embora não haja um registro específico do conjunto-imagem, ampla proteção é garantida ao seu verdadeiro criador/titular. Nesse contexto, tal como ocorreu nos leadings cases mencionados no decorrer desse trabalho (“Mr. Cat x Mr. Foot” e “Spoletto x Julietto”), os diversos tribunais do País vêm fazendo cessar as práticas desleais de empresários oportunistas que se apoderam, indevidamente, do conjunto-imagem de concorrentes já consagrados, no desiderato de provocar confusão no mercado consumidor, captando clientela que não lhe pertence. Seguindo a inevitável tendência apontada nos casos de referência acima apontados, a jurisprudência brasileira vem se consolidando no sentido de conferir proteção ao trade dress, apoiando-se na legislação geral de proteção à concorrência, aplicada e interpretada sistematicamente à luz da hermenêutica constitucional moderna, para penalizar o contrafator, além de impingir-lhe a obrigação de abster-se de utilizar o trade dress alheio, sob pena de multa. Referências bibliográficas AMARAL, Elisabeth Siemsen do. Trade Dress Protection in Brazil. Disponível em: http://www.dannemann.com.br/site.cfm?app=show &dsp=esi3&pos=5.1&lng=pt. Acesso em 04 de abril de 2009. AMARAL, Elisabeth Siemsen do. Two Brazilian Decisions Involving Trade dress. Disponível em: http://www.dannemann.com.br/site.cf m?app=show&dsp=esi4&pos=5.1&lng=en. Acesso em 04 de abril de 2009. BARBOSA, Denis Borges. O fator semiológico na construção do signo marcário. Disponível em: http://denisbarbosa.addr.com/tesetoda.pdf. 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