FACULDADE SETE DE SETEMBRO
INICIAÇÃO CIENTÍFICA
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM
PUBLICIDADE E PROPAGANDA
ALUNA: MARAYSA SUELLEN ANGELIM DE CARVALHO
ORIENTADOR: PROF. DR. TIAGO SEIXAS THEMUDO
A POLÍTICA PUBLICITÁRIA DO ÍNDIO NO
BRASIL
MAIO DE 2006
Introdução e objetivos
Maraysa Suellen
A política publicitária do índio no Brasil
A imagem que a maioria das pessoas tem dos índios é uma imagem distorcida, que não
condiz com a realidade. Não raro, dizem nas mídias que os índios são preguiçosos, que não
gostam de trabalhar. Afirmam que o legítimo índio é aquele que anda nu, vive na selva, isolado,
com arcos e flechas a tiracolo. As políticas públicas fazem muito pouco, ou nada, para elevar a
imagem do índio ao patamar em que deveria estar – de respeito, orgulho, apoio.
A FUNAI é a principal responsável pelo descaso a que muitos índios estão submetidos.
Um exemplo disso foi a contestação que o Órgão fez à pesquisa publicada pelo IBGE apontando
um crescimento da população indígena de 149,6% no período de 1991 a 2000. Para o
indigenista Francisco Potiguara, que trabalha na Fundação Nacional do Índio, esse número é
muito maior do que o real, é inacreditável. Mas, pergunto: um crescimento de 734 mil índios,
em um largo período de nove anos, pode ser considerado “muito”, levando-se em consideração
que existem várias tribos espalhadas pelo país, com terras demarcadas ou não, vivendo em
condições de risco iminente ou não? De maneira alguma, aliás, para alguns estudiosos, esse
aumento foi considerado relativamente baixo! Além disso, ainda há algumas aldeias isoladas no
interior do país, intocadas, que não chegaram a ser atingidas pela pesquisa, e outros índios
chamados de ‘urbanos’ que, por vergonha ou outro motivo qualquer, não se declararam como
índios. Ou seja, esse aumento divulgado pelo Censo de 2000 foi, de fato, inferior ao real, e não
superior, como defenderam alguns da FUNAI. Então, naturalmente, devemos nos perguntar:
qual a intenção desse Órgão, que se diz ‘protetor dos índios’, em contestar, em não aceitar esses
dados? Muitos interesses estão por trás dessa discussão toda. Primeiramente, a FUNAI prefere
trabalhar com esse conceito de “índio exótico”. Lidar com os índios isolados é bem mais fácil,
pois qualquer tribo que estiver bem organizada pode exigir do Estado seus direitos. A legislação
Brasileira tem leis que protegem o índio, mas que vão contra os interesses do próprio Estado.
Por exemplo, se uma tribo solicitar a demarcação de suas terras, o Estado tem a obrigação de
fazê-la, ao menos na teoria deveria ser assim. Contudo, supondo que naquelas terras haja
minérios, queira-se construir uma barragem ou algo do tipo, contornar essa situação será bem
mais complicado. Isso está bem nítido. Em segundo lugar está o acesso à saúde. Teoricamente,
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todos têm direito à saúde de qualidade. Não é o que se vê constantemente nos hospitais, com
filas imensas e pessoas agonizantes implorando por ajuda, mas os índios, amparados pela lei,
têm o direito de exigir maior assistência nas Instituições de saúde. Se já não existia esse
atendimento de qualidade com a quantidade de índios que se pensava ter, imagina com mais 734
mil! Para a FUNAI, é bem mais cômodo dizer que já não existem tantos índios assim, e que os
poucos que existem estão desaparecendo.
Nessa pesquisa elaborada pelo IBGE há outro aspecto importante a ser discutido, o fato
de um número maior de pessoas ter se declarado como indígenas. O Brasil é o único país da
América Latina que apresenta índios com vergonha de se afirmarem como tal. Isso não é de se
estranhar, afinal, com a imagem deles sendo retratada de maneira tão preconceituosa nas
novelas, nos filmes e programas televisivos, assumir que possuem essa identidade étnica dita
“inferior” às demais, chega a ser vergonhoso. Então, com essa pesquisa, descobriu-se que esse
quadro está mudando. Infelizmente, a FUNAI ainda não reconhece os índios urbanos. Mas, se
esses índios urbanos se afirmam assim, como ÍNDIOS verdadeiramente, isso deve ser respeitado
e, mais que isso, políticas de inserção deles, na sociedade como um todo, devem ser feitas. Se as
pessoas de pele negra são assim reconhecidas sem que se saiba se são do Congo ou Angola, por
que com os índios deve ser diferente? Não é porque eles usam roupas, possuem celulares e
assistem à televisão que deixam de ser índios. O contexto de toda a história de aculturamento
pelo qual passaram devido, principalmente, à região em que moravam, nunca é contado, não
interessa a ninguém. É mais simples dizer que eles não são índios porque são “impuros”, do que
lhes oferecer melhores condições de sobrevivência diante da selva predatória que é o convívio
com os “civilizados”. Os índios quase não têm acesso às universidades. Graças a alguns
programas de incentivo do Governo, eles têm demonstrado notável potencial para chegarem até
elas, mas ainda são minorias. O salário deles é absurdamente inferior aos demais e ainda
ocupam cargos de baixo nível, que muitos se negariam a ocupar.
Mas, como já foi dito, assim está cômodo para a FUNAI, que tenta, inutilmente,
esconder seu imenso interesse em ver todas as tribos dizimadas. Não é segredo para quem queira
saber que existem, nesse órgão público, muitos funcionários, inclusive os da alta categoria, que
têm pavor dos índios. Os consideram um verdadeiro atraso para o progresso tecnológico da
humanidade e, mesmo trabalhando em uma Fundação que se diz “do índio”, evitam ao máximo
o contato com eles. Afirmo isso porque, de fato, aconteceu na Bahia uma reivindicação dos
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índios Atikum e Tumbalalá por melhor atendimento de saúde que acarretou numa ocupação do
prédio da FUNASA em Juazeiro, no começo de junho do ano passado e, intencionalmente, esse
fato não foi divulgado na mídia, mas deixou bem claro que os agentes do Estado, de forma
geral, querem se ver livres dos “índios rebeldes”. De acordo com o artigo de Florêncio Vaz, “Os
índios e o Estado racista no Brasil”,
“Segundo o jornal A Tarde (29/06/2005), no dia 28 de junho, os índios atearam fogo num carro
da FUNASA dizendo que era resposta ao ‘descaso’ deste órgão e da FUNAI que não enviaram
ninguém para negociar com suas lideranças desde o começo da ocupação.
Sob a liderança da brava cacique Djanira da Silva, com suas lanças, arcos e flechas, os índios
apelaram pela primeira vez a este extremo para chamar a atenção do governo. Ela desabafa:
‘Estamos reivindicando nossos direitos, a FUNASA diz que não tem carro para transportar os
índios doentes da tribo para os hospitais e aqui no pátio tem quatro carros parados. Colocamos
fogo em um e se não nos derem atenção vamos queimar os outros também’. (...)
Depois de um mês de ocupação em Juazeiro, e mais de meio milênio de discriminação, os índios
estão cansados de esperar que apareça alguém que respeite sua dignidade. A guerreira Djanira
sintetiza: ‘é humilhação demais, só estamos lutando por direitos que são assegurados pela
legislação indígena brasileira. Temos a FUNAI e a FUNASA para darem assistência aos índios,
mas nada acontece’. (...).
A FUNASA diz que a parte de infra-estrutura reivindicada pelos índios depende da
homologação das terras, que está parada em Brasília, e a FUNAI não aparece para dar
explicações. E se aparecesse não resolveria nada em favor dos índios. No Pará, os Tembé, vendo
suas terras invadidas há anos pelos madeireiros e grileiros, ocuparam a sede da FUNAI em
meados de junho [de 2004], exigindo postos de vigilância e a retirada dos invasores. Os
servidores do órgão estavam em greve. Segundo o jornal O Liberal (16/06/05), apareceu no
local o “Procurador Federal Especializado no Atendimento Coletivo ao Índio”, Delon Carvalho,
dizendo que não poderia fazer muito, somente falar e bem pouco, enquanto não recebesse
manifestação da FUNAI. “Estamos aqui apenas cumprindo nossa função em nome da
Procuradoria”. Ou seja, sua função é não atender os índios e não poder fazer nada. E nenhum
outro técnico do órgão apareceu para receber as reivindicações dos índios. A FUNAI foi à
Justiça, e ganhou no fim do mês de junho, a reintegração de posse do prédio. Brigou para se ver
livre dos índios. Como classificar tal atitude?”.
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Então, ficou bem notável a indiferença, o desinteresse que esses órgãos demonstram
pelos índios. E muitas pessoas nem imaginam que isso está acontecendo. Outras, talvez, nem se
importassem mesmo, mas, certamente, se todos tivessem maior facilidade de acesso a essas
informações peculiares, grupos de apoio poderiam ser criados para ajudar de alguma maneira a
modificar esse quadro de evidente racismo. Entretanto, o que sabemos dos índios é sempre
bastante fragmentado. Comumente a televisão divulga nomes de etnias que, na realidade, nem
pertencem aos indígenas aos quais se quer denominar. As informações são manipuladas,
descontextualizadas, e, com isso, a imagem do índio vai se desfacelando cada vez mais. Mais
um exemplo deve ser dado para demonstrar a influência que a televisão exerce na formação de
opiniões e, até que ponto vai a falta de respeito dela para com as populações indígenas.
Recentemente, foi exibida na emissora de televisão Rede Globo a novela “A Lua me
disse” de Miguel Falabella. Nesta, havia uma personagem cômica que sequer possuía um nome,
era apenas “Índia”. Ela foi, durante a novela inteira, humilhada pelas madames e pelos demais
da trama. Uma serviçal analfabeta, que falava na terceira pessoa (“Índia quer, Índia gostar...”) o
tempo todo. Como se não bastasse, ainda soltava grunhidos animalescos e gemidos indecifráveis
para qualquer pessoa “civilizada”. Demonstrava ações instintivas, o que a aproximava ainda
mais da categoria ‘animal’, correndo atrás de homens, agindo como uma verdadeira ‘tarada’
(“Índia quer homem nu”). Além desse absurdo, era chamada de maneira ofensiva, pelos outros
personagens, de uma etnia a qual sequer pertencia (“sua Nambiquara!”). A princípio, pode-se
dizer que aquilo era apenas ficção, que não passava de uma ‘brincadeira’, de péssimo gosto,
diga-se de passagem. Entretanto, convenhamos, passou dos limites! Quem vai pagar pelos
danos morais às mulheres indígenas e à etnia dos Nambiquara (habitantes do Mato Grosso)?
Não dá para entender porque a Rede Globo insiste em manter essa imagem preconceituosa do
índio em suas novelas. Agora, indiscutivelmente, muita gente, ao passar por uma índia na rua,
vai associá-la com a imagem da Índia mostrada na novela. Sem contar que, para as pessoas de
baixa renda, que não têm condições de comprar jornais ou ter acesso à internet, a televisão é a
única fonte de informações. Então, não adianta, o estrago já está feito. E, mais surpreendente
ainda é saber que a Globo já está habituada a fazer isso. Na novela Uga Uga de Carlos
Lombardi, havia uma aldeia indígena que, corriqueiramente, era visitada por ‘homens brancos’,
por quem muitas índias esperavam ansiosas trajando roupas minúsculas ou, simplesmente,
trajando nada, prontas para desfrutarem dos prazeres do sexo selvagem. Será que os índios não
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se incomodam com isso? Claro que isso os incomoda, não há dúvidas. Inclusive, na época (ano
2000), muitos índios e a “Comissão Pós-Conferência Indígena, criada depois da Marcha e
Conferência Indígena de Coroa Vermelha (BA), enviaram uma carta de protesto à Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, repudiando as cenas que deturpavam e
estereotipavam as culturas indígenas. Conforme o documento, os indígenas são apresentados
como povos “sem capacidade, animais de atração de um circo usados para chamar a atenção dos
telespectadores daquela emissora”. Afirmavam ainda que “a novela abre caminho para os nãoíndios se relacionarem de forma preconceituosa com os povos indígenas”” (Trecho extraído do
artigo “O estrago que a “Índia” da Rede Globo faz”, de Francisco Florêncio Vaz).
É triste ver que tudo isso está tão evidente, é tão grave, mas as pessoas que deveriam se
importar, e que têm condições de fazer algo significativo, ficam simplesmente indiferentes. A
Rede Globo não mudou o rumo da novela “A Lua me disse”, a Índia continuou tendo hábitos
ridículos durante a trama. Nos capítulos finais, a personagem começou a se vingar de algumas
madames, mas aquilo já não era tão importante. A imagem deturpada que ficou na mente dos
brasileiros não será nada fácil apagar.
É importante que as pessoas saibam dos mecanismos implícitos de indução ao racismo,
ao mito de superioridade de raças, a um modelo padrão de vida (baseado no consumismo) etc.
Para que isso aconteça é necessário mobilidade. Ficar apenas apontando as falhas no sistema
sem fazer nada para modificá-lo, não resolverá o problema. Até porque, ‘resolver o problema’
não será tão simples assim, e seria pretensão demais almejar isso oferecendo soluções para o que
está diante de nossos olhos: efeitos. Nada se resolve permanentemente até que transformações
significativas sejam feitas nas causas dos problemas, como tudo em nossa vida. Se percebermos
que a parede de nossa casa está úmida devido a um vazamento de água, o que faremos? Vamos
colocar alguma fita impermeável no local ou chamaremos um especialista para dar uma olhada
na tubulação e ver qual a fonte da goteira, evitando gastos futuros? Resposta óbvia, não?
Portanto, essa linha de pesquisa que está se constituindo gradualmente no Nupecom tem por
objetivo levar informações relevantes a quem se interessar, e até a quem faz resistência diante de
um pensamento crítico renovado a respeito daquilo que, um dia, acreditou-se conhecer. Porque é
isso que notamos ao ligarmos a televisão e assistirmos a um jornal que se denomina
“autônomo”. Informações realmente úteis, quando são dadas, não recebem a atenção que
deveriam receber, e as pessoas não se dão conta de que passam por um efeito chamado, por
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Pierre Bourdieu, de “efeito noseológico” (Sobre a televisão – O estúdio e seus bastidores,
Pierre Bourdieu). Ou seja, todas as notícias, por mais chocantes que pareçam, são tratadas como
naturais. Por essa e por outras razões (como o ocultamento da real situação dos índios), as
pessoas não têm se preocupado com os primeiros habitantes do nosso país. Talvez falar deles
não dê audiência tanta como falar da vida dos famosos, pode-se pensar. Contudo, estamos ou
não vivendo na Era da Informação? Até quando vamos continuar fingindo que isso não tem
nada a ver conosco? Boa pergunta, mas infelizmente sem resposta até o presente momento.
BIBLIOGRAFIA:
VAZ, Francisco Florêncio. Os índios e o Estado racista no Brasil. Disponível em:
http://www.acaopopularsocialista.org.br/artigos/68.htm. Acesso em: 20/08/2005.
_____________________. O estrago que a “Índia” da Rede Globo faz. Disponível em:
http://www.acaopopularsocialista.org.br/artigos/68.htm. Acesso em: 25/03/2006.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
________________. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1995.
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