Ano VII - N.º 21 - 22 de Setembro a 21 de Dezembro de 2007 xxxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxx S. Tome e Principe Natural Park: Ria Formosa Avian flu Rehabilitation of marine species Entrevista: S. Tomé e Príncipe Reportagem: Ria Formosa Actualidade: Gripe das aves Reportagem: Porto de abrigo Jorge Gomes sumário 26 S. TOMÉ E PRÍNCIPE SECÇÕES entrevista No alinhamento da bacia do Congo, S. Tomé e Príncipe é uma bolsa preciosa de diversidade biológica. O Parque Biológico de Gaia organiza um seminário nesse país irmão: veja como... 9 Portfolio 12 Fotonotícias 14 reportagem Parques de Gaia 17 Sob o afago da água, este Parque Natural espraia-se ao longo de cerca de 18 mil hectares, no Sotavento algarvio, e é entendido como um sistema ecológico muito produtivo. A pé e de saveiro, fomos ao seu encontro... Quinteiro 32 Colectivismo 44 Crónica 48 34 PARQUE NATURAL DA RIA FORMOSA 40 Ver e falar PORTO D’ ABRIGO reportagem No Algarve, o Zoomarine tem em funcionamento um centro de reabilitação de fauna selvagem. Neste abrigo, convertido em hospital, tudo é feito com muita cabeça para que, por fim, ocorra um final feliz. 43 GRIPE DAS AVES As aves selvagens passaram por ser as más da fita, até que, recentemente, a ONU vem explicar por que razão se sabe agora que esta moléstia está confinada a animais domésticos... Revista “Parques e Vida Selvagem” • Director Nuno Gomes Oliveira • Editor Jorge Gomes • Fotografias Arquivo Fotográfico do Parque Biológico de Gaia, E. M. • Propriedade Parque Biológico de Gaia, E. M. • Pessoa colectiva 504888773 • Tiragem 120.000 exemplares. ISSN 1645-2607 • N.º Registo no I.C.S. 123937 • Dep. Legal 170787/01 • Administração e Redacção Parque Biológico de Gaia, E. M. - Estrada Nacional 222 - 4430 -757 AVINTES – Portugal • Telefone 22 7878120 • E-mail: [email protected] • Página na internet: http://www.parquebiologico.pt • Conselho de Administração José Urbano Soares, Nuno Gomes Oliveira, Nelson Cardoso. Foto da capa: Nuno Gomes Oliveira, Baia de S. João dos Angolares, S. Tomé e Príncipe João Luís Teixeira actualidade Esta Revista resulta de uma parceria entre o Parque Biológico de Gaia e o Jornal de Notícias. Os conteúdos editoriais da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM são produzidos pelo Parque Biológico de Gaia, sendo contudo as opiniões nela publicadas da responsabilidade de quem as assina. editorial Umas e outras... Nuno Gomes Oliveira Director da revista «Parques e Vida Selvagem» No último número da nossa revista, publicado a 21 de Julho, divulgámos o seminário Ecoturismo e Biodiversidade S. Tomé e Príncipe´2008, que o Parque Biológico de Gaia, em parceria com a Direcção Geral de Ambiente de S. Tomé e Príncipe, e a colaboração do NPEPVS (Núcleo Português de Estudo e Protecção da Vida Selvagem) e do Secretariado do Countdown 2010, irá promover na próxima Páscoa na cidade de S. Tomé In the beginning of 2008, Parque Biológico de Gaia will be organizing the Ecoturismo e Biodiversidade S. Tomé e Príncipe 2008 seminar, with the participation of the NPEPVS (Núcleo Português de Estudo e Protecção da Vida Selvagem) and the Countdown 2010 secretariat. Meanwhile, summer breezed through the Park, and with it, a flock of wounded birds ended up in the Park's Recovery Center. Some have already been released. Climatic changes are still a matter of worry. According to the Stern report, southern Europe (namely Portugal) will be harshly affected by these changes. Some of the expected effects will be the increase of the hydric stress, heat waves and forest fires, storms, floods and droughts. The hot summers will also increase the need for air conditioning, thus increasing the energy consumption. The heat waves and lack of water in the South will force the economic activities to converge in the North. It will increase the death rate, the number of diseases, poverty and regional conflicts. For news on nature and wildlife preservation, it was a good season for nonsense. A daily newspaper stated, on the 3rd of September that in Spain, mice were being used to feed protected birds. What really was happening was the usual mice plague in Zamora and they took the chance to blame the conservation movement by spreading that rumour. It happened before, when people blamed the deaths of cattle on the wild wolves. What they forgot to mention, was that most of those deaths were the work of wild dogs, not wolves. Still on the “nonsense” topic, there were the news about the resettlement of the Lynx here in Portugal, in 2011. Interestingly enough, we only resort to resettling when the issues that cause the extinction or reduction of the species are dealt with and that is not the case here. But in the midst of this “misinformation”, we came across “O Condomínio da Terra” (Earth condominium), written by Paulo Magalhães. The book has very interesting suggestions that remind us that it's not the environment that's facing a crisis, it's our civilization instead, and so “...if we cannot change the laws of nature, we can only change our ideas.” Like the Autumn leaves, our old ideas should also fall, because this Planet needs new ones. 4 | PARQUES E VIDA SELVAGEM É com muita alegria que podemos dizer que, à data de fecho desta revista (17 de Setembro), o número de pré-inscrições, do lado português, já tinha ultrapassado a centena. Entretanto avançou-se na organização do evento. O Dr. Arlindo Ceita Carvalho, Director-geral de Ambiente de S. Tomé, esteve uma semana a trabalhar connosco, no Parque Biológico e o Grupo Pestana, com a colaboração da agência de viagens Intervisa e da TAP, fez o seu melhor para promover a logística do seminário; assim, podemos hoje divulgar nesta revista (pág.24) o programa e condições de inscrição. Este seminário pretende ter um figurino diferente dos habituais congressos e encontros; será, a um tempo, espaço de cooperação, discussão, ensino e descoberta. Tempo de ensino, pois pretende-se que quem, daqui, for ao seminário de S. Tomé e Príncipe leve e dê a sua experiência profissional: uma parte do seminário será constituída por palestras e ateliers de educação ambiental, dinamizados pelos próprios participantes, no seio da comunidade local. Tempo de cooperação, já que se pretendem estabelecer laços, para o futuro, entre os participantes de cá e de lá; mas no imediato, no presente, os participantes do seminário viajarão acompanhados de um contentor cheio de material didáctico que, colectivamente, oferecem a S. Tomé e Príncipe. Tempo de discussão, nos debates que serão promovidos, sobre ecoturismo, educação ambiental, conservação da biodiversidade, moderados por jornalistas santomenses. Tempo de descoberta, pois iremos ao encontro de um país fabuloso e de um povo acolhedor. Entretanto, o Verão passou pelo Parque Biológico e, com ele, a entrada no nosso Centro de Recuperação de Animais de uma série de desajeitados juvenis de Poupa, de Cuco, do Mocho-pequeno-de-orelhas, de Corujadas-torres, de Melro, de Garça-vermelha, de Grifo (abutre), de Esquilo, de Gineta e de muitas outras espécies. Após recuperação (quando foi possível) as restituições à natureza já começaram: várias largadas no próprio Parque Biológico, duas Águiascobreiras e 4 Mochos-pequenos-de-Orelhas a 12 de Setembro, no Parque Natural da Serra da Estrela, uma Garça-vermelha e dois Cucos, no dia 22 de Setembro na Ria de Aveiro e um Grifo, também em Setembro, no Douro Internacional, são alguns dos sucessos da recuperação. Mas o Verão deixou marcas na vegetação do Parque Biológico: nos Pinheiros, particularmente no Pinheiro-silvestre, nos Vidoeiros, nos Eucaliptos, são visíveis sinais de stress hídrico, ou seja, sinais de que Foto: NGO Foto: JLT a planta não consegue absorver do solo água suficiente para repor a que perde por transpiração. Esses sinais são a paragem de crescimento, as folhas secas, a queda de ramos (JN 22/08/2007: “Ramo de árvore do Parque da Cidade [do Porto] põe homem no hospital”) e a morte da planta. Fenómeno de que alguns andam, há anos, a avisar a humanidade, como é o caso do economista do Banco Mundial, Sir Nicholas Stern, no seu famoso relatório sobre as consequências económicas das alterações climáticas, encomendado pelo Governo britânico e apresentado em 30 de Outubro do ano passado. Segundo o relatório Stern, o Sul da Europa, e nomeadamente Portugal, será muito afectado pelas alterações climáticas, assistindo-se a um aumento do stress hídrico, a vagas de calor e fogos florestais, tempestades, cheias e secas. As vagas de calor, como a de 2003, que provocou a morte de 35 mil pessoas e prejuízos de 11,7 mil milhões de euros na agricultura da Europa, irão suceder-se. O relatório Stern refere, ainda, que os países de latitudes mais baixas (caso de Portugal) são os mais vulneráveis. Os Verões mais quentes vão aumentar a necessidade de ar condicionado, provocando um aumento global do consumo de energia. Com as ondas de calor e a falta de água no Sul, o centro da actividade económica, nomeadamente do turismo, passará mais para Norte, aumentando nas regiões do Sul a doença, a mortalidade, a pobreza e os conflitos regionais. Apesar de avisados, está-nos a custar a perceber que este gravíssimo processo se encontra, mesmo, em marcha, e que já somos impotentes para o suster em tempo útil. Mesmo assim, alegremente, continuamos a semear em Portugal extensos relvados e campos de golfe, que só se aguentam à força de água, água que decididamente não teremos dentro de 30 ou 40 anos. Mas no que toca a notícias sobre conservação da natureza e vida selvagem, tivemos um período rico em disparates. Ficará célebre o título do JN, de 3 de Setembro: “Espanha – Ratos terão sido introduzidos para alimentar aves protegidas”. Em face de uma natural e habitual praga de ratos-do-campo em Zamora, fruto de décadas de errado ordenamento territorial, aproveitase para culpar o movimento de conservação pondo a correr o anedótico boato do... repovoamento de ratos! Técnica de contra-informação já conhecida, e usada em Portugal, nas décadas de 70 e 80, para evitar a conservação do Lobo; dizia-se, então, que alguém andaria a libertar lobos em Montesinho e no Gerês e que, por isso, estavam a aumentar os ataques ao gado. Não se dizia que a maioria desses ataques eram de cães assilvestrados, nem se dizia que os poucos lobos que escaparam às batidas e perseguições dos séculos anteriores tiveram que se virar para o gado, pois a caça furtiva e não furtiva destruiu todas as sua presas naturais, fazendo do Corço, um mamífero extremamente comum em toda a Europa, uma raridade em Portugal. Continuando no campo da asneirita, temos a notícia do repovoamento de Lince em Portugal, já em 2011; sempre apreendemos que só se João L. Teixeira Bufo-pequeno-de-orelhas João L. Teixeira Indiferentes a isto (ou talvez não) lá chegaram a Portugal, por meados de Setembro, os Papa-moscas, vindos do Norte da Europa. E, contra os arautos da desgraça, nem estas simpáticas avezinhas, que anualmente nos visitam, nem quaisquer outras, são portadoras do tão temível vírus H5N1, da gripe das aves. Segundo notícia difundida pela Lusa, a 3 de Setembro passado (ver pág. 43), a ONU acredita que a gripe das aves está circunscrita às aves domésticas. Isto depois de 350 mil testes em aves selvagens, entre 2005 e 2007, terem tido todos resultados negativos. A recente tentativa de confundir a população com o vírus H5N2 (e não N1), encontrado em duas explorações de aves em Portugal, misturando isso com a gripe sazonal que se avizinha, parece-nos não ter outro objectivo que não seja... vender vacinas. A notícia de um grupo de investigação português que aponta o dedo, especificamente, ao pobre do pato denominado Zarro-comum (Aythya ferina) parece-nos de todo lamentável, pelas consequências que pode ter em termos de conservação da Natureza. Ainda que algum fundamento científico tenha, estamos a passar para o público especulações e preocupações que devem ser – por ora – da comunidade científica, que tem conhecimentos para as interpretar. PARQUES E VIDA SELVAGEM | 5 em destruir o país; não eram ecologistas-de-cara-tapada-de-fériasem-Aljezur. Felizmente o problema dos eucaliptos está ultrapassado (as suas sequelas não), o país ficou muito mais pobre (o que lucrou com a venda de pasta de papel não dá para os enormes custos de recuperação ambiental das nossas serranias) e as gentes de Valpaços tinham razão. Provavelmente entre os ditos ecologistas-de-cara-tapada-de-fériasem-Aljezur estariam muitos “amigos dos animais” que alimentam os seus cães e gatos com rações que incorporam soja transgénica, a mesma do fast food, que é uma das grandes responsáveis pela destruição da Amazónia. Ainda este ano, em 24 de Março, o Tribunal Federal Regional do Pará (Brasil) encerrou compulsivamente o porto graneleiro da empresa Cargill, em Santarém do Pará (que também opera em Portugal desde 1987), após uma longa batalha, iniciada no ano 2000 pelo Ministério Público, devido às irregularidades ambientais desta multinacional, responsável pela destruição de áreas incomensuráveis de floresta amazónica, para produção de soja, muita dela exportada para a Europa, para integrar as “nossas” rações para gado e para cães e gatos. Estas devem ser as verdadeiras causas ambientais; atacar um pequeno agricultor, mesmo de milho transgénico, dizer que o Zarro-comum pode ser portador do H5N1, ainda que possa, ou que os ratos-docampo de Zamora são resultado de repovoamentos só servem para prejudicar a percepção da população das questões de conservação da natureza e defesa do ambiente. No meio desta desinformação, surge em Maio o livro do Paulo Magalhães, “O Condomínio da Terra, das alterações climáticas a uma nova concepção jurídica do Planeta” (Edições Almedina, Coimbra), com propostas muito interessantes, e a lembrar-nos que não é o ambiente que está em crise, mas sim a nossa civilização pelo que, “...se não podemos mudar as leis da natureza, só nos resta mudar as nossas ideias.” Com as folhas do Outono, caiam também as ideias velhas, que o Planeta precisa de ideias novas. João L. Teixeira Cuco 6 | PARQUES E VIDA SELVAGEM João L. Teixeira Bom, no que toca à Cabra-brava, devemos a sua presença no Gerês português, ao Parque do Xurez espanhol e ao Benito Rodríguez que, por acaso, esteve recentemente no Parque Biológico e nos relembrou essa história da libertação das Cabras-bravas (ver pág. 21), que nem o antigo presidente da República Américo Tomaz tinha conseguido obter do seu amigo general Franco. E porque o Verão foi prolixo em disparates, não queremos deixar de referir o péssimo serviço prestado à defesa do ambiente por um grupo de 100 ecologistas-de-cara-tapada-de-férias-em-Aljezur que, em 17 de Agosto, invadiram uma exploração agrícola em Silves e destruíram um hectare de milho transgénico. Não que o problema dos transgénicos não seja social e ambientalmente preocupante – muito preocupante – mas, hoje, as coisas não se resolvem assim. Há 18 anos, em Valpaços, milhares de pessoas também invadiram uma plantação de eucaliptos e, enfrentando a GNR, destruíram, simbolicamente, alguns pés; só que há diferenças entre as duas acções. Na de 19 de Março de 1989 – eu estive lá – foram as populações locais que se levantaram perante a perda dos seus meios tradicionais de subsistência, contra as grandes empresas da celulose que na altura insistiam, como agora fazem as da soja noutras paragens, João L. Teixeira João L. Teixeira recorre às técnicas de repovoamento depois de estarem eliminadas, no local a repovoar, as causas de diminuição ou extinção da espécie que queremos conservar. Não é o caso do Lince, que desapareceu por fragmentação e falta de habitat e presas naturais (coelho-bravo), como não é o da Águia-real no Gerês português, que rareia pelas mesmas razões, e que agora também se pretende repovoar a partir de exemplares criados em cativeiro. Era bem melhor consagrar o dinheiro que se vai gastar nesses projectos à beneficiação dos habitats naturais e, depois, a Águia-real e o Linceibérico lá chegariam, naturalmente, por expansão das populações espanholas, como aconteceu em anos recentes, com a Cabra-brava e o Esquilo. Libertação de águia-cobreira opinião Luís Filipe Menezes Presidente da Câmara Municipal de Gaia As cidades e as alterações climáticas O nosso mundo está a passar por uma grande alteração: 50% da população já vive nas cidades e prevê-se que, pelo ano 2030, esse número suba para 75% Há, pois, que preparar nova regulamentação que obrigue as novas construções a terem altas performances energéticas e ambientais (o EcoBuilding Performance, Paris 2007, traz bons exemplos) de modo a minorar os efeitos dessas alterações no nosso quadro de vida. Apesar de todos os alertas, continuamos a apostar na construção num litoral de risco, e em leito de cheia, deixando o interior à desertificação e aos incêndios. Há que ponderar sobre o que sucederá ao litoral de Portugal, em grande parte um litoral baixo, daqui a 20 ou 30 anos, com a previsível subida do nível do mar, por efeito do degelo das calotes polares e glaciares. Para além da inundação permanente de zonas hoje habitadas, haverá a perda de valor turístico de muitas regiões, e uma enorme especulação do preço do solo, com as respectivas consequências económicas. Também por isto se deve pensar em novas ofertas de turismo sustentável, promovendo investimentos que incorporem na formulação dos projectos a previsão das consequências das alterações climáticas. Em Gaia estamos a dar passos no sentido de preparar o concelho para os desafios deste século; começamos pelo ordenamento do território, com um Plano Director Municipal (PDM) novo, que reduz, no possível, a área de construção e aumenta as áreas de conservação dos processos biofísicos e passámos, já, ao estudo das possibilidades de racionalização dos consumos energéticos dos equipamentos e instalações municipais. João L. Teixeira Por isso as cidades têm grandes responsabilidades ambientais, até porque 80% dos gases com efeito de estufa são produzidos no espaço urbano. Mas no presente cenário de alterações climáticas ficam acrescidas as responsabilidades das cidades, e aumenta a obrigação de prever e preparar o futuro, muito para além dos efémeros quatro anos de um mandato autárquico. E isso consegue-se planificando convenientemente o desenvolvimento e ocupação do território municipal, adoptando políticas que obriguem à diminuição das emissões dos gases com efeito de estufa (a introdução do Metro em Gaia é um exemplo), diversificando as fontes de energia (usando, por exemplo, a energia solar em equipamentos públicos), criando novos espaços verdes que amenizem o clima urbano, entre muitas outras medidas possíveis. A cidade tem, também, de se preparar para a crise gerada pelas alterações climáticas em curso, que inclui tempestades inesperadas e violentas, doenças habitualmente características de climas tropicais, vagas de calor, chuvas e cheias catastróficas, subida do nível do mar e crises de poluição, para só referir alguns problemas que já se verificam actualmente. Com a péssima eficiência energética e térmica da nossa construção actual, perante uma subida generalizada da temperatura e as ondas de calor, vamos assistir ao recurso generalizado ao ar condicionado, com o consequente aumento do consumo energético e da despesa das famílias. 8 | PARQUES E VIDA SELVAGEM breves ver e falar Os leitores dão notícias Não sei se há maneira mais directa de dizer isto, mas aqui vai: os leitores da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM são o máximo... Andamos atrás de uma fórmula única. Aquela que seja capaz de transformar, sem qualquer desperdício, a gentileza dos leitores numa revista melhor a cada edição. Não ficamos com o e-mail bloqueado por excesso de mensagens, não. Nem o carteiro pensará em despedir-se com a quantidade de cartas que recebemos. Nem é preciso! Mais certo é que, pelas palavras que nos enviam, sentimos que vale a pena multiplicar horas, noites e dias no esforço de fazer sempre mais e melhor. Manuel Fernandes, de Vila Real, escreve em 24 de Agosto: «Acabo de receber a revista "Parques e Vida Selvagem", que agradeço reconhecidamente. Aproveito para felicitar a equipa editorial pelo elevado nível que a revista atingiu e pelo renovado interesse que suscita. No actual panorama nacional de revistas dedicadas à natureza e ao ambiente, esta é sem dúvida a melhor». Do Bombarral, diz Mário Correia, em 13 de Agosto: «Tomei recentemente conhecimento da revista editada pelo Parque Biológico de Gaia e quero felicitar-vos pela qualidade do vosso trabalho e da revista. Sou um apaixonado pela Natureza desde criança. Gostava de assinar a vossa revista, ou, caso não esteja previsto terem assinantes, gostava de recebêla. Prometo dar-lhe bom uso, divulgando a vossa obra admirável». Vinda do extremo sul do país, lemos esta mensagem: «Sou o professor Paulo Silva, de Biologia e Geologia, da Escola E.B. 2,3 Infante D. Fernando, de Vila Nova de Cacela, Algarve. Venho por este meio solicitar apoio para os projectos de ambiente da nossa Escola, através do envio da vossa revista «Parques e Vida Selvagem». Gostava de receber inclusivamente, se possível, os exemplares já editados neste ano lectivo (Setembro a Abril). Obrigado pela atenção». Em 30 Junho, entre outros, Jonathan Copeland, um dos professores universitários norte-americanos que palestrou no Seminário Internacional sobre Pirilampos e Bio-luminescência que decorreu no Parque Biológico de Gaia este ano, enviou uma mensagem ao director desta revista, que será representativa das restantes: «O seminário foi MARAVILHOSO! Não me lembro em X anos (onde X é um número grande) de um evento que me tenha dado tanto gosto participar e onde tenha aprendido tanto. Mas, adicionalmente, e para além da vertente científica, devo dizer que a hospitalidade foi fora de série. Estou a tentar encontrar aqui nos Estados Unidos da América uma instituição que reúna as mesmas características do Parque Biológico de Gaia, mas só conheço um que se aproxima, embora sem hospedaria, restaurante e, claro, sem percursos para observação de pirilampos! Do meu ponto de vista, o Parque Biológico é singular e devo dizer que contribuiu largamente a nível internacional para uma melhor compreensão destes insectos. Muito obrigado!». ESTAR A PAR DAS NOVIDADES Recebemos também um pedido de informação de Luísa Marques: «Somos alunas de Educação de Infância e estamos a elaborar um trabalho de projecto sobre borboletas. Podem facultar-nos alguns esclarecimentos? Desde já o nosso muito obrigada». As perguntas vão em baixo, seguidas das respostas entretanto enviadas: Quantos tipos de borboletas existem no Parque Biológico de Gaia? No Parque Biológico de Gaia existe um incontável número de borboletas, sejam elas activas de dia ou de noite. Normalmente as nocturnas designam-se por heteróceros e as diurnas por ropalóceros. Falando destas últimas, temos fotografadas apenas nos dois últimos anos 41 espécies. O número de espécies de heteróceros (nocturnas) é muito superior, estando ainda muitas por identificar, o que se compreende uma vez que não tínhamos apoio próximo e directo de especialistas em insectos. Num meio urbano, são bons números. A nível nacional contam-se cerca de 140 espécies de diurnas e 2400 nocturnas. Os mais interessados podem encontrar um quadro representativo no site do Parque Biológico (www.parquebiologico.pt) indo a À descoberta / Fauna / Invertebrados / Borboletas. Como morrem as borboletas? As causas de morte das borboletas podem ocorrer por motivos diversos e em diferentes fases do seu ciclo de vida. A causa maioritária de morte enquanto ovo pode ser um ataque de fungos; enquanto lagartas e enquanto adultas, borboletas propriamente ditas, podem servir de alimento a aves, répteis, anfíbios, mamíferos e até outros insectos, como vespas. Por que é que as borboletas têm cores diferentes? Sendo espécies diferentes é natural que o seu percurso evolutivo as tenha levado a soluções diferentes, de acordo com a sua posição na cadeia alimentar dentro dos habitat que ocupam. Por exemplo, as borboletas «nocturnas» são especialmente miméticas porque descansam durante o período de luz diurna e os seus predadores diurnos não devem vê-las com facilidade. Quando não é assim, PARQUES E VIDA SELVAGEM | 9 JG verbreves e falar Lameirinha Erynnis tages quando há a presença de uma cor viva, isso tem a vantagem de dizer aos predadores que não é nada saborosa e que pode inclusive causar náuseas. Nas borboletas diurnas, uma cor mais acentuada, como o azul acrescido da maioria das espécies da família dos licenídeos, servirá fins de identificação sexual que complementem uma eventual ineficiência de feromonas. O que podemos fazer para proteger as borboletas? Proteger os seus habitat naturais e, compreendendo o seu ciclo de vida, quem tiver jardim pode plantar plantas hospedeiras que abriguem e permitam o desenvolvimento de espécies da região. Cultivar plantas com flores ricas em néctar, como a alfazema, ajuda a alimentar sobretudo as que efectuam migrações. Que trabalhos desenvolve o Parque Biológico para proteger as borboletas? Contribui para a sua protecção sobretudo através de actividades de educação ambiental — transmitindo conhecimentos que sensibilizem para as diversas vantagens de as mantermos como património de biodiversidade e bioindicadores — e conservando os seus habitat naturais. Nesse sentido, temos duas espécies que surgem todos os anos que são consideradas de maior interesse por parte de investigadores como Ernestino Maravalhas, editor do livro «Borboletas de Portugal», nomeadamente a Apatura-pequena (Apatura ilia) e a Lameirinha (Erynnis tages). Essas borboletas estão em cativeiro? Não, andam em liberdade. É a melhor forma de as conservar como espécies do património n a t u r a l português. Como é que as borboletas se A fuliginosa (Phragmatobia protegem da chuva? fuliginosa) é uma borboleta Geralmente quando está «nocturna» frio ou chove, elas recolhemse no meio da vegetação do seu habitat e entram em repouso até poderem dar continuidade aos seus ritmos de vida. Contudo, excepcionalmente, temos informação de que há espécies de borboletas «nocturnas» que costumam realizar as suas migrações apenas em noites de chuva, o que se deve com certeza a uma forma de evitar a pressão de predadores certeiros como os morcegos. Concurso: nomes vulgares Numa revista da primeira metade do ano, lançámos um desafio aos leitores: propor nomes comuns para espécies que, tanto quanto sabemos, de momento só têm designação científica... Falar-se de educação ambiental usando nomes escritos em latim é introduzir grossas fatias de ruído na comunicação. Aqui não há dúvidas. Mas, em muitos casos, há espécies de plantas, de animais, de fungos que não têm ainda nomes vulgares. Ocorrendo a sua criação, a população poderá aproximar-se mais de um maior conhecimento do seu património natural. Foi esta a ideia que inspirou o concurso constante desta revista na sua edição de Primavera. Feito o ponto da situação, as respostas foram chegando. Entre as que destacamos vai primeiro a de duas educadoras-de-infância, Mariana Silva e Eliana Pimenta, que gostaram da ideia e a apresentaram às suas crianças: «Vamos arranjar nomes a estas borboletas», diz Mariana, a educadora. O Rodrigo António dispara: «A Hemaris parece uma vespa!”. O João manifesta-se: «Eu tenho a ideia de um nome: borboleta-chita». A Marta pensa de forma diferente, como não podia deixar de ser: «E se fosse leopardo porque tem umas cores parecidas?». Concilia Eliana: «Podemos juntar o leo de leopardo com leta de borboleta. E fica leoleta». Enquanto a Inês acha engraçada a ideia, a turma é unânime: «Ó leoleta! Ó leoleta!». E a Joana confirma: «Que bonito nome: leoleta». Mariana reforça: «Ela vai gostar muito de ser chamada assim». Mas nada ainda está concluído: «E a outra borboleta?», pergunta o Tiago. O Rodrigo Filipe adianta-se: «Podia ser borboleta linda…». Em busca de alternativas, propõe Eliana: «Vejam bem: parece-se com um bombom». A Lara concorda: «O Ferrero Rocher!». O João colmata: «Ficava bonito chamá-la de borbolero. Tira-se o leta e mete-se lero que é parecido com Ferrero». «Pronto, já temos os nomes para as borboletas…», concluem. E cá estão: Pyrgus malvoides, Borboleta borbolero; Hemaris fuciformis, Borboleta leoleta. A última resposta chegou por e-mail em vésperas de júri, em pleno fecho de edição da revista, e veio pela mão da professora Dalila Reis, professora de Ciências da Natureza, na Escola E B 2/ 3 Domingos Capela, de Silvalde: «Tive a sorte de ter recebido de uma amiga, nos últimos dias do ano lectivo passado, a revista n.º 19, onde deparei com o Concurso de Fotografia — que divulguei à Comunidade Escolar — e o da atribuição de um nome vulgar a quatro espécies de seres vivos. Pois bem, venho muito tarde e a más horas enviar os resultados deste último concurso, o qual suscitou um grande interesse da parte dos meus alunos de Jardinagem, no final do ano lectivo passado. Meteram-se as férias e... a revista ficou imperdoavelmente numa gaveta da secretária da nossa sala na Escola. Eles gostaram de participar e, por isso, vou enviar o "baptismo" que, divertidamente, fizemos a estes seres vivos: nome científico: Coincya johnstonii; nome vulgar: Flor Ventoinha. Nome científico: Hemaris fuciformis; nome vulgar: Besouro-lagosta. Nome científico: Jasione lusitanica; nome vulgar: Pompom-azul. Nome científico: Pyrgus malvoides; nome vulgar: Borboleta estreladinha». Analisadas as várias hipóteses o júri considerou precisamente esta última — Estreladinha (Pyrgus malvoides) — o melhor nome atribuído entre todos os candidatos às várias espécies. Assim, o concorrente, na verdade um grupo liderado pela prof.ª Dalila Reis, vai receber um exemplar do livro editado este ano pelo Parque Biológico de Gaia intitulado «Cobras de Portugal». Alguns dos outros nomes candidatos ao prémio, e rivais à altura do mais distinguido, foram: Besouro-lagosta (Hemaris fuciformis); Botão-lusitânico (Jasione lusitanica), de Rui Andrade; Mostardadas-dunas (Coincya johnstonii), de Luís Santos. Estreladinha Pyrgus malvoides Besouro-lagosta Hemaris fuciformis Direitos reservados Botão-lusitânico Jasione lusitanica Mostarda-das-dunas Coincya johnstonii PARQUES E VIDA SELVAGEM | 11 portfoli Como tenros telhados Quando a humidade do Outono repousa no bosque, os fungos frutificam e emergem da terra como flores estilizadas. As formas são mais que muitas. Apostam seguramente em linhas arredondadas e vão da cor vermelha à amarela-torrada, da castanha à branca, sem que se dêem ao luxo de ficar por aí. Levando o ser humano longe, nas asas da imaginação, alguns até lhe acabam por pousar na mesa, uma iguaria especial. Mas, cuidado, alerta quem sabe: alguns só se comem uma vez. Depois, 12 | PARQUES E VIDA SELVAGEM num tempo variável mas sempre escasso, o comensal despedese deste mundo. Podendo até, numa só espécie, mudar cor e forma de uma maneira abissal, deixam-nos o lado de observação da natureza como oferta generosa, enquanto os esporos se soltam, diminutos pelo ar, assegurando a sobrevivência das variadas espécies... Fotos: João Luís Teixeira Texto: JG PARQUES E VIDA SELVAGEM | 13 fotonotícias Nem tudo é o que parece O talento distribui-se por ambas, mas em qualidades distintas. Pela imagem esta andorinha vai ter uma vida ainda mais curta, pois ao falcão só lhe falta deitar as garras. Mas não! A fotografia, apesar de inocente, está a mentir, sem que tenha sido montada ou sequer retocada. O falcão está de olho aberto, sim, mas é para a recompensa habitual, mais abaixo, quando conseguir apanhar o isco em velocipédica rotação causada por Miguel, o colaborador do Zoomarine num trabalho de cetraria... Esta andorinha, cá para nós, deve estar agora na fímbria do deserto, a ganhar coragem para atravessar a grande barreira que é o gigantesco deserto africano... Jorge Gomes É certo que não é típico da nossa fauna, mas decididamente é um falcão. No caso, um falcão-gerifalte, que voou diante dos nossos olhos, no céu algarvio. A outra ave é bem mais fácil de nomear: inteirinha, das unhas das patas ao bico, uma andorinha-das-chaminés adulta, daquelas que vão no Outono para África e regressam na Primavera... se conseguirem atravessar o longo deserto do Sara das duas vezes. Tanto uma ave como a outra, com voos diferentes, são um regalo a deslizar em manobras perfeitas, rápidas, certeiras... Uma come carne, vermelha, outra insectos voadores. «Fotografei uma Malpolon a tentar comer um sapo!», diz o caçador de imagens e mostra a fotografia no visor da câmara. Olhadela rápida, pela cor parece realmente uma cobra-bastarda (Malpolon monspessulanus). A desproporção entre a boca da cobra e o sapo, insuflado segundo a típica técnica de defesa, é notável. Mas o pormenor mais estranho não é esse: a cobra-bastarda tem por alimento típico ratos, lagartos, cobras, aves... Mas rãs, sapos, tritões, nunca tinha lido nada que sugerisse esta alteração da ementa. Não é que não fosse possível! Afinal, a bicharada não lê os manuais que se escrevem sobre eles. Passado um tempo, as imagens entram no computador: não há cabeça de serpe para analisar as escamas pré-oculares, encefálicas e outras tais. Contudo, um pormenor decisivo salta à vista: o colubrídeo ostenta escamas carenadas. Logo, trata-se não de uma Malpolon mas de uma cobra-de-água-de-colar adulta (Natrix natrix). Esta espécie, sim, tem por ementa tradicional anfíbios, animais típicos da sua costela aquática. Nem tudo o que parece é, e a cor das serpentes, decididamente, é um detalhe demasiado vago para identificação... A cobra-bastarda possui glândulas produtoras de veneno, sem ser viperídeo; as nossas cobrasde-água são áglifas, não são venenosas. Mas todas têm o seu lugar na natureza. 14 | PARQUES E VIDA SELVAGEM João Luís Teixeira Deitar o dente ao sapo Ele olhou a bolota e achou-a um encanto. Pensou: «Não quero uma: quero-as todas! Não venha alguém e mas roube». Por isso esconde o gaio o objecto natural da sua intensa paixão, tendo em conta que o coração está pertinho do estômago. Consta até que este binómio incontornável terá começado em tenra idade, quando ainda estava no ninho. Teria sido a forma elíptica que o impressionou ou a textura alisada naquela cor castanha em formato de peça de artesão? Ainda hoje há quem discuta a resposta. O certo é que, de papo sossegado pela fome, cuida o gaio de as ver entre a folhagem do chão, pousadas em folhas terrosas palpitantes de vida animal, catando-as uma a uma, e escondendo-as aqui e acolá, na ordem dos milhares, olho sempre atento a rivais salteadores, sejam eles coelhos, esquilos ou outros que tais... Passado o Outono, afirmam os admiradores que uma memória prodigiosa o ajuda a localizar as robustas sementes. O bosque de carvalho-alvarinho, no caso, terá sido o principal responsável pela ideia, há já muito tempo. Lembrou-se de construir cotilédones cada vez mais nutritivos, como o doce capaz de atrair alguém a um contrato útil: a planta ex-líbris do bosque desta região cede alimento e ele, o gaio, de memória boa mas não infalível, dispersa-as, ocultandoas entre folhas à flor da terra rica e húmida. Sabe prevenir o futuro! Como jardineiro ou agricultor sábio que não consome os frutos à exaustão, explora o recurso com equilíbrio, garantindo-o para as ninhadas das suas ninhadas. Não era má ideia aprender com ele, o «verde gaio» das canções minhotas que, por sinal, engalana as asas com um azul axadrezado iridescente... Quem não gostará de o ver, mesmo com aquele pequeno aguilhão terminal no bico, a rondar os corvídeos? Jorge Gomes Gaio jardineiro Jorge Gomes Conhece a noselha? Olha, lá vem ela, agora, a abrir-se com a manhã... Estica-se a flor que espreita da terra, escondido o caule sumário no breu da lama, e esquecida das folhas na ânsia de desabrochar... Quando vem a brotar do solo, soprada do bolbo oculto qual lâmpada de Aladino, é aquele encanto de folhas de antanho que se sublimaram em pétalas, estames e gineceu a partilharem pólen, como pepitas de ouro atiradas pelo ar em gesto perdulário. Esta é uma quita-merenda, a rigor uma Merendera pyrenaica, diz quem sabe. Até há quem lhe chame noselha. Os botânicos, aquela gente paciente que extrai das plantas a sua sabedoria, garantem que há sob uma aparência idêntica umas tantas espécies diferentes, até se calhar mais fáceis de ver: a Crocus autumnalis, a Crocus serotinus, entre uma série de outras. A nós, fica-nos este sorriso discreto da natureza, a brilhar aqui e ali. No Parque Biológico de Gaia o melhor sítio de observação costuma ser junto ao cercado das raposas. Em meados de Outubro vamos começar a (re)vê-las... quer apostar? PARQUES E VIDA SELVAGEM | 15 fotonotícias Agarrem-me que eu bato-lhe! Como estas galinhas não têm o verbo do ser humano, a linguagem tem de ser expressiva, contundente, cheia de expressão corporal. Cá entre nós, que ninguém nos ouça, pareciam dizer: «Já te disse que tens de ir à tua vida: vais, ou queres que deite mão ao safarro?». Jorge Gomes Moscas: acautelem-se... Migram ambos na mesma altura: em Agosto e Setembro passam por cá, sem lerem os nossos calendários. Vemo-los bater a asa como iguais e parecem até a mesma coisa... mas são espécies diferentes. À esquerda, o papa-moscas-cinzento — Muscicapa striata —, pousado no arame das videiras da Quinta de Santo Tusso, no Parque Biológico de Gaia, entre certeiros saltos ao chão para apanhar com o bico infalível algum insecto; à direita, mais comum, outro papa-moscas — Ficedula hypoleuca — num carvalho do cercado dos corços. Na orla do bosque ou em campos agrícolas, ao toque da temperatura vão descendo para Sul, depois de nidificarem no Centro e no Norte da Europa. Mas há uma coisa que até gostava que acontecesse: será que nenhum macho adulto vai conseguir passar por cá vestido de preto e branco, ainda com a roupa de Verão, em pleno Agosto? 16 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Jorge Gomes O casal de galinhas-de-água selvagens que ocupou o lago do início do percurso de descoberta da natureza do Parque Biológico de Gaia, em cada ano tira... não uma, mas duas ninhadas! É certo que as mais velhas — já do tamanho dos pais e com penas cinzentas ainda — provavelmente até ajudaram a alimentar as mais novas. Ainda assim, há dias determinantes. E, no início deste mês, as crias mais velhas teimavam em não perceber que era a altura de procurarem o seu lugar... mas noutro sítio. Senão, o alimento não chega para todos. A vida de um animal selvagem não é fácil! parques de Gaia Parque da Lavandeira Decorreu no Parque da Lavandeira, em 22 de Setembro, o lançamento do Catálogo LAND ART do corrente ano, que se reporta ao grupo de obras que 12 escultores criaram e expõem neste parque municipal de Vila Nova de Gaia O registo de imprensa, fotográfico ou em videograma é a melhor forma de fazer com que este tipo de esculturas perdurem. A ideia-matriz consiste em deixá-las no lugar em que surgem aos olhos do público e, numa situaçãolimite, deixar que os elementos naturais sofram uma erosão absoluta trazida pela passagem do tempo. Assim, com cerca de 80 páginas, este catálogo profusamente ilustrado contém as informações mais diversas, transformando-se na síntese por excelência do certame que surgiu este ano na sua primeira edição. O lançamento do catálogo «Land Art — Lavandeira 2007» contou com a presença dos autores das obras expostas no Parque da Lavandeira — sendo alguns catalães —, com os membros do Conselho de Administração do Parque Biológico de Gaia e com um numeroso público. Da parte da tarde, às 15h30, o auditório do Parque Biológico acolheu as conferências de Jorge Paiva, botânico e professor universitário aposentado, e de Laura Castro, historiadora de arte, ambas subordinadas ao tema «A paisagem como espaço de intervenção artística». Jorge Paiva defendeu a plena continuidade das árvores na paisagem, mesmo em meio urbano e passou várias fotografias de cidades estrangeiras onde isso ocorre. À partida, começou por demonstrar que a presença das plantas é, na verdade, uma necessidade e não uma opção meramente estética: «Todos precisamos de combustível, como as máquinas. Uma parte desse combustível de que carecemos é das plantas que vem». Por isso, «temos de as ter perto, respeitá-las, trazê-las mais às nossas cidades». Por sua vez, Laura Castro referiu que historicamente a Land Art nos Estados Unidos surgiu como uma ampla intervenção na paisagem, ao passo que nos países europeus a ideia de respeito pela natureza lhe esteve sempre associada. Nesse sentido, considera, na sua opinião, que Land Art já não é a melhor expressão para designar esta corrente artística, prefere chamar-lhe «arte na paisagem», já que vê este movimento como um híbrido de «paisagem e natureza artealizadas». Concluindo, sublinhou que este tipo de arte tem futuro e pode ser uma forma de marcar um território ambientalmente protegido, como já o faziam os homens primitivos, com as suas obras de arte na paisagem... Nelson Cardoso, Jorge Paiva, Nuno Oliveira e José Urbano Soares Artistas e público, de catálogo na mão, palmilharam o percurso Abertura das conferências: à esquerda Meireles de Pinho, seguido de Laura Castro, Jorge Paiva e Nuno Gomes Oliveira PARQUES E VIDA SELVAGEM | 17 parques de Gaia Aguda: Parque de Dunas As plantas ainda florescem no Outono, quando abranda o calor. São as suas raízes grandes, até desproporcionais, que fixam a areia e ajudam as aves e outros migradores que ali ganham forças para as suas viagens Olha: Anda ali uma alvéola-branca! Lá anda ela: terá vindo de terras nortenhas? A pequena ave vestida a duas cores, porém claramente linda, primeiro pára e olha, a avaliar a intrusão por alguns instantes. Depois, deita o olho a algum insecto voador que não descortino, e uma cambalhota no ar, uma corrida para o lado, é só engolir. Não está sozinha, há mais duas perto, uma até de cores esbatidas, e de olhar inocente: talvez uma ave nascida este ano. Apesar do ex-líbris deste habitat ser o borrelho-de-coleirainterrompida, aparecem muitas outras aves. No Parque de Dunas da Aguda caminha-se pelo passadiço. A areia toma a forma de uma poupa, a uma dúzia de metros, que voa para longe — como não a vi antes? Mais no alto há uma elevação com bancos para descansar. Dali vêse a área do Parque de Dunas de um lado, do outro o mar a encontrarse incansavelmente com a areia num consórcio que não cessa sobre os milénios e, onde a vista não alcança, distante, muito distante, o continente americano. Depois da chuva da noite, há um aroma no ar, leve, indefinível. É o aroma das plantas que ali se espalham, protegidas do peso de pés humanos. Sim, as plantas. São um exemplo da força e do talento da vida para se agarrar com unhas e dentes à sobrevivência, mesmo em condições quase tão agrestes como um deserto. Acima do solo são dezenas de espécies, orgulhosas com justiça das suas flores vistosas, criativas, a contrastarem com a cor verdeacinzentada das folhas desenhadas pela evolução para se prevenirem face à secura. De raízes mergulhadas profundamente na areia, ramificadas, criam uma rede vasta para colher as migalhas de humidade que possa existir alhures. E no entanto são elas que dão abrigo a numerosos insectos, caracóis de várias espécies, a pequenos mamíferos e répteis, e funcionam ainda como sustentáculos para os corredores-verdes fundamentais ao vaivém das migrações. Um sítio que muda segundo a estação, a sugerir uma visita durante um passeio pela praia... até porque há muito mais para ver. Texto e fotos: JG OBSERVAÇÃO DE AVES SELVAGENS NO PARQUE DE DUNAS DA AGUDA dias 2 de Março e 6 de Abril, das 10h00 às 12h00. Participação sem custos. Aconselha-se que leve binóculos e guia de aves da Europa Alvéola-branca 18 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Estuário do Douro Os corvos-marinhos concentram-se nesta área a partir do Outono OBSERVAÇÃO DE AVES SELVAGENS NO ESTUÁRIO DO DOURO aos domingos, das 10h00 às 12h00: dias 2 de Dezembro, 6 de Janeiro, 2 de Fevereiro... Participação sem custos. Aconselha-se que leve binóculos e guia de aves da Europa Tal como nós já sentimos na pele a chegada melancólica do Outono, também as aves que por cá se reproduzem, em particular as que usam o estuário do Douro e os habitat à sua volta, começam muitas delas a fazer as malas. Ao contrário das nossas, em vez de transportarem roupa quentinha e agasalhos, as “malas” das aves que agora começam a sua longa etapa de migração, após terem criado a sua descendência aqui, consistem na acumulação de gordura no corpo, comendo vorazmente todos os suculentos e desprevenidos insectos que descortinam, de tal forma que os músculos do seu peito ficam totalmente cobertos, apenas se conseguindo ver uma substância amarela: é esse o combustível que lhes permitirá rumarem aos quentes países africanos. Imaginem que algumas glutonas chegam quase a duplicar de peso, mal conseguindo levantar voo. Ao mesmo tempo que esta iminente partida e todos os seus preparativos se desenrolam no Cabedelo, e um pouco por todo o lado, começam igualmente a chegar ao estuário aves provindas do Norte da Europa de zonas tão longínquas como a Escandinávia ou mesmo a Sibéria… Outras espécies ou chegam para passarem o Inverno por estas paragens — como é o caso da elegante garça-real ou do vistoso pisco-de-peito-azul — ou então apenas por cá param durante alguns dias para se alimentarem e reabastecerem de provisões, seguindo de pronto a sua viagem migratória rumo aos territórios de invernada. Claro que a juntar a estas existem ainda as muitas espécies que vivem durante todo o ano e mesmo toda a vida neste belo habitat salobro e que dele dependem para comerem e alimentarem a família: são chamadas de residentes. No entanto, importa salientar que entre as muitas e importantes funções desempenhadas pelos estuários no equilíbrio ecológico do planeta, esta de servirem de “snack-bar” para muitas espécies durante as suas viagens migratórias é sem dúvida de suprema importância, permitindo aumentar o número dos sobreviventes, contribuindo activamente para a conservação dessas espécies. Este facto acresce a nossa responsabilidade na conservação e protecção desta zona do estuário do Douro. É vital não perturbarmos gratuitamente os habitat envolventes permitindo que a biodiversidade elevada que os caracteriza possa manter o precário equilíbrio que a distingue e as teias alimentares que o estuário do Douro e, em particular, a baía de São Paio suportam. Entre os clientes mais usuais encontramos espécies como alguns dos discretos passeriformes de caniçal, as agitadas felosas, as elegantes limícolas, as ruidosas gaivotas e gaivinas ou mesmo algumas aves marinhas que por cá se recolhem e que exigem que se reduza a pressão humana neste estuário, que lhes deixemos espaço para poderem criar a prole e banquetear-se com a maior brevidade, pois de pronto urge voltarem a partir. O relógio biológico toca a rebate neste início de Outono e eis que acabam de partir para Sul, num voo decidido na esperança de para o ano voltarem a ver esta bela vista em fundo azul… Texto: Rui Brito, biólogo Foto: João Luís Teixeira PARQUES E VIDA SELVAGEM | 19 parques de Gaia Burricada Foto: João L. Teixeira Em pequenos grupos, alimentaram gamos: nunca se esquecerão Foto: Filipe Vieira Campos e oficinas Oficinas de Inverno Seguindo o exemplo dos anos anteriores, Julho e Agosto foram meses que se tornaram inesquecíveis para dezenas de crianças e jovens que participaram em variadas actividades de Verão no Parque Biológico de Gaia. Acompanhadas por técnicos que orientaram o variado programa, dezenas de crianças pernoitaram no Parque e, em sério divertimento, deram alimento aos animais, andaram de burro, fizeram gincanas, entre muitas outras brincadeiras. No próximo mês de Dezembro o Parque Biológico de Gaia abre as suas Oficinas de Inverno. Destinando-se a crianças e jovens dos 6 aos 15 anos, funcionam de 17 a 21 e de 26 a 28, com entrada às 9h00 e saída às 17h30. Informações: Gabinete de Atendimento: [email protected] Telefone directo: 227 878 138 - Fax 227 833 583 4430-757 AVINTES www.parquebiologico.pt Quase nunca se pensa nisso, por ser óbvio: as redes bloqueiam a passagem para dois lados, não é só para um. O gaiolão mais recente do Parque Biológico de Gaia deixa surpreendidos os visitantes quando se lhes diz que a rede de malha escura está ali não para impedir que os patos-bravos e as garças fujam mas sim para que os discretos predadores do bosque não se sirvam de presas mais fáceis do que as que encontram em liberdade: as próprias aves do gaiolão. Os açores que se ocultam no arvoredo do Parque são as aves de rapina que mais fama têm de voracidade. Mas há também gaviões, búteos, raposas, doninhas e ginetas. Por isso... é usual economizarem o esforço de captura das presas! Com a vegetação já recomposta da construção do gaiolão, garças-brancaspequenas, ostraceiros, negrinhas, pato-trombeteiro, piadeiras, entre outros, estão ali a dar um gosto à vista e permitem que observemos comportamentos a apenas uma dúzia de metros, o que seria quase impossível quando em liberdade. Também os observatórios de madeira dos cercados são pensados para reduzir o stress dos animais em cativeiro, ora originários de reprodução em cativeiro ora irrecuperáveis para libertação na natureza. Arquivo PBG Presas protegidas Pablo Álvarez Guillén Agenda SÁBADOS NO PARQUE: DESFOLHADA Nuno Gomes Oliveira e Xosé Benito Rodríguez, junto à ponte de pedra do moinho do Belmiro Nos primeiros sábados de cada mês, o Parque Biológico de Gaia propõe um programa especial a quem o visita. Já no próximo sábado, 6 de Outubro, há um atelier sobre «A vida na água», às 11h00. Esta actividade desperta os participantes para o mundo microscópico que nos rodeia. Numa gota de água, podem estar representados milhares de seres que, a olho nu, passam despercebidos. São ainda abordados temas como qualidade da água, contaminação e ciclo da água. Às 14h30 há uma conversa ilustrada sobre a «Vida no rio Febros». Às 15h00 decorre uma visita guiada pelos técnicos do Parque e percurso ornitológico. Há também às 16h30 uma Recriação da desfolhada do milho, com a colaboração de um rancho. O custo é apenas o bilhete normal de entrada no Parque. Durante a manhã, pode assistir a algumas partes da anilhagem científica de aves selvagens (excepto se chover). O Parque Biológico de Gaia colabora com a Central Nacional de Anilhagem, coordenada pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, num projecto europeu de Estações de Esforço Constante, para monitorização das aves selvagens. PERCURSOS DE DESCOBERTA DA NATUREZA Visitas de trabalho No Verão houve uma série de individualidades que se deslocaram ao Parque Biológico de Gaia. O objectivo destas visitas foi essencialmente conhecer este equipamento de educação ambiental e trocar experiências. Xosé Benito Rodríguez, director-geral de Conservación de la Naturaleza, Consellería de Medio Ambiente e Desenvolvimento Sostible da Xunta de Galicia, pernoitou em 28 de Agosto na hospedaria do Parque Biológico e foi conduzido, no dia seguinte, numa visita guiada por Nuno Gomes Oliveira. Em Setembro o Parque Biológico recebeu também visitantes da Letónia. Com nomes pouco habituais entre nós – Gunta, Gita e Inga–, trabalham no "Nature Protection Board", um organismo equivalente ao Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade português. Terão visitado também o Jardim Zoológico de Lisboa e o CERVAS, na serra da Estrela. JG O Parque Biológico recebeu a visita de técnicas da Letónia Em 13 de Outubro, o Parque Biológico organiza uma visita ao rio Ovelha, na serra da Aboboreira, Marco de Canaveses. Partida do Parque Biológico de Gaia em autocarro. Necessária inscrição. O rio Ovelha nasce em Aboadela, Amarante. Passa na Serra do Marão e a sua foz localiza-se em Fornos, no Marco de Canaveses. Desagua no rio Tâmega. É um veio precioso de água que dá vida à terra e aos homens. GRANDE MARATONA DE ANILHAGEM CIENTÍFICA Sábado, 20 de Outubro, do nascer ao pôr-do-sol... Visite também neste dia o Parque Biológico de Gaia e assista à Maratona de Anilhagem Científica que comemora o 1.º aniversário deste programa de Investigação e Educação Ambiental. Passará a perceber qual o interesse de anilhar aves selvagens e terá um contacto mais próximo com a natureza, de que fazemos também parte. Mais informações: Gabinete de Atendimento, telefone 227878138 [email protected] COLHEITA DE CASTANHAS E MAGUSTO Dia 10 de Novembro, sábado, das 15h00 às 17h00 dê aos seus filhos a experiência de abrir as castanhas do ouriço e depois veja-os divertidos a saltar à fogueira. É necessária inscrição. EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA DA NATUREZA Abre dia 1 de Dezembro, pelas 17h15, a exposição de fotografia da natureza «PARQUES E VIDA SELVAGEM», EDIÇÃO DE 2007, contendo cerca de 30 fotografias seleccionadas pelo júri. Há nessa altura a entrega dos três prémios aos trabalhos destacados pelo júri composto por J. Paulo Coutinho, repórter-fotográfico do «Jornal de Notícias», João Nunes da Silva, fotógrafo da natureza e freelancer, e pelo director da revista «Parques e vida selvagem». RECEBA NOTÍCIAS POR E-MAIL Para os leitores saberem das suas actividades a breve prazo, o Parque Biológico de Gaia sugere uma visita semanal a www.parquebiologico.pt ou peça-as pelo e-mail [email protected] Mais informações: GABINETE DE ATENDIMENTO [email protected] Telefone directo: 227 878 138 • Fax 227 833 583 4430-757 AVINTES Portugal PARQUES E VIDA SELVAGEM | 21 parques de Gaia JG JG Uma das poupas bebés Sábados no Parque Centro de recuperação Nos primeiros sábados de cada mês, o Parque Biológico de Gaia propõe um programa especial e contempla os seus visitantes com várias actividades: um atelier de educação ambiental às 11h00, um tema após o almoço seguido de uma visita guiada. Num destes Sábados no Parque houve uma actividade extra — a devolução de uma salamandra-comum à manta morta do carvalhal. Dia 6 de Outubro há Sábado no Parque: o tema é a vida no rio Febros. Este ano o centro de recuperação do Parque Biológico de Gaia conta com a entrada de alguns exemplares de aves pouco comuns em anos anteriores. Entre eles encontram-se as Poupas (quem as conhece percebe-lhes o nome). Fomos a este propósito contactados por uma senhora que, preocupada por ver duas poupas muito pequenas, caídas do ninho, nos indagou sobre o que deveria fazer. Pedimos-lhe que se certificasse se os pais não estavam por perto e as alimentavam. No dia seguinte a esta conversa telefónica, recebemos as duas poupinhas bebés, cujas penas só se arriscavam a espreitar. Sempre que seja possível localizar o ninho recomendamos que as pequenas aves lhe sejam devolvidas. Também em muitos casos, os pais estão por perto e encarregam-se da alimentação das crias. Neste caso, o perigo para as pequenitas passava por serem um alvo muito fácil para os predadores. Em situações como esta, o motivo da queda do ninho pode atribuir-se à inexperiência dos pais para a construção, ou a condições adversas como ventos fortes ou tempestades. As recém-chegadas, receberam logo as atenções necessárias. Preparámos um ninho para ambas, com aquecimento e protecção, já que as crias, expostas a correntes de ar e alterações bruscas de temperatura, são muito vulneráveis a problemas respiratórios. (O calor artificial só é necessário até ao momento em que as aves estão emplumadas e começam a tentar sair do ninho). Assim que os sinais de conforto das pequenas aves se tornaram evidentes, iniciámos a alimentação. A espécie estava identificada, escolheu-se o tipo de comida a oferecer, tentando ser o mais coerente possível com os hábitos alimentares destas aves. A alimentação começava logo pela manhã, e de acordo com o apetite das crias. Assim que saciadas, viravam costas. Sentindo a falta da mãe poupa, foi também tarefa nossa manter a limpeza do ninho, já que estas poupinhas não traziam grandes hábitos de higiene. Todos os dias, pela manhã, e antes da primeira refeição, eram pesadas, o que nos permitiu avaliar a escolha da dieta. Dia a dia vimo-las crescer, aproximadamente com ganhos de peso na ordem dos 4 a 5 grama. Foram emplumando, gritavam por comida, aprenderam a comer sozinhas e quando atingiram Actividade «Ninho e comedouro em directo» Ciência Viva no Verão O Parque Biológico de Gaia concebeu e executou 17 actividades entre 15 de Julho e 15 de Setembro no conhecido programa Ciência Viva no Verão, promovido pela Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica. Do topo das mais altas serras portuguesas ao litoral, algumas dezenas de instituições abriram as suas portas e disponibilizaram técnicos para abrirem o horizonte da ciência à população em geral. Desde observações astronómicas a passeios científicos, passando por visitas a faróis e a grandes obras de engenharia, ao longo de todo o país quem se interessou pôde inscrever-se e participar gratuitamente. 22 | PARQUES E VIDA SELVAGEM os 55 grama, prepararam-se para o grande momento de liberdade. Das 15 poupas que deram entrada no nosso centro, 8 reagiram bem ao tratamento e foram libertadas. Para nós, que diariamente trabalhamos com estas realidades, sabemos não será a sobrevivência destes indivíduos que fará a diferença, mas traz-nos grande satisfação saber que contribuímos para que mais animais como estes possam habitar o nosso jardim, a nossa cidade, o nosso espaço. Por Vanessa Soeiro, veterinária Foto: João L. Teixeira O voo da garça-vermelha nesta Primavera, embora na verdade não se saiba... Divulgada a actividade, alguns interessados afluíram ao local a fim de assistirem à libertação destas espécies do património natural português. A garça foi marcada com uma anilha de cor, azul e branca, o que facilitará identificá-la à distância, com binóculos. O percurso natural desta ave, nesta época do ano, é o de migrar para África. Oxalá para o ano ela possa ser revista. Tornar estes actos públicos é uma das formas de as populações estabelecerem contacto com este tipo de fauna e compreenderem os seus ritmos de vida ao longo do ano. Esta acção foi organizada pelo Parque Biológico de Gaia numa parceria com o BioRia. Uma garça-vermelha e uma fêmea de cuco, reabilitadas pelo Centro de Recuperação do Parque Biológico de Gaia, foram devolvidas à natureza próximo de um caniçal na manhã de 22 de Setembro na zona húmida de Salreu. A ave tinha sido recolhida pelo SEPNA* na foz do rio Douro e entregue aos serviços veterinários do Parque em 3 de Agosto. Nessa altura encontrava-se desidratada e evidenciava ferimentos numa asa. Após uma resposta feliz ao tratamento, bem alimentada, urgia soltá-la em local adequado, de forma a aproveitar a época de migração que a espécie leva a efeito nesta altura do ano. Esta ave pode ter nascido nalguma colónia de nidificação num caniçal francês ou espanhol Texto e fotos: Jorge Gomes * Serviço de protecção da natureza da GNR. Uma segunda anilha, esta de cor, fácil de ver com binóculos Anilhagem e registo Momento da libertação PARQUES E VIDA SELVAGEM | 23 20 BIODIVERSIDADE E ECOTURISMO BIODIVERSITY AND ECOTOURISM S. TOMÉ E PRÍNCIPE´ 2008 Cidade de S. Tomé, 21 a 28 de Março de 2008 Na sequência dos contactos entre autoridades de S. Tomé e Príncipe e o Parque Biológico de Gaia, no âmbito da Cooperação do Município de Vila Nova de Gaia com aquela República, surgiu a ideia de promover um encontro lusófono sobre biodiversidade, educação ambiental e turismo de natureza. Assim, vimos anunciar esse encontro, que terá lugar na Cidade de S. Tomé, de 21 a 28 de Março de 2008. Este seminário, promovido pelo Parque Biológico de Gaia, E.M. e pela Direcção Geral de Ambiente da República de S. Tomé e Príncipe terá o alto patrocínio do Primeiro Ministro de S. Tomé e Príncipe, dos Ministros dos Recursos Naturais e Ambiente, da Administração Pública, Reforma do Estado e Administração Territorial, e da Economia do Governador do Banco Central de S. Tomé e Príncipe e do Presidente da Câmara Municipal de V. N. de Gaia. O seminário conta com o apoio do Grupo Pestana / Intervisa /TAP, a logística está cargo da Agência de Viagens Intervisa e decorrerá no Palácio dos Congressos de S. Tomé e Príncipe, no Centro Cultural Português e na Sala de Conferências do Jardim Botânico de S. Tomé. Aberto aos santomenses, portugueses e outros cidadãos lusófonos, este seminário pretende ter um figurino diferente dos habituais congressos e encontros; será, a um tempo, espaço de cooperação, de discussão, de ensino e de descoberta. Tempo de ensino, pois pretende-se que quem, de Portugal, for ao seminário de S. Tomé e Príncipe leve e dê a sua experiência profissional: uma parte da seminário, será constituída por palestras e ateliers de educação ambiental, dinamizados pelos próprios participantes, no seio da comunidade local. Tempo de cooperação já que se pretendem estabelecer laços, para o futuro, entre os técnicos dos dois países; mas no imediato, no presente, os participantes no seminário, oriundos de Portugal, viajarão acompanhados de um contentor cheio de material didáctico que, colectivamente, oferecem a S. Tomé e Príncipe. Tempo de discussão, nos debates que serão promovidos, sobre ecoturismo, educação ambiental e conservação da biodiversidade, moderados por jornalistas santomenses. Tempo de descoberta, pois iremos ao encontro de um país fabuloso e de um povo acolhedor. A inscrição nas sessões do seminário será gratuita, mas a viagem, alojamento, visitas e refeições em S. Tomé terão um custo próximo do previsto na anterior edição desta revista que, acrescido das taxas, perfaz € 1.790,00, preço especial que se deve à colaboração da Agência Intervisa (Grupo Pestana) e da TAP. Ainda estamos a tentar obter outros apoios para esta iniciativa que, nomeadamente, nos permitam convidar alguns especialistas para guiarem visitas e fazerem palestras. É fundamental obter um número mínimo de inscrições no mais curto espaço de tempo (lembramos que já há mais de 100 pré-inscrições) de modo a ser possível reservar definitivamente os voos na TAP, o único operador a voar, neste momento, para S. Tomé. Contamos consigo Arlindo de Ceita Carvalho Director Geral de Ambiente S. Tomé e Príncipe Nuno Gomes Oliveira Presidente do Parque Biológico de Gaia Programa geral 21 DE MARÇO (SEXTA-FEIRA) 20h15 – Partida do Porto, em avião, para Lisboa (comparência no aeroporto 2 horas antes) 00h40 – Partida de Lisboa, no voo TP 225 para S. Tomé (comparência no aeroporto 2 horas antes) 22 DE MARÇO (SÁBADO) 05h15 – Chegada a S. Tomé e instalação nos hotéis Resto do dia e almoço livre 20h00 – Jantar no Hotel Miramar 23 DE MARÇO (DOMINGO DE PÁSCOA) Pequeno-almoço nos hotéis 10h00 – Partida para visita ao Norte da ilha Piquenique na Praia das Conchas, fornecido pelo Hotel Miramar 14h00 – Regresso a S. Tomé 20h00 – Jantar no Hotel Miramar 24 DE MARÇO (SEGUNDA) Pequeno-almoço nos hotéis 10h00 – SESSÃO DE ABERTURA - Primeiro Ministro de S. Tomé e Príncipe - Ministro dos Recursos Naturais de S. Tomé e Príncipe - Ministro da Economia de S. Tomé e Príncipe - Director Geral do Ambiente de S. Tomé e Príncipe - Presidente do Parque Biológico de Gaia – Portugal 10h30 - Inauguração da exposição de posters 11h00 / 11h30 - Intervalo para experimentar o café de S. Tomé 11h30 – Partida para a Roça S. José e Roça Santa Clara, visita à plantação de flores, almoço. 12h30 – Piquenique servido pelo Hotel Miramar 15h00 – Regresso a S. Tomé 16h00 – CONFERÊNCIA/DEBATE SOBRE AMBIENTE Pretende-se realizar um conjunto de 3 a 4 pequenas conferências sobre temáticas ambientais actuais, no Centro Cultural Português. 20h00 – Jantar no Hotel Miramar 25 DE MARÇO (TERÇA) Pequeno-almoço nos hotéis 09h00 – Partida para visita ao Jardim Botânico do Bom Sucesso. 10h00 - CONFERÊNCIA/DEBATE SOBRE BIODIVERSIDADE Local: Sala de Conferências do Jardim Botânico do Bom Sucesso 11h30 – Visita pedestre à Lagoa Amélia, no Parque Natural Obô 13h00 – Visita à Roça Bombaim 13h30 – Piquenique servido pelo Hotel Miramar 16h00 – Regresso a S. Tomé 20h00 – Jantar no Hotel Miramar 26 DE MARÇO (QUARTA) Pequeno-almoço nos hotéis 09h00 – Partida para visita à zona Este da Ilha 13h00 – Travessia de barco para o Ilhéu das Rolas (sobre o Equador), almoço no Hotel Equador e visita ao Ilhéu das Rolas 17h00 – Regresso a S. Tomé 18h00 – CONFERÊNCIA/DEBATE SOBRE ECOTURISMO Local: Centro Cultural Português 20h00 – Jantar no Hotel Miramar 27 DE MARÇO (QUINTA) Pequeno-almoço nos hotéis 09h00 – Partida para o interior da ilha com visita à Roça Monte Café, com percursos pedestres em pequenos grupos, guiados por habitantes da Roça. Visita ao infantário. 13h00 – Almoço no Hotel Miramar 14h00 – ATELIERS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL Os participantes no Encontro, que tenham experiência de acções de Educação Ambiental, e as queiram realizar em S. Tomé, para pequenos grupos de jovens ou/e professores, devem avisar a organização, para que esta tarde seja o nosso contributo para a formação de santomenses em Educação Ambiental. 20h00 – Jantar no Hotel Miramar 28 DE MARÇO (SEXTA) Pequeno-almoço nos hotéis 11h30 – SESSÃO DE ENCERRAMENTO Tarde Livre 20h00 – Jantar de enceramento e despedida oferecido pelo GRUPO PESTANA, no Hotel Miramar 29 DE MARÇO (SÁBADO) Em hora a informar localmente, transporte do hotel ao aeroporto 06h45 – Partida para Lisboa e Porto no voo TP 224 (Chegada a Lisboa às 12h45) Continuação do voo para o Porto. Inscrição e viagem A inscrição no seminário é gratuita. A inscrição na viagem e estadia em S. Tomé, com partida do Porto ou de Lisboa custa € 1.790,00 em quarto duplo (Suplemento de quarto single: € 350). O custo incluí: Participação em todas as actividades do programa; Passagem aérea em classe económica Lisboa / S. Tomé / Lisboa ou Porto / Lisboa / S. Tomé / Lisboa / Porto, com direito ao transporte de 20 kg de bagagem; Transfer do Aeroporto ao Hotel e vice-versa; Alojamento em quartos duplos (ou single, com pagamento de suplemento); Pequenos-almoços, piqueniques, almoços e jantares conforme mencionado no programa; Seguro de assistência em viagem; Assistência por delegado da INTERVISA durante a estadia; Taxas de serviço, segurança, combustíveis (€ 157,81) e IVA. Inscrições a partir de 31 de Dezembro de 2007 terão um agravamento de custo de 10% e ficam sujeitas à disponibilidade de lugares no voo e nos hotéis. Os pagamentos devem ser feitos em cheque ou vale postal à ordem do Parque Biológico de Gaia, ou por transferência bancária para o NIB: 0033 0000 0026 0035 1760 5. Após 31 de Dezembro, em caso de anulação da inscrição, o valor pago como sinal não será devolvido. A organização registou já mais de 100 intenções de participação neste seminário, mas reserva-se o direito de anular a viagem se até 30 de Novembro não houver confirmação de um número mínimo de inscrições. Aspectos práticos da viagem O preço não inclui: Despesas de visto Taxa de aeroporto a pagar à saída (cerca de € 50) A inscrição na viagem tem de ser feita até 30 de Novembro de 2007, acompanhada de um sinal e primeiro pagamento de € 500, 00. Até 31 de Dezembro deverá ser feito um segundo pagamento de € 500,00; durante Janeiro de 2008 será efectuado um novo pagamento de € 500,00 e até 29 de Fevereiro liquidados os restantes € 290,00. O pagamento também poderá ser feito de uma vez só, ou um pagamento inicial de € 1.000,00 e os restantes € 790,00 até 29 de Fevereiro. Apoio logístico: Consultar: http://stome.net/ Informações e pedido de boletins de inscrição. Drª. Cristina Neves Parque Biológico de Gaia, E.M., 4430-757 Vila Nova de Gaia [email protected] Tel. (351) 227 878 120 - Fax (351) 227 833 583 Data-limite de inscrição 30 de Novembro de 2007 (após esta data haverá um acréscimo de 10% de custo) entrevista Um terço é Parque Natural Arlindo Ceita Carvalho, director-geral do Ambiente da República de S. Tomé e Príncipe, visitou o Parque Biológico de Gaia no passado mês de Agosto e falou a esta revista sobre o seu país, que converteu um terço do território em Parque Natural… estas espécies, ao abrigo do qual já enviámos Tendo vindo a Portugal com vista para o mar mais de 50 mil crias, mas ainda a estudar uma parceria com o temos uma grande dificuldade nesta área: Parque Biológico de Gaia, Arlindo são animais cobiçados no território porque Carvalho sublinha: «Trata-se de as pessoas já anteriormente as caçavam como um circuito onde as pessoas alimento, e até tínhamos uma pequena parte andam quase 3 Km sem darem da população que se dedicava ao artesanato conta, graças à forma como o com as carapaças. percurso se vai enriquecendo de Como resultado das ligações que atractivos». E adianta: «Também estabelecemos com parceiros internacionais, se nota o papel importantíssimo nomeadamente a União Europeia, estamos que o Parque Biológico desema tratar da reconversão dessas pessoas. Até penha na conservação e na ao momento ainda não conseguimos uma utilização sustentada dos recursos: taxa satisfatória de reconversão, mas sabemos a educação ambiental é uma que isso ocorre porque as pessoas já se componente fundamental para dedicavam a essas práticas como meio de as questões relacionadas com a vida. Hoje ainda há situações destas, inclusive protecção e a conservação do de recolha de ovos, apesar de toda a pressão património natural e isso interessa que fazemos para o evitar. sobretudo à vida do nosso recémArlindo Ceita Carvalho é director-geral do Na prática, é um tipo de caça furtiva. Há criado Parque Natural do Obô». Ambiente de S. Tomé e Príncipe outros? Ficamos à conversa: ACC — A área das tartarugas é a mais S. Tomé e Príncipe, apesar de problemática. Depois há a questão das aves endémicas: a população também estar na bacia do Congo, uma zona especial para a conservação, de caça aves em geral. De resto, só o porco-do-mato tem procura, mas neste interesse mundial, não tem sido um tema dos programas de TV de caso não há motivo para preocupação. impacto na vertente da natureza. Porquê? Em breve iremos aprovar uma Lei da Caça que será capaz de trazer Arlindo Ceita Carvalho — O arquipélago de S. Tomé e Príncipe já é procurado uma acção benéfica na protecção das espécies sob pressão. No nosso como destino de ecoturismo, não de uma forma abrangente mas especializada. país, o grande problema é que as pessoas caçam em todas as épocas Ou seja, o país tem especificidades próprias: o número de pessoas que lá do ano, mesmo na altura em que as aves estão a nidificar. Mas temos se deslocam vão com o objectivo de poderem realizar estudos científicos uma proposta de lei que vamos submeter ao Governo para suprir nas mais variadas matérias. Temos, contudo, quem hoje já vá para a nossa essa lacuna. Acredito que aqui se trata mais de regulamentar e fazer terra apenas para fazer caminhadas por circuitos turísticos de forma a a gestão da caça. Não se compromete a verdade se se disser que não conhecer melhor as particularidades culturais e para usufruir da natureza. há demasiadas pessoas a dedicarem-se a isso. É obrigatório observar: o nosso Parque Natural foi criado o ano Há animais perigosos em S. Tomé e Príncipe? passado. Falo do Parque Natural do Obô, que abrange S. Tomé e o ACC — Ter a ideia de que é um país onde estaremos à mercê de animais Príncipe. perigosos é falsa. Temos cobras, mas quando as pessoas se aproximam elas Depois da criação do parque é que começámos a divulgá-lo. Conseguimos, fogem. Há uma única espécie que, se por uma casualidade rara, alguém a apesar da nossa dimensão, que o parque ocupasse 30% de território nacional, pisar, ela pica para se defender, mas isso hoje em dia nem sequer é um ou seja, um terço do país. Isso demonstra o interesse de querer proteger e problema, porque se encontra o antídoto com facilidade. Este é o único conservar uma série de espécies que consideramos serem importantes e animal no país que podemos considerar perigoso, que foge de nós e que é assim contribuir a nível internacional para a defesa da biodiversidade. importante no equilíbrio do seu ecossistema, controlando ratos, etc. Hoje Repare que a nossa flora faz parte da floresta da bacia do Congo, uma em dia conheço pessoas que brincam com elas, estão habituadas e não têm floresta da maior importância a nível mundial. Estamos a dar a nossa problemas. Fora disso, nada mais é perigoso, nem aranhas terríveis nem contribuição a esse nível para que possamos também tornar-nos um país nada. com futuro. Bem, em Portugal há duas víboras… A que países pertencem os cientistas que costumam trabalhar em S. ACC — Antigamente havia um problema sério: as pessoas tinham medo de Tomé e Príncipe? visitar o país por causa dos mosquitos, do paludismo. Nesta altura o paludismo ACC — Temos tido parcerias com algumas universidades dos Estados Unidos está quase completamente erradicado, está bem dominado, já não é um da América, de Portugal, da França, entre outros países. De uma forma geral, problema. Se formos agora a algum dos nossos hospitais não se vê nem 2% realizam estudos sobre aves e plantas. Também há pesquisas ligadas às das pessoas em tratamento que estejam afectadas por paludismo. espécies marinhas, como certas espécies de tartarugas, sobretudo as que O país tem uma grande atracção do ponto de vista da biodiversidade que estão em vias de extinção. Temos tido uma cooperação estreita com algumas pode ser fonte de um grande prazer para os visitantes, para além das praias, instituições no sentido de conhecermos o seu ciclo de vida e tentarmos lindas, mas temos atracções fantásticas do ponto de vista do ecoturismo. consolidar mecanismos para a sua protecção. Quem for ao nosso arquipélago vai sair de lá muito satisfeito com o que Mas temos agora uma grande responsabilidade com a criação oficial do encontrar, desde plantas e aves endémicas, a borboletas e morcegos Parque Natural e queremos fazer uma gestão sustentável do mesmo. Por endémicos, uma grande variedade de espécies que apenas existem em S. isso estamos à procura de parceiros que já têm experiência na matéria, de Tomé e Príncipe, o que é uma grande atracção e um extraordinário motivo forma a que estejamos seguros de que o que fazemos é correcto. para nos visitarem. Falou de tartarugas marinhas: quantas espécies desovam no arquipélago? ACC — Das sete espécies de tartarugas marinhas mundiais cinco desovam Texto e foto: JG em S. Tomé. Temos no terreno um programa de protecção que visa proteger 26 | PARQUES E VIDA SELVAGEM entrevista entrevista Anilhar para conservar Se alguém disser que Peter Fearon esbranquiçou os seus cabelos em demoradas sessões de anilhagem científica de aves selvagens não estará longe da verdade. Exercida esta actividade nas suas férias, um pouco por todo o mundo, alcançou o Parque Biológico de Gaia no fim do ano passado. Lançámo-nos à conversa... Ringing in Vila Nova de Gaia Peter Fearon is a chemist, he graduated in 1966 at JM of Liverpool and got his Ph. D. in 1974 at the University of Nottingham. His interest in ornithology began early in his life and he started bird ringing in the early 60's, and obtained his license shortly after. Having been in Portugal several other times (Lisbon, Parque Natural do Montesinho, Coimbra and at an event called “Atlas das Aves Nidificantes em Portugal no Algarve”, among others), his visit to Parque Biológico de Gaia was a memorable one. Impressed by the conditions that the Park offers, he also managed to ring a bird he had never been able to ring in Portugal before, and he expresses his wish to return one day. Comparing ringing in England and in Portugal, Fearon tells us that in England it started around 1909, and was a purely leisure activity. It started growing due to the necessity of forming groups to share the expenses of the ringing material and today it is under the wing of the B.T.O. (British Trust for Ornithology), a non-governmental organization. Here in Portugal, it started in Oporto, led by Sociedade Portuguesa de Ornitologia and Prof. Santos Júnior. Nowadays it is the responsibility of the government, more specifically the I.C.N. (Instituto da Conservação da Natureza). According to Fearon, to be a good bird ringer, one has to be very pacient, willing to learn and have a good knowledge about the different bird species. Also, it is of the utmost importance that the safety of the bird should be regarded as top priority. On a last note, Fearon stressed that bird ringing is a very useful tool in the study of the demography and habits of the different birds, it also helps to identify the importance of certain places that might be endangered and give hard evidence which will allow their preservation. Peter Fearon mostra a algumas crianças que visitam a sala de anilhagem do Parque Biológico de Gaia um tentilhão-comum e sorri. Dificilmente lhe ouvimos a voz, concentrado no caudal de aves a medir, pesar, anilhar e soltar. A presença deste homem discreto exala um respeito que atinge os presentes, até mesmo entre experientes anilhadores. E, no entanto, não é biólogo! Pode estranhar à vontade: este homem é químico! Licenciado pela Universidade de Liverpool em 1966, com Grau de Honra em Química, após uma passagem pela indústria regressou à vida universitária como aluno de doutoramento na Universidade de Nottingham, tendo obtido o grau de doutor em 1974. Diz: «A partir daqui tornei-me professor, e foi esta a minha profissão nos últimos 33 anos». O seu interesse pela ornitologia e pela observação de aves surgiu desde muito cedo: «Enquanto ainda frequentava a Universidade encontrei um amigo com o mesmo interesse». Juntos iniciaram «a observação de aves com regularidade não só em Inglaterra, mas em vários países da Europa, desde o Norte até ao Sul, incluindo alguns países do Bloco de Leste. Partilhámos algumas aventuras engraçadas e uma ocasião, na antiga Jugoslávia, acabámos até na prisão! Foi na altura da invasão da Checoslováquia pelos russos em 1968 e as nossas actividades eram consideradas suspeitas!». Através desta paixão pela observação de aves selvagens «estabeleci contacto com vários anilhadores e resolvi dedicar-me a esta actividade. Iniciei a anilhagem no início dos anos 60, quando ainda era estudante universitário e rapidamente obtive uma licença do tipo “A” emitida pelo British Trust for Ornithology (B.T.O.), organismo responsável pela anilhagem em Inglaterra». As credenciais do tipo “A” permitem, para além de anilhar, poder dar formação a novos anilhadores. Impunha-se perguntar: Quer dizer-nos algo sobre a sua primeira experiência de anilhagem no Parque Biológico de Gaia, em particular quando anilhou chapins-carvoeiros? Peter Fearon — Gostei muito da sessão de anilhagem em que tive o prazer de participar no Parque Biológico de Gaia, em Dezembro último, por convite do Rui Brito e do António Pereira. Fiquei impressionado com todas as condições e qualidade do local. O Parque Biológico fez-me lembrar de um local onde um amigo meu costuma anilhar em Nottingham, mas que é privado. Fiquei invejoso das condições existentes e do próprio sítio: quem me dera ter as mesmas condições que ali encontrei em Inglaterra. Com o decorrer do tempo obterão muita informação sobre as aves do Parque e vão construir um padrão da população das várias espécies e dos seus movimentos, o que é de extrema importância ao nível da conservação. O apoio dos responsáveis do Parque e dos seus colaboradores, pelo que pude verificar, é enorme, o que é de registar. O Parque é muito bonito e mantém excelentes instalações. O centro de recepção aos visitantes é impressionante, com instalações muito agradáveis e brilhantes serviços ao nível da educação ambiental. A forma como fui recebido e a hospitalidade que me dispensaram foi do outro mundo e por isso agradeço a todos. Sobre o chapim-carvoeiro, esta espécie é abundante em Inglaterra e capturo-a e anilhoa regularmente, seja num dos locais onde costumo anilhar ou até no meu jardim. No entanto, é verdade que em Portugal nunca tinha anilhado nem tão-pouco sequer observado nenhum nos últimos 30 anos, até agora, aqui no Parque. Foi muito gratificante para mim poder finalmente segurar nas mãos e anilhar o primeiro chapim-carvoeiro que anilhei em Portugal, dado que é uma das minhas espécies de aves favoritas. Gostava de voltar a anilhar no Parque Biológico de Gaia? P. F . — Sim, sem qualquer dúvida adoraria voltar lá e espero fazê-lo, mal surja uma oportunidade. Desde 1978 que visita com assiduidade Portugal. Porquê? P. F . — A primeira vez que vim a Portugal, foi em Agosto de 1974, durante três semanas passadas em Lameira, perto de Arzila, no vale do Mondego, entre Coimbra e Figueira da Foz. As pessoas locais eram de uma enorme simpatia e muito hospitaleiras. As crianças eram muito curiosas e costumavam visitar-nos no nosso acampamento todos os dias. Nessa altura fomos convidados a ir a casa de um habitante local que produzia o seu próprio vinho e aguardente. Foi a minha primeira experiência com o vinho e aguardente lusos. Foi sem dúvida o início de um já longo romance com o vinho português. As notícias propagaram-se rapidamente entre a população local e todos rapidamente ficaram a saber que eu tinha dado uma “grande” contribuição no peditório realizado na missa de sábado, na igreja local. Todos os fins-desemana parecia que havia uma enorme festa pelas diversas vilas locais e pude tomar contacto PARQUES E VIDA SELVAGEM | 27 com a cultura e tradições locais. Uma das características que me impressionou naquela altura foi o amor que os adultos tinham pelas crianças. Em 1978, visitei pela primeira vez a Lagoa de Santo André, e desde então venho todos os anos para essa zona magnífica da costa alentejana, hoje Reserva Natural. As únicas excepções foram quando a minha esposa Anne estava grávida. Nos primeiros anos, costumava visitar o Ludo, perto de Faro, para fazer anilhagem de limícolas — espécies de aves pernaltas que se alimentam na vasante —, durante alguns dias, normalmente no final da nossa estadia em Portugal. Os habitantes locais de Santo André eram também muito hospitaleiros e, desse modo, este local tornouse a nossa “casa” durante o mês de Agosto. Tratava-se de uma região abençoada pelo sol, quente e com tempo seco, possuidora de uma praia muito boa perto. O bosque e toda a área envolvente ao acampamento de anilhagem era perfeito para as crianças brincarem e terem aventuras. O único problema que tivemos foi com a caça e os caçadores, mas felizmente agora terminou. No início, a única razão para vir para Portugal foi anilhar aves, principalmente espécies que não ocorriam em Inglaterra, ou as provenientes de Inglaterra rumo ao Sul, ou ainda para treinar e formar anilhadores portugueses. Com o passar dos anos fomos fazendo muitos bons amigos e os meus filhos adoram tanto o país que não podemos sequer pensar em fazer férias em qualquer outro sítio. Ao longo destes anos fomos visitando grande parte do país e, além do Alentejo, participámos no «Atlas das Aves Nidificantes em Portugal no Algarve», visitámos o Parque Natural de Montesinho, os arredores de Lisboa e a própria cidade, e passamos todos os anos algum tempo perto de Coimbra, desfrutando da hospitalidade da família do Paulo Tenreiro, um grande anilhador português. No ano de 1983 tivemos a sorte de poder visitar as ilhas Selvagens para participarmos em trabalhos de censos de aves. Tem sido interessante encontrar tantos habitat tão diferentes e diversificados num país tão pequeno e eu e a minha família gozamos muitas das várias experiências possíveis, desde as magníficas praias de areia, passando pelas florestas e as mais selvagens e inóspitas zonas de montanha. Alguma vez capturou aves já anilhadas noutros países em Santo André? As mãos de Peter Fearon parecem mágicas a tirar tirar as aves da rede: os dedos têm olhos P. F . — Já recapturámos muitas aves com anilhas estrangeiras ao longo dos anos em Santo André – maioritariamente rouxinóispequenos-dos-caniços e felosas-dos-juncos, com anilhas de Inglaterra, Holanda, França e Bélgica. Algumas das mais notáveis recapturas incluem um rouxinol-pequeno-dos-caniços, com uma anilha checa e uma felosa-musical com uma anilha da Hungria. Outra experiência magnífica que vivemos prende-se com a recaptura, num dos anos em que anilhámos no Ludo, de um pilrito-comum, que tinha sido anilhado por nós em Inglaterra, e uma cigarrinha-ruiva que tínhamos anilhado há umas semanas em Santo André. Outra recaptura fantástica foi a de uma felosaaquática, que nós voltámos a recapturar dois anos depois quase exactamente no mesmo dia. Existiram ainda dois guarda-rios, que raramente efectuam grandes migrações, que mostraram incríveis movimentos, um para a Holanda e o outro para a Bélgica onde foram recapturados. Em Portugal a anilhagem é uma actividade desempenhada maioritariamente por cientistas, logo não é popular. Na GrãBretanha quem a desempenha são pessoas credenciadas mas com as mais variadas profissões. Como explica este contraste? P. F . — Em Inglaterra a anilhagem iniciou-se João L. Teixeira entrevista em 1909 e era tradicionalmente realizada por amadores. Surgiu e cresceu através de observadores de aves como um passatempo. Durante os primeiros 50 anos de anilhagem, as aves eram capturadas em armadilhas ou eram anilhadas enquanto crias no ninho. A maioria das sessões de anilhagem realizavamse nos jardins dos próprios anilhadores. O trabalho académico, utilizando esta ferramenta resumia-se a anilhar crias em caixasninho ou então crias em colónias de espécies marinhas. A introdução das redes verticais, chamadas mist-nets, nos finais da década de 50 transformou totalmente a estrutura da anilhagem, permitindo capturar aves adultas em múltiplos habitat diferentes. Isto ajudou a encorajar mais amadores e académicos a começarem a anilhar. No entanto, dos 2 mil anilhadores credenciados existentes em Inglaterra, a grande maioria são amadores. Tradicionalmente em Inglaterra temos de comprar as anilhas e estas são caras. Isto permitiu aos anilhadores tornarem-se muito independentes e anilharem o que mais gostassem. No entanto, por causa do custo elevado das anilhas, os anilhadores formaram entre si grupos de anilhagem, partilhando, deste modo, os custos inerentes. Dentro da estrutura dos grupos eram encorajados projectos Jorge Gomes Peter Fearon anilha um tentilhão-comum e desvenda-o a um grupo de visitantes que passa na casa do Chasco, no percurso de descoberta da natureza do Parque Biológico de Gaia com certas espécies e em áreas definidas. As conferências anuais de anilhadores, com a participação de mais de 400 anilhadores, permitiam uma interessante e salutar troca de ideias e a apresentação de resultados, num evento que reunia académicos e amadores com as aves por pano de fundo. Em Inglaterra, não existe a tradição, ao invés de Portugal, da caça às aves. Penso que em Portugal tem sido feito já um esforço de sensibilização, mas ainda existe um longo caminho pela frente no sentido de educar a população e levá-la a apreciar actividades como a observação das aves e a anilhagem, bem como o convívio com a natureza e vida selvagem em geral, em substituição do «prazer» de as matar. O início da anilhagem em Portugal ocorreu no Porto, baseado na Universidade e dirigido pela Sociedade Portuguesa de Ornitologia e pelo Prof. Santos Júnior, tendo depois da morte deste sido abandonada. A actual Central Nacional de Anilhagem é relativamente recente e ainda se encontra em desenvolvimento e crescimento à medida que mais pessoas descobrem o valor, a importância e o prazer de estudar as aves. Esta Central é tutelada pelo Estado português através do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, ao contrário da Central Inglesa, da responsabilidade do BTO, um organismo privado. Quer contar-nos alguma das histórias recolhidas na sua longa actividade de anilhagem científica? P. F. – Depois de todos estes anos a anilhar, existem, sem dúvida, diversas histórias interessantes. O meu filho mais velho, também Peter Fearon, quase nasceu no local em que costumamos anilhar em Inglaterra. Tínhamos apanhado muitos andorinhões e andorinhasdos-beirais, quando a minha esposa Anne me disse que pensava que era tempo de ir para o Hospital. E claro que a minha resposta foi que não poderíamos ir enquanto não terminássemos de anilhar todas as aves! Em Portugal há diversas histórias de pessoas que ficaram atoladas na lama, que foram atingidas por pedras que se soltaram dos penhascos ou que ficaram presas no topo de árvores durante actividades de anilhagem. Nos primeiros anos, em Santo André, tivemos várias aventuras com as vacas que muitas vezes conseguiam escapar pelas vedações e provocar estragos. Disseram-me que a imagem mais divertida de sempre foi uma vez quando eu e o Paulo Catry, em mais uma visita às redes para recolher as aves capturadas, demos de caras com um touro! Após termos tentado assustá-lo e afastá-lo das redes durante mais de meia hora, sem sucesso, conseguimos finalmente pô-lo a correr – atrás de nós! Felizmente não há fotografias do momento... O que aconselha a quem se quiser tornar um bom anilhador, dada a importância deste trabalho para a conservação da natureza? P. F. – Para ser um bom anilhador é necessário ser muito paciente e desejar aprender. Requer uma boa capacidade de identificação das aves e conhecimento sobre as diferentes espécies, o que pode levar bastante tempo e dedicação a conseguir. Os anilhadores necessitam de colocar sempre a segurança da ave em primeiro lugar e serem capazes de as manipular sem lhes causar qualquer dano. A anilhagem de aves desempenha um papel vital na conservação da natureza. Permite monitorizar os movimentos das aves, as suas rotas de migração, a longevidade e distribuição das espécies. A estrutura etária das populações e o recrutamento para as populações de aves jovens podem igualmente ser estudados numa escala global. O tamanho das populações e a sua tendência populacional podem também ser monitorizados em locais-chave. Os dados provenientes da anilhagem podem ainda ajudar a identificar a importância de certos sítios que podem estar ameaçados por diversos factores e fornecer dados concretos e evidências que ajudem à preservação desses mesmos lugares. Texto: António Pereira, Jorge Gomes e Rui Brito PARQUES E VIDA SELVAGEM | 29 registo O Campo de anilhagem de aves de Monte Morais (1973) Foto NGO Há um certo tempo Por Nuno Gomes Oliveira Setembro de 1973 Depois de uma prévia passagem na Administração Florestal de Macedo de Cavaleiros, onde nos é emitida uma credencial de “livre-trânsito”, chego ao Perímetro Florestal de Monte Morais, um cabeço com 3676 hectares, a 600 e tal metros de altitude, uma das maiores unidades contínuas de serpentinites — rochas que formam solos impróprios para a maioria das plantas — e altamente representativa da flora ultrabásica. Vou com o Correia dos Reis, e procuramos um grupo de ingleses do Iberian Ringing Group, do British Trust for Ornithology (BTO), grupo criado pelo conhecido ornitólogo Chris Mead (1940-2003) e que promoveu uma série de expedições ornitológicas a Portugal e Espanha, entre 1967 e 1977. O nosso anfitrião seria o Dr. A. Barrie Watson: com ele e com outros colaboradores do BTO, passaríamos semanas a anilhar aves, nesse e no ano seguinte, em Monte Morais, em Santo André, no Paul de Arzila e na Reserva Ornitológica de Mindelo, neste último local, com o Prof. Santos Júnior. Com o Dr. Watson aprendemos muito sobre anilhagem e migrações de aves e, ainda hoje, muitos dos velhos anilhadores portugueses conhecem por “bengala do inglês” uma pequena vara, com dois ganchos na ponta, usada para baixar e subir as redes de anilhagem. Nas voltas da vida, acabei por perder o contacto com o Barrie Watson; ao redigir este texto lembrei-me de o procurar na internet; passaram 34 anos, mas... sabe-se lá! Encontrei um A. Barrie Watson na página do Sussex Biodiversity Record Centre mas, seguramente, não poderia ser a mesma pessoa, pois o que conheci em Monte Morais era médico de profissão e ornitólogo amador; mas sempre poderia ser da família. A medo, enviei-lhe um e-mail perguntando se era a mesma pessoa que... em 1973... Rápida, a resposta chegou: efectivamente é a mesma pessoa, reformou-se da profissão e continua a anilhar (340 Corujas-das-torres anilhadas este ano!), tem 4 netos e, disse-me, ainda conserva na sua secretária o meu cartão-de-visita. O convite já seguiu: venha a Portugal lembrar-nos dos tempos do Iberian Ringing Group (Grupo Ibérico de Anilhagem). Monte Morais (PTCON00023 - Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97, de 28 de Agosto) O sítio Monte Morais corresponde a uma elevação subplanáltica de altitude média (entre 600 e 700m). Possui elevado interesse a nível geológico e faunístico, pois representa uma das maiores unidades contínuas de serpentinites em Portugal, rochas algo raras a nível mundial, e uma das áreas mais representativas de flora ultrabásica. Os serpentinites originam solos com elevados teores de crómio, níquel e cobalto, que se tornam tóxicos para a maioria das plantas. A vegetação que ocupa esta área é tipicamente mediterrânea, sendo a comunidade climática dominada por azinheira, sobreiro, esteva, rosmaninho e tojos. 30 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Dadas as características litológicas particulares desenvolvem-se alguns endemismos, sendo a salgadeira (Alyssum pinto-da-silvae) a mais comum (Ribeiro, A, s/d). Sítio inserido na área de distribuição do Lobo, e que se destaca pela representatividade da avifauna no Norte do país. Inclui seis espécies de aves incluídas no Anexo I da Directiva das Aves, nomeadamente a Águia-de-bonelli, a Cegonha-branca e a Calhandrinha, para além de mais 15 espécies representativas (ICN, s/d). Para além do Lobo, as espécies prioritárias de mamíferos presentes na área são a Lontra e a Toupeira-de-água, estando os répteis e os peixes representados pelas espécies já citadas para os outros Sítios. Paulo Tenreiro é um anilhador Pedro e Rui Andrade são dois irmãos experiente que anilhou de Barcelos, que estão a receber em 16 de Dezembro formação: tiram da rede um melro-preto no Parque Biológico Um cuco que migrava para o Sul caiu numa das redes em 25 de Agosto Uma cria de tordo-pinto deu nota de que a espécie nidifica no Parque: 7 de Julho. Foto: Pedro Aires Os visitantes podem assistir: é tudo explicado nos 1.ºs e 3.ºs sábados de manhã de cada mês Peter Fearon (filho) veio do Canadá e também anilhou em 23 de Dezembro no Parque Biológico E depois de anilhados, pesados e medidos há que devolvê-los ao bosque: lá vai um verdilhão Um ano a anilhar «A rede tem gelo?», diz Rui Brito. Soou mais a afirmação do que a pergunta. Certo é que para desenrolar as longas redes de anilhagem já não é só abaná-las: com sorte, neste caso basta um sopro de ar quente com a boca e as gotas de gelo soltam as malhas... A luz da manhã deste sábado de Inverno ainda é uma criança e abrir as redes é o primeiro passo a dar. Cada uma está num habitat específico. Montados de véspera os cinco dispositivos de captura, ao abrirem ficam em condições de dar uma ideia das aves que por ali voam até aos três metros de altura do chão. Os anilhadores sabem que há muitas mais espécies de aves que demoram a cair nas redes e algumas que não cairão nunca neste tipo de rede, como as galinhas-de-água ou as garças-reais. Mas os resultados são sempre importantes, embora esta pesquisa só comece a ter valor científico após uma colheita de dados mínima de dois a três anos ininterruptos. Passado um, a talhe de foice sabe-se, por exemplo, graças à anilhagem, que o tordopinto nidifica no Parque. Ia-se vendo todo o ano, mas não se tinha a certeza de que procriava neste sítio. Também as ferreirinhas são frequentes, já que foram anilhadas, inclusive juvenis, uma boa parte do ano. E os cucos? Algo que há duas ou três décadas se ouvia sem dificuldade nos subúrbios no Verão e que silenciou, afinal pelo menos um passou pelo Parque Biológico de Gaia, nos amieiros do lago da Ponte Coberta... António Pereira, químico, e Rui Brito, biólogo, são os anilhadores credenciados pela Central Nacional de Anilhagem que coordenam estes trabalhos. Acentuam que aceitam formandos qualquer que seja a sua profissão. Até agora os mais certinhos foram Pedro e Rui Andrade. Dizem: «Quando surgiu o convite pela primeira vez, houve alguma desconfiança. Anilhar aves? Acordar cedo na manhã de sábado? Valeria a pena atravessar o Douro para isto? Decidimos aparecer, finalmente, em Dezembro, já as sessões de anilhagem científica de aves no Parque Biológico de Gaia decorriam há dois meses. De início, foi como se de um mundo alienígena se tratasse: pássaros a debaterem-se em redes enormes, de seguida fechados em sacos de pano e cientistas a segurá-los cuidadosamente pelo pescoço enquanto debatem os méritos dos vários métodos de classificar a gordura corporal. Ao princípio, tudo parecia estranho, mas não desanimámos, e, na volta, começámos a familiarizar-nos com os conceitos e técnicas da anilhagem, adquirindo, aos poucos, cada vez mais conhecimentos. A beleza das aves, assim como o excelente convívio, encarregamse de tornar a experiência imperdível». Ambos criaram um blogue: http://anilhagemdeaves.blogspot.com/ ESPÉCIES DE AVES JÁ ANILHADAS - Chapim-rabilongo Aegithalos caudatus - Verdilhão Carduelis chloris - Trepadeira-comum Certhia brachydactyla - Pica-pau-malhadogrande Dendrocopus major - Pisco-de-peito-ruivo Erithacus rubecula - Tentilhão Fringilla coelebs - Gaio Garrulus glandarius - Alvéola-cinzenta Motacilla cinerea - Chapim-carvoeiro Parus ater - Chapim-azul Parus caeruleus - Chapim-real Parus major - Pardal-dos-telhados Passer domesticus - Pardal-montês Passer montanus - Rabirruivo Phoenicurus ochruros - Felosinha Phylloscopus collybita - Felosa-musical Phylloscopus trochilus - Felosa-poliglota Hippolais polyglotta - Pega-rabuda Pica pica - Peto-verde Picus viridis - Ferreirinha Prunella modularis - Toutinegra-de-barrete Sylvia atricapilla - Toutinegra-dos-valados Sylvia melanocephala - Carriça Troglodytes troglodytes - Melro-preto Turdus merula - Tordo-pinto Turdus philomelos - Cuco Cuco canorus - Papa-moscas-cinzento Muscicapa striata - Papa-moscas-preto Ficedula hypoleuca PARQUES E VIDA SELVAGEM | 31 quinteiro Um jardim a rever Quando o sol desaparece mais depressa e o frio se anuncia, aumenta a movimentação de aves no seu quintal: há rotinas a manter e atitudes a tomar, tudo para que o prazer de observar a natureza bem de perto continue a dar-lhe maiores conhecimentos num dia-a-dia cheio de novidades Garden and wildlife Acerte em cheio no Outono para melhorar o seu pedaço de terra, sobretudo se quer aumentar o prazer de observar a vida selvagem perto de si. A razão deste conselho prende-se com o facto de, com a vinda do frio, a flora da sua casa entrar numa fase de abrandamento do metabolismo e as transplantações correm melhor. Se escolher as plantas como uma área a reformar este mês, alcança vantagem se fizer uma lista que lhe diga quais as espécies que possui. Isso vai-lhe permitir saber quais são as espécies nativas e as restantes. Mas que é que isso interessa se as aves andam na mesma no meio do arvoredo? Interessa e muito! Para atrair as aves selvagens ao seu jardim, este deve oferecer-lhes no mínimo abrigo e alimento. As plantas exóticas, na sua maioria, são úteis às aves como abrigo, ocultando-as dos predadores, reduzindo-lhes o stress, facultando-lhes repouso. As plantas nativas oferecem tudo isso com a vantagem de serem boas hospedeiras de insectos nas suas diferentes fases de vida, de sazonalmente produzirem frutos que interessam à passarada, e as suas folhas, quando caem, são conhecidas dos fungos da região que as decompõem enriquecendo o solo, e até diminuindo a erosão, logo defendendo a água. Há pouco alguém pensou: «Até aqui tudo bem, mas disse... predadores? O quê, lobos, raposas?». Ora bem, lobos não, mas gatos. Os gatos que ronronam junto à saia da dona, segundo pesquisas During the cold seasons, insects withdraw to places that birds can hardly get to, reducing their “menu”. And you might think “that's been happening constantly and they're surviving”. It's true, but nature is becoming more and more damaged, and the birds' alternatives too. But we can help these birds by giving them other choices, like bird feeders filled with seeds, some trees (that will vary depending on the region, since it's advisable for them to be native to that region) or even creating nesting places for larvae by making some holes filled with dead leaves. Simple, affordable and helpful solutions for our winged friends. 32 | PARQUES E VIDA SELVAGEM realizadas por equipas um pouco por todo o planeta, são uma grande fatia entre as diversas causas de mortalidade da fauna selvagem. Por isso, se tem um destes felinos, dê-lhe uma prenda mesmo que o bichano não faça anos: uma coleira de guizos. Assim, despertará as vítimas para a sua presença. Mas há outros predadores... naturais: havendo uma mata nas redondezas, um gavião discreto poderá andar por ali sob um manto invisível, à maneira do Harry Potter, e será um bólide sempre que precisar de se alimentar. Neste caso, não se preocupe, pois é o circuito natural e as espécies estão preparadas para se fortalecerem com isso. Não deixe cair... Entre as plantas úteis à natureza, ficam alguns exemplos, que pode aplicar no seu quintal: nas regiões de menor altitude, no Norte, o carvalhoalvarinho, o sanguinho-de-água, o amieiro, o pilriteiro, o azevinho, o sabugueiro, o salgueironegro, entre tantas outras. Se erguer um muro rústico, pedra sobre pedra — ou uma simulação do mesmo junto de uma parede de cimento lisa — e deixar que as plantas espontâneas se instalem com o tempo, vai criar outro nicho valiosíssimo para a passarada, e não só! As madressilvas também dão bagas, atraem insectos. O mesmo para as urtigas, importantes para tantas espécies, seja como hospedeira de lagartas especializadas seja pelas sementes apreciadas pelas aves. As prímulas são lindas e úteis também nesta área. Inclusive, se tiver espaço para deixar um sector inculto com algumas silvas produtoras de amoras — há uma ave que até lhe chamam papa-amoras, se bem que as toutinegras também as adorem —, com acolhimento para plantas temporárias como os cardos — apreciados por exemplo pelos pintassilgos —, estará a aumentar o interesse do seu talhão para a vida selvagem. Se tiver um espaço, mesmo que pequeno, ensaie o seu talento de agricultor e crie uma pequena horta, composta por alguns legumes e árvores de fruto. Com o tempo, aumentando a sua capacidade de observação, verificará que valeu a pena fazer tudo isto. Menos asas Agora, veja: como nesta época os insectos diminuíram, é normal as aves que não migraram para sul alterarem a ementa. Agora procuram mais grão. A taxa de mortalidade nos juvenis que nasceram na passada Primavera será elevada. É também normal. Anormal para a vida selvagem é a redução de habitat vital para a sua subsistência, sejam estes animais residentes ou migradores. Uma forma de tentar compensar estes danos no Verdilhões e chapins-carvoeiros são bons frequentadores de comedouros de jardim Enquanto algumas aves residem todo o ano no seu jardim, como o melropreto, muitas outras vêm do Norte nosso património natural é colocar alimentadores para aves selvagens no seu jardim. Os seus formatos são os mais diversos, mas não se esqueça de colocar um bebedouro com água limpa. A aplicação destes objectos deve ser feita de forma a que não esteja a montar um isco para predadores não alados. Coloque os comedouros a uns metros do chão, fora de alcance de um salto de felino e se possível numa área a descoberto que revele a aproximação fatal. Há aves que irão preferir apanhar do solo as sementes caídas e outros alimentos que disponibilize, como é o caso dos tentilhões, dos estorninhos e dos melros-pretos. Preparar o futuro Há procedimentos tão simples e tão úteis que ajudam a preparar dentro de alguns meses Um coco aberto atrai aves como o chapim-real outra ementa para os seus hóspedes de penas. Se abrir um buraco com o diâmetro de cerca de um metro e o encher daquela folhagem caduca que agora cai em abundância está a criar condições para um alfobre de suculentas larvas de inúmeros insectos, que virão a calhar quando a sua caixa-ninho, apetecida por pardal-montês e por vários chapins, for ocupada lá por altura de Março. E por falar em caixa-ninho, sabe que ela ajuda a suprir a falta de bosques velhos, com árvores esburacadas, onde diversas espécies de aves gostam de fazer ninho? Pois é. E, assim, não resistimos a propor-lhe outro assunto com base nesta premissa: a dúvida fortalece o conhecimento. Concorda? Não é preciso ser cientista para pesquisar. Se já tiver alguma caixa-ninho ocupada no seu jardim, das duas uma: ou a limpa ou deixa-a ficar como está. Aqui há duas correntes de opinião, mas era interessante apurar os factos: há vantagens ou não em limpar as caixas-ninho no Outono? É verdade que os buracos das árvores não são limpos e, que se saiba, num ecossistema compensado isso não levanta nenhuma dificuldade a aves que ali procriem. Mas, ao longo de vários anos, será que a sua caixa-ninho que venha a ser sempre limpa no Outono consegue mais crias no tempo quente do que uma outra, em condições idênticas, que não recebe esse cuidado? É uma experiência a ser feita por quem quiser e que depois daria para cruzar resultados. Isto após, claro, muitas horas de observação da vida selvagem, o que, para quem gosta, é um prazer constantemente sustentável e útil. Texto e fotos: Jorge Gomes Não são só os rabirruivos que apreciam os amieiros... PARQUES E VIDA SELVAGEM | 33 reportagem Natural Park Uma ria... Formosa Parque Natural da Ria Formosa, in the extreme south of Portugal, in the eastern part of Algarve, has 18 thousand hectares of abundant and unique flora and fauna, as well as breathtaking, beautiful landscapes. It has attained the status of Natural Park in 1987, due to the number of species that need it to live (be it because of migration or because it's their habitat). As a coastal area, it has sand dunes, which have some rare flora, like the Sea rocket (Cakile maritima) and the Prickly saltwort (Salsola kali). There are also salt marshes, which house a lot of animals, since it is a safe place, because of the vegetation that grows there. And also, it's in this Park that the only palm-tree native to our country exists: the European fan palm (Chamaerops humilis). It's a resting place for migratory birds and during the cold seasons around 30/40 thousand water birds can be seen there. Some noteworthy species would be the Purple Swamphen (Porphyrio porphyrio), the Little Tern (Sterna albifrons), the Common Pochard (Aythya ferina), the Chameleon (Chamaeleon chamaeleon) among others. In this Park, we can also find a “dog pound” for the Portuguese Water Dog. Its goal is to preserve this race and its defining traits. They're trained every day, so as to preserve their “primitive” traits, since in the old days they were the fishermen's companions while fishing. Although nowadays they aren't necessary, it's still something that must be preserved, since it was something unique to that region. There are also some sand islands that are a natural help in preserving the lands: Barreta, Culatra, Armona, Tavira and Cabanas. These islands prevent the dissolution of the salt marshes in the sea, because they act like a barrier. On a last note, in this Park there is a Tide Mill, one of the few in Portugal. O limo coroa-se de tufos verdes e aponta-os ao céu azul. Vaidoso, não quer perder o afago da água, por isso deixa o líquido salgado ir e voltar ao sabor da maré. O Parque Natural da Ria Formosa espraia-se ao longo de cerca de 18 mil hectares,* no Sotavento algarvio, e é entendido como um sistema ecológico muito produtivo. De saveiro e a pé, fomos ao seu encontro… Ninguém fala. Os olhos passeiam-se entre o mar e as margens escuras marcadas pelas plantas do sapal. Agora ouve-se o silêncio que toca o espelhode-água perfeito. É o relaxar da mente que se solta para apreciar a paisagem feita de água lisa, a reflectir azulmarinho sob o toque dourado do sol da manhã. A poucos metros, um caranguejo espreita da toca, com uma tenaz clara e bem maior. Territorial, acena e avisa os rivais. Mais distante, mas também no limo, um búzio do tamanho de uma bola de andebol parece ter conseguido parar o tempo. No solo desenham-se vestígios: as pegadas das aves limícolas riscam-se por cima umas das outras, decalcadas no lodo emerso, e só se esbatem na linha de água. Bárbara Abelho, uma bióloga marinha que se apaixonou pelas aves selvagens, explica a ria enquanto Paulo Nugas, o homem do leme, leva o saveiro, um barco típico feito de madeira, pelo labirinto dos esteiros de Faro: «Cada um destes braços tem um nome», garante. Por cima é céu azul, intenso. Ao longe vislumbramse silhuetas. Binóculos a postos, primeiro uma suspeita, depois confirma-se: são colhereiros. Bárbara diz: «Esta espécie vem cá passar o Inverno, mas houve pequenos bandos quer de colhereiros quer de flamingos que ficaram. Os outros foram nidificar mais para Norte». O clima mediterrânico pia fino. Ainda é manhã e já o sol sôfrego tudo agarra. Sente-se na pele, mas muito menos do que nas serras algarvias que agora marcam o horizonte. A primeira ave que se avistara na ria fora um borrelho-de-coleira-interrompida. Depois, três maçaricos-das-rochas, cauda bamboleante, a medir a distância de segurança para abrir as asas e fugir. Uma rola-do-mar anda perto de um par de andorinhas-anãs, ainda em fim de nidificação a meio do Estio: «É uma das espécies de aves que vêm aqui nidificar. No Inverno já cá não estão, dirigem-se para o Sul, mas por outro lado vêm muitas invernantes do Norte e Centro da Europa», comenta Bárbara, e continua: «Esta zona também é importante enquanto área de descanso de aves migradoras». Quando vem o frio, são entre «30 ou 40 mil aves aquáticas por ano que se podem observar na ria Formosa», afirma. Neste percurso, na distância imensa, plana, os animais dispersam e, sendo aves selvagens, há sempre dias melhores que outros para se poderem observar. O seu pezinho Por sinal, se não forem respeitadas as regras, este tipo de turismo da natureza pode ter consequências indesejáveis. O tema é obrigatório, pois os nossos guias são operadores de ecoturismo. Bárbara Abelho opina: «Tem de haver equilíbrio, bom senso. Pode ter impacto, se se trata de ir aos sítios onde as aves nidificam, não respeitando essa época. Mas as empresas pagam uma licença ao Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) e a actividade de cada uma é avaliada face ao impacto que possa causar. Portanto, há regras a respeitar». Contudo, conclui Bárbara, «devia haver zonas de reserva integral * incluindo a área submersa. * Incluindo a área submersa. Um grande búzio dá nas vistas 34 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Paulo Nugas e Bárbara Abelho O sapal é um sistema ecológico muito produtivo Andorinha-do-mar-anã Colhereiro PARQUES E VIDA SELVAGEM | 35 reportagem Maçarico-de-bico-direito e pilritos em plumagem estival neste Parque onde o acesso fosse interdito». Assim, «a privacidade das aves selvagens e as condições que lhes são necessárias seriam salvaguardadas». Depois, há uma constante nas experiências pessoais de quem vai fazer estes percursos: «As pessoas têm uma curiosidade natural. Há quem nunca tenha usado binóculos e o simples facto de poderem ver os pormenores que eles revelam e a variedade de aves que se vêem, surpreende pela positiva», sublinha. Mas nem só de aves se fazem estas visitas: «Os guias explicam também o património natural em geral e a cultura dos lugares, incluindo os monumentos e os costumes locais». Um caranguejo espreita à boca da toca 36 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Estes percursos «têm tido maior efeito nas pessoas que vêm das grandes cidades, pela oferta de tranquilidade. Um exemplo: uma funcionária de uma companhia aérea, vinda directamente do stress da sua profissão, fez um dos nossos percursos de observação de aves. E ficou encantada, disse que nunca esperava ver tudo o que lhe foi mostrado». Para estes guias de descoberta da natureza, garantem, «é uma satisfação poder mostrar isso às pessoas». Ups! Um barco a motor passa a toda a velocidade a umas dezenas de metros e causa uma ondulação de abanões violentos. Agora tenho de me agarrar ao barco, ocultar a máquina fotográfica com o chapéu para não se molhar — a electrónica gripa com facilidade em muitos euros. No espelho-de-água plácido, o saveiro agora depara à distância com alguns maçaricos-galegos, aquele bico curvo e, tranquilo, o abrir de asas de quem tem o poder de se afastar com segurança de perigosa ameaça. Uma alvéola-amarela empoleira-se no topo de uma planta com cara de quem está a pensar fazer as malas para o Sul e, entre um grande bando de cegonhas-brancas, pilritos catam alimento do lodo. Por ali, enquanto um casal de maçaricos-de-bico-direito zela pelo seu almoço, Paulo Nugas muda de rota: há uma garrafa de Juvenil de águia-pesqueira em recuperação Cão-de-água português plástico a boiar. Em jeito de equilibrista de circo, com o remo como cana de pesca, não lhe vira a cara. Concluída uma dúzia de tentativas, a pesca é eficaz: «Estão a ver? Há muito que melhorar no comportamento de quem anda por aqui». E, convicto, afirma: «Acho que daqui a uns anos isto vai ao lugar. Os meus filhos se virem alguém a deitar lixo ao mar dizem logo que não pode ser!». Nem só de aves mais fáceis de observar se fazem as visitas, sobretudo para quem as repete vezes a fio: a águia-pesqueira «tem sido vista aqui, enquanto ave invernante», diz a bióloga, e completa: «Esta espécie está virtualmente extinta no nosso país, só existe um macho. Distribuía-se por toda a costa portuguesa. Até em Lisboa havia esta rapina numa praia que ficou com um dos seus nomes vulgares, o Guincho». Pouco a pouco, «a população destas águias foi regredindo. Acabou por ficar um casal na costa Vicentina». Um dia «a fêmea ficou presa num fio de anzol quando construía o ninho, e morreu». Mas a ria Formosa vale como um todo, frágil e muito complexo. Bárbara acentua: «Tudo isto está interligado: é a vegetação de sapal que permite toda esta vida na ria Formosa. O próprio limo está cheio de invertebrados, que entram na cadeia alimentar e sustentam toda esta fauna. Trata-se de um dos ecossistemas mais produtivos de todo o planeta», sendo «as aves a parte mais visível». A pressão turística, na sua face urbana, repercute no ambiente marinho. O Algarve tem uma grande apetência para o turismo: «São 60 quilómetros de costa ao longo deste Parque desde Ancão até Cacela Velha, no concelho de Vila Real de Santo António». Há ilhas — chamadas ilhas-barreira — que evitam que o sapal se dissolva no mar: a da Barreta, a da Culatra, a de Armona, a de Tavira e a de Cabanas. O Parque Natural da Ria Formosa é uma zona húmida de interesse internacional e foi criada há 20 anos. Sob o sol Há basicamente dois ambientes no Parque Natural da Ria Formosa: um é o sapal, outro é o cordão dunar. A ria é uma «laguna costeira polvilhada de sapais, salinas, bancos de vasa ou de areia, ilhotas, praias, dunas e inúmeros canais em que as ilhasbarreira traçam um estranho limite a uma extensa área lagunar», informa fonte do ICNB. Os sedimentos depositam-se ao longo do tempo, o que faz subir o limo do sapal. Como efeito, o período de imersão reduz-se. As plantas vão por isso alinhar-se num processo que se chama zonação, seleccionadas sobretudo pela salinidade da água com que lidam. Todas elas, porém, são uma flora tolerante a elevados graus de sal diluído e à escassez de oxigénio, enraizamento frágil e a um tempo considerável de imersão. Mais fácil de ver é, por exemplo, uma gramínea chamada Spartina. Fazem-lhe companhia outra flora de que destacamos as salicórneas e as salgadeiras, capazes de excretar sal. Não estamos no tempo de floração da bela Cistanche phelypaea, quando as flores amarelas vistosas acenam a quem passa, mas vemos os caules carnudos de uma cor castanha intensa. Proteger a ria equivale a salvaguardar a sustentabilidade dos recursos da pesca. Ela é uma maternidade indispensável para uma multidão de peixes de valor comercial, sejam eles sedentários ou migradores. A apanha de moluscos e crustáceos é uma actividade tradicional e importante para a região, assim como a pesca e salinicultura. Dentro do Parque há ainda mata, dominada por pinhal, e vegetação ribeirinha, tão especial no quadro da diversidade biológica. Percurso pedestre Agora vamos a pé. De tarde o calor recrudesce, mas a mata de pinheiro-manso do percurso pedestre do Centro de Educação Ambiental de Marim oferece alguma sombra. O matagal mediterrânico nativo há muito que foi substituído por pinhal, de permeio com medronheiro e tojo, urzes e plantas aromáticas como rosmaninho e tomilho. O ex-líbris deste Parque Natural é a galinhasultana ou caimão, que se reproduz em pauis. Mas há nesta região algarvia um réptil que, com alguma sorte e vista apurada, é possível ver. Mais nenhum outro parque português se pode orgulhar de possuir uma espécie de camaleão! O reduto nacional de cágado-de-carapaça- estriada mais bem sucedido também está aqui localizado, no Ludo. Os anfíbios englobam a rã-de-focinhopontiagudo e o sapo-parteiro-ibérico. Há uma espécie de palmeira nativa do nosso país: a palmeira-anã. À medida que se caminha, passa-se por várias. Um ninho de cegonhas-brancas ainda em pleno uso atrai a atenção, até que deparamos com o Canil da Ria Formosa. Situado na sede do Parque Natural, foi uma iniciativa de Carla Peralta tomada em 89 «para não deixar cair no esquecimento esta raça autóctone, o cão-de-água português», afirma. Três cães de pêlo preto, muito macio ao toque, saltam, deitam-se, estão contentes, como se pressentissem um treino, importante para que as características deste cão-pescador não se percam. Carla explica que «é um cão meigo, vigoroso, resistente, que é utilizado pelas tripulações dos barcos pesqueiros há nove séculos». Além da conservação dos traços característicos do cão-de-água português, o Canil da Ria Formosa promove a interacção com crianças necessitadas tanto do ponto de vista económico como físico. O autor do livro «Os pescadores», Raul Brandão, menciona esta raça: «Tripulavam-no 25 homens e dois cães, que ganhavam tanto quanto os homens. E mereciam-no. Era uma raça de bichos peludos, atentos um a cada bordo e ao lado dos pescadores. Fugia o peixe ao alar da linha, saltava o cão no mar e ia agarrá-lo ao meio da água, trazendo-o na boca para bordo». Não só é nadador exímio, o cão-de-água, como sabe mergulhar. Perto andam pegas-azuis, da mata para o caminho de terra batida, cor ocre de saibro, num vaivém imparável. O caminho segue até que uma carrinha pára junto do Centro de Recuperação de Aves. A porta abre-se e reconheço um entrevistado de há 15 anos: Daniel Santos, o coração e o cérebro do trabalho de reabilitação deste centro, a aguardar obras, e excluído do circuito de visitas para evitar a perturbação das aves recuperáveis para libertação na natureza. Ao corrente da reportagem, entre o transporte de alimento para rapinas que urge pôr a descongelar, proporciona uma breve Moinho de marés Palmeiras-anãs... nativas PARQUES E VIDA SELVAGEM | 37 reportagem oportunidade de fotografar dois juvenis de águia-pesqueira em recuperação. Adiante há um exemplo do tradicional pomar de sequeiro, gizado ao sabor do clima mediterrânico. Vários observatórios de aves limícolas estão para diante. Vêem-se perna-longas, borrelhos, pilritos e muitas outras espécies, apesar da época baixa se comparada com o Outono e o Inverno. Mais à frente, um moinho de maré. Dotado de seis mós, este foi o último a sair de uma época áurea em que havia lugar para cerca de 30, só na ria Formosa, tendo deixado de laborar em 1970. Recorrendo à energia do mar, os antigos souberam aproveitar a diferença do nível das águas entre a maré alta e a maré baixa para moerem os cereais. O registo mais recuado que se encontrou em Portugal de um destes engenhos data do século XIII, em Castro Marim. Demoraram três séculos a tornarem-se comuns no nosso litoral, até que as moagens mecânicas os levaram quase à extinção, tal qual ocorreu com azenhas e moinhos de vento. Neste percurso, ao longo de cerca de três quilómetros, pode ver zonas de sapal, salinas, dunas, pinhal, charcos de água doce e agricultura tradicional. O Centro de Interpretação está equipado com auditório, centro de documentação e outros equipamentos vocacionados para actividades de educação ambiental. Este Parque Natural tem uma barca recuperada de transporte de atum que pode ser utilizada para percursos na ria, levando grupos inscritos na ordem das 28 pessoas. Uma vez visitada esta área protegida, sabe sempre bem voltar. Texto: Jorge Gomes Fotos: Henrique N. Alves e Jorge Gomes Nenhum outro parque português se pode orgulhar de possuir uma espécie de camaleão FEIRA DE PARQUES Olhão, no Algarve, acolheu de 26 a 29 de Julho a sua Feira de Parques Naturais e de Ambiente Organizada pelo Município de Olhão em associação estratégica com o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, esta Feira inseriu-se nas comemorações do Dia Nacional da Conservação da Natureza, festejado em 28 de Julho. Montados os stands no Jardim do Pescador Olhanense, segundo os organizadores, a Feira de Parques Naturais e Ambiente é uma plataforma vocacionada para a discussão de projectos ambientais e apresentação de produtos e serviços desenvolvidos pelas áreas protegidas, agentes económicos e entidades ligadas à conservação da natureza, ao ecoturismo, à ciência e ao ambiente». Decorrendo este ano a segunda edição, houve a intenção de focar os temas da biodiversidade e do desenvolvimento sustentável e introduzir o debate sobre as implicações das alterações climáticas na gestão das áreas protegidas. O evento reuniu as áreas protegidas portuguesas, representações de parques naturais e áreas protegidas estrangeiras e algumas das mais destacadas organizações que actuam no sentido do Desenvolvimento Sustentável e da Defesa do Ambiente, tendo o Parque Biológico de Gaia estado presente com um stand. 38 | PARQUE E VIDA SELVAGEM PARA CONHECER MELHOR O Parque Natural da Ria Formosa é gerido pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Aqui ficam os contactos: Parque Natural da Ria Formosa Centro de Educação Ambiental de Marim Quelfes 8700 OLHÃO Tel.: 289700210 - Fax: 289700219 E-mail: [email protected] Site: http://portal.icnb.pt Feira de Parques Naturais e de Ambiente, em Olhão cartoon clip Algas marinhas ou alfaces do mar? João Luís Teixeira As algas marinhas que muitas vezes são tomadas como indesejados visitantes que nos chegam aos pés quando aproveitamos as ondas do mar deveriam ser pensadas como alternativas alimentares. Da mesma forma que fomos introduzindo novos alimentos na nossa dieta, hoje em dia, as algas comestíveis mostram um vasto leque de recursos que podem ser utilizados. A ideia que as algas têm um valor meramente alimentício no Oriente está já ultrapassada em Portugal através das dietas macrobióticas, e na alimentação diária de comunidades costeiras dos Açores. O seu elevado valor nutritivo aliado às baixas calorias são apenas alguns factores a considerar para maximizar este recurso tão pouco utilizado na nossa alimentação. São ricas em iodo, mineral essencial ao bom funcionamento metabólico e da tiróide. Outros minerais que normalmente se encontram nas algas são o ferro, o cobre, o magnésio, o potássio, o cálcio e o zinco. Para além disto, a grande quantidade de vitaminas A, C, E, e B12 presentes são úteis na activação das defesas do organismo, limpeza de toxinas e no fortalecimento dos ossos, cabelos e unhas. Se até aqui ficou com curiosidade em conhecer estes organismos, fique a saber que na costa atlântica abundam algas com nomes convidativos a serem introduzidos numa salada, omoletas ou até mesmo recheio de empadas para sabores contrastantes e novos. Assim temos: Esparguetedo-mar (Himanthalia elongata), Kombu (Saccarina japonica), Dulse (Palmaria palmata), Wakame (Undaria pinnatifida) Nori (Porphyra yezoensis), e a mais conhecida Agaragar. O agar é uma substância gelatinosa que pode ser retirada de algumas algas vermelhas que abundam na nossa costa. Hoje a sua utilização está actualmente aplicada na biologia, medicina e cosmética. As algas podem também ser aproveitadas na indústria como fontes de alginatos mais concretamente na indústria alimentar para dar consistência a gelados, agente espessante e emulsionante de molhos e sopas. Convém não esquecer que as algas marinhas são também em grande parte responsáveis pela renovação de oxigénio no planeta através da fotossíntese, têm destacada acção na purificação das águas, pelo desprendimento de oxigénio que oxida as impurezas. Por Sara Pereira, bióloga PARQUES E VIDA SELVAGEM | 39 Porto d’Abrigo No Algarve, o Zoomarine tem em funcionamento um centro de reabilitação de fauna selvagem. Neste abrigo, convertido em hospital, tudo é feito com muita cabeça para que, por fim, ocorra um final feliz… A água voa e salpica o rosto de mestre Simão. As rugas deste pescador algarvio falam de um labor antigo sob a luz do sol num chão de mar. Nesta manhã, o vento só de vez em quando volta para lhe provocar a pele morena e a praia é uma linha difusa no limite do horizonte saturado de luz. O ruído do barco está presente, mas já não se ouve. O operário do oceano vai em busca de uma rede ali deixada no fito de capturar pescado. As bóias cor-de-tijolo sinalizam-na no azul ondulado do tecto marinho. Nesta rotina já os seus ancestrais andavam, assim que urdiram nos milénios a relação de talento que unia homens e natureza. Não vai longe o tempo em que uma tartaruga nas redes significava uma mesa mais rica no lar erguido em solo firme. As mãos já puxam a rede para o barco quando, metros adiante, uma forma invulgar lhe chama a atenção. Abeira-se: é uma tartaruga marinha! Agitada, debate-se no esforço de nadar sem peias. A memória cintila: vira na televisão um destes répteis em dificuldades por engolir água, era-lhe difícil respirar, podia até soçobrar. Preocupa-se. Sabe que o Zoomarine trata estes animais. Recolhe com cuidado a pesada tartaruga e, sem querer, olha os seus olhos grandes, escuros como o mar profundo — não tem dúvidas, a faina vai parar. Transporta o réptil até à Guia, ao Porto d’ Abrigo, no Zoomarine, e explica a sua preocupação. Uma ficha regista a entrega do animal e os técnicos da empresa arregaçam as mangas para construir mais um final feliz, no caso, com a libertação posterior no alto mar. Quem relata o facto é Élio Vicente, biólogo e director científico do Zoomarine. Depois diz: «Casos destes comprovam a importância de levar informação aos meios de comunicação social». Salvar uma ou outra tartaruga «não resolve o Élio Vicente, biólogo, é director científico e pedagógico do Zoomarine 40 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Recolha de sangue de uma tartaruga marinha problema de sobrevivência da espécie, mas deixa um alerta educativo que só por incúria pode deixar de se realizar». O Porto d’ Abrigo é estanque, mas bastante transparente. Se por um lado ninguém ali entra — nem funcionários da empresa — a não ser por estritas razões de serviço, uma parede de vidro mostra aos visitantes o labor interno, sem devassar o sossego dos animais em recuperação, uma parte do que ali se faz. Depois, cá fora, há um inventário com placas que identificam cada animal, lhe dão um nome, explicam onde foi recolhido e porquê, e quais os passos da sua recuperação. A tartaruga marinha Caretta caretta chamada Bruma ainda tem ali à vista a sua placa: «arrojada na Ria Formosa» em 4 de Fevereiro de 2004, mostra o seu peso, a condição clínica durante o tratamento, e em 14 de Abril do mesmo ano é libertada «a 15 milhas náuticas a sul de Portimão». «Nós queremos que as pessoas percebam que os animais que dão à costa doentes, feridos, exaustos ou desorientados podem ser aqui ajudados. É educacional», afirma Élio Vicente. Porém, «nunca ficamos com nenhum destes animais: ou são libertados ou entregues dentro de uma total legalidade a instituições que desenvolvem actividades de educação ambiental». Nesta altura, há uma tartaruga marinha especial: uma que esteve cerca de 30 anos exposta no Aquário Vasco da Gama. Em fase final de reabilitação, será libertada dando boleia a um dispositivo localizador. Será possível depois saber qual a sua deslocação no oceano, e até o êxito em matéria de sobrevivência. Quando estão em condições de regressar à natureza, o «Porto d’ Abrigo conta com a ajuda do Instituto de Socorros a Náufragos», e é nas suas corvetas que transportam e largam os animais «a uma dúzia de milhas da costa, normalmente a sudoeste do cabo de S. Vicente». Direitos reservados Zoomarine, in Albufeira – The Algarve holds the only Rehabilitation Centre for Marine Species in Portugal – Porto d'Abrigo do Zoomarine. This is a place where ill, injured or simply disoriented animals (either marine or aquatic) receive medical attention, after stranding or being confiscated by the national authorities. Once the rescue and rehabilitation are complete, they are released back into the wild. The main objective is not to save every endangered species, but to provide care to each individual in need and, specially, to publicly reinforce the importance of helping wild animals whenever possible. In this shelter, animals are housed and treated in a protected environment — they are totally isolated from the park's visitors, so that they can recover in a quiet environment and, also, to avoid that they get used to the presence of humans, which could jeopardize their survival upon release. A devolution to the wild will happen whenever Zoomarine's professionals consider each individual fit to survive alone. These actions regularly count with the help of several entities, like the Portuguese Navy, the Institute for the Conservation of Nature and Biodiversity, among others. Countless animals have been helped by this rehabilitation centre, ranging from sea turtles, dolphins, river otters, seals and tortoises. In some cases, the release process can be tricky (especially with seals), but most of them are returned to the wild in Portugal and without much trouble. Returning rehabilitated seals back into the wild can, sometimes, be a dilemma and a challenge, as all the species which strand in the Portuguese continental coast do not have distribution in our country. Some of these animals come from countries far away, like England, Canada or Island. Some of the animals in rehabilitation were confiscated from people that were holding them illegally - like a couple of river otters which where only a few days old, and which were also some of the first animals to be taken in by the shelter. But even after the release of these stranded animals, there is still danger associated with human activity: plastic bags that are mistaken, by sea turtles, for jellyfish, or the fishing nets that trap (air breathing) animals, thus contributing to their drowning (for not allowing then to surface to breathe). Foto: JG Rehabilitation of marine species reportagem H d HNA Uma pequena lontra que regressará ao meio selvagem recebe a dose prevista de vitaminas Foto: JG Piscinas reabilitadoras com sistema de refrigeração AO VISITAR Horário 10h00-18h00 Grupos Contactar: Zoomarine Estrada Nacional 125, Km 65 Guia 8201-864 Albufeira Telefone: 289 560 311 Fax: 289 560 309 Mais informação: http://www.zoomarine.pt http://zoomarine.blogdrive.com Texto: Jorge Gomes Colheita de sangue num golfinho Direitos reservados Há que desinfectar a lesão desta foca-de-crista Outros mamíferos aquáticos que têm sido ajudados são as focas-de-crista: «Durante cerca de cinco anos não aparece nenhuma, mas depois há uma enchente de focas-de-crista a darem à costa, inclusive em Portugal». Vindas «da Gronelândia, o ano passado foram sete». Por exemplo, uma delas apareceu numa praia perto de Sagres, outra na Nazaré, em más condições de saúde. Estes animais, depois de reabilitados, seguiram para uma zona de águas mais frias, na costa escocesa. As focas que aparecem «são geralmente as que vêm ou do canal da Mancha ou da Islândia. O que fazemos é que — como é pouco provável que consigam nadar até lá, como as nossas águas são muito quentes e mais uma vez temos as redes —, ou as transportamos até à Holanda e depois eles de helicóptero levam os animais para o Mar do Norte, no que eles chamam a zona J», ou vão «para Inglaterra e eles lá têm vários centros de reabilitação». Além disso, «como existem focas-cinzentas e focas-comuns na costa inglesa, são ali reintroduzidas». E os golfinhos reabilitados, por exemplo, como são devolvidos ao seu habitat? «Há claras diferenças entre mamíferos e répteis: estes são fáceis de devolver ao mar porque têm ecologias e etologias solitárias — ou seja, não dependem em nada de outros espécimes — mas são, clinicamente, mais demorados, em termos metabólicos, a reabilitar». Por outro lado, «os mamíferos são mais fáceis de reabilitar — possuem fisiologias e metabolismos mais próximos dos dos humanos, podendo beneficiar mais rápida e eficazmente da nossa farmacologia — mas mais difíceis de devolver, pois frequentemente dependem/precisam de uma estrutura social e necessitam de ser bem (re)integrados num contexto de grupo, o que raramente é fácil», conclui Élio Vicente. Nada impediria que o Zoomarine, como empresa privada que é, apenas se preocupasse com o lucro. Mas não: o Porto d’ Abrigo dá despesa, claro, mas contribui em educação ambiental e dá frutos no circuito da conservação da natureza. Direitos reservados Direitos reservados Ou seja, «tiramo-las das rotas dos pescadores, soltamo-las em alto mar, onde elas rapidamente podem apanhar as grandes correntes oceânicas e seguirem a sua viagem normal». Mas nem só de grandes quelónios se fazem as histórias de trabalho deste centro de reabilitação de espécies marinhas. Os pequenos cágados da fauna ibérica, de água doce, não recebem menores cuidados: «Por vezes chegam-nos com órgãos esmagados, com infecções ou até ossos partidos». Dentro do possível, são recuperados. Entre as «duas espécies — o cágado-comum e o cágado-de-carapaça-estriada —, este último está em minoria», já que, pouco abundante, «representa cerca de 20% de recolhas face aos 80% da espécie mais habitual». O ano passado, 13 foram reintroduzidos na Lagoa dos Salgados, em Vilamoura: «Seguimos a política do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), segundo a qual haveria contaminação genética se estes espécimes fossem libertados junto de populações selvagens. Há biólogos que consideram isso errado, outros acham que está certo. A nós compete-nos seguir apenas a política do ICNB». Voltando ao mar, o ser humano deixa perigos à solta. Entre mamíferos ou répteis marinhos, quem se safará melhor? São redes atiradas à deriva que tolhem animais com pulmões de vir à superfície respirar, plásticos que se confundem com as alforrecas de que se alimentam as tartarugas marinhas. Além disso, nas praias de nidificação há um litoral excessivamente iluminado de noite, que perturba as crias e, em vez de apontarem o mar, perdeas em plena urbanização. Segundo Élio Vicente, «os répteis são mais solitários, não dependem da educação do grupo e de um lugar no mesmo». Por outro lado, «os cetáceos — como os golfinhos — são animais muito sociais, a sua capacidade imunitária é menor do que a nossa». O Porto d’ Abrigo começa a funcionar em Setembro de 2002, em cooperação com o ICNB. Élio fala dos primeiros animais: «Recordo-me de duas lontras bebés que o então presidente do ICNB, Carlos Guerra, fez chegar cá». Um vigilante da natureza, da Reserva Natural de Castro Marim, tinha-as confiscado a um café. «Chegaram aqui perto da meia-noite e ficaram um ano e tal», diz. PARQUES E VIDA SELVAGEM | 41 actualidade JG Garças-brancas-pequenas voam em Salreu Negócios e biodiversidade A ideia de que a actividade empresarial é incompatível com a conservação da natureza está a ser contrariada pela União Europeia, através de uma proposta que designam por «B&B EU Initiative» A União Europeia está a estimular as empresas no sentido de se interessarem pela defesa da diversidade biológica: «A iniciativa materializa-se num processo que implica a adesão a um conjunto de princípios a que se segue a adopção de uma metodologia que visa a progressiva integração da biodiversidade na gestão das empresas», afirma-se. Como objectivo principal surge a necessidade de «introduzir a biodiversidade nos sistemas de governação das empresas de forma pró-activa, contribuindo para aumentar o valor económico destas e para alcançar o objectivo europeu Parar a perda de biodiversidade até 2010». Assim, importa «desenvolver um quadro de princípios aplicáveis por qualquer empresa na UE (grande ou pequena e média empresa), a nível global, regional e nacional, que tenham em conta o seu relacionamento com a biodiversidade, seja este concretizado na UE ou em países terceiros». Tem-se no fundo em vista a criação «de uma plataforma na UE onde as empresas, as organizações não governamentais e outros irão interagir e promover um campo comum para o desenvolvimento de parcerias a nível local». Quanto à metodologia, ela estrutura-se «numa avaliação do impacto da empresa sobre a biodiversidade». Um «plano de acção para a biodiversidade é criado» e dele «resultam parcerias concretas com organizações ligadas à biodiversidade, visando a criação de projectos conjuntos com impactos positivos nesta área». O início da parceria entre os agentes envolvidos no processo de defesa da diversidade biológica «dá-se com a produção de um documento formal da empresa que explicite publicamente a história e a política da empresa para a biodiversidade e de um acordo entre as partes envolvidas na parceria formalizando o compromisso assumido, os princípios em que assenta, o referencial de partida da empresa, os objectivos prosseguidos por cada um dos parceiros da parceria, o programa de acção, os resultados a obter, o cronograma a cumprir e os seus marcos intermédios de execução, as componentes financeiras da parceria e o modelo da sua gestão». No fundo, «cada empresa desenhará um plano de acção onde procura potenciar os efeitos positivos da sua actividade, minimizar os efeitos negativos e compensar os que não sejam possíveis evitar no quadro da gestão da empresa». Por isso, pretende a EU, oficialmente, que as empresas, a sociedade civil e as autoridades públicas juntem esforços em defesa da natureza. breves CONSERVAÇÃO E GESTÃO DE ZONAS HÚMIDAS Irá ocorrer «nos dias 12 e 13 de Outubro o 1.º Seminário sobre a Conservação e Gestão de Zonas Húmidas», diz César Capinha, da associação PATO, de Tornada, Caldas da Rainha. Este seminário irá ter lugar na cidade de Peniche, onde «serão abordadas temáticas como o enquadramento internacional destas áreas, sistemas fluviais, litoral e zonas de estuário, ordenamento e gestão, lagoas temporárias e pauis e alterações climáticas». Integrado neste evento encontra-se também «o 3.º Seminário sobre sistemas lagunares costeiros». O certame contará com algumas personalidades nacionais no contexto destas temáticas, existindo também diversas representações internacionais. Para obter mais informação acerca do evento pode consultar: www.pato.online.pt | www.icn.pt | www.geota.pt 42 | PARQUES E VIDA SELVAGEM JG Salgadeiras, serra da Estrela PARQUES E VIDA SELVAGEM | 7 Gripe das aves... domésticas Com as costas largas, as aves selvagens passaram por ser as más da fita, até que, recentemente, a ONU vem explicar por que razão se sabe agora que a chamada gripe das aves (vírus H5N1) está confinada a animais domésticos... Foto: João L. Teixeira Tailândia, os especialistas recomendam aos governos que foquem os seus recursos nas aves domésticas, sem descurarem a vigilância às aves selvagens. Independentemente de este vírus ainda ser de difícil transmissão ao ser humano os cientistas temem uma mutação que o torne de fácil contágio de modo a disparar a tal pandemia. Neste momento, mais certo é o resultado destes testes num tão grande número de aves, que leva as Nações Unidas a reter a evidência de que a gripe das aves está circunscrita a animais domésticos. AVIAN FLU Em Agosto de 2005, quando o Parque Biológico de Gaia construiu o seu Plano de Contingência da Gripe Aviária, sublinhou esta convicção. Agora, as Nações Unidas dão razão com o respaldo dos inúmeros testes que decorreram entre 2005 e o corrente ano: «Entre 300 mil e 350 mil aves selvagens foram testadas para o vírus da gripe das aves. Não foi encontrado em nenhuma», afirmou Scott Newman, nada mais nada menos do que o coordenador internacional do programa de Alimentação e Agricultura da ONU. A migração das aves selvagens no Outono para África onde poderiam contactar com outras migradoras do Médio Oriente e o seu regresso à Europa na Primavera para nidificação preocuparam os cientistas quanto à possibilidade de contágio e de propagação da dita gripe. Este vírus aniquilou 199 pessoas e levou a que fossem abatidos 200 milhões de aves, isto contado desde há quatro anos. Um denominador comum entre as vítimas humanas prende-se com o facto de todas terem tido contacto com aves infectadas. Contudo, os testes negativos não servem de desculpa para se excluir as aves selvagens como fontes de transmissão do vírus. Os especialistas propõem uma maior coordenação da vigilância deste vírus, uma vez que foi já detectado em animais isolados de 90 espécies diferentes. Numa reunião que decorreu em Setembro na As aves aquáticas migradoras passaram por ser o gatilho que despoletaria uma pandemia terrível que não chegou a ocorrer The avian flu, killer of 199 people and 200 million birds, was feared as a potential pandemic because of the migratory birds, who were thought to carry it from land to land during migration, spreading it worldwide. Only it didn't happen, and recent studies concluded that the virus isn't found naturally on wild birds, but on the domestic ones. Wild birds can only get infected when they come in contact with domestic birds. So, it is important to pay attention to our own birds, to reduce the risk of the outbreaking of the pandemic. CORVO E GRACIOSA: RESERVAS DA BIOSFERA A Ilha do Corvo e a Ilha Graciosa passaram a fazer parte da Rede Mundial de Reservas da Biosfera da UNESCO por decisão do Bureau do Conselho Internacional de Coordenação do Programa MAB (O Homem e a Biosfera), que reuniu de 18 a 20 de Setembro, na sede da UNESCO, em Paris, para deliberação sobre 23 novos sítios classificados como Reservas da Biosfera, apresentados por 18 países, entre os quais Portugal. O Programa MAB foi lançado em 1970, com vista a melhorar, a nível mundial as relações entre as populações e o ambiente. Tem por principais objectivos reduzir a perda da biodiversidade através de novas abordagens ecológicas, sociais e económicas. A Rede de Reservas da Biosfera promove uma ampla troca de conhecimentos, nas áreas da investigação, educação, formação e vigilância. O conceito de Reserva da Biosfera foi desenvolvido em 1974 e foi consideravelmente revisto em 1995, com a adopção por parte da Conferência Geral da UNESCO do Quadro Estatutário e da Estratégia de Sevilha para as Reservas da Biosfera. Hoje em dia, com 503 sítios em mais de 100 países, a Rede oferece uma oportunidade única para testar, em contextos particulares, estudos aliados a conhecimentos científicos e modalidades de gestão que visem reduzir a perda da biodiversidade, melhorar os meios de subsistência das populações, favorecer as condições sociais, económicas e culturais essenciais à viabilidade de um Desenvolvimento Sustentável e, ainda, contribuir para os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Mais: Comissão Nacional da UNESCO - Portuguese Commission for UNESCO - Rua Latino Coelho, N.º 1 Edifício Aviz, Bloco A1 - 10.º - 1050-132 LISBOA PORTUGAL - www.unesco.pt PARQUES E VIDA SELVAGEM | 43 colectivismo Núcleo Português de Estudo e Protecção da Vida Selvagem volta a Gaia 33 anos depois da sua fundação Em 1973 uma dúzia de estudiosos das questões de Natureza, que se conheciam da Sociedade Portuguesa de Ornitologia, que o Prof. Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior fundara em 1964, pretendeu intervir na conservação e lançou o “Clube dos Amigos da Natureza”, que não teria desenvolvimento pelas dificuldades então criadas à constituição de associações e pela emergência do 25 de Abril. Reposta a liberdade de associação, em 1974, o projecto NPEPVS (Núcleo Português de Estudo e Protecção da Vida Selvagem) nasceu em Vila Nova de Gaia, numa noite de Agosto desse ano, e em 18/12/1974 seria formalmente constituído como associação, em escritura assinada por Nuno Magalhães, António Teixeira de Magalhães, Nuno Gomes Oliveira, Pedro Fonseca de Almeida, Rui Albuquerque Rodrigues, António Correia dos Reis, João Mariares de Vasconcelos, Fortunato Silva e Francisco Figueiredo. Logo em 29/01/1975 encalha junto ao Castelo do Queijo o petroleiro Jacob Maersk: cerca de 40 a 50.000 toneladas de crude arderam e 25.000 t foram libertadas no mar. O NPEPVS vê-se confrontado com necessidade de fazer uma operação, para a qual não estava minimamente preparado, de resgate de dezenas de aves marinhas; é a primeira operação deste tipo em Portugal. Os estatutos do NPEPVS são publicados no “Diário da República” de 07/02/75, fixando, assim, os objectivos da associação: promover ou apoiar estudos sobre fauna e flora, realizar campanhas junto do público no sentido da protecção da Natureza, em especial da fauna e da flora e interceder junto das entidades oficiais e apoiálas, no sentido da protecção da Natureza, em especial da fauna e da flora. Em 5 de Junho de 1975 é, pela primeira vez, comemorado em Portugal o Dia Mundial do Ambiente; no Porto as acções foram organizadas pelo NPEPVS em colaboração com a Comissão Nacional do Ambiente e do Parque Nacional da Peneda-Gerês. De 23 a 25/04/1977, o NPEPVS promove o 1.º Congresso Nacional de Ornitologia, que teve lugar na Fundação Engº. António de Almeida, no Porto, e contou com o patrocínio da Mobil Portuguesa, na que seria uma das primeiras acções de Mecenato Ambiental em Portugal. Nesse ano é criada a Delegação de Bragança, dirigida por António Teixeira Vilela e continuam os trabalhos com vista à criação da Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, área que já é usada pelo NPEPVS para realização de visitas de estudo, anilhagem de aves e experiências com ninhos artificiais. Em colaboração com a Liga para a Protecção da 44 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Natureza, o NPEPVS promove o I Encontro sobre Desenvolvimento Económico e Conservação do Ambiente, que decorreu na Faculdade de Engenharia do Porto, em Abril de 1978, e onde pela primeira vez em Portugal se discutiu desenvolvimento económico e conservação. Em 1979, no seguimento da proposta do NPEPVS, é criada a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, ficando a associação representada na sua Comissão Científica. Em 1980 o NPEPVS participa na campanha nacional “Salvemos o Lince e a Serra da Malcata”, com a Liga para a Protecção da Natureza, o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico e a Direcção-Geral de Ordenamento e Gestão Florestal, campanha que viria dar lugar à criação da Reserva Natural da Serra da Malcata. Em 1981 o NPEPVS prepara a exposição “O Mar deve Viver”, patrocinada pelo então FAOJ (actual Instituto da Juventude). Em 1982 é constituída a Delegação dos Açores, dirigida pelo Eng.º Duarte Soares Furtado, e que chegou a ter 220 associados. Em 1083, por Despacho do Primeiro-ministro, o NPEPVS é declarado associação de Utilidade Pública («Diário da República», II Série, nº 18, de 22/01/1983) Em 18/02/83 a Direcção do NPEPVS aprova a proposta de criação de um “Parque Biológico”, e em 20 de Março de 1983 iniciaram-se os trabalhos para a sua construção em Vila Nova de Gaia. Nesse ano, um dos últimos de grande actividade da associação, inicia-se a instalação do Centro de Conservação da Natureza de Cércio (Miranda do Douro), são entregues à Secretaria de Estado do Ambiente as propostas de criação da Reserva Natural da Barrinha de Esmoriz e da Reserva Natural da Paul de Arzila. Em Janeiro de 1983 sai o 1.º Boletim Informativo “Vida Selvagem” e em Outubro é publicado o relatório “Litoral de Gaia – Situação Ambiental e medidas de recuperação”. De 18/04 a 1/05/1984 o NPEPVS promove as I Jornadas Nacionais sobre Estudo e Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais, que tiveram lugar no Porto, onde, entre outras, são apresentadas pela associação a proposta de recuperação de Reserva Ornitológica do Mindelo e o Projecto de Reserva Natural das Serras de Santa Justa, Pias e Castiçal que haviam, já, sido entregues à Secretaria de Estado do Ambiente. Numa iniciativa inédita em Portugal, o NPEPVS promove em 1984 uma venda de pinheiros de Natal mondados pelos Serviços Florestais, de modo a evitar o habitual abate indiscriminado de árvores nesta altura do ano. Nesse ano é recuperado um Falcão-peregrino, restituído à liberdade na Senhora do Salto (Paredes), em 5 de Agosto, com a anilha n.º M 1951, do CEMPA, e é entregue à Secretaria de Estado do Ambiente a proposta de alargamento da Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto à Ria de Aveiro e uma proposta de criação do Parque Natural do Douro Internacional. O NPEPVS adere à UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e, em 31/12/1984, tinha 1.100 sócios. De 26 a 28/04/1985 decorrem, em Bragança, as I Jornadas Regionais de Conservação da Natureza e Defesa do Ambiente, promovidas pelo NPEPVS. Em 10/09/85 a Direcção do NPEPVS delibera ceder o projecto “Parque Biológico” à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e em 6/06/1987 a Assembleia Geral, reunida em Bragança, decide mudar a sede do NPEPVS para aquela cidade. Depois disso, e muito por causa da criação do Parque Biológico de Gaia, o NPEPVS caiu na inactividade, fenómeno comum a muitas associações que não criaram projectos permanentes. No entanto, era pena perder esta rica história, marcante no movimento de conservação em Portugal, pelo que alguns sócios tomaram em mãos, em 2007, a reactivação da associação, o que se viria a concretizar em Assembleia Geral reunida 12/05/2007, no Parque Biológico de Gaia, que decide refundar o NPEPVS e elege os Corpos Gerentes para 2007/2009. Presentemente está-se a proceder aos aspectos organizativos e burocráticos de relançamento da Associação mas já se começou a intervir, com um primeiro comunicado de imprensa, publicado em 03/09/2007 e intitulado “Isto não é verdade: “Ratos terão sido introduzidos para alimentar aves protegidas”. A próxima iniciativa de maior vulto será a organização, de 2 a 5 de Fevereiro de 2008, do II Seminário REGIÃO DO PORTO: ÁREAS NATURAIS PARA O SÉC. XXI, seis anos depois da realização de um primeiro seminário sobre o mesmo tema, promovido por um conjunto de personalidades do Porto. Neste seminário pretende-se, mais uma vez, alertar para o estado de abandono em que continuam a Serra de Santa Justa, a Reserva Ornitológica de Mindelo, a Barrinha de Esmoriz e outras áreas naturais e seminaturais da Região do Porto e apelar para que o próximo Quadro Comunitário de Apoio (QREN 2007-2013) consagre as verbas necessárias à recuperação e salvaguarda destes espaços. Entretanto o NPEPVS continua a ter as instalações próprias da Delegação de Bragança, e celebrou um protocolo com o Parque Biológico de Gaia, que permite à associação, numa fase transitória, ter a sua sede nacional anexa a este equipamento do Município de Gaia. Texto: Nuno Gomes Oliveira Informações e inscrições: [email protected] Brevemente disponíveis em www.vidaselvagem.pt colectivismo Indicador europeu Amigos do Parque O Centro de Conservação de Borboletas de Portugal (TAGIS) desenvolve no próximo ano o Programa de Monitorização de Borboletas Diurnas em Portugal A Associação dos Amigos do Parque Biológico de Gaia (AAPBG) proporciona aos seus sócios encontros mais frequentes com a natureza Este programa de investigação Desertos de informação faunística permitirá a criação de uma (Ropalóceros) rede de locais de amostragem distribuídos por todo o país. Todos os anos, em cada local d e a m o s t ra g e m , o s observadores do projecto irão contar as borboletas de Março a Setembro, num transepto ou percurso previamente fixado que representa a diversidade de habitat dos locais seleccionados. Estas contagens de borboletas diurnas são os primeiros dados sobre as populações, que permitirão determinar tendências ao longo do tempo, alterações climáticas, assim como da qualidade do ambiente. O trabalho a desenvolver será integrado na rede europeia de parceiros, coordenado pelo Butterfly Conservation Europe, e consequentemente contribuirá para a construção de um Indicador Europeu, uma das mais importantes iniciativas de monitorização da diversidade com vista ao objectivo de diminuição da perda de biodiversidade até 2010 definido pela União Europeia. Há um facto que é também oportuno frisar: os chamados Desertos de Informação faunística (DIF). O TAGIS está a promover a erradicação dos desertos em Portugal... Dividimos o território português em quadrículas UTM de 10 x 10 km. As observações de borboletas são inseridas na base faunística do TAGIS com a indicação da quadrícula UTM correspondente. Das mais de 10 mil quadrículas correspondentes ao nosso país falta-nos apenas cobrir os pontos verdes que surgem no mapa. Os leitores podem participar: como em todas as actividades desta associação, há espaço para a participação de todas as pessoas interessadas em contribuir para a conservação da diversidade da fauna portuguesa. Neste caso, convém inscrever-se na lista de colaboradores do TAGIS, enviando os dados das suas observações de borboletas. Além disso, em Lisboa, os interessados podem visitar o LAGARTAGIS, a primeira estufa de criação de borboletas comuns da fauna portuguesa, aberta todos os dias (incluindo domingos e feriados) das 10h00 às 18h00. Nas visitas guiadas e nos ateliers pedagógicos tem de haver marcação prévia: Tel.: 213965388 - E-mail: [email protected] Pode ainda conhecer a exposição interactiva «Borboletas através do tempo», no Museu Nacional de História Natural. O percurso de descoberta da natureza do Parque Biológico de Gaia é o exlíbris desta empresa municipal. Contudo, há uma série de actividades que ao longo do ano vão de encontro ao gosto dos visitantes. É o caso, nesta época, das vindimas (29 de Setembro), da desfolhada do milho animada por um rancho (6 de Outubro) e do magusto (10 de Novembro). Embora os dias fiquem mais pequenos e o anoitecer já traga frio, colher as castanhas que os ouriços encobrem com tantos espinhos e no fogo aceso na eira comê-las já assadas, revigora, num rito anual repetido há muitos séculos. Para os mais pequenos, saltar a fogueira é um acto mágico, quando se acham capazes de rir das labaredas nas suas próprias barbas. Isto e muito mais é acessível aos sócios desta associação, pois recebem mensalmente a informação em casa, para além de poderem sem bilhete de entrada almoçar no restaurante Vale do Febros, no próprio Parque, e de passearem neste percurso onde as folhas caídas revelam aves e esquilos com maior frequência que nas estações do ano mais quentes. Associação dos Amigos do Parque Biológico de Gaia Parque Biológico de Gaia 4470-757 AVINTES Tel. 227878120 - [email protected] Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal Museu Bocage – MNHN Rua da Escola Politécnica, 58 • 1250-102 Lisboa Tel. + Fax: 21 396 53 88 E-mail: [email protected] • URL: www.tagis.org PARQUES E VIDA SELVAGEM | 45 colectivismo Roquinho Oceanodroma castro Foto: Pedro Geraldes Árvores velhas “The man of science and of taste will... discover the beauties in a tree, which the others would condemn for its decay...” (Humphry Repton, landscape gardener, 1803). Roquinho: ave 2007! Portugal é um dos países europeus com maior número de espécies de aves marinhas. Algumas delas são comuns, como a Pardela (ou Cagarro) (Calonectris diomedea), outras, como a Freira da Madeira (Pterodroma madeira) ou o Airo (Uria aalge) encontram-se ameaçadas ou sofreram um declínio muito forte nos últimos anos. Outras, como o Roquinho (Oceanodroma castro), são tão difíceis de observar no mar que poderíamos passar toda uma vida a sua procura. A SPEA não tem apenas como objectivos proteger e dar a conhecer as aves mais facilmente observáveis ou ameaçadas de Portugal, mas também as que são raras ou pouco conhecidas, como o Roquinho, a primeira Ave do Ano escolhida pela SPEA. O Roquinho, Roque-de-castro ou Alma-de-mestre (segundo é conhecido no Continente, Madeira ou Açores) é uma espécie migradora que tem uma distribuição mundial vasta, incluindo os oceanos Atlântico e Pacífico. Em Portugal ocorre em todas as ilhas dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, e também nos ilhéus dos Farilhões (Berlengas). É uma ave de aspecto frágil e delicado, muito leve e de voo rápido e directo, quase colado à superfície do mar, e daí a sua dificuldade de detecção para os observadores durante os censos marinhos. O Roquinho apresenta um estatuto de conservação vulnerável e dependente de gestão, e é uma das espécies estudadas pelo Programa Marinho da SPEA, que tem como objectivo final estudar a proteger todas as aves marinhas que ocorrem em Portugal. Com o fim de melhor investigar a sua biologia, a equipa da SPEA visita as suas colónias de nidificação em terra. A Campanha da Ave do Ano 2007 foi lançada oficialmente no dia 8 de Junho no Oceanário de Lisboa e nessa data foram apresentados os diversos materiais e acções destinadas a melhorar o conhecimento actual da espécie e promover a sua conservação. Entre os materiais apresentados estão o microsite da campanha, T-shirt, poster, autocolante, press-kit para jornalistas e minifilmes distribuídos na net. No âmbito desta campanha, para além da produção de materiais, a SPEA programou para este ano diversas actividades de divulgação, tais como conferências e saídas de campo, tendo sido já realizadas saídas dirigidas à população local, jornalistas e sócios da SPEA na ilha do Corvo (Açores) e nas Desertas (Madeira), em acções integradas no Projecto LIFE IBAs Marinhas do Programa Marinho da SPEA. A par das acções de divulgação, e também inseridos neste projecto, continuam os trabalhos de investigação sobre a reprodução e alimentação do Roquinho, bem como os censos marinhos, que permitirão conhecer as suas deslocações no mar e identificar as áreas marinhas importantes (IBAs marinhas) para a nossa Ave do Ano. Saiba mais sobre a Ave do Ano 2007 em: http://www.spea.pt/programa_marinho Texto: Iván Ramírez (coordenador do Programa Marinho da SPEA) SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves Avenida da liberdade, nº 105 - 2º - esq. 1250 - 140 Lisboa Tel.: 21 322 0430 / Fax: 21 322 04 39 - E-mail: [email protected] Página da Internet: www.spea.pt 46 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Árvore velha é um termo que, embora algo subjectivo, pretende englobar árvores que em resultado da sua idade (por comparação com a longevidade da espécie), dimensões e/ou história de vida, apresentam um elevado valor ecológico, cultural, paisagístico e educacional. Na sua identificação são utilizadas diversas características relacionadas com alterações ao nível das raízes, tronco e ramos, em virtude do processo de envelhecimento da árvore. Na realidade estes exemplares são, não só, uma importante parte da nossa herança histórico-cultural, mas também verdadeiros santuários de biodiversidade, fornecendo um habitat para numerosas espécies de fungos, líquenes, insectos, entre outros. Com efeito, os fungos, responsáveis pelo apodrecimento do lenho, além de permitirem a reciclagem dos nutrientes, promovem o aparecimento das condições necessárias à instalação de outras espécies. Alguns líquenes de crescimento lento apenas são encontrados sobre a casca de árvores velhas. Centenas de espécies de insectos dependem do lenho apodrecido das árvores velhas para a sua alimentação. Portanto, a reabilitação e conservação destes exemplares arbóreos deve assumir um papel preponderante na arboricultura dos nossos dias. Texto e foto: SPA Acumulação de água Cavidade Lenho morto Cavidade Ramos secos Raízes aéreas Escorrimento de seiva Casca solta Fissuramento da casca Carpóforos Plantas epifiticas Lenho morto Características utilizadas para identificar uma árvore velha (adaptado de Veteran Trees: A guide to good management) Sociedade Portuguesa de Arboricultura Tel. 227 878 120; Tlm. 934 309 871 [email protected] Página da Internet: www.sparboricultura.pt opinião Edifícios eficientes Com a recente entrada em vigor de legislação específica sobre o comportamento energético dos edifícios, é de prever um maior cuidado por parte de promotores e proprietários relativamente aos consumos energéticos dos edifícios Esta legislação aparece como uma necessidade imperiosa de aumentar a qualidade dos edifícios e permitir um melhor conforto dos seus utentes com o menor consumo de energia possível. O facto é que Portugal sendo um país mediterrâneo com uma temperatura média muito acima dos países do Norte da Europa continua com um parque edificado no qual o conforto térmico é conseguido com recurso a um enorme dispêndio de energia. A nova regulamentação RCCTE obriga a que os edifícios passem a ser etiquetados conforme a sua eficiência energética, tal como já acontece com determinados electrodomésticos. A melhor eficiência será classificada com a letra A, a pior com a letra G. Numa primeira fase (a partir de Julho de 2007) estas regras vão ser aplicadas aos novos edifícios mas progressivamente serão obrigatórias também nas casas mais antigas. As inspecções que irão dar origem à classificação energética do edifício serão executadas por técnicos credenciados, que irão contabilizar a natureza da construção e determinados parâmetros que permitem estimar a quantidade de energia necessária para dar conforto aos seus utilizadores, permitindo assim fazer um rácio da eficiência. A orientação solar, a existência e espessura de isolamento térmico, a instalação de vidros duplos, o tipo de caixilharias serão factores fundamentais para a caracterização energética da casa. A inclusão de fontes de energia renováveis como painéis solares térmicos nos edifícios novos passará também a ser obrigatória em determinadas condições. Esta caracterização energética será importante para que os novos compradores possam avaliar quais os custos de manutenção do edifício, sendo assim possível acrescentar um novo parâmetro para a avaliação imobiliária. É natural que com o decorrer do tempo os edifícios mais eficientes sejam mais procurados aumentando a sua procura e consequentemente o seu valor comercial. Racionalizar os consumos energéticos não quer dizer perder conforto ou qualidade de vida; racionalizar traduz-se na utilização da energia de uma forma eficaz e eficiente sem desperdícios. O Parque Biológico e a Câmara de Vila Nova de Gaia têm vindo a fazer um esforço de florestação Foto: Arquivo PBG Infelizmente partimos de uma má posição já que no nosso país o consumo de energia por unidade PIB é mais elevado, ou seja para uma unidade de PIB consumimos mais energia do que os nossos parceiros europeus. Para além disso, grande parte dessa energia é importada, o que prejudica gravemente a nossa balança comercial. Como é do conhecimento público a energia que utilizamos no nosso quotidiano provém, numa substancial percentagem de recursos fósseis (cerca de 80%); assim, quanto mais energia utilizarmos mais dióxido de carbono é emitido para a nossa atmosfera. Mais dióxido de carbono na atmosfera traduz-se em graves problemas ambientais como o efeito de estufa e as alterações climáticas que todos os dias ouvimos noticiar. Ainda não se sabe ao certo quais serão as implicações destas alterações artificiais ao clima do planeta, mas poderão traduzir-se em secas prolongadas, subida do nível do mar e extinção de milhares de espécies animais, proliferação de pragas e doenças entre outras desagradáveis experiências para a nossa espécie. Tendo em conta o ritmo a que os acontecimentos se estão a desenvolver é bem provável que durante o nosso período de vida assistamos a algumas alterações que nunca se considerou possível. É importante notar que a legislação publicada não se destina unicamente a grandes edifícios mas incide também nas nossas casas. Será mais um incentivo para que cada um de nós possa fazer a diferença nas suas escolhas energéticas do dia-adia. Pequenas alterações no quotidiano pessoal de milhares de pessoas tem um efeito multiplicador que pode beneficiar todos: é um trabalho discreto que cada um pode empreender com imensos benefícios e uma consciência mais tranquila. Para salvarmos o nosso planeta de uma crise climática teremos de racionalizar a forma como nos relacionamos com a energia. Um edifício energeticamente eficiente é um edifício amigo do ambiente. O Parque Biológico e a Câmara de Vila Nova de Gaia têm vindo a fazer um esforço de florestação, uma das poucas formas conhecidas de reter o dióxido de carbono da atmosfera. Texto: Francisco Saraiva, arquitecto crónica Por Jorge Paiva biólogo, Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra [email protected] Aloe Vera: mitos e realidades Desde que o frade franciscano Romano Zago, um brasileiro de São Francisco de Assis (Rio Grande do Sul, Brasil), na altura professor de Filosofia e de Latim no Convento de San Salvatore, em Jerusalém, deu a sua primeira grande entrevista à revista argentina “Florecillas de Tierra Santa”, por ter “curado” a leucemia de Geraldito, uma criança argentina, o cancro de Linda, irmã de uma amiga da freira Silvana, da Comunidade de Aida (Israel) e o cancro de frei Rafael Caputo, director de uma Escola eclesiástica na Terra Santa, há cerca de uma dúzia de anos que se criou a panaceia do Aloe vera Seguiram-se muitas mais entrevistas, conferências e “curas” milagrosas, tendo até o frade Romano Zago vindo a Portugal onde proferiu conferências no Porto, Coimbra, Odivelas e Lisboa, tendo sido entrevistado pelas emissoras de Rádio e Televisão. A panaceia foi tal que em 1995-1996, quase desapareceram os “Aloés” (que até não são Aloe vera) dos jardins públicos de Portugal, pois as pessoas, tomadas de uma “loucura” colectiva, utilizavam o suco das folhas de qualquer “Aloé”, na tentativa de tratarem qualquer tipo de doença e, até, apenas como uma espécie de “vacina”, mesmo sem estarem doentes. Formavam-se filas à porta do Convento dos Franciscanos em Lisboa, para compra do remédio milagroso. Não sei se esta “romaria” já parou, passados que são mais de uma dezena de anos de muitas desilusões. Publicaram-se muitos artigos, plenos de erros, particularmente na identificação das espécies de Aloe, até recentemente, em revistas de divulgação e em livros sobre plantas medicinais, sendo alguns desses textos de autoria de pessoas com grandes responsabilidades, por efectuarem investigação científica com plantas medicinais. Nessa altura alertei para o logro em que as pessoas tinham caído, através de entrevistas e vários artigos de divulgação e na televisão, mas sem grandes resultados. Indivíduos sem escrúpulos continuam a vender “gato por lebre”, comercializando outras espécies de “Aloés” como sendo Aloe vera (L.) Burm. f., que é muito pouco cultivado nos jardins de Portugal. Apenas tenho conhecimento de 48 | PARQUES E VIDA SELVAGEM explorações agrícolas extensivas de Aloe vera em Portugal, no Algarve (concelhos de Portimão e de Vila do Bispo). Os “Aloés” pertencem à família das Liliáceas, que incluem plantas comestíveis (ex.: alho, cebola, espargo), ornamentais (ex.: tulipas, coroas-de-rei, açucena) e silvestres (ex.: martagão, cebola-albarrã, gilbardeira). Como os “Aloés” têm folhas suculentas (crassas), erroneamente, com muita frequência, designam-nos por cactos, um lapso “crasso”. Os verdadeiros cactos, são, na realidade, plantas crassas (suculentas), geralmente afilas (sem folhas) e com espinhos, que constituem a família das Cactáceas, com cerca de 2000 espécies nativas das estepes americanas (América do Norte, Central e do Sul), tendo sido introduzidos, por cultivo, noutras regiões do Globo, onde algumas espécies se naturalizaram e adaptaram tão bem que se tornaram invasoras, como aconteceu, por exemplo, com a figueira-da-índia [Opuntia ficus-indica (L.) Mill.], uma cactácea originária do México e não da Índia. Há cerca de 350 espécies de “Aloés”, das quais, quase metade (140) é nativa de África, sendo as restantes de Madagáscar, Socotra, Região Mediterrânica, Arábia, Índia e China. Portanto, os “Aloés” não são nativos do Continente Americano e, por isso, não se entende como é que o frade brasileiro Romano Zago diz que “colheu a receita da boca dos índios e que a guardou de ouvido”, para depois a utilizar. Aliás, os índios, de certeza que não utilizavam uísque ou conhaque para diluir o suco das folhas de “Aloé”, como utiliza o referido frade. Que utilizassem a “cachaça” (aguardente de cana) ou “tequilla” (aguardente do suco de folhas de piteiras, Agave spp.) ainda se “engolia”, mas uísque ou conhaque, nem lembra ao Diabo!... Aliás, tenho muitas dúvidas sobre o autopropagado altruísmo e desinteresse económico do frade, pois quando conferiu as suas conferências em Portugal, aconselhava as pessoas (que não conseguissem resultados com a “milagrosa” loção) a recorrer a outros tratamentos que podiam ser requeridos ao “investigador” médico Mauricio Grandi, Via Ponzio, 141, Turim, Itália (Correio da Manhã, 21. X. 1994). O verdadeiro Aloe vera (L.) Burm. f. é nativo do Nordeste de África e, muito provavelmente, também da Arábia. É utilizado como medicinal há milhares de anos, havendo testemunhos disso desde 1500 anos a. C., no Egipto (“Papyrus Ebers”, Universidade de Leipzig), referindo alguns autores que o encanto e beleza de Cleóptera se devia ao uso do “gel” de “Aloé”. O Aloe vera foi muito apreciado, como planta medicinal, pelos “físicos” gregos, como refere Hipócrates de Cos (ca. 460-370 a. C.) no seu “De herbis”, Teofrasto de Eresos (370-285 a.C.) em “Historia plantarum” e descrito por Dioscórides, cirurgião grego do século 1 d. C., em “De Materia Medica”, obra que influenciou a medicina ocidental durante cerca de 16 séculos. Ainda hoje, uma grande parte dos livros que se publicam sobre plantas medicinais, não são mais que adaptações (algumas de péssima qualidade) da obra de Dioscórides. Por isso, muitas das plantas tratadas por Dioscórides, foram difundidas Aloe arborescens por amplas áreas do Globo, como aconteceu com o Aloe vera, actualmente naturalizado na Região Mediterrânica, Macaronésia Madeira, Açores, Canárias e Cabo Verde) e América Central e do Sul. Alguns desses “físicos” gregos chegaram a recomendar aos respectivos imperadores a conquista da ilha de Socotra, por ali abundarem os “Aloés” (Aloe perryi Bak. e Aloe forbesii Bak. f.), como o fez Aristóteles (384-322 a. C), com o imperador Alexandre, o Grande. Sendo utilizado desde antes de Cristo, não admira que o Aloe vera seja referido nos textos bíblicos. Mas, nem todas as referências a “Aloés” nas diversas edições da Bíblia são verdadeiros “Aloés”. Os “Aloés” citados no Antigo Testamento (Salmos 45:9; Provérbios 7:17; Cântico dos Cânticos 4:14) são plantas que não pertencem ao género Aloe. Aí são referidas como plantas aromáticas, conjuntamente com a mirra [Commiphora abyssinica (Berg.) Engl.], a caneleira do Ceilão (Cinnamomum vera Nees) e a caneleira da China (Cinnamomum aromaticum J. Presl) e até são referidas como árvores (Cântico dos Cânticos 4:14). Esse “Aloé” citado no Antigo Testamento é uma árvore muito aromática, a Aquilaria agallocha (ahaloth, em Hebraico), a que os gregos chamam xylaloe. Por isso, quando traduziram os textos em hebraico do Antigo Testamento para grego, à ahaloth chamaram (muito bem) xylaloe. Ao traduzirem a Bíblia do grego para latim, traduziram (erroneamente) xylaloe para aloe. Aloe vera é uma erva, não aromática, com propriedades anti-sépticas e cicatrizantes, e é o “Aloé” referido no Novo Testamento (João 19:39). Aqui, refere-se que envolveram o corpo de Jesus com ligaduras e uma mistura de mirra [Commiphora abyssinica (Berg.) Engl.] e “Aloés”, para o sepultarem, como era costume entre os judeus. Estes “Aloés” são o Aloe vera (L.) Burm. f. ou, pouco provavelmente, Aloe perryi Bak. e Aloe forbesii Bak. f., nativos da ilha de Socotra (Iémene) e muito confundidos com o Aloe vera. Actualmente, ainda persiste esse hábito de envolverem (embalsamarem) os mortos com “Aloés” e outras plantas (particularmente aromáticas, pois muitas delas são anti-sépticas), não só em Israel, como também entre os árabes. Além de se confundir Aloe vera (L.) Burm.f. com os “Aloés” da ilha de Socotra (Aloe perryi Bak. e Aloe forbesii Bak. f.), comercialmente utilizados para extrair a socotrina (tâyef, na ilha; saber ou sabr ou sabbara em árabe), também se tem confundido com Aloe succotrina Lam., nativo da província do Cabo da África do Sul, não só por se julgar que o restritivo específico é referente a Socotra, como também porque Philip Miller, em 1758, lhe chamou Aloe vera Mill. (non L.). O epíteto succotrina nada tem a ver com a ilha de Socotra; o termo deriva de sucocitrina, produto químico do suco das folhas deste “Aloé” originário da Província do Cabo (África do Sul). O verdadeiro Aloe vera (L.) Burm.f., sendo utilizado há tantos séculos e sendo tão confundido com outros “Aloés”, deu origem a muitos lapsos e foi muito difundido, através do cultivo, particularmente por toda a Região Mediterrânica e, até, pela Macaronésia (Madeira, Açores, Canárias e Cabo Verde), para onde tem sido, erroneamente, dado como nativo. Após os Descobrimentos, o Aloe vera foi introduzido no Novo Mundo, provavelmente pelos espanhóis, a partir de plantas levadas das Canárias. Naturalizou-se rapidamente nas Índias Ocidentais (Barbados, Jamaica, Antigua, Porto Rico), na América Central (México, Nicarágua) e na América do Sul (Peru, Bolívia, Venezuela). Por isso, Philip Miller (1768) designou por Aloe barbadensis Mill., uma planta supostamente nativa da ilha dos Barbados, que não é mais do que o Aloe vera (L.) Burm.f. Infelizmente, essa confusão persiste ainda hoje, com a agravante de andarem a chamar Aloe barbadensis Mill. a um Aloe que não é o verdadeiro Aloe barbadensis Mill., isto é, que não é Aloe vera (L.) Burm.f. O pior é que essas confusões até aparecem em livros sobre plantas medicinais de autores com grandes responsabilidades, por fazerem investigação cientifica na área química das plantas medicinais. Não admira, pois, que nesses livros se apresentem produtos químicos diferentes para o Aloe barbadensis Mill e para o Aloe vera (L.) Burm.f., pois Aloe barbadensis Mill. que referem não é o autêntico e, portanto, não é o Aloe vera (L.) Burm.f. Na África do Sul, começou, há já alguns anos, a utilizar-se como fonte comercial de produtos dos “Aloés”, uma planta muito comum nos jardins desse país, o Aloe arborescens Mill. Inicialmente extraiam os produtos químicos do Aloe vera (L.) Burm.f., mas como o Aloe arborescens Mill. é não só largamente cultivado como ornamental, como PARQUES E VIDA SELVAGEM | 49 crónica também é nativo e bastante comum Aloe vera na Natureza daquele país, passaram a utilizar, para a obtenção do suco de “Aloé”, este último em vez do Aloe vera (L.) Burm.f., que ali tinham que cultivar, embora não só a composição química do suco dos dois “Aloés” seja diferente, como também, como é evidente, as qualidades terapêuticas das duas espécies sejam igualmente diversas. Aloe arborescens Mill. é nativo do sudoeste e sul de África (Zimbabwe, Malawy, Moçambique e África do Sul) e é muito utilizado como ornamental nas regiões temperadas do Globo, estando, actualmente, naturalizado em muitas regiões fora da respectiva área nativa, como no sudoeste da Região Mediterrânica (Sul de França, Espanha e Portugal). Em Portugal (e não só), infelizmente, muita gente e “herbanários” sem escrúpulos, utilizam o Aloe arborescens Mill., como fonte do suco de “Aloés”, para o comercializarem como se fosse o suco do verdadeiro Aloe vera (L.) Burm.f. Gilbert Reynolds (1895-1967) foi o mais eminente especialista do género Aloe, tendo publicado duas excelentes monografias (1950 e 1966), quimioterapia e a radioterapia. Antes pelo profusamente ilustradas com fotografias contrário, conheci pessoas cancerosas, tanto e desenhos a cores, pois ele observou vivas, em Portugal, como no estrangeiro, que se a maioria das espécies, muitas delas trataram com Aloe vera e morreram de cultivadas nos jardins das suas residências cancro. na África do Sul e na Suazilândia. Este Na referida literatura encontram-se autor e Robert Compton (1886-1979), que mencionadas muitos outras virtudes dos foi director do Jardim Botânico de “Aloés”, além das que acabamos de referir, Kirstenbosch (África do Sul), durante a tais como colagogas, emenagogas, década de 70 do século passado, alertaram vermífugas, repelentes de insectos, para o facto de se estar a comercializar estimulantes, laxativas, no tratamento da “gato por lebre”, elucidando que o suco meningite, conjuntivite crónica, blefarite, das folhas das duas espécies tinham obstipação, ictiose, várias outras doenças composição química diferente e, portanto, cutâneas, úlceras e até, inimaginável, no propriedades medicinais também distintas. tratamento da esterilidade. Enfim, ao O suco das folhas dos “Aloés” é um bom “Aloés” curam todos os males!... A panaceia cicatrizante, virtude que nós próprios já foi (e continua a ser) de tal ordem que, em constatamos e que é conhecida há muitos 1996, até houve quem tivesse a desfaçatez séculos, tanto que, na Antiga Grécia, de propor os “Aloés” como as “Plantas do Aristóteles utilizou as folhas de Aloe vera Ano” em Portugal!... Pois claro o proponente (L.) Burm.f. para tratamento dos ferimentos devia (e deve) estar “empanturrado” de dos soldados gregos. Porém, enquanto o dinheiro, à custa da ingenuidade e mal dos suco das folhas do Aloe arborescens Mill. outros!... é eficaz no tratamento de queimaduras Há imensas falsidades difundidas acerca (até as devidas a Raios X), o Aloe vera (L.) destas plantas, como também, na grande Burm.f. não o é. Como na literatura maioria dos casos, se está a vender como fitoterápica se têm confundido várias Aloe vera (L.) Burm.f., outras espécies de espécies de Aloe, têm sido atribuídas a Aloe Aloe, particularmente o Aloe arborescens vera virtudes que não possui. Mill., que é o mais comummente cultivado Encontram-se referências ao uso do Aloe nos nossos jardins, o que é grave, pois o vera no tratamento de cancros, mas, suco deste último é laxativo e pode pessoalmente, não conheço nenhum provocar reacções alérgicas. trabalho científico demonstrativo de tal Se o Aloe vera ou qualquer outra planta atributo desta planta. Por outro lado, tivesse as propriedades oncológicas também não conheço nenhum caso de cura propagadas, as grandes multinacionais da de cancro de doentes que se trataram indústria farmacêutica não deixavam de exclusivamente com o suco “milagroso”, explorar tal “filão”, nem o deixavam parando com todos os outros tratamentos entregue em mãos alheias. Aliás, a indústria que seguiam por indicação médica, como a 50 | PARQUES E VIDA SELVAGEM sem escrúpulos já explora este “filão”, pois encontram-se à venda produtos de cosmética (cremes, sabonetes, loções, águas de colónia, etc... até loções para a queda do cabelo,... por isso já não há carecas, como eu) fabricados por multinacionais como sendo à base de Aloe vera, não o sendo, na maioria dos casos. O pior é que até na indústria alimentar já estão à venda alimentos com “Aloe vera”. Considero um crime para a saúde pública, permitir-se a venda dos iogurtes da Danone com “Aloe vera”. Não sei se têm suco do Aloe vera, mas se o têm, é criminoso permitir-se que crianças comam um alimento com um antiséptico poderoso, sem terem qualquer infecção, fazendo com que o organismo da criança perca resistências a futuras infecções. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Instituto Nacional de Farmácia e do Medicamento (INFARMED) não permitem a comercialização de medicamentos não comprovados cientificamente. Por isso, não há à venda medicamentos à base do “Aloe vera” para tratamento de cancros. A indústria de cosméticos é uma indústria sem regras que explora a vaidade das pessoas. A indústria de plantas medicinais e os “Herbanários”, também não têm regras e explora a ingenuidade das pessoas. Mas a indústria alimentar é controlada pela Agência de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). Por isso, NÃO ENTENDO como continuam à venda iogurtes com “Aloe vera”. Só num “país das bananas e de bananas”. Para finalizar, o verdadeiro Aloe vera (L.) Burm.f. distingue-se bem de todos os outros Aloe com os quais o confundem, deliberadamente ou não, pois tem flores amarelas e os outros não. Aloe perryi Bak. e Aloe forbesii Bak.f., nativos da ilha Socotra, têm flores cor de salmão, que amarelecem depois da antese (abertura das flores), amarelecendo da base para o cimo da inflorescência.; Aloe succotrina Lam., da África do Sul, tem flores avermelhadas e Aloe arborescens Mill., do sudoeste e sul de África, tem flores escarlate. Além disso, o hábito das plantas e as inflorescências também são diferentes. Geralmente Aloe arborescens Mill. e Aloe succotrina Lam. são subarbustivos e têm as inflorescências simples (pedúnculos não ramificados), ao passo que Aloe vera (L.) Burm.f., Aloe perryi Bak. e Aloe forbesii Bak.f. são herbáceos e com as inflorescências 2-3-ramificadas. Na presença unicamente das folhas não é fácil distingui-los, daí as vigarices de muitos indivíduos gananciosos e sem escrúpulos. A panaceia dos “Aloés” tornou-se, assim, numa espécie de “loucura”, acabando algumas pessoa por adoecerem em vez de se curarem, pois há muitas contraindicações. Organização: NPEPVS - Núcleo Português de Estudo e Protecção da Vida Selvagem Informações e inscrições: [email protected] Brevemente disponível em www.vidaselvagem.pt