O DOCUMENTO ELETRÔNICO COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO CIVIL
RÔMULO GREFF MARIANI
Mestrando em Direito pela PUC-RS. Membro da Comissão Especial do Processo Virtual,
Peticionamento Eletrônico e Outras Tecnologias da OAB-RS. Sócio do escritório Veirano
Advogados.
RESUMO: O texto busca analisar de que maneira a disseminação dos documentos eletrônicos
reflete no campo probatório destinado ao processo civil, com especial atenção aos requisitos
que lhes são peculiares, que exigem o emprego de técnicas para melhor embasar o seu uso
com essa finalidade, como a assinatura digital. Contudo, o emprego de outras técnicas, ou
mesmo a utilização de documentos eletrônicos que não passaram por qualquer processo de
certificação digital não poderá, por si só, afastar o seu uso como meio probatório. O
magistrado sempre poderá se servir de outros mecanismos, como a perícia, a fim de aferir o
valor que o documento eletrônico merecerá como meio de prova.
PALAVRAS-CHAVE: Processo civil. Prova. Documento eletrônico. Assinatura digital.
Eficácia.
ABSTRACT: We tried to find how the spread of electronic documents is reflected in the field
of evidence for civil procedure, with special attention to the particular requirements of this
kind of document, that requires the use of techniques to provide better grounds for its use in
these purposes, such as the digital signature. However, the use of other techniques, or even the
use of electronic documents that have not undergone any digital certification process can’t
rule out its use as a mean of evidence. The judge can always make use of other mechanisms,
such as expert reports, in order to measure the value of the electronic document as evidence.
KEYWORDS: Civil procedure. Evidence. Electronic document. Digital signature. Efficacy.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Do documento eletrônico, 1.1 Conceito de documento
eletrônico, 1.2 Regime legal; 2 Requisitos de eficácia probatória, 2.1 Autenticidade, 2.2
Integridade, 2.3 Tempestividade, 2.4 Perenidade; 3. Assinatura digital, 3.1 Conceito, 3.2
Criptografia assimétrica, 3.3 Certificado digital; 4. Infraestrutura de chaves públicas
brasileira, 4.1 Interoperabilidade e neutralidade, 4.2 Agentes; 5. Valor probante do
documento eletrônico; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
O avanço da tecnologia no modo de vida da sociedade contemporânea acaba por
refletir na atividade do jurista. O antes inimaginável, hoje integra as atividades mais
comezinhas ao padrão médio de vida1.
1
“Com o crescimento do uso da Internet na rotina das pessoas para os mais variados fins, tais como pagamento
de contas bancárias, relacionamento entre pessoas, mensagens eletrônicas, aquisição de objetos e serviços de
consumo torna-se premente analisar formas pelas quais este modelo social, calcado na tecnologia e na
informação, relaciona-se com o Direito e em que medida implica a atuação do Poder Judiciário Brasileiro.”
RODRIGUES, Amanda Carolina Buttendorff. Análise comparada da funcionalidade do sistema e-proc no
Já experimentamos a revolução industrial, com a criação do motor a vapor, e a
revolução francesa, com valores até hoje cultuados. Atualmente, vivenciamos uma nova
revolução, silenciosa, por sua natureza, mas, sem sombra de dúvida, não menos
revolucionária em sua essência. O surgimento do computador e, posteriormente, da internet,
modificaram substancialmente a forma como interagimos.
Tomemos como exemplo a Instrução Normativa 969 de 21 de outubro de 2009 da
Receita Federam do Brasil, que determinou a utilização de assinatura digital, mediante
certificado digital válido, “para a transmissão de declarações e demonstrativos pelas pessoas
jurídicas tributadas com base no lucro real, no lucro presumido ou no lucro arbitrado”. Da
mesma forma, a nova lei do mandado de segurança que, em seu art. 4º dispõe: “Em caso de
urgência, é permitido, observados os requisitos legais, impetrar mandado de segurança por
telegrama, radiograma, fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada”, para no
parágrafo 3o apontar que “Para os fins deste artigo, em se tratando de documento eletrônico,
serão observadas as regras da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil”.
Essa nova revolução trouxe consigo problemas que demandam alternativas adequadas
ao tamanho de seus desafios. Tais soluções, por sua vez, divergem daquelas até então
encontradas quando da utilização de documentos constituídos em meio físico. O Direito
(como ordenamento jurídico) deve evoluir juntamente com a vida em sociedade. Nessa
esteira, nem mesmo as normas processuais, em que pese tragam normas de natureza
procedimental, podem esquivar-se de evoluções como a tecnológica.
É nesse contexto que surgem, como novo desafio, os documentos constituídos em
meios eletrônicos (bits), como alternativa aos documentos constituídos em meio físico
(átomos). Os fatos, que buscam os documentos registrar, passaram a existir também no meio
virtual, a exemplo das manifestações de vontade exaradas quando da compra de um simples
objeto, através de comunicação via internet. Trata-se de salutar evolução, que vem ao
encontro da dinâmica sociedade dos tempos atuais. Armazenar dados em bits economiza
espaço, tempo, recursos naturais, etc. Contudo, não há como olvidar os desafios trazidos pelo
emprego dessa tecnologia, principalmente no que tange ao seu uso como meio de prova, haja
vista a sua natural alterabilidade.
Brasil. Publicado nos anais do XX encontro nacional do Conpedi. Disponível
http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XXencontro/Integra.pdf. Acesso em 26. Abr. 2012.
em
Assim, devem ser buscadas alternativas para que a utilização do documento eletrônico
como meio de prova no processo não reste prejudicada ante o não cumprimento de requisitos
tais como integridade, autenticidade, perenidade e tempestividade.
1.
DO DOCUMENTO ELETRÔNICO
A evolução tecnológica vem ao encontro das crescentes e, por vezes, voláteis
necessidades impostas pela vida em sociedade, não podendo o direito quedar-se inerte diante
de tais evoluções2. Essa evolução impõe aos operadores do direito a devida contrapartida,
fazendo com que ele responda de maneira satisfatória às demandas da sociedade onde opera3.
Pois a evolução tecnológica acabou por criar, na terminologia utilizada por José Carlos
de Araújo Almeida Filho, o chamado Direito Eletrônico, que pode ser definido como o
conjunto de normas e conceitos doutrinários que regem todas as relações onde a informática
seja fator primário, gerando direitos e deveres, bem como “o estudo abrangente, com o auxílio
de todas as normas codificadas de direito, a regular as relações dos mais diversos meios de
comunicação, dentre eles os próprios da informática”4.
No que interessa aqui, surgem os documentos eletrônicos como forma de conferir
agilidade, diminuir custos e simplificar as relações hodiernamente existentes entre os
indivíduos. São diversas as áreas impactadas, com especial relevo aos negócios jurídicos
celebrados em massa. Basta atentar, por exemplo, às relações de direito comercial e bancário,
que no intuito de obter maior agilidade e comodidade, a todo o momento são concretizadas
2
3
4
“Há apenas trinta anos, a Internet não passava de um projeto, o termo ‘globalização’ não havia sido cunhado
e a transmissão de dados por fibra óptica não existia. Informação era um item caro, pouco acessível e
centralizado. O cotidiano do mundo jurídico resumia-se a papéis, burocracia e prazos. Com as mudanças
ocorridas desde então, ingressamos na era do tempo real, do deslocamento virtual dos negócios, da quebra de
paradigmas. Essa nova era traz transformações em vários segmentos da sociedade – não apenas
transformações tecnológicas, mas mudanças de conceitos, métodos de trabalho e estruturas. O direito também
é influenciado por essa nova realidade. A dinâmica da era da informação exige uma mudança mais profunda
na própria forma como o Direito é exercido e pensado em sua prática cotidiana”. PECK, Patrícia. Direito
digital. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 1.
“Não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida
social e econômica; e esta não há de corresponder imutavelmente às regras formuladas pelos legisladores”.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica na aplicação do direito. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.
157.
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico. A
informatização judicial do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 55-56.
por meio de sistemas informáticos, demonstrando que o predomínio da cibernética em lugar
da grafia é uma realidade que aumenta a cada dia5.
O documento eletrônico possui particularidades que o diferenciam do documento
físico. Desta feita, antes de adentrar ao uso do documento eletrônico como meio de prova,
impende analisar o seu conceito, bem como o regime jurídico a que está sujeito.
1.1
Conceito de documento eletrônico
Nas palavras de Augusto Tavares Rosa Marcacini, hoje vivemos em um mundo onde
no lugar de átomos, encontramos bits6. O mesmo autor define documento eletrônico como
sendo
uma seqüencia de bits que, traduzida por meio de um determinado programa de
computador, seja representativa de um fato. Da mesma forma que os documentos
físicos, o documento eletrônico não se resume em escritos: pode ser um texto
escrito, como também pode ser um desenho, uma fotografia digitalizada, sons,
vídeos, enfim, tudo que puder representar um fato e que esteja armazenado em um
arquivo digital7.
Por séculos foi da essência do documento a existência de suporte físico, um
instrumento palpável ao tato de seu interlocutor. Não se está a dizer que o documento
eletrônico é imaterial: como coisa, o documento eletrônico não prescinde de matéria para
existir. Contudo, conforme alertam os autores citados, estamos tratando de bits8, que por sua
forma de constituição dependem da atuação de um elemento que os traduza, geralmente um
computador, fazendo-o cognoscível àquele que se interessa por seu conteúdo.
5
6
7
8
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Eficácia probatória dos contratos celebrados pela internet. In: LUCCA,
Newton de; SIMAO FILHO, Adalberto (Coord.). Direito e internet: aspectos jurídicos relevantes. Bauru:
Edipro, 2001. p. 274.
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. O documento eletrônico como meio de prova. Disponível em:
<http://augustomarcacini.cjb.net/index.php/DireitoInformatica/DocumentoEletronico>. Acesso em: 06 nov.
2011.
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. O documento eletrônico como meio de prova. Disponível
em:<http://augustomarcacini.cjb.net/index.php/DireitoInformatica/DocumentoEletronico>. Acesso em: 06
nov. 2011. Semelhante conceito é dado por Aldemario Araujo Castro: “Assim, o documento eletrônico pode
ser entendido como a representação de um fato concretizada por meio de um computador e armazenado em
formato específico (organização singular de bits e bytes) capaz de ser traduzido ou apreendido pelos sentidos
mediante o emprego de programa (software) apropriado.” CASTRO, Aldemario Araujo. O documento
eletrônico
e
a
assinatura
digital
(Uma
visão
geral).
Disponível
em:
<http://www.aldemario.adv.br/doceleassdig.htm>. Acesso em: 17 dez. 2011.
“Os computadores ‘entendem’ impulsos elétricos, positivos ou negativos, que são representados por 1 ou 0.
A cada impulso elétrico damos o nome de bit (BInary digiT).” INFO WESTER. Disponível em:
<http://www.infowester.com/bit.php >. Acesso em: 17 dez. 2011.
Eis a representação de um documento eletrônico:
Figura 1: Representação de um documento eletrônico9.
Conforme visto, o conceito de documento eletrônico envolve bases similares ao de seu
congênere físico. O fato de ser constituído em bits é responsável pelas peculiaridades que
circundam esse meio de representação fática, mas não tornam possível o reconhecimento de
sua impossibilidade jurídica, questão que resta há muito superada. Conclui-se, dessa forma,
que dentro do conceito jurídico de documento eletrônico se incluem todos os fatos
armazenados em bits, desde que relevantes ao deslinde da causa.
Contudo, interessante contraponto é feito por José Carlos de Araújo Filho e Flavia
Miranda de Freitas. Trata-se de parecer exarado, com vistas a ação de improbidade movida
contra prefeito acusado de utilizar o site do Município em proveito próprio. O Autor pretendia
provar o ato de improbidade com impressões extraídas diretamente do endereço eletrônico.
Ao responder questionamento acerca da existência do aludido documento, sustentaram os
pareceristas a sua inexistência, haja vista que nenhum dos “documentos” encontrava respaldo
na Medida Provisória n. 2.220-2/2001 (adiante abordada)10.
Embora a tese seja de reconhecível engenhosidade, bem como considerando a
autoridade dos pareceristas sobre o assunto, não se pode concordar com tal entendimento. O
documento é típico instrumento de representação fática, prescindindo, inclusive, de assinatura
para que seja utilizado como meio de prova11. Ora, o documento eletrônico que não é
produzido nos termos da MP 2.220-2/2001 merecerá a fé que o juiz entender por concedê-lo,
com base na prerrogativa que este goza de livremente apreciá-lo. Contudo, há de se
9
10
11
BITAYTES-INFORMÁTICA E TECNOLOGIA. Disponível em: <http://www.bitaytes.com>. Acesso em:
12 nov. 2011.
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo; FREITAS, Flávia Miranda de. A importância da definição de
documento eletrônico. In: Revista de Processo, São Paulo, v. 34, n. 173, p. 357-372, jul. 2009.
Ver, por exemplo, o art. 376 do CPC, acerca dos registros meramente domésticos.
reconhecer que se trata de prova documental na forma eletrônica, e não de um “nada
jurídico”, como querem os aludidos pareceristas.
A certificação digital de que fala a MP 2.220/02 (leia-se assinatura digital, como
adiante estudado) é instituto salutar que vem ao encontro da disseminação do documento
eletrônico, inclusive como meio de prova. Contudo, a falta de assinatura eletrônica não pode
descaracterizá-lo como documento para fins probatórios, desde que juridicamente relevante ao
deslinde da causa. Isso na medida em que o documento eletrônico, à exemplo de seu
congênere “físico”, pode ser assinado ou não assinado12, em que pese a sua utilização
inegavelmente mereça mais fé na primeira hipótese e o desenvolvimento de tecnologias para a
assinatura de documentos em formato eletrônico seja imprescindível para a sua difusão.
Reafirma-se, assim, ser a assinatura digital instituto de extrema importância ao estudo
e utilização do documento eletrônico, como adiante se abordará. Contudo, a sua falta não
pode caracterizar, por si só, a inexistência de documento na forma eletrônica nos termos do
conceito aqui defendido13.
Delimitado o conceito de documento eletrônico, resta esclarecer que sua essência não
se perde pelo nome dado ao instituto. Ao tratarmos o documento como eletrônico, nos
filiamos à terminologia mais utilizada pela doutrina especializada, sem descartar outras
denominações como documento informático ou digital14.
1.2
Regime legal
Questão importante diz respeito à necessidade de regime legal próprio bem como da
possibilidade de aplicação das disposições do CPC acerca da prova documental, aos
12
13
14
LORENZETTI, Ricardo L. Comércio eletrônico. Traduzido por Fabiano Menke; com notas de Cláudia
Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 130.
Existem duas correntes acerca da existência e validade dos documentos eletrônicos: “Uma delas sustenta a
impossibilidade jurídica do documento eletrônico. A outra admite a existência e a validade dos documentos
eletrônicos. Esta última desdobra-se em duas vertentes: a que admite o documento eletrônico como realidade
jurídica válida por si e a que somente aceita o documento eletrônico com o atendimento de certos requisitos
dada a sua volatividade e a ausência de traço personalíssimo de seu autor”. CASTRO, Aldemario Araujo. O
documento eletrônico e a assinatura digital (Uma visão geral). Disponível em:
<http://www.aldemario.adv.br/doceleassdig.htm>. Acesso em: 17 dez. 2011.
“O documento digital pode ser denominado como documento eletrônico ou até mesmo como documento
informático, mas todos com o mesmo sentido, sendo todo documento produzido por meio do uso do
computador”. GANDINI, João Agnaldo Donizeti; JACOB, Cristiane; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A
segurança
dos
documentos
digitais.
Disponível
em:
<http://www.franca.unesp.br/SEGURANCA_DIGITAIS.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2011.
documentos eletrônicos. Sobre o tema, ensina Cesar Viterbo Matos Santolim que nada
obstante as significativas peculiaridades dessa espécie de documento, não há norma que, ao
tratar de prova documental, se mostre definitivamente incompatível com o documento em
formato eletrônico, independentemente do seu suporte.15
O documento eletrônico possui a mesma essência do documento regulado por nosso
longínquo CPC: a representação fática relevante ao deslinde da causa, do que se pode
concluir, sem muita criatividade, aplicarem-se aos bits as mesmas disposições de nosso
código processual inicialmente aplicadas somente aos átomos16.
Todavia, são inolvidáveis os desafios trazidos pela evolução tecnológica, mais
especificamente, pela possibilidade de armazenamento de dados/fatos na via eletrônica. Sem
exclusão das disposições do CPC, a criação de um regime legal próprio a esta espécie
documental repleta de peculiaridades se faz pertinente17.
A necessidade de lei que regulamentasse os anseios do documento eletrônico foi
observada em nosso país, com a edição da MP 2.220-1/2001, posteriormente atualizada pela
MP 2.220-2/2001. A lei regula a salutar possibilidade de assinarmos digitalmente os
documentos eletrônicos, sem excluir as disposições até hoje existentes acerca da produção da
prova documental. Assim, ao mesmo tempo em que se afirma a desnecessidade de regime
legal próprio à produção da prova documental em formato eletrônico, apontamos que a edição
da MP 2.220-2/2001 vem ao encontro da pertinente regulação do documento eletrônico,
reforçando a sua utilização como meio de prova.
De qualquer sorte e mesmo que refutada a aplicação de nosso código processual ao
documento eletrônico, ele merecerá, desde que legal e moralmente legítimo (art. 332 do
15
16
17
SANTOLIM, Cesar Viterbo Matos. Formação e eficácia probatória dos contratos por computador. São
Paulo: Saraiva, 1995. p. 34-35.
No mesmo sentido é a lição de Araújo Cintra: “Além disso, outros meios de prova poderão eventualmente
resultar do progresso científico e tecnológico. No entanto, é preciso reconhecer que os meios de prova
resultantes do desenvolvimento tecnológico até agora conhecidos se reduzem sempre às noções de
documento ou perícia, submetendo-se, por isso, às regras jurídicas que disciplinam tais modalidades
probatórias. Assim, por exemplo, os denominados ‘suportes informáticos’ se enquadram entre documentos e
o exame de DNA constitui perícia”. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Comentários ao código de
processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. IV. p. 17-18.
“é forçoso admitir que o documento eletrônico não poderá ser sempre utilizado em substituição do
documento cartáceo, na falta de alguma regulamentação estatal”. MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. O
documento
eletrônico
como
meio
de
prova.
Disponível
em:
<http://augustomarcacini.cjb.net/index.php/DireitoInformatica/DocumentoEletronico>. Acesso em: 06 nov.
2011.
CPC), a fé que o magistrado lhe atribuir. Nessa hipótese considerar-se-ia a prova documental
como meio de prova atípico, que poderá ser livremente apreciado18.
2
REQUISITOS DE EFICÁCIA PROBATÓRIA
As benesses do documento eletrônico já foram aqui ressaltadas. Contudo, não há como
se olvidarem os desafios trazidos pelo emprego dessa nova técnica, principalmente no que
tange ao seu uso como meio de prova, haja vista a sua natural alterabilidade19.
Os requisitos da autenticidade e a integridade, ou seja, a possibilidade de conferir
quem de fato criou o documento, bem como aferir qualquer modificação nele, se tornam
essenciais para que qualquer contestação à eficácia jurídica e, consequentemente, probatória,
do documento eletrônico, poucas chances tenha de prosperar20. A esses dois requisitos,
também se acrescentam a perenidade e a tempestividade.
O documento se projeta para o futuro, razão pela qual é preciso aferir a sua data de
criação, bem como garantir que as informações ali contidas não se percam com o passar do
tempo. Tais requisitos afloram no documento eletrônico, posto que a natural alterabilidade
que lhe é inerente dificulta a posterior realização de perícia, tornando a sua data e forma de
preservação, requisitos que devem ser agregados ao documento quando de sua formação.
Assim, serão abordadas a autenticidade, integridade, tempestividade e perenidade,
como requisitos para que qualquer contestação à eficácia probatória do documento eletrônico
trazido aos autos se torne de difícil êxito. Todavia, como já mencionado, a ausência de algum
requisito não retirará do meio probatório a natureza de prova documental, mas sim, dificultará
18
19
20
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Eficácia Probatória dos contratos celebrados pela internet. In: LUCCA,
Newton de; SIMAO FILHO, Adalberto (Coord.). Direito e internet: aspectos jurídicos relevantes. Bauru:
Edipro, 2001. p. 280.
“Deve-se ressaltar que só é possível atribuir um manto de eficácia jurídica plena aos documentos, em meios
tradicionais ou eletrônicos, se esses possuírem determinadas características que tornem possíveis não só a
identificação de sua autoria, mas também a certeza de sua não modificação ou indícios de tal. Os
documentos, como legítimas manifestações de vontade e representações fáticas, geram responsabilidades e,
se alterados, podem trazer grandes prejuízos para pessoas físicas ou jurídicas. Assim, os documentos (em
meios virtuais) devem, além da originalidade, possuir determinadas qualidades que não permitam que sejam,
totalmente ou em parte modificados, alterados, ou suprimidos sem que isso possa ser descoberto.” BLUM,
Renato M. S. O processo eletrônico: assinaturas, provas, documentos e instrumentos digitais. In: BLUM,
Renato M. S. Opice (Coord.) et al. Direito eletrônico - a internet e os tribunais. Bauru: Edipro, 2001. p. 44.
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. O documento eletrônico como meio de prova. Disponível em:
<http://augustomarcacini.cjb.net/index.php/DireitoInformatica/DocumentoEletronico>. Acesso em: 06 nov.
2011.
o seu uso em juízo, recebendo do julgador o valor de que for digna. O documento eletrônico
existe e é válido por si, mas com tais características gozará de maior fé perante o magistrado.
Pode-se dizer, dessa forma, que tais requisitos são de eficácia probatória do
documento eletrônico, e não de sua aceitação ou mesmo repúdio. Nessa esteira, desde já se
ressalta que a MP n. 2.200-2/2001 aponta apenas para uma questão funcional, agregando a
possibilidade de conferir a esse documento valor ou característica de que antes não gozava21.
2.1 Autenticidade
Ao tratar da autenticidade do documento, buscaremos a pessoa sobre a qual surtirão os
efeitos jurídicos da representação fática ali contida. Não se trata, portanto, daquele que
elaborou materialmente o documento, mas sim daquele que o subscreveu22.
Os documentos podem ser heterógrafos ou autógrafos. Enquanto estes representam
“um fato da própria pessoa que o forma”23, aquele ocorre “quando o fato representativo seja
um fato humano, sempre que o realize pessoa distinta da que forma o documento”24. É
documento autógrafo, por exemplo, um contrato celebrado pelas partes interessadas e que,
portanto, são as responsáveis por sua criação. Na segunda categoria podemos incluir uma
simples foto, haja vista que o fato ali documentado se distingue da fotografia em si. Ao
fotografar uma casa, não há dúvidas acerca da potencial qualidade de documento da foto, mas
esta se distingue do objeto fotografado.
Atentando ao que realmente importa, ou seja, aos efeitos jurídicos que o documento
irá produzir, tem-se que no documento heterógrafo pouco significado terá a autenticidade.
Para aferir a sua utilização como meio de prova, pouco se discute acerca da autoria da foto,
pois o fato ali documentado fala por si só. Tal já não ocorre nos documentos autógrafos,
conforme visto na lição de Carnelutti. Nestes, o requisito da autenticidade se faz
imprescindível e, via de regra, ele será aferido através de uma assinatura. Aqui surge a
21
22
23
24
CASTRO, Aldemario Araújo. O documento eletrônico e a assinatura digital (Uma visão geral).
Disponível em: <http://www.aldemario.adv.br/doceleassdig.htm>. Acesso em: 17 dez. 2011.
“A subscrição ou, em todo o caso, a indicação do autor do escrito, é, portanto, um elemento essencial do
documento autógrafo ou um comportamento necessário para que a escritura tenha função documental (do
fato) de sua formação; o escrito anônimo, ou seja, não subscrito ou, em todo o caso, que não indique seu
autor, não é verdadeiro documento (pelo menos, quanto ao fato de sua formação), senão somente um
indício.” CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. 4. ed. Campinas: Bookseller, 2005. p. 202.
CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. 4. ed. Campinas: Bookseller, 2005. p. 197.
CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. 4. ed. Campinas: Bookseller, 2005. p. 195.
dificuldade de aferir a autenticidade do documento eletrônico, pois a mera digitação de um
nome ao final de um documento eletrônico não possui o mesmo valor de uma assinatura
convencional, cujas características (caligrafia) tornam difícil a sua falsificação25.
O documento eletrônico, via de regra, não receberá a caligrafia de seu subscritor,
sendo criado a partir da intermediação de um instrumento, normalmente o hoje tão
disseminado computador. A impossibilidade dessa espécie de análise cria importante
empecilho à descoberta da autoria nos documentos eletrônicos, problema que pode ser
solucionado com o uso de outros meios probatórios26, ou mesmo da assinatura digital, adiante
abordada.
Aos documentos eletrônicos não assinados, seja por impossibilidade tecnológica, ou
mesmo por desinteresse das partes, restará a investigação de sua autenticidade através de
outros meios, como a prova testemunhal.
2.2 Integridade
Foi visto que a fácil alterabilidade é uma das características mais marcantes do
documento eletrônico, bem como aquela que maiores dificuldades traz ao seu uso como meio
de prova. A volatilidade torna o documento eletrônico de fácil falsificação, ou mesmo sujeito
a erro daquele que o manuseia. Uma simples tecla equivocadamente pressionada pode tornar
imprestável o seu conteúdo.
Surge, então, a integridade como uma “estimativa” que se faz sobre a possibilidade do
documento ter sido alterado ou não. São verificadas rasuras, escritos inseridos posteriormente,
etc., a fim de aferir se o conteúdo do documento permanece hígido27.
25
26
27
YARSHELL, Flávio Luiz; MATEUCCI, Carlos Roberto F.; PINTO, Luis Otávio Camargo. Eficácia
probatória do documento eletrônico. In: IOB Repertório de Jurisprudência - Papel, Rio de Janeiro, v. 3, n.
21, p. 489-493, 1. quinz. nov. 1999.
Sobre o tema, importante o alerta de Ricardo Lorenzetti: “ainda quando se admitia a plena validade do
documento escrito e assinado, sempre houve outras modalidades complementares. O uso de testemunhas, da
palavra empenhada e do juramento foi comum no Direito Romano como métodos de comprovação de
autoria. Nada impede, então, admitir que, na atualidade, mesmo subsistindo uma regra geral baseada na
relação entre documento escrito e assinatura hológrafa, possa haver normas complementares para diferentes
setores da prática social.” LORENZETTI, Ricardo L. Comércio eletrônico. Traduzido por Fabiano Menke;
com notas de Cláudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 98.
GANDINI, João Agnaldo Donizeti; JACOB, Cristiane; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A segurança dos
documentos digitais. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/ SEGURANCA_DIGITAIS.pdf>. Acesso
em: 06 nov. 2011.
O documento em meio físico, tendo em vista a sua forma de constituição, deixa
margem à realização de perícia grafoscópica, método cuja aplicação não é possível aos
documentos eletrônicos. Nos documentos eletrônicos, da mesma forma, não está descartada a
utilização de perícia, que poderá se mostrar de suma importância à valoração do documento,
pois estamos tratando daquele que, pelas características do documento eletrônico, se mostra o
seu principal requisito de eficácia como meio de prova.
Pode o documento ser aceito como prova de determinado fato sem, por exemplo, ser
aferida a sua autenticidade. É o caso de uma simples foto digital, em que, via de regra, pouco
importará conhecer-se o seu autor. Contudo, sem aferir a integridade, o documento poucas
chances terá de ser aceito, pois é justamente no conteúdo que reside a sua utilidade para fins
probatórios.
De se ressaltar que, em se tratando de integridade do documento eletrônico, não
estamos buscando que ele seja peremptoriamente inalterável: a alterabilidade é de sua
essência28. O que se quer é, na verdade, buscar que qualquer alteração seja perceptível.
Qualquer adulteração deve deixar vestígios, que por óbvio também serão percebidos na forma
eletrônica. Essa é a verdadeira essência do instituto: encontrar uma forma de aferir quaisquer
modificações no conteúdo do documento. Como adiante abordado, modernas técnicas de
assinatura eletrônica já permitem o alcance de tal objetivo.
2.3 Tempestividade
O documento se projeta para o futuro. Ao tratarmos da tempestividade, veremos que
por vezes a utilização do documento como meio de prova depende da aferição da sua data e
lugar de surgimento29.
28
29
“O meio em que estão gravados os documentos eletrônicos é essencialmente alterável sem deixar vestígios.
E, principalmente, esta característica que têm os documentos eletrônicos, de não estarem presos ao meio em
que são gravados, é justamente o que lhes dá a necessária flexibilidade, a permitir sua transmissão por meio
da rede mundial.” MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. O documento eletrônico como meio de prova.
Disponível
em:
<http://augustomarcacini.cjb.net/index.php/DireitoInformatica/DocumentoEletronico>.
Acesso em: 06 nov. 2011.
“O fato da formação do documento, e em particular o de escrever, não se individualiza somente pela
circunstância da pessoa que escreve, senão do mesmo modo pelas circunstâncias do tempo e do lugar em que
é escrito. Também neste sentido pode o documento representar sua formação, falando-se então de que leva
data. A data do documento autógrafo consiste, precisamente, na indicação do lugar e do tempo de sua
formação.” CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. 4. ed. Campinas: Bookseller, 2005. p. 210.
Primeiramente, deve-se destacar que a distinção entre documento autógrafo e
heterógrafo aqui também se faz pertinente. Assim como na autenticidade, a tempestividade se
mostra muito mais pertinente ao documento autógrafo. Difícil imaginar discussão acerca de
contrato, cuja data de elaboração seja sonegada do julgador. Esse dado pode influir
sobremaneira na lide como, por exemplo, para fins prescricionais e de aferição da capacidade
civil das partes.
Aferir a data (lugar e tempo) dos documentos públicos é tarefa que via de regra não
enseja maiores controvérsias, haja vista a presunção que qualifica os documentos dessa
espécie. Questão mais difícil, geralmente, ocorre com os documentos particulares, que
mereceram maior atenção no art. 370 de nosso CPC30.
Para as partes, sem sombra de dúvida presume-se verdadeira a data aposta no
documento, sem que isso signifique a impossibilidade de impugnação do mesmo. Todavia, ao
terceiro, mais do que impugnar a data, é dado sustentar que o documento só lhe pode ser
oposto em data posterior à nele constante, não obstante a sua veracidade. A diferença de
tratamento se faz compreensível quando damos a devida atenção ao momento em que o
documento passou a surtir efeitos na esfera jurídica dos envolvidos. Essa é a data que
realmente possui relevância.
Ao terceiro não importa a data oposta pelas partes, que podem mesmo entrar em
conluio para prejudicar-lhe. A solução trazida pelo art. 370 do CPC visa a preservar o
interesse daquele que, apesar de alijado da elaboração do documento, dele poderá sofrer
consequencias jurídicas.
Em se tratando de documento eletrônico, a inexistência de tinta e papel dificulta, por
vezes, a aferição da data de criação do documento eletrônico, pela impossibilidade de
realização de perícia sobre tais elementos. Os bits que constituem o documento não
envelhecem, não perdem a sua cor, ou, mais precisamente, não tendem a apresentar sinais de
envelhecimento31.
30
31
“Se os litigantes discordam a respeito da data do documento particular, ou apenas há dúvida a respeito,
qualquer interessado pode suscitar a produção de provas, com quaisquer que sejam os meios. A dúvida pode
ser também do juiz, ou só do juiz, e toca-lhe a determinação das providências. [...] A respeito de terceiros,
deu-se especial referência à data do registro, porque, aí, embora tenha sido verdadeira a data do documento,
pode o terceiro alegar que a eficácia é a data do registro.” MIRANDA, Pontes de. Comentários ao CPC. 3.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 365-367. tomo IV.
“Quanto à tempestividade, é ela que garante a confiabilidade probatória do documento analisado. Será
conferida pela verificação das formas de impressão, do tipo de tinta, os quais deverão estar compatíveis com
a tecnologia disponível quando da feitura do documento”. GANDINI, João Agnaldo Donizeti; JACOB,
Tais peculiaridades tornam imperativa a criação de mecanismos que se prestem a
comprovar a data de criação do documento eletrônico, nas hipóteses em que tal informação se
faz pertinente, como nas manifestações de vontade destinadas à realização de negócios
jurídicos. A tempestividade pode tomar lugar de destaque quando da discussão da validade
jurídica e probatória de um documento eletrônico, a exemplo do fértil campo dos contratos
celebrado em meio eletrônico32.
Assim, a criação de mecanismos para a identificação da data de criação do documento
é questão que diz respeito a sua tempestividade. Esse requisito, por vezes, tomará o lugar de
protagonista, podendo revelar possíveis adulterações no documento e, consequentemente, na
sua validade jurídica e probatória.
2.4
Perenidade
A perenidade é requisito que diz respeito à necessidade de conservação do documento.
Sendo o documento físico constituído geralmente em papel, a sua conservação é tema que não
traz maiores questionamentos. Contudo, ao tratarmos do documento eletrônico, as
dificuldades de conservação demandam algumas observações.
O documento é típico meio de representação fática, que possui como um de seus
elementos a coisa, ou melhor, um suporte que deixará transparecer o seu conteúdo. Mesmo os
bits não prescindem de matéria para existir, necessitando do elemento suporte para que
ganhem vida, bem como se conservem ao longo do tempo33.
Em sendo a conservação do documento medida mais do que aconselhável, não poderia
o documento eletrônico escapar de tal requisito. O natural descarte de arquivos eletrônicos,
que podem ser varridos de nosso computador quando de sua formatação, ou mesmo pela ação
32
33
Cristiane; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A segurança dos documentos digitais. Disponível em:
<http://www.franca.unesp.br/SEGURANCA_DIGITAIS.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2011.
“Na falta de uma relação direta entre os pactuantes, poderão surgir dificuldades com relação à correta
identificação dos sujeitos do contrato, ao seu preciso objeto, bem como à caracterização do seu lugar e
momento de aperfeiçoamento”. SANTOLIM, Cesar Viterbo Matos. Formação e eficácia probatória dos
contratos por computador. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 36.
“O conteúdo do documento eletrônico, por seu caráter imaterial, vem sempre apoiado sobre um suporte
representativo, ou seja, um objeto sobre o qual está contida a declaração digital (floppy disk, fita magnética,
compact disk, etc.). O suporte representativo é tema que guarda relação com as exigências legais de
conservação dos documentos.” YARSHELL, Flávio Luiz; MATEUCCI, Carlos Roberto F.; PINTO, Luis
Otávio Camargo. Eficácia probatória do documento eletrônico. In: IOB Repertório de Jurisprudência Papel, Rio de Janeiro, v. 3, n. 21, p. 489-493, 1. quinz. nov. 1999.
de vírus, aflora a necessidade de encontrar maneiras para perenizar o seu conteúdo. Resta
claro que somente o documento eletrônico conservado até o momento do litígio poderá ser
utilizado como meio de prova34.
Isso posto, cumpre à parte interessada na produção dessa espécie de prova, a utilização
de suporte apto a conservar o seu conteúdo. O uso de CDs, disquetes ou mesmo a memória do
próprio computador podem se prestar a tanto. Por derradeiro, de se salientar ser a perenidade
assunto que diz respeito ao modo de conservação do documento eletrônico, alguns dos quais
foram acima elencados. Assim, dos requisitos aqui estudados, é o único que para se fazer
presente, independe da utilização de tecnologias de assinatura eletrônica.
3.
ASSINATURA DIGITAL
3.1
Conceito
Foi dito que o documento eletrônico que gozar de alguns atributos, terá sua eficácia
probatória aumentada sobremaneira. A perenidade dependerá dos meios de armazenamento de
dados utilizados, tais como disquetes e CDs. Já a autenticidade, integridade e tempestividade
dependem de tecnologias especialmente desenvolvidas para essa finalidade.
Considerando as especiais particularidades desse meio de armazenamento de dados,
perguntou-se qual a melhor maneira de aferir a autenticidade, integridade e tempestividade
dos documentos eletrônicos. Devem-se buscar alternativas viáveis do ponto de vista prático
para aumentar a força probatória de tais documentos, sendo certo que em tempos atuais a
criptografia assimétrica, também chamada de criptografia de chave pública, é a tecnologia que
melhor atende a tais anseios35. Surgem, então, as assinaturas eletrônicas, dentre as quais se
destaca a assinatura digital.
Na lição de Fabiano Menke “sob a denominação de assinatura eletrônica inclui-se um
sem-número de métodos de comprovação de autoria empregados no meio virtual”36.
34
35
36
Interessante notar que nosso CPC, no parágrafo único de seu art. 365, dispõe sobre a conservação dos
originais dos documentos digitalizados mesmo após o término do litígio, precavendo-se contra eventual
posterior ação rescisória.
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. O documento eletrônico como meio de prova. Disponível em:
<http://augustomarcacini.cjb.net/index.php/DireitoInformatica/DocumentoEletronico>. Acesso em: 06 nov.
2011.
MENKE, Fabiano. Assinatura eletrônica: no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.
42.
Considera-se “assinatura eletrônica” como gênero, tendo por espécie a assinatura digital, que,
segundo o mesmo autor, se refere somente ao procedimento de autenticação baseado na
criptografia assimétrica37.
A criptografia assimétrica, apontada por Marcacini como a resposta aos desafios
trazidos pelo documento eletrônico, é a tecnologia empregada pela assinatura digital e que,
ademais, restou regulada em nossa legislação (MP 2.220-2/2001). Essa é, contudo, apenas
uma das várias (ou inúmeras, conforme o avanço tecnológico) espécies de assinatura
eletrônica38.
Ainda, de se destacar, a fim de dirimir eventuais confusões terminológicas, que
assinatura digital e assinatura digitalizada são conceitos que não se confundem. A primeira é o
processo de encriptação de dados – tratado no presente texto –, e a segunda é aquela obtida
por meio da digitalização do documento, através de um scanner ou aparelho similar39.
3.2
Criptografia Assimétrica
Criptografar nada mais é do que codificar uma mensagem, tornando o seu conteúdo
inacessível a terceiros. Em se tratando de documentos eletrônicos, veremos que além de
sigilo, a tecnologia também garante a sua autenticidade, integridade e tempestividade.
A fim de melhor entender a criptografia em sua forma assimétrica, iremos
primeiramente adentrar à criptografia na forma simétrica, pois a comparação dos sistemas
ajudará a elucidar os meandros que envolvem a matéria. Sobre o tema, ensina Maria Eugênia
Finkelstein que “O sistema simétrico é caracterizado pela presença de uma única chave,
37
38
39
MENKE, Fabiano. Assinatura eletrônica: no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.
42.
“Não afronta as tradições jurídicas, nem macula a língua portuguesa, atribuir à assinatura significado mais
amplo do que apenas o ato de escrever de próprio punho. Pode ser considerado como assinatura, tanto na
acepção vulgar como jurídica, qualquer meio que possua as mesmas características da assinatura manuscrita,
isto é, que seja um sinal identificável único e exclusivo de uma dada pessoa. Se, até recentemente, a escrita
manual era o único meio conhecido de gerar um sinal distintivo único e exclusivo, é evidente que para o
Direito não se deixava margem para questionar o que se entendia por ‘assinatura’. Na medida em que a
evolução da técnica permite uma ‘assinatura eletrônica’ que possua estas mesmas características, possível se
mostra dar-lhe o mesmo significado e eficácia jurídica da assinatura manual”. MARCACINI, Augusto
Tavares Rosa. O documento
eletrônico
como
meio
de prova. Disponível em:
<http://augustomarcacini.cjb.net/index.php/DireitoInformatica/DocumentoEletronico>. Acesso em: 06 nov.
2011.
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico. A
informatização judicial do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 173.
mediante a qual quem envia uma mensagem cifrada, o faz através de uma chave privada
secreta, e, quem a recebe, decifra-a com a mesma chave”40.
A chave (aplicada pelo uso de algum programa de computador, como adiante) é
utilizada para cifrar o conteúdo do documento. Aqui, contudo, estamos utilizando apenas uma
chave, que num primeiro momento esconderá, para depois revelar o seu conteúdo. Daqui
surge o nome dado à assinatura: simétrico é o que se corresponde.
O sistema pode ser comparado a uma mensagem cifrada constituída em meio físico e
cujo código para desvendá-la acompanha o mensageiro. Se este restar capturado, fácil será ao
terceiro decifrar seu conteúdo, sendo esse o maior inconveniente para sua utilização. A
criptografia simétrica pouca segurança trará aos envolvidos, pois não há garantia de que uma
vez em mão erradas, seu conteúdo continuará cifrado.
Surge então a criptografia assimétrica aqui enfocada. De maneira a solucionar o
problema apontado, possui a criptografia assimétrica duas chaves: uma privada, que
permanece conhecida apenas pelo seu possuidor, e uma pública, que está ao alcance de todos.
Conforme lição de Marcacini, o sistema
[...] utiliza duas chaves geradas pelo computador. Uma das chaves dizemos ser a
chave privada, a ser mantida em sigilo pelo usuário, e a outra, a chave pública, que,
como sugere o nome, pode e deve ser livremente distribuída. Essas duas chaves são
dois números que se relacionam de tal modo que uma desfaz o que a outra faz.
Encriptando a mensagem com a chave pública, geramos uma mensagem cifrada que
não pode ser decifrada com a própria chave pública que a gerou. Só com o uso da
chave privada poderemos decifrar a mensagem que foi codificada com a chave
pública. E o contrário também é verdadeiro: o que for encriptado com o uso da
chave privada, só poderá ser decriptado com a chave pública41.
Criptografar e cifrar são conceitos que se distinguem apenas pela sua abrangência.
Qualquer documento pode ser cifrado, enquanto apenas os documentos eletrônicos podem ser
40
41
FINKELSTEIN, Maria Eugênia. Aspectos jurídicos do comércio eletrônico. Porto Alegre: Síntese, 2004. p.
179.
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. O documento eletrônico como meio de prova. Disponível em:
<http://augustomarcacini.cjb.net/index.php/DireitoInformatica/DocumentoEletronico>. Acesso em 06 nov.
2011. Complementa a lição Aldemario Araújo Castro: “O sistema de criptografia assimétrica permite o envio
de mensagens com total privacidade. Para tanto, o remetente deve cifrar o texto utilizando a chave pública do
destinatário. Depois, ele (o remetente) deverá criptografar o texto com a sua chave privada. O destinatário, ao
receber a mensagem irá decifrá-la utilizando a chave pública do remetente. O passo seguinte será aplicar a
própria chave privada para ter acesso ao conteúdo original da mensagem.” CASTRO, Aldemario Araújo. O
documento eletrônico e a assinatura digital (Uma visão geral). Disponível em:
<http://www.aldemario.adv.br/doceleassdig.htm>. Acesso em: 17 dez. 2011.
criptografados, garantindo não apenas sigilo, mas outros requisitos pertinentes à sua eficácia
probatória, como a integridade.
Ao cifrar o conteúdo do documento utilizando a chave pública do destinatário, o
remetente garante que apenas a chave privada daquele (o destinatário) revelará o seu
conteúdo, garantindo o sigilo da informação. Ainda, ao aplicar a sua própria chave privada, o
remetente faz com que por consulta à sua chave pública, eventual modificação do documento,
sua autoria e data de elaboração, sejam do conhecimento do destinatário.
Se estiver preocupado apenas em garantir a autenticidade, integridade e
tempestividade, em detrimento de seu sigilo, pode o remetente limitar-se a aplicar apenas a
sua chave privada sobre o documento, permitindo que qualquer pessoa que a ele tenha acesso
tome conhecimento de seu conteúdo ao aplicar a sua chave pública (que está ao alcance
geral).
Resta esclarecer que o uso desse sistema é oportunizado através de programas de
computador criados com esta finalidade42. Uma mensagem assinada digitalmente pode ser
assim exteriorizada:
Figura 2: Exemplo de mensagem assinada digitalmente43.
Veja-se que o documento traz a identificação de seu autor bem como a data em que foi
criado, além de garantir que eventual violação não passará despercebida pelo destinatário. Se
alterações existirem, o programa computacional utilizado pelo destinatário exibirá mensagem
de alerta. Tal mensagem pode tomar o seguinte formato:
42
43
“Os programas de computador do receptor fazem uma conferência, e se houver correspondência entre as
chaves, a mensagem abrirá com uma confirmação positiva”. MENKE, Fabiano. Assinatura eletrônica: no
direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 47.
CASTRO, Aldemario Araújo. Informática jurídica e direito da informática. Disponível em:
<http://www.aldemario.adv.br/infojur/indiceij.htm>. Acesso em: 05 nov. 2011.
Figura 3: Exemplo de aviso de segurança44.
A assinatura digital é instrumento que se presta a conferir maior eficácia probatória ao
documento eletrônico, na medida em que possibilita aferir a sua autoria e tempestividade, bem
como eventuais modificações em seu conteúdo.
3.3
Certificado Digital
Receber um documento assinado digitalmente é garantia de autenticidade, integridade
e tempestividade, elevando muito o seu valor como prova. Todavia, não se pode esquecer
daquele que se mostra um dos pontos mais rumorosos do tema: como ter certeza de que a
pessoa que envia e assina digitalmente o documento realmente é quem diz ser? A questão gira
no entorno de identificarmos se “João da Silva”, que garante os atributos do documento
eletrônico através de sua assinatura digital é de fato essa pessoa, ou um falsário que por ele se
quer passar.
Surge, então, a certificação digital como um requisito de existência da assinatura
digital, serviço fornecido por terceiro confiável que associa o nome e atributos de uma pessoa
a determinada chave pública, sendo a pessoa identificada mediante a sua presença física
44
CASTRO, Aldemario Araújo. Informática jurídica e direito da informática. Disponível em:
<http://www.aldemario.adv.br/infojur/indiceij.htm>. Acesso em: 05 nov. 2011.
perante esse terceiro. O serviço é semelhante ao de identificação para a expedição de uma
carteira de identidade, só que com prazo de validade determinado45.
O certificado digital deve acompanhar o documento, para que seu destinatário possa
consultá-lo se assim desejar. Eis a visualização de um certificado digital:
Figura 4: Visualização de um certificado digital46.
O certificado digital agrega informações tais como nome do usuário, Autoridade
Certificadora e validade. No campo detalhes também constará a chave pública do emitente:
45
46
MENKE, Fabiano. Assinatura eletrônica: no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.
49.
CASTRO, Aldemario Araújo. Informática jurídica e direito da informática. Disponível em:
<http://www.aldemario.adv.br/infojur/indiceij.htm>. Acesso em: 05 nov. 2011.
Figura 5: Detalhes de um certificado digital47.
Como adiante abordado, em nosso país, a identificação do usuário foi delegada às
chamadas Autoridades de Registro, em que pese a emissão dos certificados caiba às
Autoridades Certificadoras, cuja prática em muito se assemelha à dos velhos tabeliães, o que
inclusive vem gerando certa discussão de âmbito constitucional48.
Nos Estados Unidos surge, nessa esteira, a figura do “Cybernotary”, que se amolda
perfeitamente em nosso país49. Pode-se comparar o “CyberNotary” à nossa Autoridade de
47
48
49
CASTRO, Aldemario Araújo. Informática jurídica e direito da informática. Disponível em:
<http://www.aldemario.adv.br/infojur/indiceij.htm>. Acesso em: 05 nov. 2011.
“Cumpre destacar a existência de uma tendência internacional no sentido da iniciativa privada conduzir o
comércio eletrônico em geral e as atividades de certificação em particular. No Brasil, principalmente em
função do disposto no art. 236 da Constituição, subsiste a discussão acerca de eventual reserva desta
atividade para determinada categoria de agentes (tabeliães ou notários). Pensamos que as atividades do
tabelião são aquelas fixadas em lei, conforme prevê expressamente o § 1º do citado art. 236 da Constituição.
Neste sentido, a lei pode deferir a outro ator social (e não ao tabelião) a condição de entidade ou autoridade
certificadora”. CASTRO, Aldemario Araújo. O documento eletrônico e a assinatura digital (Uma visão
geral). Disponível em: <http://www.aldemario.adv.br/doceleassdig.htm>. Acesso em: 17 dez. 2011.
“The second function of the proposed CyberNotary will derive from his electronic certification and
authentication capabilities. The proposed specialist will possess a high level of qualification in information
security technology, allowing him to electronically certify and authenticate all elements of an electronic
commercial transaction which are crucial to its enforceability under U.S. and foreign law. Using digital
signatures, the CyberNotary will be able to certify the identity of an originator of a commercial message (thus
establishing non-repudiation of the message by the originator), while also providing a very high level of
assurance regarding the content terms of that message, along with time and date of ‘notarization’, and
Registro, cuja função é justamente certificar a identidade do remetente do documento
eletrônico, de forma a associá-la à pessoa física ou jurídica responsável pela assinatura da
mensagem. Assim, cumpre a autoridade certificadora e sua respectiva Autoridade de Registro
importante função no uso da assinatura digital.
4.
INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS BRASILEIRA
A fim de disseminar o uso dos documentos em formato digital, surge a Infraestrutura
de chaves públicas brasileira, vinculada ao Instituto Nacional de Tecnologia da Informação –
ITI50. Trata-se de órgão governamental criado pela MP 2.200-1, de 27 de Julho de 2001,
posteriormente aperfeiçoada pela MP 2.200-2, de 24 de agosto de 200151, que regula o tema
no Brasil e em muito se assemelha à lei modelo52 do UNCITRAL (United Nations Comission
on International Trade Law)53 para o comércio eletrônico.
Tendo em vista que o uso da assinatura digital já foi abordado, o presente item tem por
escopo analisar aspectos importantes à compreensão e utilização das ferramentas postas à
disposição de todos através da Infraestrutura de chaves públicas brasileira.
50
51
52
53
protocolization for archival purposes.” BARASSI, Theodore Sedgwick. The cybernotary: public key
registration and certification and authentication of international legal transactions. Disponível em:
<http://www.abanet.org/scitech/ec/cn/cybernote.html>. Acesso em: 10 dez. 2011.
“O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação - ITI é uma autarquia federal vinculada à Casa Civil da
Presidência da República, cujo objetivo é manter a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICPBrasil, sendo a primeira autoridade da cadeia de certificação – AC Raiz”. INSTITUTO NACIONAL DE
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO. Disponível em: <http://www.iti.gov.br>. Acesso em: 17 dez. 2011.
Vige até hoje na forma de Medida Provisória haja vista a desnecessidade de conversão em Lei àquela época,
o que só se tornou obrigatório a partir da emenda constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001.
“Adopted by UNCITRAL on 12 June 1996, the Model Law is intended to facilitate the use of modern means
of communications and storage of information. It is based on the establishment of a functional equivalent in
electronic media for paper-based concepts such as "writing", "signature" and "original". By providing
standards by which the legal value of electronic messages can be assessed, the Model Law should play a
significant role in enhancing the use of paperless communication. The Model Law also contains rules for
electronic commerce in specific areas”. UNITED NATIONS COMISSION ON INTERNACIONAL TRADE
LAW. Disponível em: <http://www.uncitral.org>. Acesso em: 17 dez. 2011.
“The United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL) was established by the General
Assembly in 1966 (Resolution 2205(XXI) of 17 December 1966). In establishing the Commission, the
General Assembly recognized that disparities in national laws governing international trade created obstacles
to the flow of trade, and it regarded the Commission as the vehicle by which the United Nations could play a
more active role in reducing or removing these obstacles”. UNITED NATIONS COMISSION ON
INTERNACIONAL TRADE LAW. Disponível em: <http://www.uncitral.org>. Acesso em: 17 dez. 2011. A
lei modelo sobre comércio eletrônico é apenas uma das leis do UNCITRAL que, gize-se, apenas recomenda a
sua utilização, que pode ser incorporada ao sistema jurídico local através dos trâmites legislativos pertinentes.
4.1
Interoperabilidade e Neutralidade
A interoperabilidade nada mais é do que a capacidade que aparelhos/equipamentos
possuem de se interrelacionarem independentemente da sua origem/procedência. Aplicandose o princípio ao tema em comento, significa que duas pessoas poderão se comunicar
eletronicamente, ainda que seus certificados digitais e os equipamentos de verificação das
assinaturas digitais sejam de fornecedores diferentes, à exemplo do que ocorre nos serviços de
telefonia54.
Essa medida é extremamente salutar ao instituto em comento. Ao abordar os
documentos eletrônicos e sua validade como meio de prova, sustentamos que a utilização da
assinatura digital vem ao encontro da disseminação dessa espécie de documento. Contudo, de
se notar que a criatividade humana é o limite quando tratamos de avanços tecnológicos tão
significativos como esse, de forma a tornar imperativa a adoção de regras padronizadoras.
Sem a desejada padronização, fácil perceber a miscelânea possivelmente existente: o
uso de diferentes técnicas dificultaria a circulação dos documentos eletrônicos, na medida em
que a técnica utilizada pelo seu autor poderia diferir da utilizada pelo receptor. Nessa
hipótese, o último teria dificuldades em aferir, por exemplo, a autoria do documento.
Todavia, ao mesmo tempo em que se defende a necessidade de interoperabilidade
tecnológica, não se pode esquecer que a utilização obrigatória de determinada técnica acabaria
por “engessar” a evolução das técnicas potencialmente empregáveis55. Dessa forma, defendese, aqui, a elaboração de leis que permitam a desejada evolução dos meios utilizados, numa
espécie de neutralidade56 que permitirá aos interessados a utilização da melhor técnica
disponível57.
54
MENKE, Fabiano. Assinatura eletrônica: no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.
50-60.
55
“Não podemos admitir, em termos de legislação, definições rígidas, que demandarão tempo para suas
alterações”. ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo
eletrônico. A informatização judicial do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.188-189.
56
“Technology neutrality is more a political buzzword than a clearly defined legal concept. In its most common
usage, it refers to laws, regulation or other types of rules which purports to favor neither PKIs [public key
infrastructures] nor other technologies”. BAUM, Michael S. Technology neutrality and secure electronic
commerce:
rule
making
in
the
age
of
“equivalence”.
Disponível
em:
<http://www.verisign.com/repository/pubs/techneutralityv1_1.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2011.
57
“De fato, não parece adequado elaborarem-se normas com base em técnicas específicas que não são, ou não
deveriam ser, essenciais à definição do objeto que se visa proteger legalmente, havendo inclusive sério risco
de que já na época de sua entrada em vigor possa a norma estar em desuso e não atender mais à necessidade
para a qual foi elaborada.” BARRETO, Ana Carolina Horta. Assinaturas eletrônicas e certificação. In:
O contraponto fica claro: ao mesmo tempo em que se deve garantir interoperabilidade,
também é importante garantir que a legislação seja neutra quanto à técnica empregada,
reconhecendo validade àquela que melhor satisfazer os interessados em determinada época.
Da leitura da lei de regência brasileira denota-se ser o nosso sistema brasileiro, pois ao
mesmo tempo em que se volta à utilização da assinatura digital, em seu parágrafo 2º do art. 10
aponta que é possível a utilização de outros meios, “desde que admitido pelas partes como
válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.” A solução brasileira visa a
agradar aos que buscam segurança na interoperabilidade, na medida em que regula sistema
amplamente utilizado e que cumpre perfeitamente com suas necessidades, mas também
permite aos interessados eleger outro modo de comprovação da autoria, integridade e
tempestividade do documento eletrônico, viabilizando e incentivando o desenvolvimento de
outras tecnologias.
4.2
Agentes
A Infraestrutura de chaves públicas brasileira distribui suas funções em diversos
agentes. Nos termos do art. 2º da MP 2.220-2 de 2001, são eles: o Comitê Gestor; a
Autoridade Certificadora Raiz; as Autoridades Certificadoras e as Autoridades de Registro.
As atribuições de cada um desses agentes serão rapidamente abordadas a fim de melhor
esclarecer o funcionamento da infraestrutura, facilitando a compreensão do processo de
certificação digital em nosso país.
Estabelece o primeiro inciso do art. 4º da lei de regência aquela que se mostra a
principal função do Comitê Gestor: “adotar as medidas necessárias e coordenar a implantação
e o funcionamento da ICP-Brasil”. Estamos diante de órgão composto por representantes da
sociedade civil e de outros órgãos públicos (art. 3º) que tem por missão coordenar a execução
das atividades, fazendo com que a infraestrutura atinja seus objetivos.
Subordinado ao Comitê Gestor teremos a Autoridade Certificadora Raiz, cujas funções
são exercidas pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação. Conforme o art. 5º da
ROCHA FILHO, Valdir de Oliveira et al. O direito e a internet. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2002. p. 22.
aludida MP, a ela compete eminentemente emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os
certificados das Autoridades Certificadoras que se encontram em nível inferior ao seu58.
Ultrapassadas as questões burocráticas que envolvem o Comitê Gestor, vislumbra-se
na Autoridade Certificadora Raiz o órgão máximo no que diz respeito às funções práticas que
a infraestrutura de chaves públicas cumpre. Absolutamente todos os certificados, que gerarão
as assinaturas digitais, passarão, mesmo que indiretamente, pelo crivo deste órgão. É dessa
forma que se busca garantir a segurança do sistema, gozando a Autoridade Certificadora Raiz,
ademais, de prerrogativas como a de fiscalizar os agentes já credenciados59. Como exemplo
de entidade que obteve a Certificação e hoje distribui assinaturas digitais a seus membros,
podemos citar a Autoridade Certificadora da Presidência da República60.
Por derradeiro, cumpre às Autoridades de Registro a função essencial de identificação
dos usuários. Como já dissemos, é de vital importância a identificação do indivíduo detentor
da assinatura, o que deve ser feito com a sua presença física junto a uma autoridade de
registro. Nesse sentido, dispõe o art. 7º da MP que “Às AR, entidades operacionalmente
vinculadas a determinada AC, compete identificar e cadastrar usuários na presença destes,
encaminhar solicitações de certificados às AC e manter registros de suas operações”.
A sua função nada mais é do que identificar o usuário final no intento de afastar aquela
que se mostra a maior vulnerabilidade do sistema: o uso de assinaturas digitais por pessoas
diferentes daquelas que se dizem ser. A presença física do indivíduo junto à Autoridade de
Registro é, assim, obrigatória.
Abordando os agentes envolvidos no processo de certificação, fácil se mostra entender
a lógica que rege o sistema. Estamos diante de uma estrutura hierarquicamente bem
organizada e distribuída, com uma autoridade máxima que tem por função organizá-la,
58
59
60
O processo de certificação é rigoroso e encontra-se regulado na Resolução nº 47 do Comitê Gestor.
“O objetivo da fiscalização é verificar o cumprimento das resoluções, normas, procedimentos e atividades
dos Prestadores de Serviço de Certificação (PSC) – Autoridades Certificadoras e Autoridades de Registro com a finalidade de examinar se as operações de cada um deles, isolada ou conjuntamente, estão em
conformidade com as suas respectivas Declarações de Práticas de Certificação (DPC), Políticas de
Certificado (PC), Políticas de Segurança (PS) e as demais resoluções e normas gerais estabelecidas para as
entidades integrantes da ICP-Brasil”. INSTITUTO NACIONAL DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO.
Disponível em: <http://www.iti.gov.br>. Acesso em: 17 dez. 2011.
“A Autoridade Certificadora da Presidência da República - ACPR foi criada em abril de 2002, por uma
iniciativa da Casa Civil, no âmbito do governo eletrônico (e-Gov) e tem como objetivo emitir e gerir
certificados digitais das autoridades da Presidência da República, ministros de estado, secretários-executivos
e assessores jurídicos que se relacionem com a PR”. INSTITUTO NACIONAL DE TECNOLOGIA DA
INFORMAÇÃO. Disponível em: <http://www.iti.gov.br>. Acesso em: 17 dez. 2011.
passando por órgãos fracionados para melhor atender aos interesses daqueles que fazem uso
da assinatura digital.
5.
VALOR PROBANTE DO DOCUMENTO ELETRÔNICO
No Brasil há uma avançada estrutura que visa proporcionar aos interessados a
utilização da chamada assinatura digital como meio de conferir, no que pertine ao presente
trabalho, maior eficácia probatória ao documento. Destaca-se, aqui, o parágrafo 1º do art. 10
da MP 2.200-2 de 2001, aos dispor que as declarações produzidas em documentos eletrônicos
certificados de acordo com o ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários
(art. 131 do Antigo Código Civil, que corresponde ao art. 219 do novo diploma civilista)61.
O dispositivo acabou por estabelecer certa equivalência entre a assinatura manuscrita e
a de que fala a aludida MP. Tal equiparação acaba por repercutir no campo do direito
probatório, pois, nessa hipótese, podemos concluir que o documento eletrônico se equipara ao
físico particular62. O valor probante de ambos, por conta disso, se afigura muito semelhante,
não mais cabendo críticas como as de Marcacini, que via na falta de regulamentação a maior
dificuldade para a equiparação das duas espécies63. Isso na medida em que o ilustre autor já
em 1999 apontara a necessidade de regulamentação para que o documento eletrônico pudesse
ser equiparado ao seu congênere físico, sendo tais anseios atendidos no ano de 2001.
Ainda, não podemos esquecer que nem todos os documentos eletrônicos são
assinados. Por circunstâncias as mais variadas, pode o documento eletrônico não ser assinado,
de maneira a não gozar de algun(s) ou mesmo todos os requisitos de eficácia probatória.
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“[...] este texto legal está tratando da autoria de documentos eletrônicos e determinando que a assinatura
digital aposta a partir de chave privada relacionada a chave pública inserida em certificado digital obtido no
âmbito do ICP-Brasil será equiparada à assinatura manuscrita, lançada de próprio punho.” MENKE, Fabiano.
Assinatura eletrônica: no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 140.
Interessante notar que modernas técnicas de certificação digital podem levar à conclusão de que “a prova
feita por documento eletrônico é muito mais autêntica e segura do que aquela feita através da assinatura”.
RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 134.
“As dificuldades que encontramos na plena equiparação do documento eletrônico ao documento tradicional
residem na falta de alguma regulamentação, seja legislativa, seja meramente administrativa, de seu uso e
aceitação por parte de entes públicos. Assim, atos notariais como a elaboração de instrumentos públicos em
forma eletrônica, a autenticação de cópias físicas de documentos eletrônicos – ou vice-versa –, o
‘reconhecimento’ das chaves púbicas, a certificação da data dos documentos eletrônicos, ou outras
participações possíveis que o tabelião possa ter na formação ou comprovação de documentos digitais
dependerão de algum tipo de regulamentação, senão legislativa, ao menos administrativa.” MARCACINI,
Augusto Tavares Rosa. O documento eletrônico como meio de prova. Disponível em:
<http://augustomarcacini.cjb.net/index.php/DireitoInformatica/DocumentoEletronico>. Acesso em: 06 nov.
2011.
Contudo, o não uso da assinatura digital (ou mesmo o uso de outro tipo de assinatura
eletrônica) não pode alijar, por si só, o documento eletrônico do processo. Cumprirá ao juiz
dar o valor que julgar o documento merecer64.
Para tanto, pode o Magistrado servir-se de outros meios de prova. A perícia, por
exemplo, desde que realizada por profissional habilitado na área, será instrumento de extremo
valor na busca de eventuais adulterações ou mesmo da real autoria do documento eletrônico
que como prova se quer utilizar65. Da mesma forma, as partes interessadas podem buscar
alternativas, como o uso de tabelião que certifique o conteúdo de determinado documento
eletrônico, o quer pode ser muito útil à utilização de informações disponibilizadas em sites da
internet, por exemplo.
Assim, merecerão os documentos eletrônicos não assinados digitalmente a fé que o
julgador os der, com base na livre apreciação das provas que a este é deferida66. Para tanto, o
juiz deverá ter ao seu alcance ferramentas para aferir os seus requisitos de eficácia probatória,
concedendo ao documento eletrônico a fé que ele merecer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso do documento eletrônico é uma realidade, sendo impossível brecar o seu
crescimento em detrimento de seu congênere constituído em meio físico. Com efeito, estamos
64
65
66
“As dificuldades, no campo probatório, do ‘documento eletrônico puro’ (desprovido de técnicas, acréscimos
ou requisitos de ‘segurança’) deverão ser superadas, na linha do livre convencimento, pelo recurso a todos os
elementos e circunstâncias envolvidos na sua produção e transmissão.” CASTRO, Aldemario Araújo. O
documento eletrônico e a assinatura digital (Uma visão geral). Disponível em:
<http://www.aldemario.adv.br/doceleassdig.htm>. Acesso em: 17 dez. 2011.
“os juízes deverão estar bem mais preparados para analisarem questões envolvendo o Direito Eletrônico e,
preferencialmente, com peritos que dominem ambas as áreas: direito e informática.” ALMEIDA FILHO,
José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico. A informatização
judicial do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 97. Também na se encontram decisões que obrigaram
as partes a fornecer informações que permitam ao documento eletrônico ser utilizado como meio de prova
(Entre outros, TJRS. Apelação cível n.º 70025903980. Relator: Luiz Ary Vessini de Lima. Porto Alegre, 16
de junho de 2009).
“Evidentemente que o juiz ao apreciar o documento eletrônico e/ou o contrato eletrônico deverá avaliá-lo em
sua integridade, verificando se foi bem arquivado, se foi assinado digitalmente e, se necessário, solicitará
perícia para verificar se houve adulteração. Ademais, o juiz deverá verificar se os destinatários confirmam o
recebimento do documento nos termos apresentados ao juízo. Se necessário, o juiz poderá ainda determinar a
perícia técnica nas máquinas do remetente e destinatário. Em face de toda essa análise, o juiz poderá atribuir
ao documento ou ao contrato eletrônico o mesmo efeito de um documento escrito.” FINKELSTEIN, Maria
Eugênia. Aspectos jurídicos do comércio eletrônico. Porto Alegre: Síntese, 2004. p. 170.
tratando de forma de armazenamento de dados que se amolda aos anseios da sociedade atual,
carente de tempo, espaço e recursos naturais.
A disseminação do uso do documento eletrônico aflora evidente quando nos
deparamos, por exemplo, com o crescimento do comércio virtual. Desde produtos sofisticados
até uma simples compra no supermercado já podem ser realizadas pelos portais eletrônicos
postos a disposição do consumidor na internet. Tais operações geram milhões de contratos
virtuais em que a oferta, escolha, “assinatura” e pagamento se darão por meio virtual, sem que
uma folha de papel seja utilizada.
Ocorre que tal prática gera problemas proporcionais à sua magnitude. Em havendo
demanda judicial, são os bits que deverão ser levados para dentro do processo, tornando
imperativa a criação de técnicas que permitam garantir a autenticidade, integridade,
tempestividade e perenidade do documento. Tais problemas acabam por refletir, ademais, na
utilização do documento eletrônico como meio de prova, haja vista que a ausência de algum
requisito poderá acarretar na sua imprestabilidade para este fim, ou mesmo mitigar o seu grau
de convencimento perante o juiz.
Nessa esteira, vimos que a assinatura digital atende aos anseios daqueles mais
receosos da utilização do documento eletrônico, chegando ao ponto de equipará-lo ao
documento físico. Particularmente para fins probatórios, ganhará o documento eletrônico
grande valor com o emprego desta técnica, diminuindo substancialmente a possibilidade de
repúdio pela parte contrária ou mesmo pelo julgador.
Resta assente perante a doutrina especializada, seja ela composta por juristas ou
mesmo por técnicos em informática, ser a assinatura digital a melhor técnica de que dispomos
hoje para conferir maior segurança ao uso do documento eletrônico não só cotidianamente
mas também, por certo, como meio de prova. Assinar um documento digitalmente significa
agregar-lhe valores tais como autenticidade, integridade e tempestividade.
Também resta reconhecer que a neutralidade tecnológica foi recepcionada por nosso
sistema jurídico, de forma a não repudiar o emprego de outras técnicas de certificação digital.
Nosso país agiu de forma correta ao regular aquela que é tida como a técnica mais eficaz, ao
mesmo tempo em que reconhece que o avanço tecnológico poderá outras criar.
Também se mostra viável a utilização como meio de prova de documentos que não
passaram por qualquer processo de certificação digital. Para tanto, poderá o juiz se valer de
outros meios probatórios, dentre os quais se destaca a perícia, a fim de melhor averiguar o
valor que tal prova deverá receber. A liberdade deferida ao julgador quando da
apreciação/valoração ganha especial relevo aqui.
A utilização do documento eletrônico como meio de prova mostra-se perfeitamente
possível, restando às partes e aos julgadores aceitá-lo e adaptar a sua produção dentro de um
código que, ao tratar da prova documental, previu o uso do documento como meio de prova
tão somente na sua forma física.
Assim, entendemos que o arcabouço jurídico que envolve a produção e utilização dos
documentos eletrônicos, inclusive e principalmente para fins probatórios se mostra
perfeitamente satisfatório. A substituição dos átomos pelos bits passa a ser questão muito
mais cultural do que propriamente jurídica. Caberá aos interessados vislumbrar no documento
eletrônico a mesma segurança que o documento físico representa.
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