REVIVENDO OS ALTO-FALANTES COMO ELEMENTO DE MEMÓRIA COLETIVA DO CENTRO HISTÓRICO DE PRESIDENTE PRUDENTE-SP. Schwambach, Karin Fernanda Universidade do Oeste Paulista, UNOESTE [email protected] Assad, Camila de Castro Universidade do Oeste Paulista, UNOESTE [email protected] Lanzetta, Gabriela Bianchi Universidade do Oeste Paulista, UNOESTE [email protected] RESUMO Os elementos de memória coletiva da cidade movimentam um sentimento comum acerca da identidade local, mas não necessariamente correspondem aos principais ícones da história da cidade. É nesse sentido que os serviços de alto-falantes do centro de Presidente Prudente podem ser parte da memória histórica da cidade; seja trazendo as novidades musicais ou informações, eles se faziam presente no quotidiano dos citadinos estando registrado nas lembranças e associados ao local. Por meio de registros fotográficos e relatos populares, executou-se uma intervenção urbana, instigando o questionamento sobre o sub-uso das potencialidades do centro urbano, bem como a identificação de elementos que o resgatem memória coletiva da cidade, que está bastante esquecida e desconhecida na sociedade atual. Palavras-chave: Centro; Intervenção Urbana; Alto-falante; Presidente Prudente; Memória Coletiva Este artigo é resultado da pesquisa e do projeto de intervenção urbana “Revivendo Memórias Urbanas” realizada em junho de 2012 pelos alunos da disciplina de Urbanismo IV do 6. Termos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Oeste Paulista. 1 ABSTRACT The urban collective elements instigate a common feeling regarding local identity, although sometimes, they do not correspond to the main icons of the history of the city. In this sense, the radio of Presidente Prudente city center might be considered as part of the historical memory of the city; either providing the top music or bringing news; they were present on the everyday life of the citizens, being reported on the memories and related to localities. By historical photographs and testimonials, an urban intervention was executed, fomenting questions regarding the under use of the potentialities of the city centre, as well as, identifying elements of the collective memory of the city, those, that has been forgotten and are mostly unknown on the current society. Key-word: City center; Urban Intervention; Public Radio; Presidente Prudente; Collective Memory This article is based on the research and the urban intervention “Revivendo Memórias Urbanas” (Reviving Urban Memories) done in July 2012 by the Bachelor students of the Chair Urban Studies IV of the Universidade do Oeste Paulista. INTRODUÇÃO Presidente Prudente é uma cidade média localizada no oeste paulista, que, como muitas cidades brasileiras, apresenta um descaso com elementos de seu passado, estes que compõem o patrimônio histórico e cultural da cidade. Sua centralidade urbana é definida por quatro avenidas, contendo grande quantidade de comércio e prestação de serviços, de intensa movimentação durante o dia, e um grande esvaziamento a noite. Mas nem sempre foi assim, o centro tradicional chegou a ter noites agitadas sendo o principal ponto de encontro das pessoas nas décadas de 1950 e 1960, sendo os serviços de alto-falante o “pano de fundo” que transformava o ambiente urbano. Dentre várias justificativas que trouxeram essa mudança de comportamento encontram-se a mudança no estilo de vida das pessoas, a dinâmica econômica da cidade, a reestruturação da rede ferroviária (fim do transporte de passageiros em 1999, e passagem ao transporte de carga). 2 Além disso, a descentralização das atividade de comércio e serviço por meio (sub-centros), bem como a invasão da cultura dos ‘shopping centers’ dividiu o públicoalvo e diminuiu consideravelmente a frequência no centro. Atualmente o cenário urbano do centro de Presidente Prudente demonstra as conseqüências de anos de negligência com a infra-estrutura ali presente, seja na irregularidade do calçamento, iluminação escassa, descuido no ajardinamento, e nas edificações, que apesar de possuírem uma riqueza arquitetônica em estilos eclético, art-deco, art-noveau e modernismo, encontram-se em grande parte descaracterizadas, escondidas atrás de anúncios de publicidade. Dentro deste contexto, o estudo realizado apresentou especulações e argumentos para compreensão da realidade, buscando desmistificar os processos urbanos que esta localidade sofreu. No ano passado, a principal rua de comércio, Rua Tenente Maffei, o Calçadão da cidade, recebeu um projeto de requalificação urbana com calçamento, novos mobiliários, nova iluminação. Essa renovação já trouxe melhorias, sendo aprovado pela população local. Segundo a Prefeitura Municipal, a praça da cidade é o próximo projeto a ser executado. As intervenções físicas clamam para acontecerem, e as melhorias estimulam o uso do local, porém somente isso não é suficiente para usufruir as potencialidades que uma centralidade urbana pode oferecer. Durante o dia, o centro é o local público mais vivo desta cidade, conservando sua principal característica de catalisador de relações sociais. Porém, após os encerramento das atividades comercias, ocorre um esvaziamento repentino. O centro torna-se um local propício a marginalização, prostituição, vandalismo; com iluminação precária, propício as atividades ilegais; não freqüentado assim, por grande parte da população. Ao mesmo tempo, faz-se necessário reconhecer que mudam os interesse de cada sociedade ao seu tempo. De maneira geral, esta geração está mais interessada aos shoppings centers, sendo relevante o crescente número de lojas, impulsionadores da economia imobiliária. 3 Esta não é uma realidade que atinge só Presidente Prudente, mas várias cidades brasileiras que emergem seguindo a lógica do mercado e do estilo de vida moderno. Buscar elementos que fomentem a identidade local não é tão difícil quanto serem verdadeiramente reconhecidos, de forma que recebam políticas públicas adequadas e o prestigio da população. Este trabalho não almeja esgotar os assuntos pertinentes aos elementos de memória coletiva, nem afirmar que os serviços de alto-falantes são os elementos mais importantes ou a solução para as problemáticas relacionadas ao centro da cidade. Não houve pretensão disso. Ele apresenta os resultados uma pesquisa sobre o centro da cidade, e da proposta de intervenção urbana na área central de Presidente Prudente/SP, que reproduziu os serviços de alto-falante conectando as pessoas com o passado e o presente. Além disso, por meio de registros fotográficos e relatos populares, fomentou-se o resgate de parte da memória coletiva da cidade, que muito está esquecida e desconhecida na sociedade atual. Maurice Halbwachs apresenta uma justificativa para o ‘esquecimento’ dos detalhes que compões a memória coletiva. Não é por má vontade, antipatia, repulsa ou indiferença que ela [a memória coletiva] esquece uma quantidade tão grande de acontecimentos e de antigas figuras. É porque os grupos que dela guardavam a lembrança desaparecem. (HALBWACHS apud Abreu, 2011, p.26) Assim sendo, quando não há mais identificação das pessoas que vivenciaram uma época, o autor sugere que só resta aos interessados escrever, constatando a existência da memória antes que se as lembranças se percam no ‘ar’. Quando a memória de uma seqüência de acontecimentos não tem por suporte um grupo, aquele mesmo em que esteve engajada ou que dela suportou as conseqüências, que lhe assistiu ou dela recebeu um relato vivo dos primeiros atores e espectadores, quando ela se dispersa por entre alguns espíritos individuais, perdidos em novas sociedades para as quais esses fatos não interessam mais porque lhe são decididamente exteriores, então o único meio de salvar tais lembranças é fixá-las por escrito em uma narrativa seguida, uma vez que as palavras e o pensamentos morrem, mas os escritos permanecem. (HALBWACHS apud Abreu, 2011, p.27) Através das narrativa das pessoas que vivenciaram esta época, buscou-se detalhes que não estavam escritos em lugar algum. Vários pessoas da geração mais antiga, continua freqüentando diariamente o centro da cidade. 4 A riqueza deste trabalho está na intenção de conhecer as memórias mais a fundo, identificá-las como elementos de identidade da cidade, e disseminá-las, promovendo um momento de reflexão sobre as políticas públicas, diretrizes de atuação urbana e valores na sociedade de Presidente Prudente. METODOLOGIA O trabalho realizado dividiu-se em duas etapas. A primeira incluiu levantamentos históricos, sócio-econômicos, de infra-estrutura, a fim de compreender o objeto de estudo. Foram feitas pesquisas documentais e fotográficos para analisar como era o espaço nas décadas anteriores. Realizaram-se entrevistas com usuários de diferentes idades e níveis econômicos, bem como com os principais atores urbanos a fim de captar suas percepções a cerca do ambiente que freqüentam para trabalhar ou passear. Identificou-se as qualidades e problemáticas do espaço, dentre as quais, destacou-se respectivamente a satisfação com a melhoria do calçadão, e o descaso em relação ao ambiente urbano por meio da falta de manutenção da infra-estrutura urbana, poluição visual, e o desvalorização do patrimônio local enquanto área central. Buscando a identificação dos elementos que compõem a identidade da cidade, foram aplicadas metodologias de Kevin Lynch (1999) através da elaboração de mapas mentais e leitura da cidade. A pesquisa constatou que o funcionamento da dinâmica local estabelece sobretudo a concentração de pessoas no período diurno, e um grande esvaziamento no período noturno. O principal interesse de grande parte dos freqüentadores do centro é fins comerciais (ora por trabalho, ora pelo consumo), justificando o período de maior freqüência. Na segunda etapa, elaborou-se uma proposta de intervenção urbana na área central, trazendo elementos do passado pertencentes à identidade local aos dias atuais; como o serviço de alto-falante, que era o principal meio de comunicação pública e embalava o quotidiano dos prudentinos. Foram anunciadas as notícias e tocadas as músicas da época. Ativou-se a participação dos usuário do centro que por ali passavam colhendo dedicatórias. 5 Ainda freqüentou-se locais que resistem à passagem do tempo, como o caso do Bar Tio Patinhas, existente desde 1968, identificado como um elemento de referência muito lembrado no mapa mental das pesquisas. Os outros elementos identificados nos mapas mentais foram relembrados por meio de novos registros fotográficos, que tentavam imitar retratos antigos, utilizando as mesmas poses mas com o cenário atual. Notou-se que algumas coisas ainda permanecem, como o complexo da estação ferroviária e outras já não existem mais, como o coreto. Coletou-se relatos populares, de cidadãos prudentinos, que eram majoritariamente de classe média e idade superior a 40 anos, dando preferência à pessoas que vivenciaram estes períodos e acontecimentos, trocando experiências e trazendo a tona a discussão sobre a importância da preservação das memórias históricas. O CENTRO DE PRESIDENTE PRUDENTE O centro de Presidente Prudente, cidade média localizada no extremo oeste do estado de São Paulo, possui uma relação visceral com a própria história da cidade de 94 anos. Foi desenvolvido a partir de um dos dois loteamentos que deram a origem a cidade, a Vila Goulart, que traduz em suas edificações resquícios de um passado glorioso e de um presente descompromissado com esse passado. A delimitação da Vila Goulart formaram as avenidas que juntas compõem o ‘quadrilátero central’, principal referência desta localidade. Neste quadrilátero encontram-se a catedral metropolitana e a primeira escola municipal. Estabeleceu-se também o comércio que, a princípio, tinha a função de abastecer os agricultores que chegavam pelos trilhos para cultivar as novas terras, fortaleceu-se após os anos 40 e tornou-se referência regional a partir da década de 1960. Os anos 40 foram marcados por um grande desenvolvimento regional propiciado pela cultura do algodão, do amendoim e da menta para exportação. A cidade enriquecia, expandia-se fisicamente e a idéia de centro que primeiramente estava ligada apenas ao pátio da estação de trem se espalha por todo o quadrilátero central, identidade que resiste ainda hoje. 6 O comércio se fortalecia e o quadrilátero era a área escolhida para a instalação de cinemas, hotéis, agências bancárias, restaurantes e lojas de grande porte, como a Pernambucanas, Tanger, Arapuã, Ponto Certo, entre outros. O “core” desse ambiente de prosperidade era a Praça Nove de Julho. Desde o traçado inicial de Presidente Prudente a praça selou seu compromisso de estar sempre ao lado do povo e com o povo. O jardim, construído em 1935, tornou-se um atrativo da cidade. O coreto era o ponto de referência de todos os moradores. O footing1 nas praças era uma característica de cidades do interior, com destaque para as de menor densidade populacional. Em Presidente Prudente ele começava no Cine João Gomes, no início da Rua Tenente Nicolau Maffei e se entendia até o fim da via. Figura 1 - Footing acontecendo na Rua Tenente Nicolau Maffei, déc. 1960 Fonte: Arquivo dos Autores As moças passeavam pelas calçadas em sentido contrário ao dos rapazes e a sedução consistia em olhares, gestos e no convite do jovem para acompanhar a pretendente. Se tudo ocorresse conforme as expectativas, iniciavam-se os namoros e 1 Footing – pode ser traduzido como “caminhada”, era uma atividade social característica das cidades de interior. 7 a procura por um banco de jardim, nos locais menos iluminados e com menor número de pessoas.2 Os bancos geralmente eram doado por algum estabelecimento comercial, o que demonstra um suporte do poder privado em relação aos bens de uso comum. Havia na rua um serviço de alto-falante, que transmitia recados amorosos e que as pessoas podiam dedicar músicas. Os mais velhos, à época, preferiam Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Carlos Galhardo e Moacyr Franco. Já os mais jovens, idolatravam o novo ídolo Roberto Carlos. Figura 2 – Centro de Presidente Prudente, edificação com o alto-falante na cobertura. Fonte: Arquivo Museu Municipal Antônio Sandoval Netto A EXPANSÃO URBANA DE PRESIDENTE PRUDENTE Até 1960, a expansão urbana de Presidente Prudente dá-se, predominantemente acompanhando a extensão da linha férrea, sentido norte-sul. A partir da década de 70, o crescimento urbano passa a se dar principalmente no sentido leste-oeste, com predominância da porção oeste, a partir da linha férrea. 2 Descrição retirada da entrevista com a Sra. Odete da Silva, 60 anos. 8 Figura 3 – Expansão Urbana de Presidente Prudente Fonte: WHITAKER, 1997 Ao final da década de 70, houve o projeto e execução da via de pedestrespopularmente denominado Calçadão - no Quadrilátero Central. A impossibilidade da passagem de veículos a priori preocupou os comerciantes, mas o local desde então “tornou-se um símbolo na cidade e da cidade” (WHITAKER, 1997, pg.52). Segundo Honda (2000) a partir da década de 1970 começa a haver um processo de legalização da cidade, com cobrança mais rígida de impostos, o que gera a expulsão dos mais pobres do centro da cidade. A área central começa a sofrer um processo de esvaziamento, diminuem-se o número de residências e moradores, ao mesmo tempo em que o preço dos imóveis voltados ao comércio aumenta significativamente: Na década de 1970 houve reafirmação do centro. Nas décadas de 60/70/80, a área central atingiu preços mais altos, onde o solo já se aproximava de suscitar renda de monopólio. Aliado a esta situação, a partir da década de 1970 e, especialmente, de 1976, a cidade conheceu um crescimento territorial urbano sem precedentes. A partir de meados da década de 1980, podemos notar o surgimento de ‘novas centralidades’. (HONDA, 2000) Na década de 80 a cidade lidou com a implantação dos primeiros condomínios fechados e dos primeiros Shopping Centers. Intensificou-se o processo de 9 descentralização das atividades, muitas agências bancária sofreram um processo de descentralização, espalhando-se por todo o município, e as lojas de padrão mais elevado abandonaram as ruas abertas e fecharam-se nos centros comerciais O centro se modificou. Uma outra cidade nele se fez. As casas térreas vão desaparecendo.O comércio se apossa das velhas residências. E todas as suas avenidas, pequenas antes, se tornaram quilométricas e as portas comerciais festejam a entrada de fregueses. Os bairros, que pareciam tão distantes, ficaram sendo região central. (RESENDE, 2006, p.41) A abertura do shoppings3 abalou o comércio da cidade, mas pós 20 anos de convivência entre shopping e centro da cidade, é possível notar uma não-concorrência entre ambos locais, sendo diferentes os públicos que freqüentam. O shopping volta-se a classe média e médio-alta, e o centro da cidade as classes mais populares; e com isso, as lojas instalam-se de acordo com seus interessados. Através do mapa de Uso e Ocupação de Solo pode-se perceber que o centro hoje em dia é majoritariamente comercial. Essa uniformidade de uso é um dos grande causadores do esvaziamento urbano no período noturno, pois as pessoas que trabalham no centro durante o dia, viajam para seus bairros após o expediente. Jane Jacobs (2007, pg. 207), ao tratar das condições para a diversidade urbana diz que “o distrito deve ter uma combinação de edifícios com idades e estados de conservação variados, e incluir boa porcentagem de prédios antigos”. Isso pode ser facilmente notado no centro prudentino. Há prédios antigos (Ex: Complexo Ferroviário, 1930) e prédios recém construídos (Ex: Murakami Jóias, 2011) e prédios nos mais variados estados de conservação: a loja multimarcas Torra Torra é nova e bem conservada; já o hotel Buchalla é antigo e apresenta-se em estado de deterioração. A concentração no centro de Presidente Prudente é variável; o local recebe grande fluxo de pessoas no horário comercial e aos sábados e apresenta um vazio noturno, com baixo número de residentes. Jacobs (2003, p. 221) afirma “o distrito precisa ter uma concentração suficiente alta de pessoas, sejam quais forem seus propósitos, isso inclui pessoas cujo propósito é morar lá”. A multiplicidade de funções atrai diferentes públicos em diferentes horários, e cumpre diferentes funções, gerando assim um constante movimento e aumentando a sensação de segurança entre as pessoas. Mas o vazio que acontece durante a noite 3 Existem atualmente dois shopping centres em Presidente Prudente, o Prudente Park Shopping (mais conhecido como “Americanas”), fundado em1988 e o Prudenshopping,fundado em 1989 10 e fins de semana ocorre devido ao fato de que a área é quase que exclusivamente dedicada para atividade comercial. A autora acrescenta que “O distrito (...) deve atender a mais de uma função principal; de preferência mais de duas, estas devem garantir a presença de pessoas que saiam de casa e estejam nos lugares por motivos diferentes”. Através desta afirmação nota-se e comprova-se a razão pela qual a área central é viva e movimentada durante o horário comercial. As lojas e serviços bancários propiciam um tráfego intenso de pessoas. Porém o vazio que incide durante a noite e aos domingos ocorre devido ao fato de que a área é quase que exclusivamente dedicada para atividade comercial. A CIDADE E A MEMÓRIA DA CIDADE A cidade de Presidente Prudente poderia ser classificada como uma cidade comum, e que não está inserida na lista dos “Lugares Para Serem Conhecidos Antes de Morrer”. E aparentemente é assim que ela é tratada, com nada de especial. Este sentimento gera de certa maneira um certo comodismo nos citadinos; uma aceitação; uma valorização do que é de fora, emulação das cidades maiores, São Paulo, por exemplo [...] um certo “não pensar na cidade” e ir “levando a vida”. E, apesar das pessoas gostarem de morar aqui, não parece muito bem resolvida a idéia de quais são os elementos que compõe identidade local. Assim, sendo, utilizando a metodologia de Kevin Lynch (1999), o mapa mental revela os elementos mais lembrados pelos entrevistados. Os desenhos trouxeram a delimitação dos limites entendidos como centro urbano bem representada pelas quatro avenidas que formam o quadrilátero central. 11 Figura 3 – Mapa Mental do Centro de Presidente Prudente Fonte: Elaborado pelos Autores Os principais elementos lembrados pela população foram as edificações: a Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, a Igreja Matriz São Sebastião, o Corpo de Bombeiros, a Praça Nove de Julho, o Bar Tio Patinhas, o Restaurante H2, e o Camelódromo. O calçadão também é facilmente citado nos desenhos. Constata-se que algumas atividades não correspondem mais ao local de referência, mas mesmo assim sua localidades está associada à função que ali ocorreu, como é o caso da Antiga Biblioteca, do antigo Fórum e da Estação Ferroviária. 12 Todas essas edificações foram construídas entre as décadas de 1920 e 1960. A antiga Biblioteca foi relocada para a Rua Quintino Bocaiúva, junto ao Centro Cultural Matarazzo e esta edificação hoje é ocupada pelo prédio da Vigilância Sanitária. O Antigo Fórum também foi relocado, e neste local funciona a Procuradoria Geral do Estado. A linha férrea foi desativa para o transporte de passageiro nos anos em 1999 e seu prédio, datado de 1944, ficou por muito tempo sem uso. Atualmente está sendo ocupado pelo PROCON, e recebeu intervenções para adequar ao seu novo uso, sendo na verdade o mais conservado dos três prédios. Mesmo que mudaram os usos as pessoas associaram determinadas edificações, imponentes em sua paisagem urbana, aos usos que nem se encontram mais ali. Outra observação importante a ser feita é com relação as demais edificações citadas, podemos citar os comércios e serviços que estão há mais de 30 anos na cidade, como o Hotel Aruá (1980), o Hotel Brasão (1980), o Banco do Brasil (1970), as Lojas Pernambucanas (1950), o Banco Itaú (1970), o Edifício Nil (1980), Hospital São Luis (1980), e as Lojas Catarinense (1980). Segundo Abreu (2011, p.21) “poucas são as cidades brasileiras (...) que ainda apresentam vestígios materiais consideráveis do passado”. No quadrilátero central permanecem diversos edifícios (ex. Cine Phoenix) que marcam a história e estilo presentes no imaginário popular dos cidadãos. Outros exemplos são: Ferrovia – possibilitou o surgimento da cidade; bebedouro de cavalos (Av. Washington Luiz); e o próprio traçado urbano no quadrilátero central. A memória individual pode contribuir para a recuperação da memória das cidade (...) A partir dela, ou de seus registros, pode-se atingir momentos urbanos que já passaram de formas especiais que desapareceram. (ABREU, 2011, p.25) E considerando a contribuição da memória individual, Bosi (et al, 1987) afirma que “a importância desse resgate para a identidade de um lugar é inquestionável, é por isso que as ‘histórias orais’ e as ‘memórias de velhos’ vem hoje se difundindo bastante no Brasil”. As narrações coletadas propiciaram a visão de uma cidade que a atual geração não vivenciou, desconhecida para vários, mas que foi descrita detalhadamente narrada por cidadãos que vivenciaram. 13 Para aproximar pesquisador com o pesquisado, a intervenção “Revivendo Memórias Urbanas” trouxe os serviços de alto-falante como interlocutor. Partiu-se do princípio de que a música é um conector passivo da memória das pessoas – e isso é facilmente notado através das lembranças ativadas ao apreciar uma música que remete a infância, a juventude, ou a pessoa amada, e rapidamente vem a tona o memórias de um tempo e espaço. É justamente isso que Medeiros afirma: O som se manifesta fisicamente no nosso corpo e por nós é apropriado e culturalizado, funcionando como uma espécie de ponte para as nossas lembranças e significações dentro de um dado corpo social. (MEDEIROS, 2012, p.2) Assim sendo, Halbwachs descreve que existem duas maneiras de ouvi-la, uma partindo para a tecnicidade que ela reproduz, e outra pela emoção: Haveria então dois modos de ouvir música, a atenção se concentrando nos sons e suas combinações, isto é, sobre os aspectos e objetos musicais, propriamente ditos, ou o ritmo e a sucessão de notas sendo apenas um acompanhamento de nossos pensamentos que arrastam em seu movimento. (HALBWACHS, 1990, apud MEDEIROS). As músicas tocadas pela rádio no passado, não almejavam serem analisadas tecnicamente pelos que ali passavam, e buscavam embalar o dia-a-dia, deixando fluir uma emoção. A música, em sua imaterialidade, se apropria do espaço urbano, demarcando território e promovendo percepções aos que se aproximavam da área. Através da música, atingiu-se o público-alvo desta pesquisa, pessoas com mais idade, podendo ser considerado um eficiente instrumento de aproximação. E constatou-se seu o poder ativação social, obtendo a participação também dos mais jovens que ali passavam, que dedicaram músicas (da atualidade) a seus conhecidos. CONCLUSÃO O trabalho realizado permitiu a vivência de registros históricos e a imersão no universo de cidade que, embora seja a mesma, apresentava personagens e costumes distintos daquele no qual nos inserimos. A imaginação de como era o município nas décadas de 1950 e 1960, a simulação dos footings, os registros orais daqueles que vivenciaram a movimentação constante do Calçadão quando suas lojas ficavam abertas até 22:00 horas, que 14 usufruíram da diversidade de bares e restaurantes, do coreto, do funcionamento dos cinemas de rua e do som oriundo dos alto-falantes, entre tantas outras coisas. Essa experiência propicia a valorização do passado e a reflexão da transformação cíclica das cidades, que no caso de Presidente Prudente foram várias, a área central já foi a cidade toda, passou a ser o local de lazer e recepção de viajantes e atualmente é um centro comercial que recebe a população da região. Tais mudanças não podem ser rotuladas como boas e ruins, foram mudanças que são resultados do crescimento da cidade. Foi possível notar também que mesmo com a construção de shoppings center, uma ampla parte da população ainda frequenta assiduamente o centro, e mesmo que durante o período noturno e nos fins de semana a área fique esquecida, é possível ver o grande movimento que torna o local um ponto disputado para ações coletivas como campanhas de combate ao fumo entre tantas outras manifestações que ocorrem durante o ano. A grande diversidade de restaurante e bares que se perdeu não foi devido ao local, e sim a pessoas que pararam de frequentar o centro e passaram a prestigiar os estabelecimentos em outros bairros, uma mudança que veio com uma nova geração. Segundo Abreu (2011, p.31) “Quando um período deixa de interessar ao período seguinte, isso não quer dizer que o grupo se esqueceu de uma parte do passado”, o que acontece na realidade, é que o grupo não é mais o mesmo. Quando isso ocorre, e se não se quer perder uma lembrança que não mais se sustente por si mesma na consciência dos grupos, é comum então que essa lembrança seja eternizada, que seja registrada, transformando-se então em memória histórica. O grupo entrevistado é o mesmo que vivenciou esse período. A geração atual não é a mesma. Não tem desprezo pelo passado, mas suas referencias são os shoppings centers, os rodeios e as boates. Tendo em vista todos os dados levantados levantou-se a seguinte pergunta: será possível recuperar a memória de uma cidade? A resposta assumida é sim e não. É através da recuperação das memórias coletivas que sobraram do passado e estejam elas materializadas no espaço ou em documentos e da preocupação constante em registrar memórias coletivas que ainda estão vivas no cotidiano atual da cidade (muitas das quais fadadas ao desaparecimento) que podemos resgatar muito do passado, eternizar o presente e garantir as gerações futuras um lastro importante de sua identidade. 15 Entretanto para isso é importante que no momento certo saibamos sair da seara fluida e segura das memórias e que ingressemos nos campos mais seguros da história e geografia; e consequentemente do urbanismo. Neste trabalho pudemos notar na prática em como o crescimento da cidade e diferentes gerações mudam a cidade e toda a sua dinâmica. Observamos que a geração atual adota novos hábitos e não se importa em manter os da anterior, as mudanças aparecem de acordo com o tempo, e muito provavelmente em 10 anos a área central de Presidente Prudente estará diferente, e quem hoje escreve do passado e fala do saudosismo com que ele é lembrado por quem o vivenciou não se lembre de forma saudosa de algo na cidade que deixou de existir, ou de como o centro está diferente e era melhor em nosso tempo. Um restaurante novo que se instale hoje e comece a atrair a atenção da população fazendo com que algum outro estabelecimento sofra com o menor número de clientes demonstra uma mudança de hábito, e não necessariamente diferença na qualidade dos serviços oferecidos, no entanto nada impede também que depois de algum tempo alguém se recorde do já fechado estabelecimento. As mudanças acontecem e tanto a sociedade quando a cidade a absorvem se transformando em algo totalmente novo e diferente do que já foi, assim como nós crescemos e passamos por etapas diferentes em nossas vida e sentimos saudades de cada uma assim que notamos estar em uma fase diferente, é assim que são as cidades. AGRADECIMENTOS Agradecemos aos nossos colegas de grupo que dividiram conosco essa experiência única: Cristiane Forti, Éverson Silva, Jéssica Midore e Sileni Santos. À Manuela Seichter, que nos acompanhou nas andanças e captou boa parte das imagens inseridas no trabalho. Danke Schön! À equipe do Bar Tio Patinhas, que nos acolheu tão bem, não nos poupando de nenhuma lembrança, mostrando-nos que “Bar também é cultura!”. Ao historiador do “Museu e Acervo Antonio Sandoval Netto” Ronaldo Macedo, pela sua inesgotável sabedoria em “cultura prudentina”, nos cedendo inúmeras fotografias de época e informações relevantes. Às dezenas de pessoas, em sua maioria desconhecidas, que foram abordadas por nós, e não hesitaram em dividir conosco suas memórias e registros de outrora; seu passado e 16 suas saudades; suas opiniões acerca da cidade onde vivem; suas percepções sobre o meio; enriquecendo nossa bagagem cultural e pessoal. BIBLIOGRAFIA ABREU, Dióres Santos. Como foi Fundada Presidente Prudente. In: D’INCAO, Maria Ângela. Presidente Prudente Capital Regional. Presidente Prudente: Letras À Margem, 2007. ABREU, Mauricio. Sobre a memória das cidades. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri; SOUZA, Marcelo Lopes de; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (org). A produção do Espaço Urbano. Agentes e processos, escalas e desafios. São Paulo: Contexto, 2011 HONDA, Sibila Corral de Arêa Leão. A Centralidade Urbana em Presidente Prudente. Dissertação de Mestrado. 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