“Mindelo d’outrora” de Manuel Nascimento Ramos Luiz Silva título nada tem de saudosista nem de reaccionário. Quem como eu conheceu desde a infância o Manuel Nascimento Ramos, Nena para os amigos e Sr. Nena para os meninos que frequentavam a sua farmácia, ao tempo responsável da Farmácia Teixeira antes de possuir a sua própria farmácia, compreende o objectivo que o levou a inventariar a história do Mindelo, dolorosamente ignorada durante o período colonial e após a independência por um clube de historiadores que somente vêem Cabo Verde através da Cidade Velha. O resto são estórias... Este Mindelo d’outrora é duma importância fundamental no Cabo Verde actual, com a sua independência e sob o pluralismo político, com as suas falhas normais, porque se trata dum novo país. Mindelo, cidade com uma cultura dinâmica tanto a nível da literatura como das artes plásticas ou ainda da música, continua a esbarrar-se face a um centralismo de estado que não tem evoluído, seja com o MPD ou o PAICV. Mais outra razão que justifica para a história estes apontamentos do Sr. Nena, que saberão encontrar o apoio das pessoas apostadas na descentralização como único caminho para o desenvolvimento das restantes ilhas do Arquipélago, como bem afirma o presidente da Câmara da Ribeira Grande e presidente da Associação dos Municípios, o engenheiro Jorge Santos. Aliás, numa nota introdutória do autor, ele afirma que o objectivo é de fazer conhecer “aos mais jovens, o quanto o povo tem sofrido através dos tempos para que São Vicente atinja o nível de desenvolvimento sócio-económico, urbanístico e cultural que de facto alcançou. Os estimados conterrâneos vão ter a oportunidade de ler inúmeras facetas folclóricas e tradicionais, para além das revoltas e amotinações do povo contra a dominação colonial em busca de formas de subsistência, O n° 20 - mai 2004 LATITUDES devido à miséria e fome que grassavam na nossa terra”. Este Mindelo d’Outrora, de cujo nome vem da vitória dos liberais em Mindelo, na região do Porto, norte de Portugal, este Mindelo que desde cedo se estruturou na essência da liberdade e justiça, sendo a primeira cidade inventada pelos cabo-verdianos na feliz expressão de um conterrâneo, pretende reconstituir a memória desta cidade portuária, construída por homens e mulheres vindas de vários horizontes e que deseja ser o complemento de todas as ilhas, sem qualquer rivalidade: ingleses das companhias carvoeiras, sãonicolenses na zona de Chã de Alecrim, santantonenses na Ribeira Bote, santiaguenses da Ribeira da Barca, em Fonte Filipe e na Salina, foguenses como João Carlos da Fonseca Rosado que tentou povoar a ilha com os seus escravos, maienses como Pudjinho na Rua de Coco e na Rua de Moeda, etc. Tudo isso somado e associado às contribuições constantemente recebidas pelo Porto Grande e da emigração dispersas em países evoluídos, fizeram de Mindelo uma cidade cosmopolita aberta aos ventos oceânicos e à criatividade dos cabo-verdianos, que com muito gosto é recebida nas outras ilhas, porque Mindelo tem um pedaço de todas essas ilhas. Do seu observatório na Rua de Lisboa viu crescer e evoluir Mindelo e os mindelenses. Os acontecimentos históricos porque tem passado a ilha antes e depois da Independência são revelados neste livro como testemunho das coisas que viu e ouviu para evitar que ninguém ignore o que foi Mindelo antes e depois, mesmo se alguns pretendem calcar os pés no passado na Ilha. Para as novas gerações é bom lembrar que a história do Mindelo não começa nem em 1936, com o nascimento da revista Claridade, e nem em 1975 com a Independência, mas sim há mais de um século, quando a vila D. Leopoldina foi elevada à categoria de cidade do Mindelo, que o Liceu de São Vicente, aberto em 1917, foi o sacrifício do senador Vera Cruz e do governador Fontoura da Costa, autor da primeira reforma do ensino em Cabo Verde, que Eugénio Tavares, bravense, um dos maiores da história do Arquipélago, foi um dos grandes defensores do desenvolvimento económico do Porto Grande, tendo deixado a B. Leza o papel de continuar a sua obra musical, hoje reconhecida no mundo inteiro. O Liceu foi reaberto em São Vicente em 1933, graças ao combate do Dr. Adriano Duarte Silva, a quem B. Leza dedicou uma linda morna, que Júlio Bento Oliveira foi um dinâmico construtor da cidade do Mindelo, que o poeta José Lopes, Baltasar Lopes, Aurélio Gonçalves e João Miranda foram excelentes escritores, grandes professores e cidadãos exemplares, que o povo de Mindelo soube na sua história, mesmo na sua digna pobreza, ser alegre e festejador nas suas festas tradicionais e que temos os nossos heróis como os outros povos mas que ainda os nossos políticos não quiseram situar-lhes como combatentes da liberdade como acontecera na Guiné-Bissau. Escapa ao senhor Nena uma homenagem ao senhor César Marques e filhos pela contribuição ao nível do cinema, 97 criando em 1922 o cinema Eden Park, que foi a grande escola de valores de dignidade e justiça não só do povo de São Vicente como de todas as Ilhas, e alguns músicos como B. Leza, Eddy Moreno, Tchuff, Lela de Maninha, Luluzinho ou até o seu grande amigo Evandro Matos, por tudo que fez para o desporto e a comunicação social ou ainda alguns desportistas que marcaram a sua época no futebol, no golfe ou no cricket. Este livro está sendo procurado em todos os lugares da emigração e deve o Sr. Nena fazer a sua divulgação junto das comunidades. Foi, por acaso, um mindelense de coração, nascido e criado em Santo Antão, quem me trouxe o livro, pedindo-me para fazer a sua divulgação na nossa revista, com o cuidado de me dizer que este livro é uma pérola e que não deve estar em todas as mãos. Dizia-me que através deste tinha percorrido toda a sua vivência entre São Vicente e Santo Antão, com os seus carvoeiros, suas lutas sociais, suas festas de romaria de São João, Santo António e São Pedro, viajando nos palhabotes entre Santo Antão e São Vicente com o seu pequeno negócio de bananas e aguardente. Devo dizer ao Sr. Nena que alguns dos seus velhos amigos na emigração não lhe vão perdoar de ao menos não os ter avisado da edição deste livro. Estamos certos que este livro vai ter um enorme sucesso junto dos nossos conterrâneos pela simplicidade e coragem em relembrar facetas históricas do Mindelo. A curta tiragem de 1000 exemplares não foi pensada em termos duma verdadeira distribuição em todos os cantos da cabo-verdianidade dispersa pelo Mundo fora. Parabéns Sr.Nena, amigo e companheiro do meu pai nas lides desportivas do Mindelo e de mim também... * Manuel Nascimento Ramos, Mindelo d’Outrora, São Vicente, Cabo Verde, edição do autor, 2003, 171 p. ills. Patrimoine Lusographe Africain Trois publications sur le Cap-Vert out en poursuivant inlassablement son travail de recherche et de publication des dictionnaires encyclopédiques et bilingues sur les pays africains de langue officielle portugaise (trois volumes sont déjà parus : Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe et Cap-Vert, - celui sur le Mozambique est en préparation), l’Équipe du Dictionnaire des Particularités de l’Afrique Lusographe - Pédagogie, Cultures, Littératures Lusographes (EDPAL-PCLL ) de l’Université de Rennes 2, a inauguré sa nouvelle collection PLA (Patrimoine Lusographe Africain) en publiant trois petits volumes (un manuscrit inédit, une thèse et un guide) qui nous permettront de découvrir des aspects peu connus de la culture et de l’histoire du Cap-Vert. T • Le Guide des Îles du CapVert (120 p.), de John Rendall, est le premier guide du Cap-Vert (1851). Cette nouvelle édition est trilingue (anglais, français, portugais), présentée par Françoise et Jean-Michel Massa. John Rendall, consul britannique, vécut 15 ans au CapVert. Dans ce guide touristique, il évoque la vie quotidienne, les potentialités des lieux, la navigation, les prix, la santé et il présente l’archipel aux étrangers qui, nombreux, font escale au Cap-Vert, au moment du passage de la marine à voile à la marine à vapeur, pour s’approvisionner en charbon à Mindelo. • La Relation Journalière d’un voyage fait en 1699 (79 p.) par M. de Beauchesne aux îles du Cap Vert est un texte manuscrit inédit. Il s’agit du récit de Duplessis, sur deux escales à S.Vicente et à Santiago, en 1699, à l’occasion d’un voyage dont la destination était le Brésil. Il contient de nombreuses illustrations : les premiers dessins de Riebira Grande et Praia, cartes des îles, des villes, des poissons et des oiseaux. Présentation, notes et bibliographie de Françoise et Jean-Michel Massa. • L’Essai sur la lithotritie (61 p.), de Jules-Joseph Dias L’Essai sur la lithotritie (61 p.) de Jules-Joseph Dias est la thèse de médecine du premier médecin capverdien, soutenue en Sorbonne, en 1830, sur la destruction des calculs vésicaux. Avec une préface et une traduction de Henrique Teixeira de Sousa, lui-même médecin et écrivain, présentation de Françoise et Jean-Michel Massa (Edition bilingue) D. S. * EDPAL - PCLL, collection Patrimoine Lusographe Africain, Université de Rennes 2, B.P. 3951 - 35039 Rennes. 98 LATITUDES n° 20 - mai 2004