A última década, em Portugal, tem sido marcada – entre muitos e diversificados fenómenos – por dois medos: um suposto excesso de imigração e uma iminente falência da segurança social. imigr Os efeitos da Rapidamente, o discurso oficial e oficioso se encarregou de, num magnífico casamento de conveniência, associar os dois fenómenos, dourando a imigração que a opinião pública se inclinava cada vez mais a ver como excessiva, ao reputá-la de messiânica salvadora da agonizante segurança social. Mas, aparte as emoções e as reacções a estas, cumpre averiguar qual a verdadeira relação entre a imigração e a sustentabilidade da segurança social. Neste âmbito, há que atender a três questões: i) como se enquadram os imigrantes na segurança social portuguesa; ii) qual o impacto da imigração no envelhecimento demográfico; iii) qual o efeito da imigração na sustentabilidade a médio e longo prazo da segurança social. Comecemos pela primeira. PEDRO DUARTE SILVA ECONOMISTA 56 Cadernos de Economia OS EFEITOS DA IMIGRAÇÃO | PEDRO DUARTE SILVA ENQUADRAMENTO DOS IMIGRANTES equiparados a nacionais por instrumentos internacionais de (1) NA SEGURANÇA SOCIAL PORTUGUESA segurança social, de refugiados e de apátridas, o acesso ração Em termos de acesso à segurança social cumpre referir que possa depender da verificação de determinadas condições, Portugal apresenta um elevado grau de protecção social, nomeadamente de períodos mínimos de residência. No conferindo aos cidadãos imigrantes condições de acesso quadro do actual diploma regulamentador das prestações próximas das tituladas por cidadãos nacionais. familiares, ao contrário dos precedentes, os familiares titulares do direito às prestações familiares encontram-se No subsistema previdencial – em que o acesso é sujeitos a condição de residência, excepto nos casos em que determinado pela inscrição e cumprimento das obrigações o oposto se encontre estatuído em convenção internacional contributivas dos beneficiários sejam trabalhadores por a que Portugal se encontre vinculado. conta de outrem, sejam trabalhadores independentes – a obrigatoriedade da inscrição é exigível à generalidade dos Por fim, quanto ao sistema de acção social, não existe trabalhadores. Deste modo, todo e qualquer cidadão que se legislação que regule ou especifique o acesso de encontre a trabalhar em Portugal, independentemente da estrangeiros à protecção por este conferida. Assim, dada a respectiva nacionalidade, encontrar-se-á coberto pela discricionariedade existente neste sistema, o que a realidade protecção social conferida pelo regime geral de segurança demonstra é que, regra geral, a acção social é activada social, na medida sinalagmática do cumprimento da inerente segundo um princípio de não-discriminação. obrigatoriedade de inscrição e contribuição para o sistema, sendo as prestações concedidas ao nível deste subsistema Este é o panorama legal da presença dos imigrantes no igualmente acessíveis por nacionais e não nacionais, ceteris sistema de segurança social. paribus, em perfeita igualdade de circunstâncias. No subsistema de solidariedade a residência legal em IMPACTO DA IMIGRAÇÃO território nacional constitui condição geral de acesso. NO ENVELHECIMENTO DEMOGRÁFICO(3) Contudo, na realidade, o regime não contributivo, aqui Cenários prospectivos relativos ao impacto de fluxos incorporado, apenas abrange os cidadãos nacionais e os migratórios positivos no envelhecimento da população de cidadãos não nacionais a eles equiparados, designadamente Portugal apontam, como seria de esperar, para que estes no âmbito do direito comunitário. A regulamentação que fluxos tenham um efeito de atenuação, mas não de estende esta protecção social aos estrangeiros e apátridas neutralização, residentes em Portugal por período superior a seis meses, demográfico em curso. conforme previsto no diploma legal (2) do fenómeno de envelhecimento que instituiu este regime, jamais foi publicada, o que impossibilita o acesso por A população portuguesa em 2021 apresentar-se-á parte da população imigrante, excepto no caso de existir significativamente mais envelhecida do que actualmente, instrumento internacional que a isso vincule o sistema de facto que a imigração poderá atenuar. Porém, para manter segurança social português. Por seu lado, o rendimento nesse ano o nível de envelhecimento(4), observado em 2001, social de inserção é acessível por qualquer pessoa, o saldo migratório necessário é +161 mil pessoas por ano. No independentemente da respectiva nacionalidade, que resida caso da relação de dependência da população idosa(5), para legalmente em Portugal, sem que haja qualquer exigência manter em 2021 o nível verificado em 2001 o saldo de período mínimo de residência. migratório necessário seria de +188 mil pessoas por ano. O subsistema de protecção familiar aplica-se, igualmente, à Se se pensar que em 2000, por exemplo, o saldo migratório generalidade dos cidadãos com idêntica condição geral de verificado foi de +50 mil pessoas(6), percebe-se facilmente acesso, ainda que, no caso de residentes estrangeiros não que o fenómeno da imigração, não obstante deixar 2006 JANEIRO/MARÇO 57 A população portuguesa em 2021 apresentar-se-á significativamente mais envelhecida do que actualmente, facto que a imigração poderá atenuar. inegáveis marcas na estrutura etária da população do país de acolhimento, não será seguramente uma solução para o envelhecimento da população portuguesa. EFEITO DA IMIGRAÇÃO NA SUSTENTABILIDADE DA SEGURANÇA SOCIAL A MÉDIO E LONGO PRAZOS Em estudo presentemente no prelo(7), eu próprio e André Corrêa d´Almeida, ensaiámos um exercício prospectivo de impacto financeiro(8) a médio e longo prazo da população imigrante na segurança social, considerando o grupo de imigrantes registado na segurança social em 2002, o qual se supôs fechado e com permanência até ao cumprimento do período de garantia das pensões. De acordo com as hipóteses assumidas, o diferencial – positivo – entre os valores actualizados das contribuições totais e das pensões de velhice é de cerca de 7,1% do valor total das pensões a pagar. Contudo, considerando apenas a percentagem das contribuições atribuível às pensões de velhice, de acordo com a desagregação da taxa social única em vigor, o mesmo diferencial torna-se negativo em cerca de 31,6% do valor total das pensões a pagar. Ensaiando a hipótese de se considerar que nem todos imigrantes completam o período de garantia, retornando aos respectivos países sem direito a pensão, os resultados melhoram substancialmente: 14,2% no primeiro caso, -3% no segundo. Ou seja, por este breve exercício podemos constatar que • A população imigrante, considerando apenas as pensões de velhice e as contribuições a elas associadas, gera mais despesa do que contribui. Mas, será tal resultado diferente do que o que se passa com a população nacional? • O facto de nem todos os imigrantes cumprirem o prazo de garantia contribui muito positivamente para as finanças da segurança social. Ou seja, a segurança social portuguesa beneficia da elevada mobilidade da população imigrante, dado tal especificidade da mesma não estar acautelada, conforme propusemos(9). 58 Cadernos de Economia OS EFEITOS DA IMIGRAÇÃO | PEDRO DUARTE SILVA • Por outro lado, é lícito pensar que as demais despesas de poder afirmar que a imigração seja um factor de especial protecção social, para além das pensões, são menores no relevância na sustentabilidade a médio e longo prazo da caso da população imigrante que na população segurança social. nacional(10). O que não quer dizer que não possam ser suficientemente elevadas para absorver a parte das Naturalmente, o efeito demográfico de atenuação do contribuições da população imigrante que não será envelhecimento demográfico atrás referido trará um convertida em pensões de velhice. alívio financeiro ao sistema de segurança social, mas um alívio ténue e transitório. Adjectivos que nos CONSIDERAÇÕES FINAIS devem fazer recentrar o debate da sustentabilidade da segurança social na sua questão essencial: o Assim, não havendo certezas, dada a simplicidade, equilíbrio actuarial das suas receitas e despesas, em linearidade e parcialidade do exercício efectuado, quanto ao face da realidade demográfica, social e económica do sinal final do diferencial entre as contribuições e as despesas século XXI. associadas à participação da população imigrante na segurança social, é, contudo, possível alvitrar que, qualquer Quanto aos imigrantes, não vejamos neles nem perigos nem que seja este sinal, o valor não será elevado ao ponto de se Messias… >< 2006 JANEIRO/MARÇO 59 OS EFEITOS DA IMIGRAÇÃO | PEDRO DUARTE SILVA NOTAS (1) A este propósito, ver o estudo SILVA, Pedro Duarte (2005) Protecção Social da População Imigrante – Quadro Legal, Estudo Comparado e Proposta de Reforço, Observatório da Imigração, Lisboa, no qual esta secção se baseia. (2) Decreto-lei nº. 160/80, 27 de Maio. (3) Veja-se neste âmbito o excelente estudo ROSA; Maria João Valente et al. (2004) Contributos dos Imigrantes na Demografia Portuguesa, Observatório da Imigração, Lisboa, em que esta secção se baseia. (4) Número de indivíduos com 65 ou mais anos por 100 indivíduos com 14 ou menos anos de idade. (5) Número de pessoas com 15 a 64 anos por indivíduo com 65 ou mais anos. (6) Tendo sido superior em 2001 e 2002, mas considerando igualmente as crescentes barreiras à imigração que posteriormente têm vindo a ser erguidas. (7) Almeida, André Corrêa d’ e SILVA, Pedro Duarte (no prelo) Study of the Impact of Immigration on State Accounts in Portugal in 2002, Observatório da Imigração, Lisboa. (8) Apenas em termos de pensões de velhice. (9) Cf. SILVA, Pedro Duarte (2005) Protecção Social da População Imigrante – Quadro Legal, Estudo Comparado e Proposta de Reforço, Observatório da Imigração, Lisboa. (10) Dado que frequentemente a família não acompanha o imigrante, não há lugar a prestações familiares; no que respeita a prestações por maternidade, também estas são relativamente muito menores pela superior taxa de masculinidade na população imigrante; em termos de subsídios por doença e de desemprego, a percentagem de beneficiários registados é bastante menor que, em termos comparativos, com a generalidade da população. 60 Cadernos de Economia