GRUPO DE TRABALHO 3 MÍDIA E POLÍTICA. O POVO NO HORÁRIO ELEITORAL SOBRE A CONSTRUÇÃO DESTA CATEGORIA NAS CAMPANHAS DE LULA E ALCKMIN Guilherme Andres Martinez Perin O POVO NO HORÁRIO ELEITORAL SOBRE A CONSTRUÇÃO DESTA CATEGORIA NAS CAMPANHAS DE LULA E ALCKMIN Guilherme Andres Martinez Perin1 Resumo: Nesta monografia apresentamos as duas candidaturas que protagonizaram a disputa presidencial nas eleições ocorridas em 2006. De um lado estava o presidente Lula do Partido dos Trabalhadores (PT), sobre os quais recaíam diversas acusações de corrupção, principalmente devido ao escândalo do mensalão; e de outro o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), forte oposicionista do governo. Utilizando a Teoria do Discurso analisamos toda a propaganda dos candidatos veiculada no horário de propaganda eleitoral gratuita de televisão, durante o primeiro turno do pleito. Esta escolha deveu-se à grande abrangência desta mídia entre o eleitorado. Retomando a discussão sobre Democracia de Público e reputação partidária e individual procuramos compreender como cada candidatura construiu e procurou interpelar o seu povo brasileiro, e como este povo foi articulado com a biografia de cada partido e candidato, consideradas como condições de emergência de seus respectivos discursos eleitorais. Interessa-nos ainda as implicações dos escândalos políticos que atingiram o governo de Lula em 2005/2006 para as construções discursivas destas candidaturas antagônicas. Percebeu-se que a articulação do candidato do PT foi realizada de forma muito mais horizontal com o povo que a de Alckmin. Apesar de encontramos traços personalistas fortes em ambas as campanhas, concluímos que os partidos políticos ainda são referenciais importantes. Palavras-chave: Campanha eleitoral. Discurso político. Democracia de público. Introdução Na denominação cunhada por Palmeira (1996) o período da campanha eleitoral caracterizase por ser o “tempo da política”. A política, que para grande parte da população parece ser uma dimensão distante, entra no cotidiano das pessoas em época eleitoral. A obrigatoriedade do voto faz com que cada eleição mobilize um número enorme de eleitores. Mesmo aquelas que não se interessam por política vêm-se obrigadas a participar das eleições e escolher algum candidato, assim não há quem não seja atingido pela propaganda dos candidatos. As campanhas eleitorais deixaram de ser amadoras e se tornaram cada vez mais profissionais, com uma ampla gama de recursos e profissionais envolvidos, principalmente ligados ao marketing. No ano de 2006 o eleitor escolheu por todo país deputados estaduais, federais, senadores, governadores e, principalmente, o presidente da república. Será esta disputa que nos interessa para o desenvolvimento do presente trabalho, sendo que delimitamos o objeto para as duas candidaturas de 1 Mestrando junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS. Para contato: [email protected]. maior visibilidade: a de Geraldo Alckmin, do PSDB e Lula, do PT2 3. O objeto analisado, dentre a grande quantidade de diferentes materiais apresentados em uma campanha eleitoral, foi o horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE) 4durante o primeiro turno destes dois candidatos, em uma mídia específica: a televisão. Este material irá compor nosso corpo discursivo. A escolha pelo recorte específico da campanha de TV deve-se a sua amplitude e caráter democrático, uma vez que atinge uma grande parcela do eleitorado. A escolha pelo primeiro turno se explica por ser este o momento onde o candidato é apresentado e sua imagem é construída. O objetivo deste trabalho é analisar como essas duas candidaturas irão construir uma noção de povo brasileiro e como este povo é colocado em relação de proximidade – ou distanciamento – com o devido candidato. Neste sentido a reputação partidária e pessoal dos candidatos surge como condições de emergência do discurso dos candidatos, sendo a liga que permite a construção de seus discursos. Teoria do discurso e discurso político Surgida dentro do campo da lingüística, a Teoria do Discurso tem ganhado nos últimos anos um papel cada vez mais importante nas Ciências Sociais. Por discurso deve-se entender uma tentativa de fixação de sentidos – de dar sentido ao real, que é provisória dentro do tempo e espaço, pois está sujeita a sua desconstrução (PINTO, 2006). É importante ressaltar desde já que não se deve entender como discurso apenas o texto pronunciado ou escrito, mas também a imagem que uma pessoa passa, pelo seu jeito de vestir, ou os gestos e atos de um político em campanha, por exemplo. Assim, todo o programa eleitoral é uma enunciação de um discurso político, incluindo as imagens, os cenários, os jingles de campanha, etc. Para Pinto, a característica fundamental do discurso político é que este necessita para sua sobrevivência impor a sua verdade a muitos e, ao mesmo tempo, sua verdade está sempre ameaçada em um jogo de significações, já que está sempre em um cenário de disputa. Ele sofre cotidianamente a desconstrução por parte de outros discursos, mas, ao mesmo tempo, só se constrói pela desconstrução do outro. (PINTO 2006). O PT compunha a coligação “A força do povo”, composta ainda por PCdoB e PRB – partido do candidato a vicepresidente José Alencar. Já o PSDB encabeçava a coligação “Por um país decente” que contava ainda com o PFL (hoje DEM), partido do candidato à vice José Jorge. 3 Lula obteve 41,55% de votos no 1º turno e Alckmin 37,97%. Os demais candidatos somaram 20,48%. Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. 2 4 O HPEG de 2006 iniciou em 15 de agosto, possuía 50 minutos de duração e era veiculado em dois horários distintos: às 13h, e às 20h e 30 min – em horário nobre de TV. A campanha presidencial era veiculada as terças e quintas-feiras e aos sábados, com 25 minutos de duração no total. As duas candidaturas representavam cerca de 70% de todo o tempo destinado às candidaturas presidenciais. Outra questão importante no discurso político é o assujeitamento e a interpelação5, sendo “o discurso político o do sujeito por excelência” (PINTO, 2006). O sujeito será sempre potencialmente interpelável, pois ao longo de sua vida ele será sujeito de múltiplos discursos, ou seja, em diversos momentos ele irá se identificar com algum discurso, entendendo que este está se referindo diretamente a si. Dessa forma, o que o político procuraria em seu discurso em um período eleitoral é interpelar o maior número de eleitores para ter êxito. Para tanto o político irá se esforçar em ter um discurso amplo e abrangente que consiga estabelecer uma extensa cadeia de equivalências entre as demandas de diferentes grupos a fim de conquistar o apoio de todos. A questão deste trabalho é, portanto “a quem se fala?”, ou em outras palavras quem é o povo que se procura interpelar em cada candidatura. A idéia de povo só pode ser produzida através de uma longa colagem entre os diversos grupos sociais deste país, pois o político quer e precisa ser visto como alguém apoiado por muitos diferentes e não vinculado a um único grupo. É importante ressaltar que os dois discursos em disputa também trazem distintas características anteriores, essas são marcadamente as condições de emergência dos discursos, uma vez que já pré-existia, de uma forma mais ou menos difundida, a associação do povo aos candidatos e partidos pesquisados, cada um de forma diferente ao longo de suas trajetórias políticas. A democracia de público e as campanhas eleitorais na era da mídia De acordo com muitos pesquisadores a ampliação dos canais midiáticos como meio de informação aos eleitores e a crescente profissionalização das campanhas eleitorais têm sido o principal fator para a fragilização dos partidos políticos no mundo inteiro, uma vez que promovem a personalidade do político, com propagandas em que são ressaltadas suas características e ações pessoais, ao passo que os seus projetos e propostas tenderiam a ficar em segundo plano. Além disso, com a crescente complexificação social observada nas últimas décadas, os partidos teriam perdido sua função de aglutinador de interesses de determinadas clivagens sociais, adquirindo um caráter de defensor de issues de um número cada vez maior de segmentos sociais, guiando-se pelas pesquisas de opinião. A mídia agora tão diversificada retira dos partidos a função de informar os eleitores através de seus canais oficiais. Manin (1997) chama esse novo momento na política de “democracia de público”, esta diferenciaria-se dos modelos anteriores: o modelo parlamentar (de notáveis), caracterizado pela relação de proximidade entre representante e representado, e pela liberdade do político em agir com Interpelação é um conceito de Althusser, construído quando este escreve sobre a ideologia. Para ele: “Ideologia age ou funciona de tal forma que recruta sujeitos entre indivíduos (ela recruta todos), ou transforma os indivíduos em sujeitos (ela transforma todos) pela operação muito precisa que eu chamei de interpelação” (ALTHUSSER, 1980) 5 sua própria consciência - que durou até o fim do século XIX; e a democracia de partidos ocorrida como resultado do aumento do sufrágio, e caracterizada pela divisão do eleitorado por clivagens sociais, a ascensão dos partidos de massa, a fidelidade a um partido por parte do eleitor, e o representante com limitada liberdade de atuação - que durou até os anos 70. O novo período histórico traria então a democracia de público como sendo reflexo de mudanças políticas, tecnológicas e culturais, que alteraram as características da democracia. De acordo com o autor este é um modelo caracterizado pelo enfraquecimento dos partidos, personalismo, forte presença da mídia e das pesquisas, o que acentuou as características de comunicadores dos políticos e tornou os eleitores mais voláteis. Mas se Manin praticamente decretara o fim dos partidos políticos, ele não vê problemas crônicos à representação nessa situação. O que ele observa é um rearranjo que combina antigos elementos já presentes na democracia parlamentar e novos elementos advindos deste momento caracterizado por um eleitor mais bem informado numa sociedade que não se divide mais pelas linhas bem tracejadas que separavam os grupos sociais, em um mundo regido por um novo fórum: os meios de comunicação de massa. Reputação partidária e reputação individual Carey e Shugart (1996) irão propor que em um dado sistema eleitoral pode ocorrer dois tipos de incentivos diferentes aos candidatos que apresentamos a seguir: Incentivo à Reputação Partidária – que se refere à tentativa das lideranças partidárias de manter certa imagem pública associada ao partido, através de símbolos e projetos partidários. Incentivo à Reputação individual - que remete à visibilidade pública do candidato, que tende a ser transformada em votos. Os autores acreditam que há uma freqüente tensão entre interesses partidários eleitorais e o interesse eleitoral individual dos parlamentares ou candidatos ao legislativo. Os incentivos para os candidatos para assumirem uma postura mais personalista ou para que recaia uma importância maior sobre reputação partidária dependerá de determinadas regras eleitorais vigentes em cada poliarquia. Neste sentido costuma-se aferir que “o sistema eleitoral brasileiro ocupa uma das mais altas posições no que se refere ao valor atribuído pelos políticos a sua reputação individual”. (KUSCHNIR, CARNEIRO e SCHMITT, 1998). Mesmo tratando de uma eleição majoritária, e não proporcional, acreditamos que estes dois conceitos contribuem para mostrar porque a história de vida dos candidatos e a gênese e história dos partidos que representam podem ser considerados como condições de emergência de seus discursos. Condições de emergência dos discursos Por condições de emergência entendemos aquilo que é anterior a um discurso. Segundo Pinto estas “são em síntese o que permite o discurso existir, fazer sentido em um dado contexto”. (PINTO, 2006). Trazem assim uma carga de historicidade e acabam por legitimar e validar um discurso, por meio da articulação de sentidos que já existem na pluralidade discursiva da sociedade. As condições de emergência estão ligadas as de existência, que são as que permitem a manutenção e institucionalização de um discurso na sociedade. Sobre isto destacamos a seguinte afirmação: A relação entre um discurso e suas condições de emergência não é linear, algumas vezes as condições iniciais desaparecem e o discurso permanece, outras o fenômeno se dá ao inverso, mantêm-se as condições e o discurso perde a capacidade de interpelar. (PINTO, 1989). A seguir apresentaremos condições de emergência ao discurso dos candidatos analisados. Elas permitem que os candidatos e também os partidos construam sua relação com o povo de maneira particular. Independentemente do discurso dos candidatos na campanha eleitoral estas condições já estão presentes, elas podem ou não ser resgatadas de maneira interna ao discurso, mas dificilmente terão êxito em interpelar os eleitores se não respeitarem a construção de sentidos de um imaginário coletivo acerca partidos e candidatos. PSDB O Partido da Social Democracia Brasileiro foi criado em 1988, a partir de uma cisão no PMDB, motivada por conflitos em relação à posição do partido quanto a adesão ao parlamentarismo e duração do mandato do então presidente Sarney na Assembléia Nacional Constituinte. Um outro ponto de vista sobre a origem do PSDB é apresentado por Celso Roma: “o PSDB foi criado por parlamentares em busca de espaço de poder, portanto, a partir de uma ação estratégica pragmática”.(ROMA, 2002). Esta se deveu ao pouco espaço que o grupo fundador do partido recebia no governo, além disso, este grupo estava focado na possibilidade de conquistar votos dos eleitores de centro, a essa altura descontentes com o governo. Sobre o modo de organização do partido Roma aponta que o partido reserva autonomia aos diretórios regionais, ao mesmo tempo em que as decisões nacionais são tomadas por uma cúpula que concentra bastante poder. Assim o PSDB nunca se destacou por ser um partido com participação ampla da militância, nem por ter uma relação orgânica com setores sociais organizados. Dessa forma o PSDB não se constitui em um partido de forte apelo nas classes populares, tendo uma maior aceitação nos setores médios e altos da sociedade. Em pouco tempo o PSDB apresentou um desempenho eleitoral que logo lhe permitiu preencher inúmeros cargos políticos importantes. Em 1994 o PSDB já consegue conquistar a Presidência da República com Fernando Henrique Cardoso, presidente em dois mandatos (1995/98 e 99/2002). Durante seus governos o PSDB irá se aliar a partidos mais conservadores: PFL (hoje DEM), PPB (hoje PP), e PTB. Durante os dois governos de Fernando Henrique políticas ditas neoliberais de privatização e enxugamento do Estado marcaram o governo afastando-se de sua origem de centro-esquerda e o aproximaram ainda mais de uma posição de direita. Roma tem uma postura diferenciada quanto à aproximação do PSDB com a direita, o autor defende que desde 1988 o programa de governo do partido já se aproximava das políticas liberais, havendo assim certo descompasso entre liderança (mais liberal e pragmática) e militância (mais próxima da esquerda). Geraldo Alckmin Geraldo Alckmin nasceu no município de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo. Alckmin era de família humilde, porém não passou por tantas dificuldades como seu principal oponente. Aos 19 anos, quando já cursava o curso de medicina, Alckmin se filiou ao MDB. Formado médico, Alckmin exerceu por pouco tempo a profissão, em virtude de sua carreira na gestão pública. Aos 20 anos, em 1972, elege-se vereador em sua cidade natal e quatro anos mais tarde prefeito. Depois disso foi ainda deputado estadual, deputado federal duas vezes (na metade do primeiro mandato migrou do PMDB para o PSDB – partido que ajudou a fundar) e vice-governador de Mário Covas (político com o qual Alckmin sempre teve uma grande ligação). Com a morte de Covas, Geraldo Alckmin assume como governador de São Paulo em 2001, cargo para o qual foi reeleito em 2002, exercendo um mandato bem avaliado pela população6. PT O Partido dos Trabalhadores, criado em 1980, tinha como proposta inicial se diferenciar dos tradicionais partidos políticos brasileiros. Participam de sua criação operários, principalmente os ligados aos sindicatos7, intelectuais e setores progressistas da igreja católica, além de diversos movimentos sociais e a militância do movimento estudantil. Devido a isso Keck (1991) afirma que o PT em função de sua gênese é uma anomalia no sistema partidário nacional, pois inverte a lógica 6 Alckmin obteve o melhor índice de aprovação de seu mandato, em março de 2006, pouco antes de licenciar-se para concorrer à presidência: 69% da população considerou a administração "ótima ou boa”. Fonte: DATAFOLHA. Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/po/aval_gov_sp_17032006.shtml>. Acesso em: 13 out 2007. 7 Pode-se dizer que o embrião do partido são as grandes greves do final dos anos 70, será a partir daí em encontros sindicais que a idéia de um partido operário e socialista começa a ganhar força. nacional marcada pela fundação de partidos por lideranças políticas já estabelecidas, ou seja “de cima para baixo”. Esses grupos que participaram da criação e estruturação do partido lhe rendem certo apoio entre as classes populares, principalmente nos grandes centros urbanos, onde a penetração do partido sempre foi maior, mas colocam outra questão crucial para o PT que é a condensação de sentidos que os mais diversos grupos que não se integram organicamente dão ao partido. Reflexo disso é que o PT sempre foi um partido fragmentado em alas, algumas das quais bastantes radicais Ao longo de sua história o Partido dos Trabalhadores irá, pouco a pouco abandonar o discurso radical, e algumas de suas bandeiras, como o socialismo. O Partido dos Trabalhadores teve um crescimento eleitoral gradativo e bastante elevado e desde o início dos anos 80, tornando-se também o partido com maior simpatia por parte do eleitorado8. Com a chegada ao poder do principal nome do partido – Lula, em 2002, uma enorme expectativa foi criada na base do partido, mas muitos militantes e alguns políticos do partido acabam por se decepcionar com o governo em virtude do abandono de algumas bandeiras do partido quando na oposição, inclusive tendo passado pela defecção de alguns de seus membros que criam um novo partido mais à esquerda, o PSOL. A aliança com partidos conservadores (como PL e PTB) é bastante questionada também por setores da militância. Luiz Inácio Lula da Silva O candidato do PT nasceu em Caetés, Pernambuco, em uma das regiões mais pobres do país. De família muito humilde, Luiz Inácio Lula da Silva tinha sete anos quando sua família migrou para o litoral paulista em busca de melhores condições de vida. Lula teve uma infância difícil, começando a trabalhar desde muito cedo para ajudar no sustento da família. Na adolescência, já vivendo na capital de São Paulo, formou-se torneiro mecânico e começou a trabalhar na área da metalurgia, como operário. No final dos anos 60, ele inicia sua trajetória no meio sindical metalúrgico do ABC paulista, onde mais tarde seria uma grande liderança, principalmente nas campanhas salariais e grandes greves ocorridas no final da década de 70. É nesse período que Lula começa a conquistar um grande capital político, por sua liderança e postura de desafio ao regime militar, tornando-se uma figura muito popular nos meios de comunicação. 8 Uma pesquisa realizada em 2002 aponta que 65,6% dos entrevistados que tinha alguma identificação partidária a tinham pelo PT (SAMUELS, 2004). Em 1980, Lula ajuda a fundar o PT, tornando-se desde o início a figura-chave do partido e presença sempre requisitada nas fundações de diretórios por todo Brasil. Seu primeiro cargo público é o de deputado federal constituinte, para o qual foi eleito em 1986. Após esse mandato, concorre nas eleições presidenciais em quatro oportunidades antes da eleição de 2006 (1989/94/98/2002), sendo eleito apenas na última destas. Ao longo de todas estas eleições Lula irá amenizar seu discurso, rotulado de radical e, inclusive, suavizar sua imagem, muito associada ao sindicalismo e radicalismo. No seu governo Lula tem como principal bandeira o programa. Bolsa Família9, que será responsável pelo grande apoio das classes populares ao candidato petista (HUNTER e POWER, 2007). A crise política É impossível tratar do pleito de 2006 sem levar em consideração os escândalos políticos que tomaram conta do noticiário em 2005. Trata-se da chamada “crise do mensalão”. Este escândalo terá papel central na campanha de todos os presidenciáveis em 2006. A crise tem um primeiro capítulo com a CPI dos Bingos em 2004, mas seu estopim se dá em maio de 2005 quando Roberto Jefferson pressionado por uma gravação que lhe envolvia num esquema de fraude de licitações nos Correios, e sentindo-se abandonado pelo governo denuncia um esquema de compra de apoios de deputados através de depósitos mensais, o chamado mensalão, sendo o seu operador o empresário Marcos Valério, dono de empresas de publicidade, com grandes contratos com empresas estatais. A partir daí instala-se a CPMI dos Correios, através da qual se descobre coincidência nos depósitos para deputados da base aliada com votações importantes e de interesse do governo no Congresso Nacional. Também se chega a denúncias de uso de "caixa 2" nas campanhas eleitorais do PT e de partidos aliados. Além disso, a CPMI ainda desdobrou-se em vários outros escândalos, envolvendo desde fundos de pensão até pessoas ligadas ao PT viajando com dólares escondidos. O resultado de toda essa crise foi um forte golpe no governo, que acabou por derrubar várias cabeças do núcleo duro do governo e do Partido dos Trabalhadores. A direção do partido foi toda afastada, José Dirceu, ministro da Casa Civil e grande influente do Planalto, tido como o mentor do mensalão demitiu-se e, posteriormente, teve seu mandato como deputado federal cassado. Muitos parlamentares importantes do PT e da base aliada também foram muito atingidos pelo escândalo, apesar de poucos terem sido cassados. Outros nomes fortes do governo, envolvidos em outros 9 O Bolsa Família se constitui na transferência direta de recursos financeiros às famílias pobres que tem algumas obrigações para manter o benefício. Este programa integra ainda alguns programas já existentes no governo de Fernando Henrique Cardoso. O Bolsa Família, entretanto, ampliou em muito a dimensão de famílias beneficiadas. escândalos também acabaram caindo, como Luiz Gushiken, Secretário de Comunicação do governo e Antônio Palocci, ministro da fazenda. O escândalo gerou um desgaste considerável na popularidade de Lula, que apresentou uma queda acentuada, mas sem chegar a níveis tão baixos quanto outros presidentes. No entanto, o presidente de certa forma conseguiu se proteger das denúncias de envolvimentos com os esquemas corruptos, e sua popularidade voltou a subir em 2006. Ficaram famosas suas declarações na imprensa a época em que afirmava ter sido traído pelos seus antigos companheiros de partido e governo e que ele não sabia do que estava acontecendo (o que foi bastante explorado por seus adversários durante a campanha). O gráfico a seguir ilustra o que queremos demonstrar: Gráfico 1 – Popularidade e confiança nos presidentes do período democrático (1987-2005) Fonte: Tendências. Opinião Pública, Campinas, v.12, n.1, 2006. Baseado em pesquisas IBOPE. Pontos comuns às duas campanhas Um primeiro ponto a ressaltar é que em seus programas iniciais as duas candidaturas procurarão traçar um perfil do candidato, sempre destacando uma história de vida que não foi fácil, e os grandes feitos dos candidatos, como vitórias em determinadas eleições. A preocupação da candidatura de Alckmin em apresentar a biografia do candidato é muito maior que na de Lula, o que pode ser explicado pelo fato do candidato não ser conhecido por boa parte do eleitorado de fora do estado de São Paulo. Quanto à construção da categoria povo nas campanhas de Lula e Alckmin, é claramente perceptível a tentativa de uma construção da nação – da gente brasileira, através de imagens que mostram não só as diversas regiões que compõem o cenário brasileiro, mas também dos diversos tipos que formam o povo brasileiro. Dessa forma, se alternam imagens de negros, brancos, pardos, índios, nordestinos, sulistas, paulistas, enfim todo e qualquer grupo étnico-social. Essa construção é um lugar comum em qualquer campanha eleitoral, quase todos presidenciáveis a utilizam uma forma ou outra. Como uma eleição só se ganha com a maioria dos votos o processo de interpelação de diferentes pessoas passa por, primeiramente, mostrar todos os tipos que compõe, ao menos no imaginário social brasileiro, o povo nacional; que depois serão postos juntos, através de uma cadeia de equivalência, para a produção de um ideal de povo unido por uma candidatura, ou por um tema que é associado ao candidato. A linguagem dos programas do HPEG é de fácil assimilação, as propostas, os ataques e as falas dos candidatos não utilizam, na maioria das vezes, de palavras que não componham o cotidiano da maioria das pessoas. Mais do que isso, muitas vezes, inclusive, são utilizadas gírias ou expressões populares. Outro ponto recorrente em qualquer campanha política são as imagens dos candidatos em meio ao povo, sendo cumprimentado, elogiado, beijado, como se fossem grandes estrelas, numa verdadeira construção personalista. O jingle10 que toca ao fundo enquanto as imagens do povo são intercaladas também é utilizada para legitimar essa construção de “povo brasileiro”, nas duas campanhas chama a atenção o número de vezes em que músicas associadas à tradição nordestina são utilizadas. Do lado de Lula, provavelmente, por sua maior identificação com esse eleitorado, uma vez que o presidente é nordestino e sua base de apoio nesta eleição também é dessa região, diferente de outras onde o PT apresentava uma penetração bastante grande nas regiões Sul e Sudeste. E na de Alckmin pelo motivo contrário (além de não ser nordestino o presidenciável tinha pouco apoio na região nordeste). Os candidatos ainda utilizaram à exaustão a força do exemplo, ou seja, pessoas “do povo” que fazem o seu relato de como o candidato, através de alguma medida, obra ou programa ajudou-o de alguma forma. Muitos desses relatos são entusiasmados, e em muitos casos o representante do 10 Para uma discussão teórica acerca o jingle em campanhas eleitorais ver: LOURENÇO, Luiz C. Jingles Políticos: estratégia, cultura e memória nas eleições brasileiras. Trabalho apresentado no 31º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 2007. povo foi às lágrimas enquanto relatava seu caso e agradecia ao candidato nominalmente (nunca ao partido, ou ao governo). Outro ponto que chamou muita atenção nas duas campanhas foi a ausência dos símbolos partidários, compreendidos desde a estrela do PT e o tucano do PSDB, aos grandes nomes do partido. Inclusive as citações ao próprio nome do partido foram extremamente raras durante todos os programas analisados11. Propaganda eleitoral de TV de Lula O povo na campanha de Lula é cuidadosamente apresentado em todas suas faces, a começar pelos apresentadores de seu programa que são um branco, uma negra e um índio, o que remonta os tipos configurados como constituintes do Brasil. Os excluídos de nosso país, como os negros (em escala realmente elevada), índios e pobres, ganham bastante espaço nas imagens de seu programa (normalmente no momento em que toca o jingle da campanha). A combinação Lula e povo é quase que a pauta da campanha deste candidato, valendo-se de uma identificação já existente entre as classes populares e o candidato, ele é apresentado como sinônimo de povo. Pesquisas de intenção de voto anteriores ao HGPE já demonstravam a enorme vantagem do candidato entre os eleitores mais humildes. Apesar de não reiterar muito o passado humilde de Lula, uma vez que esta imagem é associada quase que automaticamente ao candidato, este fato fica implícito na campanha. Algumas frases anunciadas durante o seu programa comprovam a tentativa de associar Lula como igual a povo: “São milhões de Lula povoando este Brasil” (HPEG 15/08/2006); “(...) onde o presidente é povo e o povo é presidente” (HPEG 15/08/2006); “Lula de novo com a força do povo” (HPEG 15/08/2006); “O primeiro homem do povo presidente” (HPEG 15/08/2006); “O primeiro presidente com a alma do povo e a cara da gente” (HPEG 16/09/2006). Estas frases anunciadas pelo locutor do programa e diversas vezes repetidas são sempre acompanhadas das imagens dos tipos brasileiros, conforme referido acima. Esta articulação discursiva é o exemplo mais nítido dessa construção de uma equivalência entre Lula e povo em seu programa eleitoral. Ela contrasta com a impecável postura do presidente notada, principalmente, 11 Sobre essa questão ver: DIAS, Márcia R. Partidos Protagonistas e Partidos Coadjuvantes: uma análise da construção da imagem partidária no HGPE 2006. Trabalho apresentado no 31º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 2007. pelos seus bem alinhados ternos e a barba bem aparada. Além do fato do presidente ser apresentado muitas vezes na posição de estadista. Reforça-se isso com as diversas imagens de Lula com líderes mundiais (muitas vezes sendo elogiado), ou discursando na ONU. Apesar disso o programa não se esquece de reforçar que mesmo assim Lula ainda é do povo, ele é o povo que deu certo, que pelo seu esforço e capacidade chegou ao ponto mais alto que poderia, mas que jamais esqueceu de suas raízes e dos mais necessitados. Lula se refere aos eleitores como “amigos e amigas”, e aí está uma tentativa de colocar-se em uma posição de horizontalidade ente ele e este povo, que seriam seus iguais. Conforme vimos anteriormente na biografia do candidato, sua origem humilde e histórico de defensor dos direitos dos trabalhadores constitui-se na condição de emergência capaz de colocar Lula no mesmo patamar que o povo construído em sua candidatura. Segundo Kuschnir (1996) a campanha normalmente é feita de forma direcionada para o grupo de eleitores que se pretende atingir, e observando o fato de que o candidato também pertence (ou pertenceu) ao mesmo grupo de seus eleitores, e esta relação de pertencimento é que pauta a campanha do candidato. A classe de equivalência é, portanto, que Lula é igual a povo, e é, conseqüentemente, o povo no poder. A imagem de povo que fica nesta candidatura está mais próxima das classes mais humildes e trabalhadores12. Quando a campanha do candidato petista afirma que sua eleição representa a conquista do poder por todo o povo, está se transmitindo a esse um caráter ativo de participação das massas no cerne do governo. Entretanto, embora essa tentativa de interpelação do povo como aquele associado às classes populares seja muito mais presente, os outros setores da sociedade não são esquecidos, e muito menos desconstruídos, apenas não possuem o mesmo apelo do grupo anterior. Isso fica marcando em uma frase referência de seu programa: “governo para todos, em especial para os que mais precisam”. Até empresários aparecem no programa de Lula, mas obviamente em muito menor número que as pessoas humildes. Mesmo que Lula não tenha uma grande votação nas classes mais abastadas não há uma preocupação tão grande em interpelar a estes, provavelmente pela grande maioria dos eleitores serem compostos por pessoas de baixa renda. Um exemplo claro da associação entre Lula e o povo como iguais apareceu no programa do dia 7 de setembro, data da independência do Brasil. Neste dia o programa eleitoral de TV do candidato petista vinculou, ao seu final, a seguinte mensagem praticamente auto-explicativa, em letras grandes com a bandeira nacional tremulando ao fundo: “Quando um brasileiro, filho do povo, Neste caso a categoria “trabalhadores” se constitui numa enorme cadeia de equivalência. Diferentemente do que eram os trabalhadores na origem do PT, essa categoria agora inclui desde o pequeno agricultor, até o empresário, ficando tão ampla que quase perde o seu significado. A classe média também quase sempre aparece nas situações em que se refere a trabalhadores na campanha de Lula. 12 chega tão longe, é todo o povo que se afirma, que mostra a sua força e que prova o seu valor. Viva o Brasil! Viva o povo brasileiro!” (HPEG 07/09/2006). Ao mesmo tempo seu principal rival fica implicitamente associado a um não-povo, aos setores conservadores que oprimem as classes populares, de forma semelhante que ocorria no populismo. Isto está marcado em um outro fragmento do corpo discursivo dos programas da candidatura de sua coligação, anunciado pelo próprio em uma imagem de um comício: “Tem candidato chique que diz que o Bolsa Família é uma esmola, realmente é esmola pra quem almoça e sobra metade pra jogar no lixo. Pra mim chama-se início da dignidade.” (LULA, HPEG 22/08/2006) Obviamente o candidato a quem se refere o “chique que almoça e sobra metade pra jogar no lixo” é Alckmin. Assim procura-se além de construir a aproximação de Lula com o povo, desconstruir qualquer aproximação de seu adversário com o povo. Ao longo dos programas do HPEG o povo vai perdendo um pouco de espaço nos programas de Lula. Se numa primeira fase seu tempo no HPEG tem um tom mais propositivo, com os ataques na campanha dos demais candidatos, no que se refere ao episódio do mensalão e do escândalo surgido duas semanas antes da eleição da compra de um suposto dossiê contra o candidato Alckmin por coordenadores da campanha de Lula, a campanha passa para uma segunda fase, onde será reativa e seu tom mais defensivo. Boa parte de seu espaço passa a ser ocupado em contra-ataques e manifestações que Lula não teria envolvimento com qualquer um dos escândalos, além de que seu governo teria sido pródigo em combater a corrupção (mesmo aquela em seu partido e dentro do governo), principalmente através da Polícia Federal. Ainda sobre a Polícia Federal Lula irá afirmar que seu governo marca “a primeira vez em que o Brasil viu gente rica indo pra cadeia”, ou seja, mesmo nesses momentos de defesa o programa de Lula mantém o tom de aproximação com o povo que procura construir e interpelar. Propaganda eleitoral de TV de Geraldo Alckmin Para aproximar o candidato do povo o seu programa utilizará outros vários artifícios, o primeiro deles a aparecer será mostrar a imagem da casa onde Alckmin nasceu, bastante simples, para desconstruir a imagem do candidato como “rico”, ou pertencente à família tradicional. Além disso, tem a preocupação de citar que o candidato trabalhou para pagar sua faculdade, e apresentar conterrâneos do candidato que relatam a simplicidade de Alckmin. Outra estratégia para investir numa imagem do candidato como homem simples, será apresentar Alckmin em situações que remetam automaticamente a essa situação no imaginário popular. Assim, investe-se em mostrar o candidato comendo no bom prato (restaurante popular construído em seu governo), e falando de boca cheia; de mangas arregaçadas caminhando junto ao povo, sendo abraçado e beijado. A linguagem do programa, assim como da fala do candidato procura ser bastante simples, utilizando muitas expressões populares. Para se colocar próximo ao povo a candidatura de Alckmin também investe na sua imagem de médico que cuida povo. Mesmo tendo exercido a profissão por pouco tempo seu programa eleitoral de TV fará muitas menções ao fato do candidato ter sido médico. Dessa forma a imagem que se procura atrelar a de Alckmin é a de alguém preocupado com o sofrimento alheio, que ajuda as pessoas, logo o povo. Essa imagem é explorada em algumas das máximas de sua campanha, repetidas inúmeras vezes que são: “Governo bom é o que cuida de gente” (ALCKMIN, HPEG 15/08/2006); “Como médico aprendi a cuidar de gente” (ALCKMIN, HPEG 15/08/2006); “Eu sou médico, por isso entendo de saúde” (ALCKMIN, HPEG 31/08/2006). Toda essa tentativa de aproximar Alckmin do povo guarda diferenças em relação ao programa de seu principal adversário. Se na campanha de Lula a construção se refere a uma lógica de equivalência entre este e o povo, na campanha de Alckmin esta não opera no mesmo sentido. Alckmin será construído como alguém do povo, mas não como sinônimo deste. A principal construção de seu programa eleitoral será justamente a descontrução de uma imagem de alguém muito distante deste povo. Porém, observamos que diversas passagens de seu programa irão colocálo em uma relação vertical com o povo. Alckmin é alguém que: “dá emprego para o povo”, como um patrão; “que ouve conselho do povo”, mas que é ele quem toma a decisão; é “o médico que irá cuidar das pessoas”, sendo que neste país médicos sempre tiveram uma imagem de detentor de conhecimento acima do povo (LUZ, 1991). Isto além de colocar Alckmin como alguém acima do povo, confere a este uma passividade em relação às atitudes do governante, sem propor possibilidades de participação das massas em seu projeto. Chamamos atenção ainda ao fato de que Alckmin toda hora se apresenta como alguém melhor do que Lula, em diversas passagens de seu programa Alckmin irá dizer quando fala de determinadas questões do governo: “Está errado!” (ALCKMIN, HPEG 17/08/2006); “O meu jeito é diferente, precisa fazer o serviço direito, pensar grande” (ALCKMIN, HPEG 19/08/2007); “Eu sei como fazer” (ALCKMIN, HPEG 19/08/2007). Aliás, a preocupação em construir Geraldo como alguém muito inteligente é muito grande. Vale lembrar que Lula tem um baixo grau de escolarização formal, enquanto Alckmin é formado em medicina. A sua construção de inteligente (seja no jingle “ele sabe o que faz, ele sabe o caminho para um país decente”, ou com imagens de Alckmin explicando algum plano ou dando aula) está normalmente acompanhada da imagem de eficiência administrativa e empreendedorismo atrelada ao candidato. Assim, Geraldo irá aparecer com capacete de operário operando máquinas de construção, coordenando equipes ou acompanhando as obras e programas de seu governo exaustivamente mostradas. A campanha de Alckmin coloca como ponto chave de sua candidatura a defesa da diminuição dos impostos, por diversas vezes a construção de povo refere-se àqueles que pagam os impostos abusivos. Os micro-empresários têm especial atenção em seu programa, ou seja, novamente temos a aproximação do candidato com as classes médias. Pelo seu baixo índice de intenção de voto no nordeste, os brasileiros desta região são um grupo que têm espaço privilegiado na campanha do PSDB à Presidência. Nordestinos radicados em São Paulo aparecem no programa para recomendar o voto em Geraldo Alckmin (há uma legenda abaixo do nome do cidadão que indica sua origem) e agradecer por ter sido beneficiado por algum programa de autoria de seu governo, ou ter conseguido emprego graças à ele. Quando o programa anuncia a aprovação recorde do governador a referência é “69% de aprovação dos brasileiros que moram em São Paulo” (HPEG 15/08/2006). Muitas são as imagens do candidato recebendo apoio nos estados nordestinos, geralmente acompanha de um jingle que remete às músicas da tradição nordestina. Apesar dos esforços de sua candidatura, que inclusive resultou na melhora dos índices de intenção de voto em Alckmin entre os mais pobres e no nordeste13, ficou muito clara nesta eleição a divisão do eleitorado, os mais humildes e dos estados menos desenvolvidos da nação apoiaram massivamente Lula, enquanto os mais ricos e dos estados mais desenvolvidos apoiaram Alckmin (HUNTER e POWER, 2007). Quanto ao Bolsa Família, aliás, Alckmin tem todo um cuidado em jamais se colocar contra este programa, prometendo inclusive ampliá-lo. Os programas assistenciais realizados no seu governo em São Paulo são colocados como exemplo de uma prévia preocupação de Alckmin com 13 Alckmin passou de 16% para 22% de intenção de votos dos eleitores com renda até 1 salário mínimo e de 22% para 33% entre os eleitores que tem renda entre 1 e 2 salários mínimos, comparando pesquisas realizada logo antes do início do HGPE e logo ao seu final. O candidato ainda teve 26,15% dos votos válidos no primeiro turno no Nordeste, enquanto pesquisa anterior ao HGPE apontava apenas 12% de intenção de voto para o candidato nessa região. Fonte: IBOPE, disponível em <http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=2&proj=PortalIBOPE&pub=T&nome=pesquis a_eleicoes2006&db=caldb>. Acesso em: 13 out. 2007. políticas sociais de combate a fome e à miséria. Entretanto, há críticas claras a este programa nas em seus programas, por diversas vezes é colocada a questão de “além de dar o peixe, ensinar a pescar”. As críticas mais diretas são repassadas aos populares que aparecem dizendo frases como: “o povo quer trabalho, não quer esmola” (HPEG 05/09/2006), deixando clara a tentativa de construção do Bolsa Família como uma política exclusivamente assistencialista. Um último ponto que gostaríamos de ressaltar aqui é a exploração da crise política para a construção da imagem do candidato atrelada ao povo. Alckmin em vários de seus discursos no horário eleitoral irá descrever o povo brasileiro como: “O povo brasileiro é batalhador, criativo, de fé e que se indigna com a corrupção e desonestidade”.(ALCKMIN, HPEG 02/09/2006). E tentará interpelá-lo por construções discursivas como: “Eu falo com você que é pai de família, com a senhora que dá duro para criar seus filhos, mas sempre no caminho da honestidade”.(ALCKMIN, HPEG 21/09/2006). Esta parece-nos ser uma clara tentativa de desconstrução de Lula. Se este não é desconstruído em relação a sua horizontalidade com o povo, ele é colocado como traidor deste povo, logo indigno de confiança, enquanto Alckmin seria o político eficiente, ético e de vida pública sem máculas. A questão da honestidade e da corrupção ganha grande destaque a partir da metade do HPEG, quando a candidatura de Alckmin assume tom mais agressivo. Em um primeiro momento as críticas ao governo e a referência aos escândalos de 2005/2006 aparecem desconectadas de seu programa. No início ou no fim do programa, utilizando um discurso jornalístico14, um apresentador condena e ataca diretamente Lula e o PT, só podemos saber que isto faz parte do horário eleitoral da candidatura de Alckmin devido ao nome da sua coligação que aparece no canto da tela. Mais adiante os ataques passam a ser mais diretos, as referências aos casos de corrupção no governo Lula são citados pela locução do programa ou pelo próprio candidato. Geraldo Alckmin condena a corrupção na “sala ao lado da do presidente” e afirma que é necessário pulso para governar e combater a corrupção, além de saber montar uma equipe. Lula é ainda apresentado como o candidato do “não sei de nada, não vi nada”. O momento de maior agressividade da candidatura de Alckmin se dará a partir do escândalo surgido durante o período do HPEG, aquele já referido da tentativa de compra de um dossiê contra a candidatura de Alckmin por pessoas envolvidas com a campanha de Lula. 14 O discurso jornalístico caracteriza-se por duas características básicas: a busca da verdade e da objetividade. (PINTO, 2006). Percebe-se claramente a presença desse discurso no momento em que o apresentador afirma “estes são os fatos sem nenhum exagero, apenas os fatos sem mais nem menos”. Conclusões Primeiramente ressaltamos como funciona a formação do “povo brasileiro” nos dois programas eleitorais de TV dos candidatos analisados (e no de muitos outros também, mas que não foram o foco aqui). Esta se dá em dois momentos: 1 – Construção da diferença: Diferenciam-se os diversos grupos que compõem, ao menos no imaginário popular, ou na idéia do partido, o povo brasileiro. Isso ocorre através da utilização, principalmente, de imagens da gente brasileira de norte a sul do Brasil, muitas vezes reforçando estereótipos regionais. Há todo um cuidado nesta construção em dar espaço para os grupos historicamente excluídos, como negros, índios, mulheres e pobres. 2 – Construção da equivalência: Os diversos tipos apresentados serão definidos como o “povo brasileiro”. Dessa forma o candidato irá aparecer em meio a situações em que “encarna” este povo, comendo junto com as famílias, distribuindo abraços e beijos em uma vila, sendo aclamado por populares, entre muitas outras estratégias eleitorais. Este povo, entretanto, é tratado de modo diferente na campanha dos candidatos. Por mais que um candidato à presidente tente interpelar a todos, em seu discurso - por questões relativas à reputação pessoal do político e à reputação de seu partido - o povo constituído abarca determinadas especificidades. O quadro a seguir resume nossas observações: Quadro 1 – Diferença dos discursos LULA ALCKMIN Figura do discurso - Nós - Eu Principais constituintes do povo - População mais humilde (trabalhadores) - Eleitores indignados com a corrupção - População que paga altos impostos (setores médios da população) Condição de emergência deste povo - Programas sociais do governo federal - Relação do PT com organizações sociais - Crise política - Relação do PSDB com diminuição do Estado Posição perante o povo - Horizontal (pertencimento) - Vertical (cuida e ajuda as pessoas) Posição do povo - Participante - Passivo Atributos de personalidade - Simplicidade (é do povo) - Simplicidade (em meio ao do candidato ressaltados - Capacidade e reconhecimento como representante do povo povo) - Empreendedora - Inteligência Descontrução do adversário - Adversário é candidato dos ricos - Adversário ligado à corrupção - Políticas assistencialistas Por fim queremos ressaltar que as duas candidaturas demonstram semelhanças muito grandes com o modelo de democracia de público proposto por Manin, tendo sido voltadas primordialmente para a imagem pessoal dos candidatos. Entretanto, discordamos do autor no sentido que os partidos políticos têm pouca influência atualmente, uma vez que os discursos de campanha, ao menos estes analisados, apresentam coerências com a reputação não só pessoal do candidato, mas também com a reputação de seus partidos. Não é à toa que cada candidatura apresenta um tom diferente, e a imagem dos candidatos, mesmo que muito importante, é claramente condicionada por questões que envolvem a política partidária. Referências Bibliográficas ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. Lisboa: Presença, 1980. CAREY, J. e SHUGART, M. Incentives to Cultivate a Personal Vote: A Rank Ordering of Electoral Formulas. Electoral Studies, vol.13, nº 4, pp. 417-439. 1996. HUNTER, W. e POWER, T. "Rewarding Lula: Executive Power, Social Policy, and the Brazilian Elections of 2006". Latin American Politics & Society, v.49, p. 1-30, 2007. KECK, M. A. PT: A lógica da diferença. São Paulo: Ática, 1991. 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