O Ideal da Nobreza em Portugal e o Fortalecimento de seus Privilégios durante o Governo de D. Afonso V (1448-1481). Rodrigo Vilela de Carvalho – UFG/Jataí No final do século IX surge na literatura medieval a descrição da sociedade dividida em três categorias ou ordens. Os três componentes desta sociedade são, seguindo o modelo clássico de Adalberon De Laon (século XI), os oratores, bellatores e os laboratores, ou seja, os clérigos, os guerreiros e por último os trabalhadores. Essa construção simbólica de uma unidade dentro da sociedade cristã, embora cada categoria social tenha um papel definido, é importante para definir a imagem ou o ideal de nobreza que é comum em vários países do ocidente medieval. “Toda sociedade é simbólica na medida em que utiliza práticas simbólicas ou na medida em que seu estudo pode provir de uma interpretação do tipo simbólico. Mas isto é tanto mais verdadeiro em relação à sociedade feudal quando é certo que esta reforçou a simbologia inerente a toda e qualquer sociedade...” (LE GOFF, 1993.p.325). O objetivo desta pesquisa é perceber a imagem ou ideal de nobreza em Portugal já nos fins do século XV, tentando observar a forte permanência de valores medievais em uma época de transição para a modernidade. Dentro desta perspectiva tentamos levantar algumas hipóteses. Como se explica que esses “valores da nobreza”, continuam tão presentes em um período de progressiva expansão marítima? Portugal por volta de 1411 seguia o rumo de toda Europa, estava numa época fértil em expedições aventurosas, o final do século XIV e início do século XV abundaram em aventuras militares. Na fase expansionista por volta de 1412, D. João I associou ao seu governo seu filho D. Duarte dando lugar de comando e fontes de rendimento consideráveis; aos demais filhos: D. Pedro e a D. Henrique a direção dos negócios externos do reino. O expansionismo conheceu diversos planos e visou diversos objetivos gerais, como o ataque a Ceuta, porto marroquino importante pela sua posição comercial, comandado pelo rei e pelo condestável, mas nominalmente pelos seus filhos: (D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique) esta foi uma das primeiras conquistas realizadas de tantas conseguidas do monarca. A última década do reinado joanino decorreu diante de uma crise profunda. A inflação não teve como ser controlada, embora diminuísse um pouco. Quando do falecimento do monarca, D. Duarte subia ao trono com mais de quarenta anos de idade nascera em (1391) tinha uma longa experiência governativa, pois fora associado ao poder desde (1412). Culto, letrado, amante dos exercícios físicos e da caça, trabalhador, devotado às tarefas da administração, era um homem mais de gabinete do que da atividade exterior, não conhecia seu país, mas das cidades que conhecia preferia Lisboa. Era ponderado nas decisões e escutava seus conselheiros e seus pares. Manteve o círculo de grandes senhores que vinha do tempo de D. João I e que incluía seus irmãos (D. Pedro, D. Henrique, D. João, D. Fernando e o bastardo D. Afonso), seus sobrinhos (D. Afonso conde de Ourém e D. Fernando conde de Arraiolos), alguns altos dignitários do clero e a própria rainha Dona Leonor. Escutou também o povo, fazendo reunir as cortes três vezes nos cinco anos que reinou. (MARQUES, 1987) D. Duarte devido a uma peste morreu prematuramente em Tomar aos nove de setembro de 1438, deixando como sucessor o jovem D. Afonso V, de seis anos de idade. Mas segundo o testamento de D. Duarte, a regência cabia a rainha viúva, Dona Leonor que por algum tempo governou com pouca oposição. Com uma rebelião contra Dona Leonor desencadeada em Lisboa, todo o país pareceu seguir a causa de D, Pedro, com a regente sem apoio abandonou Portugal em dezembro de 1440, O infante D. Pedro foi proclamado regente. A oposição ao infante existiu desde o começo da regência, onde o norte de Portugal manteve-se fiel a rainha, sendo um centro de resistência, mas com a morte da rainha em Toledo fevereiro de (1445) e também com a vitória de D. Pedro em olmedo maio de (1445) pôs fim ao problema, conseguindo a paz em seu governo ficando o tempo que lhe restava. O regente D. Pedro acelerou o processo de feudalização do país mostrando-se muito mais um antecessor de D. Afonso V do que um sucessor de D. Duarte. Em 1446 são publicadas as ordenações afonsinas primeiro código civil português, no sistema político da idade média. Neste mesmo ano D. Afonso atingiu a maioridade legal, mas por conselhos da corte e maioria da nobreza, manteve D. Pedro no governo do reino, mas passados dois anos depois do acordo com seu tio que fizera, o jovem monarca assumiu a plenitude de rei e o infante viu-se compelido a abandonar o poder e a retirar-se para o seu ducado. O licenciamento do infante D. Pedro abriu as portas a uma alavanche de queixas, de ressentimentos e de intrigas visando a sua pessoa e o seu governo, D. Pedro desafiando as ordens do rei e buscando apoio junto dos partidários, decidiu marchar sobre Lisboa com os partidários esperando apoio, mas não vieram e parte do exército senhorial foi se desfazendo pelo caminho, o rei indignado com a audácia do tio, decidiu opor pela força e castigá-lo com um exército forte marchando ao seu encontro. Em Alfarrobeira, perto de Lisboa, deu-se a batalha; D. Pedro caiu morto e com ele grande parte dos partidários (19-05-1449). O Reinado de D. Afonso V compreendeu três grandes períodos: 1° período do governo de D. Afonso V foi de 1438 da subida ao trono até a batalha de Alfarrobeira em 1449. O 2° período do reinado de D. Afonso V caracterizou-se com as suas conquistas pelo norte da África. E o 3°período de seu reinado foi implantado pela política castelhana, que vai desde 1475 até a assinatura da paz com Castela, através do tratado das Alcáçovas, em 1479. Afonso V juntamente com o papado fez uma cruzada européia no norte da África contra o Islam. O monarca deu sempre o melhor apoio aos sonhos militares do papa, Afonso V atacou a África e obteve vitórias importantes, tanto para o seu orgulho como para o seu prestígio internacional recebendo o título de rei de Portugal <<daquém e dalém-mar em África>> Afonso V alcançou ali praticamente grande parte da geografia árabe no continente africano. Outras expedições foram preparadas (1460, 1463-64), mas falharam. Os portugueses pretendiam conquistar Tânger, vingando a derrota de 1437 e o martírio do infante D. Fernando, conseguindo só em 1471. Interessante ressaltar que no governo de D. Afonso V, o país voltou a ser um mosaico de jurisdições feudais. A maior parte dos ricoshomens obtiveram um título próprio que individualizava a sua família e a perpetuava como pertencente ao escalão superior da classe nobre. A alta nobreza fixava-se e institucionalizava-se após um longo período de instabilidade. Sobre a criação de vários títulos não obedeceu a um critério único nem se processou numa época. Do seu Reinado ficaram as praças conquistadas no Magreb e consequentemente reforço da presença portuguesa no norte da África. Fica também a memória do seu insucesso nas negociações com Castela e França. Foram razoavelmente abandonadas as explorações africanas, apesar de terem sido descobertas terras que vão do Rio do ouro ao Cabo de Santa Catarina. Para Oliveira Marques (1987, p.559), o Senhorialismo campeou triunfante durante quase todo o reinado de Afonso V. A política de expansão marítima para o norte da África (Marrocos), contribui para que a nobreza tivesse a oportunidade de exibir bravura, alcançar fama e obter proveitos. É, portanto objeto central de nossa pesquisa analisar os privilégios nobiliárquicos dentro do contexto sócio – político do governo Afonsino e em que sentido este, através de leis específicas, ou de atitudes de negligencia quanto aos abusos cometidos pela nobreza corroborou com o aumento destes mesmos abusos. Todo o nobre em princípio era um senhor, possuía patrimônio fundiário de pouca ou muita extensão ele tinha direitos próprios de jurisdição e de cobrança de rendas e impostos e dentro deste patrimônio mantinha uma série de dependentes nobres ou não nobres, com proporções variadas (vassalos, criados, homens, cavaleiros de casa, escudeiros da casa) subordinados ao senhor por vínculos pessoais e econômicos que lhe concedia o substrato ao recrutamento militar sempre que necessário. Segundo Ruy de Pina o patrimônio dos grandes senhores se concentrava em especial nas regiões de Entre-douro e Minho, na Beira e em Trás os montes, estes só deviam obediência ao Rei e recebiam os títulos nobiliárquicos das mãos deste. A proximidade com o Rei é nos séculos XIV e XV elemento fundamental para a permanência dos privilégios da nobreza. Estes, no entanto também tinham vassalos tanto na média quanto na pequena nobreza. A nobreza estava dividida em três grandes subgrupos, a grande, a média e a pequena nobreza. Os títulos da grande nobreza eram: vassalos maiores, grandes ou vassalos grandes e barões e outros como: dom e títulos de duque, marquês, conde ou visconde. A média nobreza era constituída pelos chamados cavaleiros, termo que abrange também os ricos – homens, eles formavam a espinha dorsal da nobreza e a pequena nobreza, terceira grande categoria, os escudeiros assessor do cavaleiro, o que transportava o escudo ajudava o cavaleiro a armar-se, auxiliando quando necessário. Geralmente era composta por jovens cuja idade era entre 16 e 23 anos de pouca experiência não lhes permitiam ainda o acesso à ordem da cavalaria. O governo Afonsino foi caracterizado pelos setores da aristocracia, que junto do monarca recebiam dele benefícios e privilégios. As cortes durante os anos de 1451 a 1478 dão à certeza dos fatos. Além dos cargos administrativos e de títulos nobiliárquicos os nobres portugueses no século XV continuaram a receber privilégios fiscais. As terras imunes eram: Couto, honras e beetrias, caracterizavam pelo não pagamento de impostos á coroa. “Suas pallavras no que queria dizer eram sempre bem ordenadas e entoadas com muy gracioso orgam e per pena de seu natural escrevia assy bem, como se per longo ensyno e exercício d' oratoria arteficialmente o aprendera, foy amador de justyça e de ciência e honrrou muyto os que a sabiam. Foy o prymeiro Rey destes reynos que ajuntou bôos livros e fez livraria em seus paços...” (Pina, de Ruy de – chronica D'el – Rei D- Afonso V, - Lisboa: Biblioteca de clássicos portugueses, 1901). Houve muita distribuição de títulos no governo afonsino, crescendo em muito os ricos – homens, mas já no governo de D. João II filho de D. Afonso V os privilégios dos ricos - homens caiu. Pois já no final do século XV, a estrutura nobiliárquica perdeu todo o seu sentido antigo, gradativamente substituído pelo termo fidalgo. BIBLIOGRAFIA: FERNANDES, Fátima Regina. Instituições e poder na Baixa Idade Média Portuguesa. Curitiba, Jornadas da Linha Cultura e Poder. P. 1 a 10. LE GOFF, Jacques. Para um Novo Conceito de Idade Média – Tempo, Trabalho e Cultura no Ocidente. Lisboa Estampa, 1993. MARQUES, A H de Oliveira. Nova História de Portugal. Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV. Lisboa, Editorial Presença, 1987. MATTOSO, J. A Nobreza Medieval Portuguesa, Lisboa, Estampa 1987. -----------------, Perspectivas Atuais Sobre a Nobreza Medieval Portuguesa, in Revista de História das idéias, vol19, Universidade de Coimbra, 1997, p. a 37. SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Portugal e o Mundo nos Séculos XII a XVI, Lisboa, Verbo, 1994. RAU, Virgínia. Estudos de História Medieval. Lisboa, Editorial Presença, 1986. SERRÃO, Joel. Dicionário de história de Portugal. (vol. I e III), iniciativas editoriais. COELHO, Maria Helena da cruz. História medieval de Portugal. Guia de estudo, Porto: Universidade Portucalense, 1991.