CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS TECNOLOGIAS: UM ESTUDO DOS TEXTOS NAS QUESTÕES NO ENEM Manoel Felix de Santana Neto (1); Jacineide Virgínia Borges de Oliveira da Silva (2); Marcelo Gomes Germano (3) (1) Universidade Estadual da Paraíba, [email protected];(2) Universidade Federal da Paraíba, [email protected]; (3) Universidade Estadual da Paraíba, [email protected] RESUMO No presente estudo faz-se uma análise das provas de Ciências da Natureza e suas Tecnologias do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e, a partir de leituras dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) pretende-se analisar algumas questões sob o ponto de vista da contextualização. Foram analisadas questões das provas nos anos de 2012, 2013 e 2014, agrupadas por afinidade e distribuídas em gráficos. Apesar da divisão das questões do ENEM não ser em disciplinas, optou-se por privilegiar as questões que têm uma relação mais íntima com a Química e, a partir de um levantamento bibliográfico sobre a contextualização e a proposta de competências a serem desenvolvidas, procedeu-se a análise. A contextualização é uma das orientações mais recorrentes nos PCN’s, por conseguinte, o ENEM procura seguir os mesmos princípios metodológicos. Analisando-se os resultados, de fato, observa-se a preocupação em agregar textos à estrutura da prova, porém a discussão aqui proposta, sugere uma melhor adequação dos mesmos, porque contextualizar é bem mais que colocar textos nas questões propostas. Na amostra, verificou-se que, do primeiro para o segundo ano houve uma redução significativa de questões descontextualizadas, mas do segundo para o terceiro ano houve um sucinto aumento dessas questões. É evidente que a utilização de textos por si só já constitui um avanço, pois estimula a leitura e ajuda a desenvolver todas as habilidades decorrentes dela. Todavia sugere-se um diálogo cognitivamente mais intrínseco entre a problemática do texto e o interesse da questão. Palavras-chave: Contextualização, ENEM, questão descontextualizada. 1. INTRODUÇÃO: O ENEM é um processo, que ao longo do tempo, tem homogeneizado o mecanismo de acesso ao ensino superior nas mais diversas regiões do país. Um de seus objetivos é compor a avaliação do ensino médio brasileiro e criar uma referência curricular para esse nível de ensino ajudando, também, na efetivação de políticas públicas ligadas à educação. (INEP, 2014) Em se tratando de uma avaliação, a mesma é estruturada a partir de critérios. É imprescindível que tais elementos estruturantes estejam explícitos para todos os participantes desse processo a fim de colocar em parâmetros de igualdade aqueles submetidos ao mesmo. É bastante comum observar os candidatos desencontrados no que diz respeito a como serão avaliados, como estarão postas as questões, como será explorado o tema da redação etc. Vale salientar, contudo, que não se defende a construção de um manual ou roteiro que “adestre” os concorrentes, pois assim o fazendo estaríamos usando apenas a capacidade de memorização em detrimento de tantas outras inteligências. Todavia, constitui-se uma necessidade ter uma relação harmônica entre o ensino desenvolvido nas escolas e o ENEM, porque se assim não for, uma não poderá ser avaliação do outro. Além do que, se os alunos não souberem como serão avaliados estarão à mercê de criar uma imagem distorcida do processo ao qual estão submetidos. Psicologicamente isso é muito danoso, pois como sugeriu Willian Shakespeare: “O horror visível tem menos poder sobre a alma do que o horror imaginado”. Ao longo dos anos, é recorrente a presença de elementos informativos buscados nas notícias atuais no Enem, ou seja, além dos conteúdos ditos regulares, os alunos devem munirse de informações cotidianas, mostrando-se a par do que ocorre do mundo ao seu redor, bem como da relação dos conteúdos com esses fatos. O texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) aponta que é finalidade do ensino médio a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores, como também a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina”. (LDB, 1996) Visando atender as exigências legais, acima referidas, é imprescindível a implementação da ideia de contextualização ao trabalho docente e, por conseguinte, as avaliações. O termo contextualização começou a ser utilizado com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), contextualizar é aproximar o conteúdo e o sujeito de modo que seja perceptível a relevância do fenômeno estudado. Não significa, porém, que o conhecimento científico, apresentado na forma de conteúdo, deva ser descaracterizado, mas apresentado com uma conotação prática. (Brasil, 1999). Diante desses fatos e da legislação serão analisadas as questões de ciências da natureza do ENEM no que diz respeito a contextualização. Nessa perspectiva será analisada também como são utilizados os textos nessas mesmas questões. Como se pode observar na citação abaixo, a LDB legitima um processo educativo que ocorre nos mais diversos ambientes; “Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. (LDB, 1996) A elaboração de questões contextualizadas é uma forma de valorizar a formação que ocorre além dos ambientes escolares, pois cria uma relação concreta com o objeto estudado. 2. METODOLOGIA Inicialmente foi feito um levantamento bibliográfico nos PCN’s sobre a contextualização e também nos editais do ENEM analisando as propostas de competências a serem avaliadas nesse processo. A pesquisa desenvolveu-se de forma descritiva com as últimas três edições do certame. Nessas provas, a distribuição de questões não é em disciplinas, mas em áreas do conhecimento: matemática e suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias; linguagens, códigos e suas tecnologias e por fim, ciências da natureza e suas tecnologias. Entretanto, as questões tem uma distribuição balanceada entre as disciplinas que compõem a área de conhecimento. Muitas delas dialogam mais de um componente curricular, ou seja, ainda há de forma implícita a divisão disciplinar. Em virtude do que foi mencionado, a partir do corpus desse estudo estabeleceu-se uma categoria: as questões da área de ciências da natureza e suas tecnologias. Para um diagnóstico mais preciso, foi proposta, ainda, uma subcategoria: as questões de química. Não há nenhuma presunção em fazer qualquer tipo de generalização, rótulos e estigmas, mas um estudo de caso direcionado para que se obtenham resultados significativos. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO: A prova de ciências da natureza no ENEM é composta de 45 questões, onde aproximadamente ¼ tem uma relação mais íntima com a química. Como foram analisadas três edições, teve-se como objeto de estudo 36 questões. Baseando-se nas orientações, referências e propostas apresentadas nos Parâmetros Curriculares Nacional foram classificadas as questões, da amostra analisada, conforme a seguir: Contextualizadas: esse tipo de questão usa textos que permitam uma relação com a problemática da pergunta explorando o raciocínio e a capacidade de leitura e interpretação do texto, trazendo situações cotidianas de uso dos conhecimentos explorados. Texto sem contexto: nesse caso, são usados textos no enunciado destas questões, porém não concedem meios com que o candidato relacione a problemática discutida no texto com o verdadeiro interesse da pergunta. A partir dessas definições analisadas as questões, agrupadas foram por afinidade e construídos gráficos observando cada edição isoladamente. Ao lado observa-se uma questão que traz uma problemática contemporânea, dialoga com os temas transversais, propostos pelo PCN’s, principalmente com o tema meio ambiente. Na pergunta é possível analisar se o candidato desenvolveu as competências avaliadas pelo ENEM, como: Domínio da língua portuguesa, Figura 1: Questão 58, Prova Amarela, 2012 domínio das linguagens específicas das áreas matemática, artística e científica; Aplicação de conceitos para a compreensão de fenômenos, processos históricosgeográficos, produção tecnológica e manifestações artísticas; Utilização de dados e informações para tomada de decisões diante de situaçõesproblema. Obviamente, as demais habilidades também são contempladas nessa questão, entretanto, as competências destacadas foram as consideradas mais evidentes. As questões contextualizadas, particularmente favorecem o desenvolvimento cognitivo permitindo o confronto de ideias para a resolução de um problema. Como também não mimetiza a apresentação de conteúdos por uma caminho fixo. Por esses motivos, a questão exposta anteriormente caracteriza-se por ser contextualizada, uma vez que faz conexões do conteúdo com sua respectiva aplicabilidade. Contextualizar, porém, não é somente agregar um texto a uma questão. Torna-se um equívoco achar que se o simples fato de uma pergunta for precedida de um texto já a tornaria contextualizada. Essa visão simplista é recorrente, inclusive no ENEM. Mas também usar uma linguagem coloquial, por si só, não atingiria tal objetivo. A discussão é mais ampla e a seguir é apresentada uma questão que apesar de utilizar-se de um texto em sua composição, mas não pode ser considerada contextualizada. A questão em destaque foi alvo de muitos comentários na mídia, redes sociais Figura 2: Questão 90, prova azul, 2013 etc., por trazer elementos lúdicos para a discussão do problema. Nesse caso a estrutura do composto foi trazida como um elemento para uma discussão unicamente por seu valor ilustrativo e motivacional. Isso constitui-se numa redução nas potencialidades, pois é muito mais importante a aplicabilidade, propriedades e natureza dos compostos. Em linhas gerais, a temática pode até trazer um componente, mas não exclusivamente. Além de todas as distorções apresentadas no texto, percebe-se também que não há uma relação epistemológica com o que se pede como resposta. Não há necessidade do candidato utilizar-se de elementos do texto para responder a questão. Para a resolução, precisa de conceitos memorizados anteriormente, ou seja, se o texto fosse retirado, não haveria percas na resolução do problema. O interesse daquela não guarda nenhuma relação ao texto. Por isso, entende-se que, nesse caso o texto é usado sem contexto. Da mesma forma que se classificou as questões, expostas acima, foram analisadas as demais, das edições de 2012, 2013 e 2014 do ENEM, ressaltando novamente que o objeto de pesquisa foi a área de ciências da natureza e suas tecnologias e mais especificamente aquelas que guardam um relação íntima com a disciplina de química. Abaixo são apresentados gráficos produzidos a partir de um levantamento quantitativo das edições acima citadas. Enem 2012 43% Enem 2013 Enem 2014 37% 25% 57% 63% 75% Contextualizadas Contextualizadas Contextualizdas Texto sem contexto Texto sem contexto Texto sem contexto Figura 3: Porcentagem de questões por categoria Junto com interdisciplinaridade, a contextualização é uma das orientações mais recorrentes nos PCN’s, por conseguinte, o ENEM procura seguir os mesmos princípios metodológicos. De fato, observa-se a preocupação em agregar textos à estrutura da prova, porém a discussão aqui proposta, sugere uma melhor adequação dos mesmos, pois apesar de haver uma redução significativa - das questões que usam texto sem contexto - do primeiro para o segundo ano observado, houve um sucinto aumento do segundo para o terceiro ano. 4. CONCLUSÃO Por fim, vale salientar que em hipótese alguma questiona-se a relevância da utilização dos textos nas provas. Pelo contrário, acredita-se que as práticas pedagógicas contextualizadas, e por conseguinte as provas, contribuem para o desenvolvimento de competências afetivas, cognitivas e éticas na busca de um mundo mais eficiente nos valores individuais e coletivos, assim como sugere Santana Neto (2007, pág. 37): “Cada vez que a comunidade científica torne a ciência perceptível aos sentidos humanos, estará cumprindo com um grande papel que é trazer junto como avanço tecnológico melhorias na qualidade de vida da população. Por esse motivo, devemse propor nos vestibulares questões que envolvam os problemas sofridos pelas comunidades como também polêmicas atuais que envolvam os valores morais e o progresso científico.” É evidente que a utilização de textos por si só já constitui um avanço, pois estimula a leitura e ajuda a desenvolver todas as habilidades decorrentes dela. Todavia sugere-se um diálogo cognitivamente mais intrínseco entre a problemática do texto e o interesse da questão. Como contextualização não é um objeto concreto, poderão surgir entendimentos diferentes dos que aqui foram propostos, entretanto considera-se pertinente essas divergências, pois em nem um momento buscou-se uma análise rígida e acabada. Destaca-se como relevante o questionário socioeconômico respondido pelos candidatos no ato da inscrição do ENEM. Não se pode falar em contextualização se não é claro qual o contexto que se refere. Portanto, a partir do instrumento mencionado, pode-se observar o universo das pessoas submetidas a esse processo. Não quer dizer, porém que vá se encontrar um ambiente homogêneo num país de tamanhas complexidades, todavia um critério imprescindível para a seleção de problemáticas deve ser a pertinência nacional. 5. REFERENCIAS BRASIL, Secretaria de educação fundamental. Parâmetros Curriculares Nacional. Brasília, 1997. BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Brasília. 2002. CASTRO, M. H. G.; TIEZZI, S. A reforma do ensino médio e a implantação do Enem no Brasil. Disponível em: <http://www.schwartzman.org.br/simon/desafios/4ensinomedio.pdf> Acesso em 20/04/2015. DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL. Lei n.º 9.394 e legislação correlata. Bauru: São Paulo: Endipro, 1997. MACHADO, N. J. Interdisciplinaridade e contextuação. In: Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): fundamentação teórico-metodológica. Brasília: MEC; INEP, 2005. p. 41-53 SANTANA NETO, M. F. A Contextualização nas provas de química do vestibular da UEPB. Trabalho de conclusão do curso de graduação. UEPB, 2007. www.inep.gov.br. – vários acessos.