Processo n. 0002700-52.2013.5.10.0013 2 ATA DE AUDIÊNCIA Aos dois dias do mês de julho de 2014, às 17h58, a Juíza do Trabalho, Dra. Thais Bernardes Camilo Rocha, em substituição na MM. 13ª Vara do Trabalho de Brasília – DF, declara aberta a audiência destinada ao julgamento do processo nº 00002700-52.2013.5.10.0001, entre as partes Sindicato dos Médicos de São Paulo, autor e Federação Nacional dos Médicos, réu. Apregoadas as partes, constatou-se a presença dos que assinam a presente ata, sendo proferida a seguinte SENTENÇA 1. I. RELATÓRIO Sindicato dos Médicos de São Paulo ajuizou ação em face de Federação Nacional dos Médicos, relatando que dia 28/10/2013 foi surpreendido pela publicação de edital de convocação para Congresso Extraordinário, órgão máximo de deliberação da ré. Assevera que nenhuma das instâncias estatutárias competentes deliberou a convocação do aludido Congresso. Argumenta que a convocação do Congresso foi ato unilateral e monocrático do presidente da ré, que fere frontalmente o art. 19, §3º, do Estatuto Social. Afirma ainda que, além do vício insanável no edital por ausência de deliberação coletiva, o ato convocatório também é “írrito quanto ao seu objeto”. Aduz que o “que causa maior espécie” é a pretensão de modificar, a menos de seis meses das eleições para renovação da atual diretoria, os dispositivos estatutários que tratam da duração dos mandatos e das regras eleitorais (arts. 63 e 64). Requereu a declaração de nulidade do edital convocatório do Congresso, por vício quanto à deliberação de convocação, anulando-se por conseguinte todas as deliberações nele tomadas. O pedido de antecipação de tutela foi indeferido às fls. 92/93. Admitido o ingresso na lide dos seguintes sindicatos como assistentes litisconsorciais do autor: Sindicato dos Médicos do Estado de Alagoas, Sindicato dos Médicos do Estado do Acre, Sindicato dos Médicos de Anápolis (fls. 97). Admitido o ingresso na lide dos seguintes sindicatos como assistentes litisconsorciais do autor: Sindicato dos Médicos do Estado de Tocantins e Sindicato dos Médicos de Campinas (fls.263/264). Admitido ainda o ingresso na lide como assistente litisconsorcial do réu o Sindicato dos Médicos do Estado do Rio de Janeiro (fls.263/264). Defesa escrita com documentos, em que o reclamado argumenta que em 08/10/2013 chegaram à sede da FENAM os requerimentos de 17 associados solicitando a convocação do Congresso Extraordinário, sendo que em 29/11/2013, após regular credenciamento dos aptos ao exercício do voto, foi iniciado o Congresso e aprovadas as mudanças propostas. Assevera que o Congresso Extraordinário foi convocado de forma regular, tendo se operado com base no requerimento de mais de 1/5 dos associados, conforme a previsão estatutária constante do parágrafo 3º do art. 17. Argumenta que, por outro lado, a reunião Extraordinária de Diretoria Executiva, convocada para o dia 29/10/2013, “é uma aberração”, pois não tem previsão, conforme se infere dos artigos 28 a 57. Sustenta por fim que o Congresso foi realizado e legitimado pelo credenciamento, pela participação dos delegados do autor e até mesmo dos delegados participantes da reunião do dia 1º/11/2013. Réplica às fls. 487/490. Admitido em audiência de fls. 749/750 o ingresso na lide do Sindicato dos Médicos do Estado do Paraná (requerimento às fls. 461/468); Sindicato dos Médicos do Espírito Santo (requerimento às fls.744/747), Sindicato dos Médicos do Amazonas (requerimento fls. 494/495); Sindicato dos Médicos do Estado do Piauí (fls. 530/533); Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará (fls. 559/563); Sindicato dos Médicos no Estado da Bahia (fls. 601/603); Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Norte (fls. 635/637), Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (fls. 697/700) e Sindicato dos Médicos de Santo André e Região (fls. 751/754); todos como assistentes litisconsorciais do réu. Sem outras provas a serem produzidas, declarou-se encerrada a instrução processual. Razões finais escritas pelas partes. Frustradas as tentativas conciliatórias. É o relatório, em síntese. Passo a decidir. II. FUNDAMENTOS 1. Assistentes litisconsorciais das partes. Interesse jurídico na demanda. Admissão do ingresso na forma dos arts. 50 a 55 do CPC O art. 50 do CPC admite a assistência quando, pendente uma causa, o terceiro que tiver interesse jurídico que a sentença seja favorável a uma delas, queira intervir no processo para assisti-la. O art. 54 do CPC, por sua vez, dispõe que é considerado litisconsorte da parte principal o assistente, toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido”. Assim, o assistente litisconsorcial detém relação jurídica com o adversário do assistido, nos mesmos moldes que o próprio assistido. “na assistência qualificada, o terceiro interveniente também é titular da relação jurídica deduzida no processo, embora não tenha sido parte na demanda. Sendo, porém, uma relação jurídica plúrima, não se poderia impedir que seus demais titulares ingressassem no processo, com o fim de auxiliar qualquer cuja vitória lhes interessa.” (Alexandre Freitas Câmara, Lições de Direito Processual Civil, 17ª ed., Editora Lumen Juris, p. 171). No caso dos autos, evidente que os assistentes do autor e do réu são filiados à FENAM, possuindo, dessa forma, legítimo interesse jurídico no deslinde da causa. Com efeito, as entidades sindicais se submetem às regras estatutárias da Federação e portanto, serão afetadas pelo provimento judicial a ser concedido, no sentido da manutenção ou da eventual anulação do deliberado no Congresso Extraordinário. Assim, ficam ratificadas todas as decisões de admissão do ingresso dos sindicatos na presente lide, na condição de assistentes litisconsorciais, do autor ou do réu, conforme discriminado no relatório. 2. Edital de convocação do Congresso Extraordinário. Requerimento inespecífico. Descompasso com o edital. Não atendimento do requisito insculpido no Estatuto. Anulação do deliberado Nos termos da exordial, em 28/10/2013 o autor “foi surpreendido” pela publicação de edital de convocação para Congresso Extraordinário, órgão máximo de deliberação da ré. Assevera que nenhuma das instâncias estatutárias competentes deliberou a convocação do aludido Congresso. Argumenta que a convocação do Congresso foi ato unilateral e monocrático do presidente da ré, que fere frontalmente o art. 19, §3º, do Estatuto Social da Federação. Aponta, além de vício insanável no edital por ausência de deliberação coletiva, vício no ato convocatório pelo objeto delineado no instrumento. Aduz que o que “causa maior espécie é a pretensão de modificar, a menos de seis meses das eleições para renovação da atual diretoria, os dispositivos estatutários que tratam da duração dos mandatos e das regras eleitorais” (arts. 63 e 64). Requereu a declaração de nulidade do edital convocatório do Congresso, por vício quanto à deliberação de convocação, anulando-se por conseguinte todas as deliberações nele tomadas. Contrapõe-se a ré, argumentando que em 08/10/2013 chegaram à sede da FENAM os requerimentos de 17 associados solicitando a convocação do Congresso Extraordinário, sendo que em 29/11/2013, após regular credenciamento dos aptos ao exercício do voto, foi iniciado o Congresso e aprovadas as mudanças propostas. Assevera que o Congresso Extraordinário foi convocado de forma regular, tendo se operado com base no requerimento de mais de 1/5 dos associados, conforme a previsão estatutária constante do parágrafo 3º do art. 17. Argumenta que, por outro lado, a reunião Extraordinária de Diretoria Executiva, convocada para o dia 29/10/2013 é “uma aberração”, pois não tem previsão, conforme se infere dos artigos 28 a 57. Sustenta por fim que o Congresso foi realizado e legitimado pelo credenciamento, pela participação dos delegados do autor e até mesmo dos delegados participantes da reunião do dia 1º/11/2013. Pois bem. Delineadas as argumentações das partes, passo à análise da controvérsia. Inicialmente, é certo que a Constituição da República consagra o princípio da liberdade de associação e reunião (art. 5º, XVI e XVII) como pilar do próprio Estado Democrático de Direito. “ O princípio da liberdade de associação assegura conseqüência jurídico-institucional a qualquer iniciativa de agregação estável e pacífica entre pessoas, independentemente de seu segmento social ou dos temas causadores da aproximação. Não se restringe, portanto, à área e temática econômico-profissionais (onde se situa a idéia de liberdade sindical). O princípio associativo envolve as noções conexas de reunião e associação. Por reunião entende-se a agregação episódica de pessoas em face de problemas e objetivos comuns; por associação, a agregação permanente (ou pelo menos, de largo prazo) de pessoas em face de problemas e objetivos comuns. Noções interligadas, a liberdade de reunião sempre foi pressuposto importante à consecução da liberdade de associação – trata-se daquilo que José Afonso da Silva chama de liberdade-condição, porque, sendo um direito em si, constitui também condição para o exercício de outras liberdades. As duas idéias e dinâmicas têm lastro na própria matriz social do ser humano, sendo também fundamentais à estruturação e desenvolvimento da democracia. São, ao mesmo tempo, uma afirmação da essência humana dos indivíduos e uma seiva oxigenadora da convivência democrática no plano social”. (Maurício Godinho Delgado, Curso de Direito do Trabalho, p. 1296). Referido princípio, mais amplo, especifica-se na diretriz da liberdade sindical (cf. Maurício Godinho Delgado, Curso de Direito do Trabalho, Editora LTR, p. 1328). E o princípio da liberdade sindical (art. 8º da CR/88), tem como desdobramento a “liberdade de autodeterminação dos sindicatos”. Com efeito, o princípio constitucional mencionado tem como um dos seus matizes a liberdade que o ente sindical possui de se auto-constituir, que se concretiza por meio dos Estatutos. “ A liberdade sindical poderá ser focalizada sob vários prismas:como o direito de constituir sindicatos; como o direito de o sindicato autodeterminar-se; como a liberdade de filiação ou não a sindicato e como a liberdade de organizar mais de um sindicato da mesma categoria econômica ou profissional dentro da mesma base territorial, que se identifica com o tema intitulado pluralidade sindical.” (Curso de Direito do Trabalho, Alice Monteiro de Barros, editora Ltr, p. 1157 – grifei). Nesse contexto, as entidades associativas sindicais, dentro do seu poder de auto organização, que se revela por meio dos estatutos, estabelecem regras e procedimentos para suas reuniões, assembleias, congressos, inclusive no que toca aos requisitos para realização e convocação das referidas sessões. O art. 19 do Estatuto da ré prevê duas modalidades de Congresso, o ordinário, “que realizar-se-á bienalmente” e o extraordinário, realizado “sempre que necessário”. A convocação deve fundar-se em um dos seguintes requisitos: maioria absoluta da diretoria executiva ou 50% dos membros que compõem o conselho deliberativo ou ainda 1/5 dos associados para o congresso” Ressalte-se que a natureza “extraordinária” da segunda modalidade de Congresso previsto no art. 19 deixa evidente que sua realização está vinculada a uma pauta específica e portanto, o requerimento de instauração do Congresso deve fazer menção expressa ao objeto específico que se pretende discutir. Essa a ratio do artigo referido ao contemplar expressamente a locução “sempre que necessário”. No caso dos autos, os “abaixo-assinados” de fls. 389/394 não legitimam o edital convocatório de fl. 75. Isso porque não há delimitação expressa do que se pretende discutir no Congresso Extraordinário, não há indicação precisa dos artigos do Estatuto cuja revisão se pretende. Com efeito, os referidos documentos dispõem de forma vaga e genérica tão somente que: “Nós sindicatos médicos regularmente integrantes desta Federação, neste ato representado por seu presidente ou representante legal, vimos por meio desta, respaldado pelo Capítulo II, art. 19 – parágrafo 3, convocar Congresso Extraordinário da FENAM para os dias 28,29 e 30 de novembro de 2013 com objetivo de alteração estatutária e posicionamento da categoria sobre o atual momento” (grifamos). Entretanto, de forma inexplicável, o edital menciona, de forma precisa e específica, os itens do Estatuto cuja alteração se pretende no Congresso extraordinário, “inovando” em relação ao conteúdo dos abaixoassinados de fls. 389/394. O edital convocatório especifica a seguinte pauta (fl. 395): “ 1. Alteração dos seguintes itens do Estatuto Social desta Federação: Art. 19, Parágrafo 2º, Art. 28, incisos 21 e 22, Art. 53, Art. 54, Art. 63 e Art. 64. Os demais títulos, capítulos, artigos e incisos permanecerão vigorando com a mesma redação. A Vigência e eficácia das alterações se dará de imediato com o registro nos respectivos órgãos recebedores, consoante disposto no Artigo 78 do presente estatuto”. Ora, o requerimento dos associados não é uma carta em branco para o Presidente da Federação agir da maneira que melhor lhe aprouver, definindo os temas a serem tratados. Havendo o requerimento de 1/5 dos associados (com a necessária especificação do objeto) o Presidente deve apenas efetuar a convocação determinada no Estatuto (e no Código Civil), ou seja, trata-se de ato meramente operacional, não podendo alterar ou especificar matérias não tratadas no requerimento. Nessa linha de raciocínio, os requerimentos de fls. 389/394 não servem de lastro para a convocação do Congresso extraordinário discutido nos presentes autos, sendo certo, conforme contestação, que referidos documentos embasaram a convocação levada a efeito pela ré. Assim, inexiste nos autos qualquer documento que espelhe a vontade de 1/5 dos associados quanto à discussão específica dos artigos 19, parágrafo 2º; art. 28, incisos 21 e 22; art. 53, art. 54, art. 63 e art. 64 do Estatuto. Não se sustenta o argumento do réu de que o comparecimento no Congresso Extraordinário dos associados que assinaram o requerimento inespecífico serviria para convalidar o edital de convocação, tampouco que a presença dos delegados do autor e de seus litisconsortes serviria a tal finalidade. Com efeito, o vício insanável caracterizado no momento em que foi publicado o edital sem requerimento específico das instâncias autorizadas estatutariamente não admite convalidação. Dessa forma, conclui-se facilmente que os requerimentos dos associados não foram a razão da convocação do Congresso Extraordinário impugnado. Por conseguinte, não foram respeitadas as disposições estatutárias da Federação, pelo que impõe-se a declaração de nulidade do edital de convocação e, por conseguinte, do Congresso realizado. Pelas razões expostas, acolho o pleito autoral para declarar a nulidade do ato convocatório do Congresso Extraordinário realizado, anulando, por conseguinte, todo o deliberado na referida oportunidade. III. DISPOSITIVO Pelo exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados por Sindicato dos Médicos de São Paulo, em face de Federação Nacional dos Médicos, tudo nos termos da fundamentação, parte integrante deste dispositivo. Custas pela ré, no importe de R$ 30,00, calculadas sobre o valor de de R$ 1.500,00, arbitrado à condenação. Intimem-se as partes. Nada mais. Thais Bernardes Camilo Rocha Juíza do Trabalho Substituta