por A D O L F O C A S A I S ARECE haver a i n d a quem tome a sério os que, a p r e t e x t o de defenderem a forma, as proporções, o equilíbrio, etc., etc., praguej a m a oada passo contra os a r t i s t a s «modernos contemporâneos» (para empregar a clara e inequívoca fórmula de G a s p a r S i m õ e s ) , a c u sando-os de grandes crimes c o n t r a aquelas. S e ria conveniente esclarecer-se duma vez p a r a sempre a verdadeira causa de talis reacções c o léricas, por esses cavaleiiiros a n d a n t e s da F o r m a (com um F muito grande) cuidadosamente oculta—quando não, em certos casos, deles próprios ignorada. Indo rapidamente ao ponto doloroso: o tal inllmiigo dos a r t i s t a s que n ã o s e cingem a u m a idólatra e inorítica repetição do j á - M t o „ l a n ç a lhes o seu a n á t e m a em n o m e do passadio—sempre em n o m e dlo passado. Ora, quem tenfha um conihecimento mesmo superficial da história da arte, n ã o i g n o r a que esta n ã o nos oferece u m a lição única; e que dentro da própria tradição ocidental, mais d u m a direcção se oferece. S e r i a pois licito preguntar em nome de que passado nos falam. M a s h á pior: p a r a tal espécime, impressionismo ou comtrrurtivismo, expressionismo, cubismo, ultna-realilsmo, tudo é igual. Os argum e n t o s são sempre os mesmos, numa aflitiva monotonia. F r e g u n t a - s e : pode haver sinceridade em quem n ã o sabe o que defende e muito m e nos o que a t a c a ? Vale a p e n a defender a a r t e «moderna c o n t e m p o r â n e a » contea esses seus detractores? I s t o é: mão haverá tolerância e x cessiva em a c e i t a r o c o m b a t e n a s condições por eles oferecidas? Evidentemente que sim. Em compensação, a f i g u r a - s e - m e conrveniiente estudar e explicar o como desses a t a q u e s ; como lição de honestidade, é a t é utilíssimo n ã o responder-lhes, mas despi-los dos seus véus, desnudá-los n a p r a ç a pública, p a r a que se veja bem a p a r t e vainrkma do a m o r pela a r t e e n t r e a s causas que os impelem a m a n i f e s t a r - s e . MJ />• Os «homens da F o r m a » , o s paladinos do equilíbrio, da harmonia, os que tem sempre no bico da p e n a frases deste estilo: «mestres e s carnecidos», «clássicos desrespeitados», etc., s e riam capazes de vender as mestres todos, os clássicos em bloco, mais a forma e o equilíbp por muito m e n o s de t r i n t a dinheiros! A triste verdade é n ã o haver no fundo de t a n t o amor pela a r t e senão u m a densa base de ressentimento. Podemos de facto dividir os homens, para melhor inteligibilidade deste caso, em dois grupos: os' que s e detêm e os que c a m i n h a m sempre. Estes são capazes de t r a n s c e n d e r os gostos e os hábitos da sua g e r a ç ã o ; aqueles fixam-se nesses gostos e nesses hábitos, a f e r r a m - s e a eles e todo o seu esforço se c o n c e n t r a n a defesa da c o modidade de n ã o haver, n a d a p a r a alem ou fora deles. Os indirvidiuos deste tipo não podem pois deixar de l u t a r desesperadamente c o n t r a tudo o que a m e a c e o conforto da sua imobilidade. E que poderão eles de facto sentir, senão ressentimento, p a r a com tudo o que n ã o v e n h a i n t e g r a r - s e no circulo dos seus gostos, dos seus hábitos—para com trudb o que a m e a c e desarrumar-lhes a casa?! L e m b r e i - m e de tudo isto a, propósito dum jovem pintor português: V e n t u r a Porfírio. E l e m b r e i - m e porque soube terem os seus t r a b a lhos escandalizado certos j a r r õ e s que, p a r a mal d a arte, j u l g a m que as j o v e n s pintares só têm um c a m i n h o a seguir: imitá-los. S e eu desconhecesse os t r a b a l h o s de Ventura Porfírio, pens a r i a c e r t a m e n t e : o moco deve ser discípulo dle Picasso, de Dali ou de Ernst, p a r a assim e s c a n dalizar esses conspícuos pintores! Pois nada disso: V e n t u r a Porfírio, e m meu entender, s a crifica a t é , por vezes, a um academismo pouco louvável. E creio, e espero, que o f a ç a por triste m o s forçada t r a n s i g ê n c i a p a r a com certos pin- MONTEIRO tadores; s t o , porque' V e n t u r a Porfírio tem que justificar o bom emprego da bolsa que lhe foi concedida p a r a estudar no estronjeiro. E, evidentemente, os t a i s senhores queriam que êle fosse a o estronjeiro descobrir... que p a r a além de Velozo Salgado ou de Carlos Reis n ã o há nada! E s t r a n h o destino o dos a r t i s t a s portugueses: quando por excepção (talvez por equívoco?) descortinam neles o talento, e lhes concedem os meios m a t e r i a i s que l h e s permitem aperfeiçoar-se, e x i g e m - l h e s em contrapartida que n ã o s e aperfeiçoem, que n ã o se cultivem! S e r á tudo aquiiíio m e r o l u x o , m e r o c a p r i c h o , só pana se dlizer que s e auxiliam as 'talentos esperançosos? Esses senhores, encerrados n o século X I X . que n ã o a b a n d o n a r a m pelas taiis razões j á expostas, m a n d a m um homem p a r a o século X X — e quer e m que êle fique no seu (deles) século X I X . T e m graça, não t e m ? E ao fim e a o cabo, pretendem n a t u r a l m e n t e que os a r t i s t a s lhes m a n i festem a sua gratidão... imitando-os. não indo além do ponto onde eles f i c a r a m . O r a isso n ã o é fácil: poda se foi por os moças terem talento que os m a n d a r a m p a r a o estnanjelro! (Mas basta de divagações. O caso é que pretendia falar, e m b o r a rapidamente, do pintor V e n t u r a Porfírio. Poucos o c o n h e c e r ã o ainda, pois não houve a t é a g o r a qualquer exposição dos t r a b a l h a s por êle enviados de Madrid, Paris, e Bruxelas. Isto n ã o deixa de ser estranho, mas... b a s t a de divagações. T a n t o quanto posso j u l g a r pelos trabalhos que vi g r a ç a s à gentileza do p r o fessor J o a q u i m Lopes—«mestre que, diga-se de passagem, sabe respeitar a personalidade des que são ou foram seus alunos, espírito compreensivo como poucos h á no professorado dos B e l a s Artes —há c e r c a de um ano, e de alguns outras, das quaJi/s tenho aqui excelentes reproduções. Ventura Porfírio aproveitou muitíssimo com o seu estágio lá fora, em Madrid principalmente. Como j á o apontei. V e n t u r a Porfírio n ã o é, nem por sombras, um pintor de vanguarda, ou «modernista», como n o s h a b i t u a m o s a dizer. Nada m a i s equilibrado do que a s u a arte, nada mais c o n t r á r i o às tendências a c t u a i s p a r a o a b s t r a c t o : V e n t u r a Porfírio é urna. natureza profundamente apegada à realidade tal como nos é dada pela nossa intuição sensível. Porfírio a m a as belas formas que a natureza e os seres lhe oferecem, sente i n t e n s a m e n t e todas a s virtualidades das coisas tal como vêm de encontro aos nossos alhos. Arttsta portanto, do.s que n ã o podem desprezar a forma, dos que acarioiom a m o r o s a m e n t e as coisas. Mas, por ou iro lado, ventura P a r t i r lo é, dos que n ã o se c o n t e n t a m com e s s a beleza, e de sd próprios exigem um aprofundamento, uma Investigação do conteúdo dessa realidade. E', pois, ds que não tomam a a p a r ê n c i a pela realidade, a o invés portanto dos nossos cultores do «simplismo paisagista», senhores do ensino das artes plásticas e n t r e nós. os quais tem o favor quási geral do público, a i n d a medrusado pela vaquinha no meio da ervinha, do pastorinho, e quejandas doçuras. D u m a sobriedade quásl a s c é t i c a , I n c a paz de sepultar o c o n j u n t o sob um excesso de detalhes, n a d a cultor do pitoresco fácil, V e n t u r a Porfírio é uma personalidade forte que n ã o a t i n giu ainda, sem dúvida, a sua maturidade, jue tem a i n d a multo a aprender (de si próprio, princ i p a l m e n t e ) , m a s que nos dá bem a medida do seu valor nos t r a b a l h o s realizados nestes últimos três anos de ausência em meios onde a sua personalidade se sentiu sem dúvida mais livre do que neste ocidental refúgio do academismo. I n sensível a Influências que n ã o sejam as que se hairmonSzam com a sua m a n e i r a de ser, é de n o t a r quanto beneficiou estudando em Madrid com o grande Vasquez Diaz, porventura o m e l h o r m e s t r e que poderia ter. s (Continua na páffi» 7 )