BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO
Bem-aventurados os pobres de espírito, pois que deles é o reino dos céus.
(MATEUS, cap. V, v. 3.)
Por essa ocasião, os discípulos se aproximaram de Jesus e lhe perguntaram:
“Quem é o maior no reino dos céus?” - Jesus, chamando a si um menino, o
colocou no meio deles e respondeu: “Digo-vos, em verdade, que, se não vos
converterdes e tornardes quais crianças, não entrareis no reino dos céus. Aquele, portanto, que se humilhar e se tornar pequeno como esta criança será o
maior no reino dos céus - e aquele que recebe em meu nome a uma criança, tal
como acabo de dizer, é a mim mesmo que recebe.” (S. MATEUS, cap. XVIII, vv.
1 a 5.)
Jesus entrou em dia de sábado na casa de um dos principais fariseus para aí
fazer a sua refeição. Os que lá estavam o observaram. - Então, notando que os
convidados escolhiam os primeiros lugares, propôs-lhes uma parábola, dizendo:
“Quando fordes convidados para bodas, não tomeis o primeiro lugar, para que
não suceda que, havendo entre os convidados uma pessoa mais considerada do
que vós, aquele que vos haja convidado venha a dizer-vos: dai o vosso lugar a
este, e vos vejais constrangidos a ocupar, cheios de vergonha, o último lugar. Quando fordes convidados, ide colocar-vos no último lugar, a fim de que, quando
aquele que vos convidou chegar, vos diga: meu amigo, venha mais para cima.
Isso então será para vós um motivo de glória, diante de todos os que estiverem
convosco à mesa; - porquanto todo aquele que se eleva será rebaixado e todo
aquele que se abaixa será elevado." (S. LUCAS, cap. XIV, vv. 1 e 7 a 11)
Por muito tempo, a expressão “pobre de espírito” foi interpretada de forma pejorativa,
como se estivesse dirigida aos tolos. Conforme Kardec (1996, pág. 133), “por pobres de
espírito Jesus não entende os baldos de inteligência, mas os humildes, tanto que diz ser
para estes o reino dos céus e não para os orgulhosos.”
Em contraposição ao termo “pobre”, o “rico”, quando utilizado por Jesus, referia-se
àquele cheio de si mesmo, o autossuficiente, vaidoso, que se ilude sobre as suas
próprias condições. Vê-se aí o orgulho e também o seu filho, o egoísmo.
Como se pode observar do capítulo VII do Evangelho Segundo o Espiritismo, a ideia
mais complexa, exatamente pela simplicidade das palavras de Jesus, diz respeito à
virtude da humildade.
Para explorar esse tema tão complexo, melhor recorrer a André Comte-Sponville,
filósofo francês, materialista e ateu, que escreveu o livro “Pequeno tratado das grandes
virtudes”. Embora ateu, dialoga com todas as religiões.
Segundo Comte-Sponville (1999), “a humildade é uma virtude humilde: ela até duvida
que seja uma virtude! Quem se gabasse da sua mostraria simplesmente que ela lhe
falta”.
Nesse sentido, a humildade seria uma consciência do que se é e dos limites de si. Não
se trata de uma ignorância ou de uma auto-depreciação, nem de julgamentos sobre o
que se fez, mas de uma autopercepção daquilo que não se é. Reflete um estado de
autoconhecimento. (COMTE-SPONVILLE, 1999)
A humildade é virtude lúcida, sempre insatisfeita consigo mesma, mas que o
seria ainda mais se não o fosse. (...) É a virtude do homem que sabe não ser
Deus. Assim, é a virtude dos santos. (…) está vinculada ao amor à verdade e a
ele se submete. Ser humilde é amar a verdade mais que a si mesmo. (COMTESPONVILLE, 1999)
Lado a lado com a humildade, caminha a misericórdia. Essa última virtude ensina a
autocompreensão, a autoaceitação, contentar-se com o que se é, a fim de se viver com
mais doçura. Mas, sem humildade, o contentamento de si poderia se tornar vaidade.
Assim, a humildade impede que se iluda. (COMTE-SPONVILLE, 1999)
A humildade leva ao amor, à caridade, isso porque, livra os seres humanos das ilusões
a cerca de si mesmos, permitindo o esvaziamento do ego – que enxerga o outro como
objeto -, e à conquista do íntimo, “onde não há mais nada e onde há mais que tudo, (…)
expostos sem máscara ao amor e à luz”. (COMTE-SPONVILLE, 1999)
Em razão do acima exposto, percebe-se mais claramente o porquê de Jesus ter falado
que o reino dos céus é dos humildes.
quis Jesus significar que a ninguém é concedida entrada nesse reino, sem a
simplicidade de coração e humildade de espírito; que o ignorante possuidor
dessas qualidades será preferido ao sábio que mais crê em si do que em Deus.
Em todas as circunstâncias, Jesus põe a humildade na categoria das virtudes
que aproximam de Deus e o orgulho entre os vícios que dele afastam a criatura,
e isso por uma razão muito natural: a de ser a humildade um ato de submissão a
Deus, ao passo que o orgulho é a revolta contra ele. Mais vale, pois, que o
homem, para felicidade do seu futuro, seja pobre em espírito, conforme o
entende o mundo, e rico em qualidades morais. (KARDEC, 1996, p. 134)
REFERÊNCIAS
COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo:
Martins
Fontes,
1999.
Disponível
em:
<https://fernandonogueiracosta.files.wordpress.com/2010/06/pequeno-tratado-dasgrandes-virtudes1.pdf> Acesso em: 26 mar. 2015.
KARDEC, Allan. O evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1996.
112a. ed.
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