O CAPITAL HUMANO NA GESTÃO DA PRODUÇÃO – UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA Claudinete Salvato Lima (PG) * e Ligia Maria Soto-Urbina (PQ) ** Instituto Tecnológico da Aeronáutica, ITA/CTA 12228-901 São José dos Campos (SP) * [email protected] ** [email protected] RESUMO A função de produção de uma firma descreve a relação entre o nível de insumos utilizados na produção e a quantidade de produtos obtidos. Estudos recentes enfatizam a necessidade de levar em conta a contribuição de um novo fator de produção: o capital humano. Isto se deve à crescente importância deste “novo componente” na produtividade e eficiência competitiva das empresas. Assim, o reconhecimento da crescente contribuição do capital humano para o desempenho e a produtividade das firmas tem propiciado melhorias na qualidade dos recursos humanos empregados. A teoria do capital humano trata o conhecimento e as capacidades técnicas dos indivíduos como uma forma de capital, uma vez que estes atributos são capazes de gerar benefícios futuros. Os investimentos em capital humano constituem uma importante fonte de riqueza à medida que aumentam o valor do produto do esforço humano, que fortalecem as vantagens competitivas da firma e proporcionam fluxos positivos de benefícios e lucros. Este trabalho aborda a importância do capital humano na produtividade e eficiência das empresas, a partir de uma ótica microeconômica. ABSTRACT The production function of any given firm specifies the relationship between the level of inputs utilized in the production process and the amount of products obtained. Recent studies emphasize that it is necessary to take into account the contribution of another factor of production: the human capital. This is due to the increasing importance of this new component. in the productivity and competitive efficiency of the companies. Thus, the recognition of the growing contribution of human capital to the firm's performance and productivity. The theory of the human capital considers that knowledge and individual technical skills are a form of capital, since these attributes are capable to generate future benefits. The investments in human capital constitute an important source of wealth because they increase the product value of the human effort, which strengthen the firm's competitive advantages, and provide positive flows of benefits and profits. This work is about the importance of the human capital in the productivity and efficiency of the companies, using a microeconomic focus. 1- INTRODUÇÃO O dinamismo e eficiência das empresas estão relacionados com a sua capacidade produtiva. O termo “produtividade” refere-se à quantidade de bens e serviços que um trabalhador consegue produzir a cada hora de trabalho. Nesse contexto, entende-se que a produtividade é determinante do desempenho de uma firma e um aumento dessa produtividade implica na melhoria deste padrão de desempenho. Para se compreender as diferenças observadas na eficiência das empresas, é necessário primeiramente que se dê uma pequena definição sobre a teoria da produção dos bens e serviços. A teoria da produção consiste de uma análise de como o empresário, supondo-se que os padrões tecnológicos estejam constantes, emprega os vários insumos para obter determinado volume de produção de forma economicamente eficiente. Produção pode ser definida, de modo geral, como a criação de qualquer bem ou serviço que a população irá adquirir [1]. O conceito de produção abrange o amplo domínio das múltiplas atividades humanas e da fabricação de bens materiais que são transacionados no mercado. Prestar algum tipo de serviço, escrever um livro, exibir um filme, são fatores que constituem exemplos de produção [1]. Na realidade, as empresas prestadoras de serviços têm dominado a era da economia moderna, baseada no conhecimento. No entanto, é complicado especificar os insumos utilizados na obtenção dos produtos como nestes exemplos demonstrados. Vários estudiosos acreditam que determinados tipos de habilidades técnicas e intelectuais, em forma de capital humano, são requeridos para realizar estas atividades. A teoria do capital humano trata o conhecimento e as capacidades úteis dos indivíduos como uma forma de capital, uma vez que estes atributos são capazes de gerar benefícios futuros. “A característica distintiva do capital humano é a de que ele é parte do homem. É humano porquanto se acha configurado no homem e é capital porque é uma fonte de satisfações futuras, ou de rendimentos futuros, ou ambas as coisas” [2]. Os investimentos em capital humano constituem uma importante fonte de riqueza à medida que aumentam o valor do produto do esforço humano, proporcionando positivas taxas de rendimento. Diante deste contexto, o foco deste trabalho consiste em abordar a importância do capital humano na produtividade e eficiência das empresas, a partir de uma ótica microeconômica. 2- A FUNÇÃO DE PRODUÇÃO Nicholson [3] define a Função de Produção como sendo uma relação que mostra o montante máximo de produção que pode ser produzido a partir de qualquer conjunto especificado de insumos dada a tecnologia existente ou o estado da arte. De fato, a função de produção é utilizada na economia para descrever a relação entre quantidade de insumos utilizados na produção e a quantidade de produtos obtidos. As economias são compostas por um grande número de empresas que utilizam capital (K) e trabalho (L) para gerar uma quantidade de produção (Q). Assim, esta função é definida como Q = Q (K, L) [4]. Para tentar retratar a realidade das empresas, a teoria econômica considera que, no curto prazo, existe unicamente um recurso de produção variável, o trabalho. Neste horizonte temporal, as empresas não variam a quantidade de capital, refletindo o fato de que nem sempre é fácil para as empresas mudar rapidamente a sua capacidade de produção. Assim, no curto se a firma desejar aumentar a seu nível de produção, o fará empregando mais mão de obra, conforme mostrado na Figura 1.a. Já no longo prazo, segundo o modelo convencional microeconômico, conforme mostrado na figura 1.b, a firma pode modificar a sua capacidade de produção através da introdução de novas tecnologias ou de investimentos em capital, conforme ilustrado na Figura 1.b. Deste modo a função de produção se desloca para cima e é possível produzir mais produto por trabalhador. Ou, em outras palavras, é possível produzir a mesma quantidade de bens ou serviços com menos trabalhadores. Q Q Q= Q(L, K0) Q= Q(L, K1> K0) Q= Q(L, K0) L L (a) (b) Figura 1. Função de produção e o tempo: (a) no curto prazo; (b) no longo prazo 2.1 - O Produto Marginal O produto marginal de um insumo é o aumento do produto total causado pelo acréscimo de uma unidade de insumo variável no processo de produção, mantendo-se constantes todos os demais insumos. dQ df ( L / K ) = dL dL Com o aumento da quantidade de insumo variável, mantendo-se constante a quantidade do outro insumo (fixo), obtêm-se um ponto para além do qual o produto marginal cai. Esta é a Lei dos Rendimentos Físicos Marginais Decrescentes e constitui uma afirmação baseada em observações do cenário econômico real. Vale ressaltar que jamais fora registrada uma observação empírica contrária. Quando um insumo fixo é relativamente abundante, o produto marginal é crescente. Neste caso, o nível de Q é pequeno e a firma trabalha com rendimentos marginais crescentes. Porém, essa mesma situação se constitui num estímulo natural para aumentar a produção. Assim, rapidamente se atinge um ponto, para além do qual um acréscimo na intensidade de uso do insumo fixo produz rendimentos adicionais progressivamente menores. A Figura 2 mostra a função de produtividade marginal do trabalho, definida para níveis de capital fixos e padrões tecnológicos estáveis. PMgL PMgL(K1 > K0) L Figura 2: Produtividade marginal do trabalho O insumo fixo é um parâmetro que provoca variações no conjunto de curvas de produção e, consequentemente, de produtividade marginal. 3 - A TEORIA DO CUSTO A teoria dos custos visa introduzir a dimensão econômica nas decisões de produção. Assim, a partir do conhecimento da função de produção, dos efeitos de rendimentos decrescentes, etc, é possível realizar a análise dos custos de produção da firma. De acordo com a análise microeconômica, são as condições físicas de produção, os preços dos recursos e a conduta do empresário que irão determinar o custo de produção de uma firma. No caso mais usual, em que a firma trabalha com volumes de produção substanciais a produtividade marginal do trabalho (PMGL) declina, portanto os custos crescem a taxas crescentes, conforme ilustrado na Figura 3. Custos PMgL Custos PMgL Q Figura 3: Produtividade e custo em função da quantidade produzida Assim, no curto prazo a firma se depara com o problema de que somente poderá expandir a produção a custos crescentes. Portanto, terá um estímulo de modificar o fator de produção fixo com vistas a deslocar para cima as funções de produção e produtividade e, consequentemente, deslocar para baixo a função de custos. 4- O CAPITAL HUMANO NA FUNÇÃO DE PRODUÇÃO Atualmente, diversos estudos têm apontado a necessidade da inserção de um novo fator como insumo da função de produção. Esta necessidade se deve a crescente importância deste “novo componente” na produtividade e eficiência competitiva das empresas. Este fator caracteriza-se pela acumulação do capital humano. A nova teoria internaliza o "capital humano" no próprio processo produtivo, separando o capital e a mão-de-obra em duas categorias, uma que participa da produção propriamente dita, e outra que se destina à produção do novo conhecimento e da nova tecnologia. Quanto maior a proporção dos fatores destinada à segunda categoria, tanto maior a produtividade da mão-de-obra, que constitui um importante critério de eficiência dentro de uma firma. Neste contexto vale considerar, diante do atual cenário econômico, um modelo de função de produção mais rico e adaptável às condições recentes, como: Q = A F (L, K, C) onde “Q” denota a quantidade de produtos, “L” a quantidade de trabalho, “K” a quantidade de capital físico e “C” a quantidade de capital humano. “F( )” é uma função que mostra como os insumos são combinados para gerar o produto. “A” é uma variável que representa a tecnologia produtiva disponível. A medida que a tecnologia se aperfeiçoa, “A” aumenta de forma que a economia produz mais a partir de qualquer combinação dada de insumos. Quando o insumo capital humano entra numa função de produção, seu produto marginal fica igual a: dQ df ( L / K , C ) = dL dL As funções de produção costumam ter retorno constante de escala, que ocorre quando a duplicação dos insumos provoca uma duplicação na produção. Entretanto, o que se tem notado recentemente é que a atividade econômica tem apresentado rendimentos crescentes em relação à escala de produção, porque o retorno dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento e o retorno dos investimentos em educação e treinamento da mão-de-obra não são plenamente capturados pelos agentes que os produziram. Eles se difundem para toda a economia, aumentando assim a taxa de retorno global. O Capital humano tem representado elemento extremamente importante como propulsor de produtividade e eficiência nas empresas. Azevedo [5] define investimento em capital humano como “gastos que provocam um aumento da capacidade produtiva das pessoas.” Para ele, a acumulação desses gastos realizados constituem um estoque de capital humano. “ As empresas necessitam perceber que os seres humanos em seu trabalho não são apenas pessoas movimentando ativos – eles próprios são os ativos que podem ser valorizados, medidos e desenvolvidos como qualquer outro ativo da cooperação. São ativos dinâmicos que podem ter seu valor aumentado com o tempo, e não ativos inertes que perdem o valor. Com certeza são os mais importantes de todos os ativos. Os sistemas criados para recrutá-los, recompensá-los e desenvolvê-los, formam uma parte principal do valor de qualquer empresa – tanto quanto ou mais que os outros ativos, como dinheiro, terras, fábricas, equipamentos e propriedade intelectual”[6]. Na realidade, o sucesso de uma organização está intimamente ligado a seu pessoal, responsável pelo aumento da produtividade e qualidade de seus produtos e/ou serviços bem como pela sua eficiência competitiva no mercado. A função do capital humano consiste basicamente em “aumentar a produtividade econômica dos indivíduos”[6]. Assim como o capital físico, o capital humano também aumenta a capacidade de uma empresa para a produção de bens e serviços. Na verdade, a eficiência de uma organização depende tanto do capital material, acumulado sob a forma de investimentos em máquinas, equipamentos, etc., como do capital humano, adquirido através de investimentos em educação e capacitação dos indivíduos, que possibilitam o aumento da produtividade dos mesmos como trabalhadores. 4.1 - Os Investimentos em Capital Humano e a Produtividade Conforme mencionado acima, no curto prazo os aumentos na quantidade (Q) se dão pela elevação do insumo variável trabalho. Esta forma de elevar a produção está sujeita à Lei dos Rendimentos decrescentes, que implica na redução da produtividade marginal do trabalho (PMGL) conforme se expandem as necessidades de trabalho. Portanto, a superação da Lei dos Rendimentos decrescentes requer que as firmas realizem investimentos que desloquem para cima a função da PMGL, conforme mostrado na Figura 4. PMgL L Figura 4: Produtividade marginal do trabalho Especificamente a firma pode modificar os níveis de capital fixo, os padrões tecnológicos e o nível de capital humano. Porém, usualmente é uma decisão muito mais complexa a de modificar os padrões tecnológicos ou a de modificar a escala de produção, pois envolvem mais dinheiro e, consequentemente, mais risco. Portanto, atualmente, tem se dado muito valor aos investimentos em capital humano porque eles elevam a função de produtividade sem requer grandes dispêndios, como seria no caso de investir em capital físico ou em aumento de tecnologia. Assim, em países como o Brasil, onde o capital é realmente um fator escasso e caro, as firmas devem investir na elevação da qualidade do trabalho, através de investimentos em treinamento e qualificação formal e informal dos recursos humanos. 5- CONCLUSÃO A conclusão fundamental dessa nova teoria de produção é que ela depende do capital humano, quer dizer, da força de trabalho, da sua educação e do conhecimento que ela acumulou (inclusive o "aprender fazendo"), da pesquisa científica e da criação de novas tecnologias. O capital humano é um elemento extremamente relevante para que uma empresa se torne competitiva na economia global e segundo alguns estudiosos, constitui a peça fundamental da organização do futuro. O processo de competitividade hoje depende cada vez mais dos conhecimentos e capacitações dos indivíduos ao invés do barateamento da força de trabalho e dos recursos materiais. “Máquinas irão cada vez mais realizar as tarefas rotineiras; os homens, as tarefas intelectuais e criativas”[7]. Os objetivos de uma organização só serão alcançados com sucesso se estiverem voltados para as políticas de valorização do capital humano, através de treinamento e integração social dos indivíduos, motivação, participação e remuneração digna. Existe um certo consenso no sentido de que a organização que não propiciar a seus membros condições para satisfação das suas necessidades enfrentará sérios problemas de desempenho e eficiência. Na realidade, o sucesso de uma organização está intimamente ligado a seu pessoal, responsável pelo aumento da qualidade de seus produtos e/ou serviços bem como pela sua eficiência competitiva no mercado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] FERGUSON, C. E.; “Microeconomia”; Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 15ª edição, 1991, 610 p. [2] SHULTZ, T. W.; “O Capital Humano: Investimentos em Educação e Pesquisa”; Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973, p.15. [3] NICHOLSON, W.; “Microeconomic Theory: Basic Principles and Extensions”; New York,: Amherst College, 3ª edição, 1985, 768 p. [4] WONNACOTT, P. & Wonnacott R.; “Economia”; São Paulo: Makron Books, 2ª edição, 1994; 833 p. [5] AZEVEDO, P. F.; “Esforço Tecnológico Através de Investimentos em Capital Humano nas Empresas do Setor de Bens de Capital Brasileiro”; São Paulo: USP/ FEA, 1992, p.16. [6]PONCHIROLLI, O.; “O Capital Humano como Elemento Estratégico na Economia da Sociedade do Conhecimento sob a Perspectiva da Teoria do Agir Comunicativo”; Florianópolis: UFSC, 2000, p.33. [7] Toffler, 1994 apud Ponchirolli, O.; O Capital Humano como Elemento Estratégico na Economia da Sociedade do Conhecimento sob a Perspectiva da Teoria do Agir Comunicativo. Florianópolis: UFSC, 2000, p.33.