Conversor de Potência com Tremor Nulo e Alto Rendimento A. Galhardo, Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, CAUTL J. Fernando Silva, CAUTL, Instituto Superior Técnico João Palma, Laboratório Nacional de Engenharia Civil Apresenta-se uma nova associação de conversores comutados de potência e alto rendimento, que, com controladores adequados, é capaz de fornecer uma corrente com tremor quase nulo. As características da associação de conversores são discutidas, assim como as dos seus circuitos de controlo. São apresentados resultados experimentais que confirmam os cálculos, modelos teóricos, e testemunham as características desejadas, evidenciando as vantagens da nova topologia. Introdução O estado actual da tecnologia e da engenharia na área da electrónica de potência permite a exigência de melhores características dos circuitos conversores de potência utilizados em diversas aplicações, desde simples amplificadores ou fontes de corrente ou tensão, a conversores utilizados no controlo da qualidade de energia eléctrica, ou alimentadores para analisadores de ressonância magnética nuclear (RMN). Neste tipo de aplicações, uma característica exigida aos circuitos conversores é a de fornecerem uma saída, em tensão ou corrente, com tremor nulo ou muito reduzido, característica esta só alcançada pelos conversores de potência lineares, já que a utilização de conversores comutados forçaria o seu funcionamento a uma frequência de valor praticamente inatingível. Outra característica também exigida é um rendimento elevado na conversão de energia, em alguns casos devido aos valores de potência em jogo e portanto ao custo de exploração, ou devido, em outros casos, às limitadas potências disponibilizadas pelas fontes e à necessidade de compactação e miniaturização de circuitos e dissipadores. O rendimento elevado é uma característica dos conversores comutados e que dita a sua presença na maioria dos equipamentos electrónicos de potência. Mas a existência de tremor na sua saída, de tensão ou corrente, inviabiliza, por vezes, a sua utilização. Esta comunicação apresenta uma nova topologia de conversores de potência com tremor nulo para aplicações RMN. Usa-se uma associação em paralelo de um conversor comutado com um conversor linear. O primeiro é responsável pelo fornecimento de um valor elevado de corrente com alto rendimento, e o segundo compensa apenas o tremor sendo o responsável pela sua anulação. Princípio de funcionamento Um conversor de potência isento de tremor pode ser projectado com base na associação de um conversor controlado por largura de impulso e de um conversor linear classe AB (Fig. 1). Uma bobine L é usada para acoplar as saídas dos dois conversores. Controlador de Corrente Nula L Conversor Linear Conversor Comutado i0 iC u0 Carga iL uref Controlador PI - + Fig. 1: Esquema de princípio do conversor de potência de tremor nulo. Enquanto o conversor linear garante o valor da tensão ou corrente pretendido na carga, através do controlador proporcional integral e de realimentação, o conversor comutado garante na carga a corrente necessária de modo a que a corrente fornecida pelo conversor linear seja quase nula, através do controlador em modo deslizamento e da realimentação da corrente i0. Verifica-se que iC = i L + i0 . A corrente fornecida pelo amplificador linear será assim simétrica à componente de tremor da corrente fornecida pelo conversor comutado, anulando o tremor desta última, e a potência de perdas do amplificador linear será muito reduzida. O esquema equivalente utilizado como modelo para o estudo e projecto dos conversores e seus controlos está apresentado na Fig. 2, e inclui resistências parasitas, controlador por modo deslizamento, com comparador histerético, para o conversor comutado e controlador proporcional integral para o conversor linear. +Vdd IL L1 Io R1 +U Ic ref Ro PI -U referência = 0 Lc V1 Ic Vo Rc -Vss Fig. 2: Esquema equivalente utilizado para o conversor e carga. Controlo por modo deslizamento do conversor comutado para anulação da corrente do conversor linear Pretende-se assegurar que o valor da corrente do amplificador linear i0(t) esteja contido na janela histerética centrada em zero e de amplitude pico a pico dupla do erro permitido. As equações que definem o comportamento do sistema, com ∆ 1 = L1 Lc ,são: Lc R1 d i1 1 i = − − L R + L R dt 0 ∆1 c 1 1 c − Lc R0 i1 1 Lc . + L1R0 + Lc R0 + L1Rc i0 ∆1 − Lc − Lc v1 . Lc + L1 v0 Definindo agora a dependência da derivada da corrente i0(t) em função da tensão de controlo v1(t), obtém-se: di0 (t ) R + Rc R0 R R 1 1 1 + )i0 (t ) − v1 (t ) + ( + )v 0 (t ) . = ( − 1 + c )i1 (t ) + ( 0 dt L1 Lc Lc L1 L1 Lc L1 Uma solução para a função que garante a existência de deslizamento e erro tendendo para zero, é uma superfície S(ei,t)=0 que obedeça a S(ei ,t) = i0 ref (t) − i0 (t) =0. Sendo i0ref(t) nula, isto é, pretendendo-se que o valor da corrente fornecida pelo conversor linear seja nula, vem que S (ei , t ) = − i0 (t ) =0. As trajectórias • deverão possuir sinal contrário à das suas taxas de variação com o tempo, pelo que S (i0 , t ). S (i0 , t ) < 0 . A variável de controlo δ(t) controla o valor de v1(t) e é definida por v1 (t ) = Vdd .δ (t ) . • Portanto vem que S (i0 , t ) = − di0 (t ) 1 = δ (t ).Vdd + p(t ) pelo que a estratégia de controlo é: dt L1 i (t ) < 0 ⇒ S (e , t ) > 0 ⇒ S• (e , t ) < 0 ⇒ δ (t ) = −1 0 i i • i0 (t ) > 0 ⇒ S (ei , t ) < 0 ⇒ S (ei , t ) > 0 ⇒ δ (t ) = 1 Admitindo uma margem de erro entre -ε e +ε vem: S (ei , t ) > +ε ⇒ δ (t ) = −1 S (ei , t ) < −ε ⇒ δ (t ) = 1 O sinal de controlo δ(t) pode ser definido por δ (t ) = SIGN{S (i 0 , t ) + ε SIGN [S (i 0 , t −1 ) ] } . Esta estratégia pode ser implementada por um comparador histerético simples. O MOSFET ligado à tensão positiva é colocado à condução por δ(t)=1, e o MOSFET ligado à tensão negativa é comandado de modo complementar. Controlo proporcional integral do conversor linear para garantir a corrente desejada na carga O diagrama de blocos do circuito conversor de corrente com tremor nulo é apresentado na Fig. 3. Supõe-se que a corrente de referência IC ref é convertida através do factor K numa tensão de referência Vref a comparar com a corrente medida Ic (s), também esta convertida pelo factor K numa tensão de realimentação Vr. IC ref (s) Vref K + - 1 + sTz sT p A 1 + s / wc FPI (s) Aol (s) 1 Rc + sLc Ic (s) Fc (s) Vr K Fig. 3: Diagrama de blocos do circuito conversor de potência. O primeiro bloco, FPI(s), representa a função de transferência do compensador PI, caracterizada por Tz e por Tp, grandezas que necessitam de ser calculadas para posterior dimensionamento dos componentes eléctricos. O segundo bloco, Aol(s), representa a função de transferência em malha aberta do amplificador operacional de potência. O terceiro bloco, Fc(s), representa a admitância da carga. É um sistema com um zero e três pólos. Admitindo a anulação do pólo caracterizado pela carga LcRc com o zero do compensador PI, ou seja 1 + sT z = 1 + sLc / Rc , calcula-se Tz como sendo Tz = Lc / Rc . Obtém-se uma função de segunda ordem: KAwc / T p Rc I c ( s) = 2 I cref ( s) s + swc + KAwc / T p Rc Equação que pode ser comparada à forma canónica de um sistema do segundo grau, e considerando o sistema sub-amortecido com factor de amortecimento ξ = 1 2 vem que T p = 2 KA . Rc wc Análise das potências e rendimento A potência de perdas da associação dos conversores é a soma das potência dissipadas pelo conversor linear, Plinear , a dissipada por cada MOSFET, PMOSFET, e a potência perdida na bobine separadora do conversor comutado, PL1. Na Fig. 4a está apresentada a evolução destas três parcelas. Na Fig. 4b estão apresentadas a potência de perdas total Passociação no caso da associação dos dois conversores e a potência de perdas Plinear na situação de utilização de um só conversor linear quando é da sua inteira responsabilidade o fornecimento de toda a corrente à carga. É visível que a associação de conversores minimiza a potência dissipada, e portanto optimiza o rendimento, numa vasta gama de valores da corrente de saída, comparativamente com a utilização de apenas um conversor linear. a) Potência parcelares de perdas b) Potências de perdas dos dois conversores Fig. 4: Comparação entre a evolução das potências de perdas. Resultados experimentais Alguns resultados experimentais são apresentados para um valor de carga de 1,5 Ù e 4 mH, um valor de bobine separadora de 1,4 mH, e tensão de alimentação do conversor comutado VDD=VSS=50V e do conversor linear de U=30V. Foi utilizado um amplificador linear LM1875 e foi ajustada a janela histerética a 0,2 A. As formas de onda das tensões e correntes de saída dos conversores comutado e linear estão apresentadas na Fig. 5, para uma referência nula, observando-se uma frequência de comutação de cerca de 110kHz. a) Tensão de saída dos conversores b) Corrente de saída dos conversores, 0,1 A/div Fig. 5: Tensões e correntes de saída dos conversores linear e comutado. A Fig. 6 apresenta as formas de onda da corrente na carga e nos dois conversores, para uma situação de referência sinusoidal e rectangular. a) Referência sinusoidal b) Referência rectangular Fig. 6: Correntes de saída e do conversor comutado, 0,5A/div, e do conversor linear, 0,4A/div. É demonstrada na figura seguinte a influência do coeficiente de auto indução da bobine separadora. Na Fig. 7a estão apresentadas as formas de onda das correntes fornecidas pelo conversor linear I0, e pelo conversor comutado IL, durante uma comutação positiva do sinal de referência utilizando uma bobine separadora de coeficiente de auto indução de 1 mH, em lugar de 1,4 mH. É visível o aumento do valor da frequência de comutação, para cerca de 130 kHz. A Fig. 7b foi obtida com aumento do valor do coeficiente de auto indução da bobine separadora para 2 mH, sendo o valor da frequência da comutação de cerca de 90 kHz. a) Evolução com LL=1mH b) Evolução com LL=2mH Fig. 7: Corrente do conversor linear, 0,1A/div, e do conversor comutado, 1A/div. A influência do valor do coeficiente de auto indução da carga é visível na Fig. 8. Na Fig. 8a estão apresentadas as formas de onda das correntes fornecidas pelos conversores linear e comutado, utilizando um valor reduzido do coeficiente de auto indução da carga, de 2 mH. Observa-se o tempo de subida da corrente é de 150µs. Existe uma deformação da forma de onda da corrente do conversor linear durante a subida da corrente do conversor comutado. Esta deformação é devido ao controlo do conversor linear tentar compensar a incapacidade do conversor comutado corresponder ao di/dt exigido pela carga nesta situação. A Fig. 8b foi obtida aumentando o valor do coeficiente de auto indução da carga para 6 mH, aumentando desse modo o tempo de subida para cerca de 450µs, mas mantendo-se a frequência de comutação. a) Evolução com Lc=2mH b) Evolução com Lc=6mH Fig. 8: Corrente do conversor linear, 0,1A/div, e do conversor comutado, 1A/div. Na figura seguinte apresentam-se alguns resultados obtidos com sinais fortes. Na Fig.9a estão apresentadas as formas de onda de referência e de corrente de saída para um sinal de referência sinusoidal com 10 A de amplitude e 100 Hz de frequência. Na Fig. 9b estão exibidas as formas de onda dessas grandezas para uma variação de patamar de 5 A para 10A. É evidente a boa resposta da associação de conversores. a) Referência sinusoidal 10 A amplitude b) Variação de patamar de 5 A para 10 A Fig. 9: Referência e corrente de saída para sinais fortes, 5 A/div. O tremor existente na corrente de carga é bastante reduzido. A Fig. 10a apresenta as formas de onda da corrente no conversor comutado e do tremor da corrente na carga, sendo visível a atenuação do tremor por acção do conversor linear a funcionar como filtro activo. Na Fig. 10b apresenta-se uma ampliação das formas de onda das mesmas correntes. O tremor da corrente na carga é reduzido, pela acção do conversor linear, e o seu valor é cerca de 50 vezes inferior ao tremor da corrente fornecida pelo conversor comutado. a) Corrente IC, 50 mA/div, e IL, 1 A/div b) Corrente IC, 10 mA/div, e IL, 0,1 A/div Fig. 10: Tremor da corrente de saída e corrente do conversor comutado, para Ic=1A. Conclusões Obtiveram-se resultados globais que atingiram os objectivos definidos inicialmente: tremor nulo (valor residual inferior a 0,2%) e alto rendimento (superior a 80%), a baixo custo. Este rendimento é superior ao que se obteria utilizando apenas um conversor linear (≈70%). O tremor residual encontrado é 50 vezes inferior àquele que se obteria com a utilização apenas de um conversor comutado à mesma frequência. Esta nova topologia de associação de conversores pode ser aplicada em muitas situações onde se exijam correntes e rendimentos elevados, com tremor nulo e alto rendimento: fontes de corrente para aplicações RNM, solenóides de sistemas de deflexão de partículas, amplificadores de áudio, entre muitas outras. Referências [1] Raab F. H., “Average Efficiency of Class G Power Amplifiers”, IEEE Transactions on Consumer Electronics, Vol. CE-32, No. 2; May 1986, pp 145-150; [2] Kashiwagi S.; “A High Efficiency Audio Power Amplifier Using a Self Oscillating Switching Regulator”, IEEE Transactions on Industry Applications, Vol. IA-21, No. 4, July 1985, pp 906-911; [3] Funada S., Akya H., “A Study of High-Efficiency Audio Power Amplifiers using a Voltage Switching Method”, Journal Audio Engineering Society, Vol. 32, No. 10, October 1984, pp 755-761; [4] Zee R.A.R. van der, A.J.M. van Tuijl;”A High Efficiency Low Distortion Audio Power Amplifier”, 103 rd Convention of the Audio Engineering Society, reprint #4601, September 1997; [5] Silva J. F., ”PWM Audio Power Amplifier: Sigma Delta vs Sliding Mode Control”; Proc. ICECS'98; Vol. 1, Setembro 1998, pp 359-362.