CAPÍTULO 6 APLICAÇÕES TECNOLÓGICAS DO EFEITO PELTIER 6.1 INTRODUÇÃO Os avanços nas ciências dos materiais, trazidos pela revolução dos semicondutores, permitiu que efeitos térmico conhecidos desde Século XIX se tornassem viáveis tecnologicamente. Uma dessas revoluções foi a transformação do Efeito Peltier em dispositivos para uso cotidiano. A refrigeração, baseada apenas em expansão/compressão de fluidos refrigerantes tomou um novo rumo. Com técnicas modernas a indústria hoje produz módulos termoelétricos capazes de bombear calor de modo eficiente para produzir um resfriamento ou aquecimento com um dispositivo 100 % estado sólido. Há ainda nestes dispositivos a possibilidade operação reversa, isto é, funcionarem com geradores de eletricidade a partir da energia térmica. O fato de não utilizarem partes mecânicas móveis têm atraido o interesse da microeletrônica no resfriamento localizado em dispositivos, uma vez que a tecnologia pode ser diretamente incorporada (integrada) aos circuitos microeletrônicos [104] Os cientistas Thomas Seebeck e Jean Peltier, ainda no Século XIX, descobriram os efeitos que levam seus nomes e são a base da termoeletricidade. O efeito Seebeck mostra que a junção 97 de dois metais diferentes submetidos a um gradiente de temperatura faz aperecer uma corrente através dos condutores e o inverso também ocorre, fazendo-se passar uma corrente através de uma junção de dois metais distintos aparece um fluxo de calor de um metal para o outro. A pesquisa na produção de materiais para aplicação termoelétrica avança rapidamente, principalmente na busca de materiais com maiores eficiências térmicas (figuras de mérito). Nesta seara tem dominado nas aplicações como geradores termoelétricos ou refrigeradores as ligas de Telúrio (Bi2 Te3 e Sb2 Te3 ). Nesta tese será detalhada as características elétricas e térmicas assim como o dimensionamento dos módulos Peltier para a aplicação em refrigeração de pequenos volumes, neste caso uma Adega. Neste ponto vale ressaltar que no atual estado da arte a viabilidade econômica para utilização dos módulos peltier ainda estão limitados a pequenos volumes e/ou refrigeração localizada. 6.2 Efeitos termoelétricos Os efeitos termoelétricos são aqueles em que energia térmica e elétrica possam ser convertidas de uma forma para outra. Entre estes, de grande utilizade prática temos os efeitos Seebeck e o efeito Peltier. Thomas Seebeck decobriu este efeito que leva seu nome em 1821, nele uma tensão é criada quando dois metais são unidos formando uma junção e esta é aquecida, fig 6.1. Este é o fenômeno de muito usado pelo engenheiros para medição precisa de temperatura com o que chamamos de termopares. 98 Figura 6.1: Efeito Seebeck A diferença de potencial V gerada pelo efeito Seebeck é dada por, V = αab ∆T, (6.1) Sendo αab positivo se a corrente fluir da junção quente para a fria e negativo caso contrário. Para geração termoelétrica o efeito Seebeck é otimizado com o uso de materiais semicondutores. O efeito Peltier, descoberto em 1834, ao contrário do que ocorre no efeito Seebeck, faz-se passar uma corrente pela junção esta ficará aquecida (TQ ) ou refrigerada(TF ), fig. 6.2, dependendo do sentido da corrente. Para este efeito definimos o coeficiente peltier πab , Figura 6.2: Efeito Peltier q = πab I, (6.2) Na na eq. 6.4, q é a quantidade de calor bombeada através da junção quando é percorrida pela corrente i, neste situação πab é positivo se a junção 1 aquece e a junção 2 resfria quando a corrente passa de 1 para 2. 99 Este efeito em junções metálicas em geral é mascarado pelo efeito do aquecimento Joule. Como dissemos anteriormente o uso de materiais semicondutores nos permite ter este efeito pronuciado de modo a permitir seu uso em dispositvos para refrigeração, fig. 6.3. Figura 6.3: Efeito Peltier: a corrente passando pelas junções carrega o calor da parte fria para a parte quente. Lord Kelvin em 1855 estabeleceu as relações termodinâmicas entre os dois efeitos e previu um terceiro efeito o efeito Thompson. Desta teoria pôde-se mostrar que os coeficiente Seebeck e Peltier estão relacionados pela equação 6.3. πab = αab T, (6.3) Usando os resultados do Lord Kelvin, Altenkirch in 1911 determinou em que condições podemos ter uma conversão termoelétrica eficiente e introduziu o conceito de figura de mérito. Para sua determinação cosideremos apenas o caso da refrigeração usando o efeito Peltier, fig. 6.3, nela a corrente a corrente circula de modo que a junção 2 aquece e a junção 1 resfria a uma taxa q dado por, q = αab T I − [ i2 R + K(TQ − TF )], 2 (6.4) Na eq. 6.4 o primeiro termo do lado direito representa o bombeamento Peltier e o segundo entre colchetes representa as perdas por efeito Joule e por condução térmica respectivamente. 100 A tensão da fonte está dividida entre a tensão Seebeck e a ôhmica (IR), desta forma a potência fornecida pela fonte é, (6.5) w = αab (TQ − TF )I + i2 R, Assim, com as eqs. 6.4 e 6.5, podemos tirar o coeficiente de desempenho φ, φ= q , w (6.6) Nesta relação existe um valor de corrente i em que este desempenho é máximo, Nolas et al [106], e dado por φ= TQ ] TF ZT )1/2 + TC [(1 + ZT )1/2 − (TQ − TF )[(1 + 1] , (6.7) sendo, T = TQ −TF 2 , Z = figura de mérito O parâmetro Z é função das propriedades do material (condutividade elétrica (σ), condutividade térmica (λ) e coef. Seebeck (α) ) e do arranjo geométrico na formação da junção. Para efeitos práticos, costuma-se definir a figura de mérito para um material z, eq. 6.8, e fazemos Z para a junção como a média dos valores z dos dois materiais, mas nem sempre é o caso [106]. z= α2 σ , λ (6.8) É importante ressaltar que para qualquer refrigerador termoelétrico existe um máximo para a diferença de temperaturas entre a junção quente e a junção fria. Este caondição é alcançada quando a condução de calor e o efeito Joule igualam o resfriamento Peltier. Este ∆T é obtido da equação 6.7 fazendo φ = 0 e é uma função de ZT . ∆T = TQ [(1 + ZT )1/2 − 1] (1 + ZT )1/2 (6.9) Nas eqs. 6.7 e 6.9 vê-se que a figura de mérito tem um papel fundamental no desempenho dos dispositivos de refrigeração usando o efeito Peltier. As figuras de mérito têm dimensão de 101 inverso de temperatura entretatnto é mais comum encontrarmos a figura de mérito adimensional ZT ou zT como aparecem nas equações. • Os metais apresentam figuras de mérito zT menores que a unidade e isto se deve ao fato deles possuirem coeficientes Seebeck da ordem de dezenas de µV /K e a razão σ/λ em boa concordância com a Lei de Wiedemann - Franz. • Os semicondutores apresentam altos coeficientes Seebeck da ordem de mV /K e pequenos valores para a razão σ/λ mas ainda ainda suficiente para serem utilizados como termoelementos em módulos termoelétricos. Outra facilidade permitida pelos semicondutores é a produção de termoelementos com diferentes portadores de carga: elétrons (α < 0 - tipo N) e lacunas (α > 0 - tipo P),fig. 6.3. O Bismuto foi o primeiro material termoelétrico estudado, tendo coeficiente Seebeck negativo quando puro, no entanto é mais comum utilizá-lo combinado cm outros elementos como Antimônio, Telúrio, Chumbo etc. O telureto de bismuto tem a mesma simetria cristalina do bismuto e é o material semicondutor mais utilizado atualmente tendo energia de gap muito pequena (0, 15 eV ) e coefciente Seebeck no valor de ±260 µV /K a temperatura ambiente. A sua condutividade térmica é da ordem de 2 W.m−1 .K −1 6.3 Os módulos Peltier O módulo é a maneira mais prática de se utilizar o efeito peltier como refrigerador em larga escala, e consiste num arrajo de pequenos blocos de telureto de bismuto - Bi2 Te3 dopados tipo N e tipo P montados alternadamente e eletricamente em série entre duas placas cerâmicas de boa condutividade térmica. Este arranjo faz com que todos os termoelementos bombeiem o calor na mesma direção - termicamente em paralelo, fig. 6.4. 102 Figura 6.4: Módulo Peltier Os módulos estão disponíveis no mercado em tamanhos que variam de 0, 6 × 0, 6 cm a aproximadamente 5 × 5 cm fig. 6.5, e estes podem ser utilizados de diferentes maneiras: individualmente ou agupados eletricamente em série, paralelo ou série-paralelo. Em algmas aplicações usa-se o módulo de multiestágios, isto é, vários módulos termicamente em série para obtenção de um maior ∆T . Figura 6.5: Módulos Peltier comerciais;(a)1 estágio;(b)múltiplos estágios O uso da tecnologia peltier disponível nos módulos tem um grande número de vantagens como as descritas abaixo: • Não utiliza partes mecânicas móveis para refrigeração, ideal para uso com câmeras CCD. 103 • Aquece ou resfria dependendo apenas da polaridade da alimentação, ideal para aplicações que exigem o controle eletrônico preciso da temperatura como lasers de diodo utilizados em telecomunicações. • Dispensa o uso de gases refrigerantes, tecnologia 100 % estado sólido no que implica alta confiabilidade e baixos níveis de ruido. • Permite a refrigeração pontual (localizada). • Funcionam em qualquer orientação com/sem gravidade diferentemente dos refrigeradores baseados em compressores. 6.3.1 Características elétricas e térmicas As grandezas que controlam o desempenho dos módulos usados para refrigeração têm uma relação bastante complexa entre si de modo que para um projeto o fabricante disponibiliza um conjunto de curvas que irão permitir ao projetista estabelecer os limites de operação do seu sistema de refrigeração. Algumas combinações de grandezas levam o sistema de um comportamento ótimo para um desempenho inaceitável. Na fig. 6.3.1 está mostrado estas curvas para algumas grandezas e a folha de dados do Módulo TE-127-1.0-0.8 (TE Technology, Inc) que é utilzado neste tese no projeto da ADEGA. Especificações TQ = 27o C TQ = 50o C VM AX (V) 15, 7 17, 4 IM AX (A) 5, 8 5, 8 QM AX (W) 56, 0 61, 4 69 78 DTM AX (o C) T Oper./armazen. (o C) Tabela 6.1: Especificações 104 −40o a 80o Figura 6.6: Relação entre as grandezas Potência x ∆T x Corrente para o módulo peltier TE 127-1.0-0.8 (TETech Inc.) 6.3.2 Dimensionamento do sistema de refrigeração Peltier Desenvolveremos um modo sistemático para o dimensionamento de sistemas de refrigeração baseado na tecnologia Peltier a partir de uma carga térmica e diferença de temperatura quente/frio (DT), não podendo esquecer que serão determinados pontos ótimos de operação e uma estimativa de desempenho para o sistema uma vez que o sistema tem um comportamento não-linear. Os passos seguem as recomendações definidas pela ref. [107]. PASSO 1: Determine as temperaturas de trabalho Aqui será definido as temperaturas de trabalho para que se possa, • fazer a escolha do módulo peltier 105 • escolher o dissipador de calor para o módulo • calcular as cargas térmicas no PASSO 2. Para a patende deste trabalho estão assim estabelecidas: Temperatura o C Observação Tamb 35 Temperatura ambiente em que o dispositivo vai trabalhar TQ 40 Temperatura de trabalho da face quente - dissipador TF 5 Temperatura de trabalho da face fria ∆T 35 Os limites do módulo estão ligados as esta variável Tabela 6.2: Temperaturas de trabalho do módulo Peltier PASSO 2: Determinando a carga térmica A carga térmica que o sistema de refrigeração vai estar submetido pode ser de 02 tipos: ativa - energia térmica dissipada pelo dispositivo que está sendo refrigerado passiva - carga térmica proveniente de radiação, convecção ou condução ainda combinação dos dois Para saber como calcular cada uma das contribuições veja o Apêndice B. Para a ADEGA a carga térmica total é: Carga Valor (W) ativa 2 radiação Observação Cooler interno face fria do peltier gabinete exposto a luz indireta 0, 2 convecção - condução 21, 6 desprezível na adega troca através da porta acrílica - efeito combinado Carga Térmica Total (Q) 23, 8 Tabela 6.3: Carga térmica estimada 106 PASSO 3: Determinando número de estágios para o módulo A partir da definições de temperatura do PASSO 1, podemos determinar o número de estágios do módulo necessários para que o ∆T seja atingido. Na tabela 6.4 mostra as temperaturas atingidas para cada número de estágios no módulo, fig. 6.5. Num. de Estágios ∆Tmax o C 1 atm de N2 1 64 2 84 3 95 Tabela 6.4: Diferença máxima de temperatura para módulos simples e de 2 e 3 estágios Para este trabalho vê-se que um único estágio é suficiente. PASSO 4: Escolhendo o módulo A metodologia para escolha de um módulo peltier específico está descrito na ref. [107] e só se aplica para módulos de até 02 estágios. Está parte será omitida aqui porque já foi feita a escolha previamente com um simulador disponibilizado pelo fabricante. PASSO 5: Estimando o desempenho • Com os dados das tabelas 6.1 e 6.2 compute a relação ∆T /∆Tmax ∆T = 0, 52, ∆Tmax (6.10) No gráfico de desempenho dado pelo fabricante trace uma linha horizontal para o valor encontrado na fig. 6.7. 107 Figura 6.7: Módulo Peltier • A intersecção da linha do item a com a curva normalizada do peltier, fig. 6.7, determina a relação I/Imax A linha potilhada vertical da 6.7 nos dá, I Imax = 0, 76, (6.11) Desta forma podemos encontrar a corrente de operação do módulo pela equação, I = 0, 76 × 5, 8 = 4, 4 A, (6.12) • Os limites de tensão para as especificações de carga térmica, TQ , TF e Tamb é obtido a partir da curva I x V do dispositivo mostrado na fig. 6.8 para o valor de corrente encontrado no item anterior 108 Figura 6.8: Faixa de tensão de operação para que o módulo tenha desempenho dentro dos limites especificados de carga térmica e ∆T Assim na fig. 6.8 encontramos: oper Vmax = 13, 6 V, (6.13a) oper Vmin = 11, 8 V, (6.13b) • Conhecendo-se a corrente, eq. 6.12 e os limites de tensão de operação, eqs. 6.3.2, podemos calcular a potência dissipada pelo módulo multiplicando-se a corrente de operação pela tensão máxima de operação e determinar a potência que o dissipador ligado a face quente do peltier dever drenar. Assim na fig. 6.8 encontramos: Ppeltier = 13, 6 × 4, 4 = 59, 84 W, (6.14a) Qdissip = 23, 8 + 59, 84 = 83, 64 W, (6.14b) 109 PASSO 6: Escolhendo o dissipador de calor Para que o módulo tenha um desempenho dentro do que foi determinado no projeto, o dissipador de calor tem um papael fundamental, ele vai manter a face quente dentro dos limites de projeto TQ , e consequentemente manter o ∆T . Para uma bom desempenho do sistema a temperatura do dissipador deve estar nos limites de 10 a 20 o C acima de Tamb . A medida da qualidade de um dissipador é dado por sua resistência térmica - HSR, eq. 6.15 isto é, uma medida da capacidade do dissipador drenar o calor. Quando a conveccção natural do ar ambiente não é suficiente para manter os níveis exigidos de temperatura deve-se utilizar a convecção forçada com o uso de ventiladores apropriados. Vale ressaltar aqui que o módulo nunca deve ser ligado sem que tenha um sistema mínimo de dissipação. HSR = (TH − Tamb ) , Q (6.15) sendo, HSR = resistência térmica (o C/W ), TH = temperatura do dissipador, Tamb = temperatura ambiente ou do líquido refrigerante Q = potência dissipada pelo sistema A montagem do módulo ao dissipador garantirá o bom desempenho do mesmo. Para um bom desempenho térmico nas interfaces peltier/dissipador e peltier/carga deve-se fazer uso quando possível de pasta térmica apropriada. A montagem está mostrada na fig. 6.9. 110 Figura 6.9: Montagem do módulo peltier ao dissipador de calor da face quente Para o projeto da adega foram utilizados 02 ventiladores de microprocessadores (“coolers”) para através da convecção forçada garantir o desempenho do dissipador. O módulo de refrigeração da ADEGA está mostrado na fig. 6.10. Observe que o vazio criado pelo dissipador e a placa fria é preenchido com folha de cortiça um material com boa isolação térmica. Figura 6.10: Módulo de refrigeração da Adega: módulo peltier, dissipador,ventiladores e isolantes térmicos de sutentação mecânica 111 A adega montada com o uso deste módulo está mostrada na fig. 6.11. Figura 6.11: Adega climatizada com capacidade de 07 garrafas 6.4 PATENTE 112 Figura 6.12 113 Figura 6.13 114