FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
NÚCLEO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
TEREZA CRISTINA DA SILVA VILLELA
DA BORRACHA ÀS TURBINAS
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE PORTO VELHO - RO
PORTO VELHO - RO
2008
ii
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
NÚCLEO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
TEREZA CRISTINA DA SILVA VILLELA
DA BORRACHA ÀS TURBINAS
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE PORTO VELHO - RO
Dissertação submetida ao Programa de PósGraduação Mestrado em Geografia da Fundação
Universidade Federal de Rondônia – UNIR como
parte dos requisitos necessários para a obtenção
do Título de Mestre.
Área de Concentração: Amazônia e Política de
Gestão Territorial
Linha de Pesquisa: Gestão do Território
PORTO VELHO - RO
2008
iii
Ficha Catalográfica
Villela, Tereza Cristina da Silva.
V735b
Da borracha às turbinas: a produção do espaço de Porto Velho RO / Tereza Cristina da Silva Villela – Porto Velho, 2008.
106p.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de PósGraduação em Geografia. Fundação Universidade Federal de Rondônia
(UNIR), Porto Velho, Rondônia, 2008.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Santos
1. Cidade. 2. Amazônia. 3. Sociedade. 4. Planejamento. I. Título.
Bibliotecária responsável: Eliane Gemaque - CRB 11-549
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
iv
v
Aos meus amores:
Luciano, sempre ao meu
lado e nossa filha Sofia, que
enche nossos dias de
alegria.
vi
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr. Carlos Santos, pela orientação, pelo saber compartilhado,
por seus ensinamentos não só em Geografia, mas de vida, exemplo de
simplicidade e sabedoria.
Aos professores do Programa de Pós-graduação em Geografia/UNIR,
pelas aulas em que aprendi muito do que transcrevo neste trabalho.
À Prefeitura do Município de Porto Velho, Secretaria de Planejamento e
Coordenação – SEMPLA, pelo incentivo, pelo material disponibilizado, pela
convivência.
Aos colegas do mestrado, amizades que levarei pra sempre no coração,
amigos que me incentivaram, apoiaram e me fizeram acreditar mais em mim
mesma.
Aos meus pais que mesmo de longe me incentivaram, acreditando,
depositando seu amor, carinho e afeição, amo muito vocês.
vii
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi refletir sobre o crescimento urbano e a
conseqüente exclusão social no espaço da cidade, decorrente da falta de infraestrutura, que tem como implicação a fragmentação deste espaço, formando
novas territorialidades. Procurou-se exemplificar o urbano na Amazônia a partir
da cidade de Porto Velho (RO), buscando aclarar a relevância dos Planos
Diretores
como
instrumento
de
política
pública
fundamental
para
o
desenvolvimento do município, assim como, a importância da participação
popular para que a teoria de cidade ideal seja levada à prática, processo que
necessita dos diversos atores que compõem a sociedade, na busca por um
desenvolvimento real, que respeite a cultura e os anseios dos povos e suas
localidades,
incentivando
o
processo
participativo
objetivando
o
desenvolvimento sustentável.
Adotou-se o método descritivo-reflexivo, pautado num estudo bibliográfico. Os
resultados do estudo mostram a real necessidade da continuidade do processo
de planejamento para eficácia dos Planos Diretores.
Palavras-Chave: Cidade, Amazônia, Sociedade, Planejamento
viii
ABSTRACT
The goal of this work was to reflect about the urbane growth and the
consequences of social exclusion in the city space, as a result of lack of
infrastructure, what causes the fragmentation of this space and creates new
territories. This research fitched to exemplify the urbane area of Amazonia,
starting from Porto Velho city (RO), trying to make clear the importance of the
Major Planning as a public politic instrument, essential to the development of
the country, as well as, the importance of the popular participation to practice
the theory of ideal city, process that requires that everybody in the society be
engaged with the searching of a real development, that respects the culture and
the longings of the people and their localities, encouraging the participative
process, with the objective of sustainable development.
The method adopted was the descriptive-reflexive, based in a bibliography
study. The results of this study showed the real necessity of the continuous
planning process in order to get efficient Major Plannings.
Keywords: City, Amazônia, Society, Planning
ix
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ...............................................................................................14
INTRODUÇÃO .....................................................................................................17
CAPÍTULO I
1. CONCEITUALIZANDO ESPAÇO E URBANIZAÇÃO .....................................20
1.1. O Urbano como Espaço Vivido .....................................................................25
CAPÍTULO II
2. CIDADE – ESPAÇO GLOBALIZADO .............................................................29
CAPÍTULO III
3. PORTO VELHO: CIDADE DA AMAZÔNIA.....................................................40
3.1. Formação Urbana .........................................................................................50
CAPÍTULO IV
4. INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO URBANO .......................................72
CAPÍTULO V
5. PLANOS DIRETORES DE PORTO VELHO – 1990-2008 ..............................81
5.1. Um novo Plano Diretor – PD/2008 ................................................................89
5.2. O que mudou em 18 anos.............................................................................93
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................100
REFERÊNCIAS .................................................................................................103
x
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 01: Estado de Rondônia............................................................................40
Figura 02: EFMM – Trajeto ao lado do trecho encachoeirado do Rio Madeira ....42
Figura 03: América do Sul – Área Geo-econômica de influência da EFMM.........44
Figura 04: Localização de Porto Velho ................................................................45
Figura 05: Limites.................................................................................................46
Figura 06: A cidade ..............................................................................................47
Figura 07: Área do complexo ferroviário de Porto Velho - 1908...........................48
Figura 08: Avenida Presidente Dutra – 1950 .......................................................50
Figura 09: Imagem Aérea Praça Madeira-Mamoré ..............................................51
Figura 10: Armazenamento e Transporte da Borracha ........................................52
Figura 11: Evolução urbana .................................................................................58
Figura 12: Perímetro até 2008 .............................................................................59
Figura 13: Zoneamento PD/1990 .........................................................................88
Figura 14: Zoneamento PD/2008 .........................................................................97
xi
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 01: Porcentagem de População Total das Capitais .................................60
Gráfico 02: Classes de Rendimento nominal mensal...........................................67
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 01: Taxa de Crescimento Populacional....................................................55
Tabela 02: População residente segundo zona de localização............................57
Tabela 03: Perfil do quadro habitacional..............................................................67
Tabela 04: Déficit/Inadequação Habitacional .......................................................67
Tabela 05: Crescimento Populacional / Bairros ...................................................69
Tabela 05A: ZONA 1 ...........................................................................................69
Tabela 05B: ZONA 2............................................................................................69
Tabela 05C: ZONA 3............................................................................................70
Tabela 05D: ZONA 4............................................................................................70
Tabela 05E: ZONA EXTENSÃO URBANA...........................................................70
xii
SIGLAS E ABREVIATURAS
APA - Área de Proteção Ambiental
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
CAERD – Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia
CEPAM - Centro de Estudos e Planejamento em Administração Municipal
Domitotal – Domicílio Total
Domiurb – Domicílio Urbano
Domirural – Domicílio Rural
EFMM – Estrada de Ferro Madeira Mamoré
ENDUR - Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano –
FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
FNHIS - Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
FUNASA - Fundação Nacional de Saúde
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços
IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano
ISSQN - Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza
ITUC/AL - UFPE - Programa Latino Americano de Conservação Integrada Urbana
e Territorial da Universidade Federal de Pernambuco
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPPUR/UFRJ – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
MA - Macrozona Ambiental
MR - Macrozona Rural
xiii
MU - Macrozona Urbana
ONG – Organização Não Governamental
OMS - Organização Mundial de Saúde
PAC - Plano de Aceleração do Crescimento
PD – Plano Diretor
PNAFM – Programa de Modernização da Administração Tributária e de Gestão
dos setores Sociais Básicos, Fiscal dos Municípios Brasileiros
Pop – População
Poptotal – População Total
Poprural – População Rural
Popurb – População Urbana
Saneam – Saneamento
SEMPLA - Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação de Porto Velho
SEMTRAN – Secretaria Municipal de Trânsito de Porto Velho
SEMUR – Secretaria Municipal de Regularização Fundiária e Habitação de Porto
Velho
UEP – Unidade Especial de Planejamento
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a
cultura
USP - Universidade de São Paulo
ZA - Zona Atacadista
ZEIS - Zonas de Interesse Social
ZI - Zona Industrial
14
DA BORRACHA ÀS TURBINAS
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE PORTO VELHO – RO
APRESENTAÇÃO
Em agosto de 2001 chegamos a Rondônia, eu Arquiteta e Urbanista, meu
esposo Engenheiro Civil, profissionais em busca de novas oportunidades de
trabalho como tantos migrantes que vêm das diversas regiões do país. A primeira
vez em Porto Velho, o estranhamento foi muito, nunca havia sentido calor
tamanho, a região sudeste onde nasci, mesmo no verão, é gostoso ficar à
sombra, aqui, nem nela me refrescava, mas o ser humano se adapta, e já se vão
7 anos.
Quando passei a conhecer a cidade, algumas situações chamaram muito a
atenção: os vazios e contrastes urbanos, fruto da especulação imobiliária e
evidências de uma cidade com muito a se desenvolver, a Estrada de Ferro
Madeira Mamoré - EFMM ao lado do majestoso Rio Madeira, local que conta um
pedaço da história , eu estava na Amazônia, e no entanto a cidade me pareceu
árida, cinza, não havia verde a não ser em poucas avenidas, ou que me afastasse
alguns quilômetros. O homem destruindo a natureza para criar seu ambiente, uma
insensatez.
O descaso com a arquitetura e história, seu mais belo patrimônio, a
Estrada de Ferro, deixado ao dará me incomodou e aumentou a vontade de
continuar os estudos em arquitetura, levando-me a buscar um curso a distância,
visto que a cidade não oferecia nada nessa área, iniciei uma pós-graduação em
Gestão do Patrimônio Cultural1 e o objeto de estudo seria a Madeira Mamoré.
Durante esse estudo busquei sua história, que se mostrou a própria história do
surgimento da cidade de Porto Velho e o início de seu desenvolvimento urbano. A
localização no centro da cidade exigiu diretrizes que a considerassem como fator
de valorização do habitante local e de sua história. A partir desse estudo, na
1
Gestão do patrimônio cultural integrado ao planejamento urbano da América Latina - ITUC/AL Cátedra UNESCO – UFPE – Universidade Federal de Pernambuco. Monografia apresentada pela
autora: Complexo Ferroviário de Porto Velho - Diretrizes para Uso do Espaço (Orientadora: Vera
Milet).
15
busca por informações, conheci muitas pessoas que tinham o mesmo anseio em
contribuir para o desenvolvimento da cidade de Porto Velho, e principalmente
para que esta tivesse seu patrimônio preservado. E foi através desses ideais
comuns com interesses comuns que fui trabalhar na prefeitura municipal e, 2005,
iniciando na recém criada Secretaria Municipal de Regularização Fundiária SEMUR, onde conheci a situação fundiária e habitacional catastrófica da cidade.
Elaborar os projetos arquitetônicos talvez fosse a etapa mais simples, pois o
processo para viabilização desses projetos era por demais burocratizada. Mas dei
minha contribuição dentro do meu conhecimento do que sejam moradias dignas,
hoje construídas e habitadas.
Devido ao trabalho já iniciado com a Madeira Mamoré, fui convidada a
participar da elaboração de um projeto de revitalização desta, que a então
administração municipal tinha como promessa de campanha, e passei a trabalhar
na Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação - SEMPLA, onde tive a
oportunidade de colocar meus estudos sobre a EFMM em prática e fazer parte do
Projeto de Revitalização do Complexo Madeira Mamoré de Porto Velho, trabalho
árduo, pois no início éramos apenas dois arquitetos e desenvolvemos toda a
proposta que hoje está sendo executada e já conta com novos integrantes na
equipe para detalhar os projetos que traçamos desde o início.
Devolver o espaço ao uso de sua população, tornando-o um difusor de
cultura, história e motivo de orgulho do portovelhense de todo o Estado foi o
partido adotado.
O trabalho como arquiteta na prefeitura me levou a conhecer melhor as
necessidades da cidade e os anseios tanto políticos quanto da população e
constatar que muitas vezes eles são distintos. Ter a oportunidade de projetar
melhorias para essa cidade foi colocar em prática a verdadeira arquitetura, a de
viabilizar espaços de convívio, de relações humanas, buscando a integração de
classes nos espaços públicos livres e a melhoria de conforto nos de serviços.
Munida de certo conhecimento sobre a cidade que havia escolhido para
morar, decidi continuar os estudos e para isso ingressei no mestrado da UNIR,
mas não foi tão simples, primeiro fiz um projeto com a temática voltada para as
questões culturais, com intenção de ampliar os estudos na área do patrimônio de
16
um estado novo como Rondônia, seria um desafio, mas esse projeto não foi
aceito. Foi questionando sobre a importância dessa temática que conheci uma
pessoa que seria de grande importância na minha vida acadêmica a partir de
então, meu orientador e amigo, Prof. Dr. Carlos Santos, que me levou a enxergar
o quanto seria interessante tratar da questão do desenvolvimento urbano e
passou a me indicar leituras que me fizeram chegar ao tema desta dissertação;
teoria esta, que eu trazia como lacuna e busquei preencher na geografia e
acredito que obtive êxito.
Entrar para o mestrado foi uma conquista e no seu decorrer pude aprender
o quanto a geografia é ampla e o quanto as profissões se completam, pois ali, no
meio de tantos geógrafos, me sentia acolhida como arquiteta, pois muitas áreas
do conhecimento são comuns.
As disciplinas cursadas contribuíram imensamente para que o trabalho se
desenvolvesse de forma sólida. Foram elas: Teoria da Geografia, Cultura e
Populações
Amazônicas,
Métodos
quantitativos
e
Modelagem,
Geoprocessamento e Cartografia, O Estado e as Políticas Públicas na Amazônia,
Urbanização na Amazônia.
Durante o mestrado tive um motivo ainda maior para desejar o
planejamento e desenvolvimento sustentável dessa cidade, pois aqui nasceu
minha filha Sofia, em dezembro de 2007, portovelhense, rondoniana.
Estudar a cidade de Porto Velho, sua evolução urbana e os seus Planos
Diretores somaram-se aos anseios já existentes da minha vida profissional em
contribuir para a melhoria da qualidade de vida nos espaços reprojetados e é o
que espero ter alcançado.
17
INTRODUÇÃO
A urbanização crescente do planeta é fato. Cada dia mais as
cidades precisam dar conta de abrigar pessoas, que precisam de condições
mínimas de vida, como habitação digna, isto é, uma construção adequada,
provida de saneamento, urbanização e planejamento, que proporcione o acesso
ao trabalho, transporte público, aos equipamentos públicos que devem estar
presentes na cidade, enfim o espaço de todos e de cada um. Mas, não é isso que
vemos em nossas cidades, pelo contrário, elas crescem de forma desordenada,
insalubre, sem proporcionar à grande parte de seus habitantes um mínimo de
dignidade urbana.
O espaço urbano vem crescendo rapidamente nas últimas décadas e as
políticas públicas constroem instrumentos de gestão, como o Plano Diretor, porém
não os coloca em prática por falta de planejamento. Assim, grande parte dos
habitantes das cidades tem seus direitos de morar e viver dignamente ultrajado,
postos de lado, enquanto outros se isolam em muros que prometem segurança,
lazer e bem-estar, os condomínios fechados. Este é o caminho de um
desenvolvimento sem planejamento.
Dessa forma, torna-se imprescindível formular políticas públicas que
viabilizem o desenvolvimento sustentável das cidades e possibilite a eficácia dos
Planos Diretores, o mais precioso instrumento na luta contra o crescimento
desigual.
Pretende alçar a discussão sobre a importância do indivíduo em tempos de
globalização, do pensar no coletivo para a melhoria do espaço de viver, da
participação
popular
no
processo
de
construção
das
diretrizes
de
desenvolvimento do espaço cidade.
A pesquisa tem como objetivo analisar a expansão urbana do município de
Porto Velho através de seus Planos Diretores e as conseqüências desta
expansão na qualidade de vida da população, ressaltando sua condição de
cidade na Amazônia. Esse desenvolvimento é mostrado através de mapas,
gráficos e dados, tendo como fonte de dados, principalmente o do IBGE e a
18
Prefeitura do Município de Porto Velho, demonstrando estatísticas, crescimento
populacional e urbano.
Para atender aos objetivos propostos da pesquisa, o método adotado foi o
analítico-descritivo, o qual contemplou o levantamento bibliográfico e documental.
A análise constituiu essencialmente de Revisão Bibliográfica e análise
documental e informações disponíveis sobre o tema em questão, quais sejam:
1ª etapa: Revisão de literatura – leitura e desenvolvimento de textos a partir de
literatura selecionada sobre o assunto em estudo: espaço urbano, gestão
pública,
desenvolvimento
sustentável,
conforme
bibliografia
citada.
O
levantamento bibliográfico é um tipo de pesquisa de caráter exploratório,
sendo realizado com a intenção de se obter conhecimentos a partir de
informações já publicadas, desta forma, este tipo de pesquisa consiste no
exame de produções já registradas.
2a etapa: Análise documental: Estatuto das Cidades, Plano Diretor do
Município de Porto Velho, medidas políticas que tenham relação com o espaço
urbano. Análise das informações urbanas, quais sejam, mapas urbanos e
pesquisas do IBGE.
3a etapa: Análise dos dados obtidos com as pesquisas, apontamento de
qualidades e fraquezas do processo em desenvolvimento, diagnóstico da
situação atual.
Utilizamos como arcabouço teórico, obras de importantes geógrafos, como,
Milton Santos e David Harvey, assim como, as reflexões provenientes dos
inquietantes diálogos com o professor e orientador deste trabalho, Carlos
Santos.
O texto elaborado a partir da pesquisa teórica documental, estruturou-se
em cinco capítulos. No primeiro apresentamos os conceitos que norteiam o
trabalho, as discussões teóricas acerca do espaço e da urbanização e seus
processos transformadores.
O capítulo dois traz essa discussão para a escala da cidade que a cada dia
torna-se mais globalizada e delineia sobre a vida nesse espaço de contrastes
tendo o homem como ator e receptor dessas mudanças.
19
O terceiro capítulo situa Porto Velho e sua história de cidade da Amazônia,
seu apogeu com a borracha e o declínio em seguida, seu desenvolvimento
urbano, população e os novos empreendimentos que vêem acelerar o processo
de urbanização.
No quarto capítulo são abordados os instrumentos legais que norteiam o
desenvolvimento sustentável das cidades, sendo o mais pertinente o Plano
Diretor.
No quinto e último capítulo analisamos os dois Planos Diretores de Porto
Velho, um de 1990 que vigorou até a conclusão do atual, em 2008.
Nas considerações finais buscamos o encontro da teoria e prática aqui
analisadas através da evolução da cidade e os resultados obtidos com esta
análise.
Procuramos com esse trabalho, contribuir para o diálogo entre a cidade e
seu habitante, sabendo que este é um longo processo e acreditando que o mais
importante “é estar consciente dos problemas da vida, desta miséria imensa que
precisa ser eliminada” , palavras do arquiteto Oscar Niemeyer (2000) que temos
como referencial de arquitetura, assim como temos a Milton Santos na geografia.
20
CAPÍTULO I
1. CONCEITUALIZANDO ESPAÇO E URBANIZAÇÃO
Teorizar sobre o espaço não é tarefa fácil, embora ele esteja presente a
todo instante em nosso cotidiano. Sua conceitualização é referência teórica para
que possamos estudar, por exemplo, o urbano. Para M. Santos (2006, p.63), que
dedicou grande parte de sua obra ao estudo do espaço geográfico, ele “constitui
um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações” que:
é formado por um conjunto indissociável, solidário e também
contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não
considerados isoladamente, mas como um quadro único na qual a
história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos
naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos
fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois cibernéticos fazendo
com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina.
Assim, o espaço geográfico é entendido como agente ativo das relações
sociais e do físico, ou seja, um híbrido. Para esse autor, o espaço não é apenas
um reflexo da sociedade, mas um produto desta, é a “morada do homem”, é o seu
lugar de vida e de trabalho, resultado histórico dos conflitos sociais. “(...) sua
tendência é mudar com o processo histórico, uma vez que o espaço geográfico é
também espaço social” (M. Santos, 1986, p.120).
É nele que a vida se desenvolve, sendo que “o espaço geográfico é a
natureza modificada pelo homem através do seu trabalho”, segundo M. Santos
(op. cit., p. 119). E complementa que “o espaço não pode ser apenas um reflexo
do modo de produção atual porque é também reflexo dos modos de produção do
passado” (Idem).
O espaço é uma instância da sociedade. Assim, entendemos por forma o
que é visível, um conjunto formado por objetos, bairro, uma cidade; por função a
atividade desempenhada por esse espaço, a vida no cotidiano, o trabalho, as
atividades imateriais que dão forma aos objetos; e o processo, associado à
estrutura, é, segundo Corrêa (2001, p. 29), “definido como uma ação que se
realiza de modo contínuo, implicando tempo e mudança”.
Os modos de produção tornam-se concretos numa base territorial
historicamente determinada por estes e pelas forças produtivas. As formas
21
espaciais constituem, dessa forma, sujeito e objeto na produção do espaço
geográfico. Este espaço sofre transformações de acordo com a relação humana,
das necessidades de instrumentalização, da divisão do trabalho. A vida humana
se dá no espaço, nele o homem se instrumentaliza através da alocação de
funções. Assim, ao modificar o espaço de acordo com suas necessidades,
mediante o modo de produção no qual está inserido, resulta que o entendimento
do mesmo, passa pelo estudo de todo o processo histórico de sua formação.
Inclusive, é bom lembrar, a própria condição humana foi produzida por
conta dessa relação com o espaço. Isto é, ao moldar espaços o homem se
moldou enquanto tal. As possibilidades humanas de realização dependem do
acesso ao espaço, então, as possibilidades que a mente humana vislumbra só
são factíveis pelas possibilidades de moldagens que o espaço oferece.
Nas palavras de C. Santos (2004, p.167): “o espaço se tornou mente
através da condição humana”, esse deve ser o lugar de transcendência do
espaço, nós mesmos. E mais, pelo teor do espaço, sua densidade e
complexidade, pode-se dispor de tempos diferentes de duração dos processos,
ou seja, de dinâmicas de realizações. Pois, segundo o mesmo autor (op.cit., p.
37) “O espaço é algo que ao possibilitar o movimento, o tempo, e revelar-se
energia e matéria, torna-se, portanto, uma dinâmica tessitura de possibilidades,
ou de espacialidades produzindo temporalidades”
O espaço geográfico é, então, o meio que possibilita o processo social. É
através da dimensão espacial que ele se expande, abrigando do local ao global e
assim sendo transformado por estes. Segundo C. Santos (op.cit., p.19), o espaço
“é um dado natural apreendido intuitivamente, desse modo, portanto, o espaço
não é construível. Entretanto, o espaço é suscetível de atributos, ou seja, o
espaço pode ser qualificado” (grifo do autor). É esta qualificação que distingue as
localidades e as tornam singulares a partir do modo como seus habitantes usam,
qualificam o espaço, formando espacialidades, incorporando suas dimensões,
entre elas a humana.
E essa é a dimensão que importa ser discutida. A espacialidade
enquanto recorte do espaço é o verdadeiro locus da condição humana.
Nessa conotação, espacialidade pode ser, inclusive, contraposta à noção
de sócio-espaço, quando esta é colocada como expressão de processo.
Ou seja, o composto "sócio-espaço" como indicação de processo tanto
22
social quanto espacial, mistura alho com bugalho. O processo, no caso,
é eminente e exclusivamente social, o espacial funciona como
condicionante(s) dado(s) naturalmente, passível de transformação em
recurso(s) pela ação social. Desse modo, o composto "sócio-espaço"
tem sentido naturalizante e/ou positivista, impreciso, híbrido, de péssima
formulação. Em suma, o conceito de espacialidade define o resultado da
ação humana na(s) circunvizinhança(s) da presença humana. Trata-se
de uma visão de transcendência do fato geográfico para o fato
exossomático (grifo do autor) (C. SANTOS, Revista Eletrônica Primeira
2
Versão, 2002) .
A espacialidade é fruto da ação social e “é, simultaneamente, o meio e o
resultado, o pressuposto e a encarnação da ação e da relação sociais”, conforme
contextualiza Soja (1993, p. 158). E é no espaço urbano que essa espacialidade
social se manifesta.
A Geografia tem a noção de espaço geográfico como a mais abrangente e,
por conseqüência, a mais abstrata. Observamos que na concepção de espaço
geográfico estão contidas diferentes categorias3.
Podemos lembrar algumas das categorias do espaço geográfico; quais
sejam: região, território, paisagem e lugar, em razão de sua relevância no âmbito
da temática urbana e por entender que estão interligadas.
O conceito de Região tem sido bastante questionado por estudiosos, pois é
bem mais amplo do que uma área delimitada da superfície terrestre, uma divisão
político administrativa. Com o avanço da globalização econômica e cultural, a
facilidade de acesso as informações e culturas as características próprias de cada
região se suavizam, tendem a descaracterização, há uma tendência à
homogeneidade.
Corrêa (op.cit., p. 183) fala da origem etimológica do termo região, que
estaria no termo regio, do latim, o qual se referia “à unidade político-territorial em
que se dividia o Império Romano”. Ainda segundo este autor, o fato de seu radical
ser proveniente do verbo regere, governar, atribuiria à região “em sua concepção
original, uma conotação eminentemente política”.
Utilizamos a categoria região para designar lugares semelhantes entre si,
uma área que se distingue das demais por possuir características próprias. A
2
Disponível em http://www.primeiraversao.unir.br/artigo111.html
Entende-se por categoria palavras ou conceitos “as quais se atribui dimensão filosófica” ou seja,
“produzem significado basicamente não de uso coletivo, mas do sentido que adquirem no contexto
de sistemas de pensamento determinados” (Genro Filho, l986).
3
23
região está relacionada ao momento histórico e geográfico, por seus traços
físicos, características econômicas, humanas e socioculturais.
Ao falarmos sobre região nos vem o termo regionalização, também
bastante usado na geografia e nas diversas áreas do conhecimento. Acerca deste
termo, Haesbaert (1999, p. 28) afirma que:
Enquanto a região adquire um caráter epistemológico mais rigoroso, com
uma delimitação conceitual mais consistente, a regionalização pode ser
vista como um instrumento geral de análise, um pressuposto
metodológico para o geógrafo e neste sentido, é a diversidade territorial
como um todo que nos interessa, pois a princípio qualquer região pode
ser objeto de regionalização, dependendo dos objetivos definidos pelos
pesquisadores.
Podemos relacionar esta regionalização à globalização, quando objetos de
regiões distantes passam a fazer parte do cotidiano de uma localidade, sendo
regionalizado.
O conceito de território pode ser definido por uma área demarcada onde
um indivíduo, ou uma coletividade exercem o seu poder. O território é o produto
histórico do trabalho humano, que resulta na construção de um domínio ou de
uma delimitação territorial, assumindo múltiplas formas e determinações:
econômica, administrativa, bélica, cultural e jurídica. Segundo M. Santos (1986, p.
189) "a utilização do território pelo povo cria o espaço." Sendo assim, o território
contém o espaço.
Para Moraes (1993) é o “espaço de exercício de um poder” que se tornou
“a área de manifestação de uma soberania estatal, delimitada pela jurisdição de
uma dada legislação e de uma autoridade. O território é assim, qualificado pelo
domínio político de uma porção da superfície terrestre”. Raffestin (1993, p.143)
faz um contraponto à discussão ao salientar que espaço e território são termos
distintos, quando coloca que:
Espaço e território não são termos equivalentes (...) É essencial
compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se
forma a partir do espaço, é resultado de uma ação conduzida por um
ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível.
O espaço torna-se sim território quando dominado pelo homem, é
resultado da ação humana que delimita e detém espaços. O mesmo autor, aborda
a noção de territorialidades através da seguinte conclusão:
24
De acordo com nossa perspectiva, a territorialidade assume um valor
bem particular, pois reflete o multidimensionamento do "vivido" territorial
pelos membros de uma coletividade, pela sociedade em geral. Os
homens vivem ao mesmo tempo o processo territorial e o produto
territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou
produtivas (RAFFESTIN, 1993, p. 158).
Deste modo o território ganha uma identidade, não em si mesma, mas na
coletividade que nele vive e o produz. Ele é um todo concreto, mas ao mesmo
tempo flexível, dinâmico e contraditório, por isso dialético, recheado de
possibilidades que só se realizam quando impressas e espacializadas no próprio
território, logo trata de considerá-lo como produção humana a partir do uso dos
recursos que dão condições a nossa existência.
A paisagem é tudo aquilo que podemos perceber por meio de nossos
sentidos (audição, visão, olfato e tato), destacando-se a visualização. Divide-se
em natural e construída ou cultural, a natural dispensa apresentações e a
construída são tidas como as interferências do homem, podendo ser rural ou
urbana. A primeira é formada pela atividade agropecuária, fazendo parte da
realidade de propriedades rurais. A segunda é constituída por elementos urbanos
como ruas, avenidas, estradas , praças, viadutos, prédios que se encontram
habitados por pessoas que realizam suas atividades nesse espaço.
Segundo M. Santos (2006, p.103-104)
A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais-concretos. Nesse
sentido, a paisagem é transtemporal, juntando objetos passados e
presentes, uma construção horizontal, uma situação única. Cada
paisagem se caracteriza por uma dada distribuição de formas-objetos,
providas de um conteúdo técnico específico. (...) A paisagem é, pois, um
sistema material e, nessa condição, relativamente imutável: o espaço é
um sistema de valores, que se transforma permanentemente. (...) A
paisagem existe através de suas formas, criadas em momentos
históricos diferentes, porém coexistindo no momento atual.
Já Lugar ou local, é, dentre as categorias de espaço a que é melhor
percebida e definida pelo homem através de seus sentidos. Sobre isso, afirma M.
Santos (1986, p. 121) que “lugar é antes de tudo, uma porção da face da Terra
identificada por um nome”, sendo que o conceito de lugar do ponto de vista
psicológico nos é imposto antes do conceito de espaço. Essa concepção nos
aproxima muito do conceito de espaço vivido, entendido como lugar.
25
Giddens (1991, p.26-27), escreve que lugar “é melhor conceitualizado por
meio da idéia de localidade, que se refere ao cenário físico da atividade social
como situado geograficamente”. É o lugar que vai expressar a cultura singular de
cada comunidade, cada história, cada desenvolvimento, o que M. Santos (2006,
p.339) afirma: “cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de
uma razão local, convivendo dialeticamente”.
É no lugar que as pessoas vivem seu cotidiano e essa vivência não é
substituída pela virtualidade, daí a importância em se valorizá-lo, o lugar, pois “as
pessoas vivenciam apenas uma pequena porção do espaço geográfico, que é
exatamente o lugar”, conforme constata Sene (2003, p.133).
Dessa forma, podemos trabalhar o objeto da geografia, o espaço
geográfico, na dimensão do lugar (espaço vivido).
1.1.
O Urbano como Espaço Vivido
Ao estudar o urbano nos deparamos com alguns termos que precisamos
esclarecer; são eles: Urbanismo, Urbanização e Planejamento Urbano.
Urbanização é um conceito geográfico que representa o desenvolvimento
das cidades e urbanismo a disciplina destinada ao estudo desse processo.
(...) O urbanismo, na medida em que possui suas próprias leis de
transformação é, pelo menos, parcialmente construído de princípios
básicos de organização espacial. O papel específico que o espaço
desempenha, tanto na organização da produção como na padronização
das relações sociais está consequentemente, expresso na estrutura
urbana (...) O urbanismo pode ser visto como uma forma particular ou
padronizada do processo social. Esse processo desenvolve-se num meio
espacial estruturado, criado pelo homem. A cidade pode, por isso, ser
olhada como um ambiente tangível construído – um ambiente que é um
produto social (HARVEY, 1980, p. 168 e 265).
A urbanização planejada apresenta significativos benefícios para os
habitantes, porém, quando não há planejamento urbano, os problemas sociais se
multiplicam nas cidades como, por exemplo, criminalidade, desemprego, poluição,
destruição do meio ambiente e desenvolvimento de sub-habitações.
Dentro desse processo, é o planejamento urbano o responsável pela
criação e desenvolvimento de programas que buscam melhorar, planejar, projetar
e revitalizar as cidades, tendo como objetivo propiciar aos habitantes a melhor
26
qualidade de vida, lidando basicamente com os processos de produção,
estruturação e apropriação do espaço urbano.
As áreas urbanas concentram a grande maioria das populações; segundo o
censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, pelo
menos 85% da população brasileira vivia em cidades, porém, há dentre estes,
muitos excluídos do espaço, dos benefícios, dos direitos que uma cidade deve
oferecer a seus habitantes; invasores e ocupantes de áreas de risco, inóspitas
para a vida humana, ou, de propriedades públicas e privadas.
Qualquer habitante urbano tem em sua mente a cidade onde mora. Isto é,
“o mapa do espaço-cidade, que cada um de nós traz dentro de si e que constitui o
sedimento inconsciente das nossas noções de espaço e de tempo” (ARGAN,
1993, p.232). Porém, não há a consciência de que esse espaço pertence a cada
um desses habitantes, essa apropriação que faz com que o indivíduo lute por
seus direitos, defenda seu território.
A cidade é feita de pessoas, embora grande parte delas não sinta seu valor
na formação urbana, vêem-se à margem do que constroem, quando poderiam
apropriar-se, usufruir e participar de forma mais ativa desta construção. Extrapola
o limite urbano estabelecido, dificultando o poder público de agir com eficácia na
ampliação de infra-estrutura que atenda a sua totalidade. Muitos cidadãos estão à
margem dos limites e do direito à cidade. São ignorados pela cidade oficial, pois
ocupam irregularmente o solo urbano, o que distancia ainda mais a cidade ideal
da real.
Segundo Argan (op. cit., p.73), “a chamada cidade ideal nada mais é que
um ponto de referência em relação ao qual se medem os problemas da cidade
real”. Mas, se almejarmos o ideal poderemos chegar a ele, pois essa ideologia, na
prática, é o urbanismo. Como defende Lefebvre (2001, p.16), em seu texto “O
Direito à Cidade” constata que o urbanismo como a própria vida urbana
“pressupõe
encontros,
confrontos
das
diferenças,
conhecimentos
e
reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos
modos de viver na cidade”.
27
A urbanidade representa a possibilidade de encontro das diferenças e de
exercício da cidadania, porque a sociedade é multicultural, híbrida; é a via por
onde se qualificam os espaços.
De acordo com a Carta Mundial pelo Direito à Cidade4 (2004-2005):
além de garantir os direitos humanos às pessoas, o território das
cidades, seja urbano ou rural, é espaço e lugar de exercício e
cumprimento dos direitos coletivos como forma de assegurar a
distribuição e uso eqüitativo, universal, justo, democrático e sustentável
dos recursos, riquezas, serviços, bens e oportunidades das cidades.
Com o crescimento acelerado e mal planejado, esse ‘exercício dos direitos
coletivos’ parece cada vez mais utópico. A cidade não oferece mais o lazer aberto
e gratuito, não investe em cultura, exemplo disso são os cinemas que viram
igrejas em tantas cidades brasileiras, e essas se proliferam, preenchendo outra
lacuna e proporcionando inclusão e lazer , principalmente a jovens, atingindo
grande parte da população de baixa renda. Os usos vão se transformando,
porque a cidade é espaço em movimento, como descrito por M. Santos:
O dia-a-dia das sociedades gira em torno dos seus objetos fixos, naturais
ou criados, aos quais se aplica o trabalho. Fixos e fluxos combinados
caracterizam o modo de vida de cada formação social. Fixos e fluxos
influem-se mutuamente. A grande cidade é um fixo enorme, cruzado por
fluxos enormes (homens, produtos, mercadorias, ordens, idéias),
diversos em volume, intensidade, ritmo, duração e sentido. Aliás, as
cidades se distinguem umas das outras por esses fixos e fluxos (2002, p
127).
Sobre estes fixos e fluxos, Benevolo (2004, p.13), destaca que “a situação
física de uma sociedade é mais durável do que a própria sociedade e pode ainda
ser constatada – reduzida a ruínas ou funcionando – quando a sociedade que a
produziu já desapareceu há muito tempo”. A estrutura urbana vai se adequando
ao uso, mas guarda a história de seus usos anteriores, das alterações sofridas, o
que M. Santos chama de rugosidade:
Chamemos rugosidade ao que fica do passado como forma, espaço
construído, paisagem, o que resta do processo de supressão,
acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e
acumulam em todos os lugares. Em cada lugar, pois, o tempo atual se
defronta com o tempo passado cristalizado em formas (2006, p.140).
4
A carta mundial pelo direito à cidade é um instrumento dirigido a contribuir com as lutas urbanas
e com o processo de reconhecimento no sistema internacional dos direitos humanos do direito à
cidade.
28
Há uma necessidade visível de uma forma de urbanizar regionalizada, que
considere as características locais, amazônica, pois não se pode importar
paisagens ou reproduzir espaços. A cotidianidade precisa estar expressa no
urbano, na arquitetura, nos espaços públicos e privados, formando a identidade
local, sua singularidade, um espaço socialmente construído.
O urbanismo deve possibilitar a integração dos espaços público e privado,
gerando mais que o simples alcance visual entre os espaços, mas o diálogo entre
as pessoas, inibir a criminalidade, incentivar a participação, a vivência, a
apropriação do espaço pelo cidadão, sem distinção de classe.
Nesse sentido, o urbanismo enseja com suas peculiaridades a discussão
dos atributos que oferecem possibilidades de análise, sendo que Soja (1993,
p.127) contextualiza sobre as espacializações e suas relações entre a geografia e
a teoria social crítica, alcançando a dialética sócio-espacial e conclui que a
história da urbanização torna-se “necessária e centralmente, uma geografia (grifo
do autor) histórica localizada”
O papel social do urbanismo dentro do contexto histórico-geográfico é
reforçado através da teoria de Maricato (2000, p. 168) ao inferir que:
O espaço urbano não é apenas um mero cenário para as relações
sociais, mas uma instância ativa para a dominação econômica ou
ideológica. As políticas urbanas, ignoradas por praticamente todas as
instituições brasileiras, cobram um papel importante na ampliação da
democracia e da cidadania. Para começar, quando se pretende
desmontar o simulacro para colocar em seu lugar real, os urbanistas
deveriam reivindicar a adoção de indicadores sociais e urbanísticos que
pudessem constituir parâmetros/ antídotos contra a mentira que perpetua
a desigualdade.
São essas políticas urbanas que devem estruturar-se com a participação
popular para uma sociedade mais justa e igualitária.
29
CAPÍTULO II
2. CIDADE – ESPAÇO GLOBALIZADO
O espaço urbanizado é a cidade, nosso foco de estudo. Viver na cidade é
conviver com sua estrutura física em constante movimento: bairros, vilas,
avenidas, ruas, praças, construções, marcos, “fixos e fluxos”, homens, mulheres,
crianças, idosos, etnias, tribos, comunidades, religiões, culturas5.
Esse viver é principalmente trocar experiências com um grande número de
pessoas, é seguir horários, necessitar de transportes, equipamentos urbanos,
áreas de convívio, trabalho, habitação, comércio, saúde, educação, lazer; é
aceitar regras, respeitar culturas; sobretudo, quando essa cidade tem como
característica marcante a intensa migração, como é o caso de Porto Velho, capital
do Estado de Rondônia, cidade que abriga diversas culturas em seu espaço,
vidas vindas de todas as partes do país em busca do sonho de uma vida melhor,
pessoas que juntas, com todas as suas contradições compõe a cultura
portovelhense.
Entender o indivíduo dentro do contexto da cidade é começar pela sua
tomada de consciência da mesma. Além de suas formas de relacionamento com
o “outro”, com o grupo e com a própria cidade.
Cada pessoa traz traços de sua história, de sua cultura, uma bagagem de
vivências, características que a tornam única; um ser povoado por lembranças,
memórias de pessoas, lugares, de história, acontecimentos, fatos vividos ou
simplesmente imaginados, porque nosso imaginário também é único, podemos
até confundir o real e o imaginado, o que vivemos e o que nos foi contado, o que
somos e o que queremos ser, o que aconteceu e o que gostaríamos que fosse
verdade, tanto que assimilamos fatos que passam a fazer parte da nossa
verdade, da nossa vida, da nossa história. Mesmo os sonhos, estes também
5
Cultura [Do lat. cultura.]
- O conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam e se preservam ou
aprimoram através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade. [Nas ciências
humanas, opõe-se por vezes à idéia de natureza, ou de constituição biológica, e está associada a
uma capacidade de simbolização considerada própria da vida coletiva e que é a base das
interações sociais.] (Aurélio Buarque de Holanda)
30
fazem parte do que somos, “(...) os sonhos são documentos sobre o estado do
relacionamento social entre nós e nós mesmos.” (MARTINS, 2000, p.66)
A cultura é tudo isso que trazemos, nossos antepassados nossos
aprendizados, nosso imaginário, esse ludicismo nato do ser humano.
A cultura só pode ser lacunar e cheia de buracos, inacabada e mutante.
Ela deve continuamente integrar o novo ao velho, o velho ao novo. Daí a
necessidade vital de princípios, ao mesmo tempo, organizadores e
críticos do conhecimento para contextualizar, globalizar e antecipar
(MORIN,1997, p.46).
O homem busca mostrar o que é através da sua imagem. “A exterioridade
é que é importante, aquilo que se vê” (MARTINS, op. cit., p.52). “Todos estão
procurando o sujeito típico ideal e o protagonista típico, que no fundo é irreal”
(MARTINS, op. cit., p.149). Estas afirmações mostram o quão enganado é o
homem na procura de sua socialização, pois para ser aceito ele se despe de si
mesmo e se fantasia na tentativa de parecer com o outro, perdendo sua
autenticidade; tentando ser diferente passa a ser igual, um simulacro, o ser global.
Somos o que buscamos, o que assimilamos, somos parte herança, parte entorno,
presente, consciente e inconsciente.
O diálogo entre as pessoas, entre elas e o lugar, o modo de viver é o ponto
de partida da vida em sociedade, no entanto o individualismo é cada vez mais
crescente, contradizendo tal princípio, estamos sozinhos mesmo que rodeados
por muitas outras pessoas. É o que Morin coloca como as contradições de nós
mesmos:
Introduzo a contradição na idéia de organização, já que esta é, ao
mesmo tempo, mais e menos que a soma das partes que a constituem e
comporta um antagonismo interno. Da mesma forma, a vida é
ininteligível se não utilizarmos o recurso da dialógica: o ser vivo vive na
temperatura de sua própria destruição, ele vive de morte e morre de
vida, é autônomo-dependente, auto-eco-organizador. A relação entre o
indivíduo humano, a espécie e a sociedade é igualmente dialógica:
possuímos genes que nos possuem; possuímos idéias e mitos que nos
possuem; somos gerados pela sociedade que geramos (MORIN, op. cit.,
p.62).
A idéia do provisório só faz aumentar a atitude individualista de vida, o
desejo de voltar ao local de origem, tão comum aos migrantes de todas as partes
desencadeia o não amor, a não vida presente para realização do sonho do viver
no lugar de onde saiu.
31
Exemplo disso é o prazer que temos quando nos encontramos com um
conterrâneo em terra estrangeira, é como se encontrássemos um cúmplice, um
irmão, alguém que vem da mesma raiz, do mesmo lugar, que sabe o que você
sabe. Assim sentiu Binjamim, ao encontrar uma criança que como ele vivera nos
campos de concentração. “Eram olhos que eu conhecia. Eu os vira milhares de
vezes, no campo e mais tarde também.” “Éramos as únicas crianças que sabiam
a verdade, e podíamos confiar plenamente um no outro...” (WILKOMIRSKI, 1998,
p.189 a 193)
A cidade é o grande abrigo do contraste, sua imagem é a representação do
espaço através de caminhos, bairros, limites, pontos focais e marcos visuais; por
onde quer que passemos haverá uma paisagem ao redor da qual de alguma
forma fazemos parte. Observando-se a cidade através de um trajeto, pode-se
perceber os pontos que atraem na paisagem, que nos fazem mentalizar
caminhos, lugares, pontos importantes, mediante formas, cores, sensações,
aspectos físicos, culturais, contrastes.
A percepção depende também da relação do indivíduo com o local, se ele
é habitante, sua visão estará acrescida do sentimento de morador que tem o
mapa mental da área que vive relacionada às suas atividades diárias; se for
visitante, terá olhos para o novo e fará uma análise muitas vezes generalista e
superficial, mas destacando pontos atrativos do local; por último, se for um técnico
analisará a área em seu conjunto geográfico, ambiente e cidade, malha urbana,
procurando integrar o que observa e seus dados técnicos. São essas imagens
que nos fazem relacionar tempo e espaço, passado e presente, a nossa história e
a história do lugar.
A cidade faz parte da nossa memória como cenário dos acontecimentos.
Voltar a um local onde já estivemos traz-nos diversas lembranças. Sair do local de
origem em busca de novas oportunidades é deixar para trás parte de nossa
história, como nos diz tão claramente Bosi:
O desenraizamento é uma condição desagregadora da memória. (...) Ter
um passado, eis outro direito da pessoa que deriva de seu enraizamento.
Entre as famílias mais pobres a mobilidade extrema impede a
sedimentação do passado, perde-se a crônica da família e do indivíduo
em seu percurso errante. Eis um dos mais cruéis exercícios de opressão
econômica sobre o sujeito: a espoliação das lembranças (BOSI, 1987,
p.362).
32
Assim como as pessoas, os lugares também têm sua história, embora haja
um processo de crescente descaracterização urbana.
A malha urbana, os espaços livres e edificados formam os contornos da
cidade, seu traçado. Os espaços livres, sejam estes públicos ou privados, são
espaços de transição, ligando bairros, centro-periferia, habitação-trabalho.
É através deste estudo, do dia a dia da cidade, do seu movimento, do seu
formato, do seu uso, que começam a serem discutidas as intervenções
urbanísticas, pois se alterarmos o uso e movimento de uma determinada área
isso surtirá reflexo por toda a cidade. A paisagem muda a cada dia e essa
transformação contínua faz parte do estudo e da previsão de crescimento ou
intervenção.
A observação da cidade nos faz buscar explicações ao ver os extremos tão
próximos, riqueza e pobreza lado a lado, liberdade e aprisionamento. O menino
do bairro pobre brinca de soltar pipa livre nas ruas de terra ao lado do esgoto que
corre a céu aberto. O menino da classe média joga futebol no computador,
fechado, protegido do mundo lá fora.
Num breve passeio pela cidade de Porto Velho, é possível observar o quão
grande são as disparidades. O processo de gentrificação é acelerado,
impulsionado pela especulação imobiliária crescente. O crescimento expulsa,
exclui, marginaliza, deixa á margem; novos empreendimentos valorizam áreas e
expulsam seus antigos moradores. Essa transferência da população local para
melhorar o nível da região, transfere também a pobreza de lugar, esconde-se o
problema, não o soluciona.
Com a melhoria do uso, das pessoas que detêm os imóveis, busca-se uma
melhor freqüência de pessoas e de giro econômico no local, o que certamente
acontece, mas para favorecimento de poucos. “Todo comércio tem uma função de
domesticação do espaço; vender, comprar, trocar: com estes movimentos
sensíveis os homens dominam verdadeiramente os lugares mais selvagens, as
construções mais sagradas” (BARTHES, 1984, p.68). Vende-se a casa
conquistada com suor, deixando a própria história para traz.
33
Visa-se o econômico, mas com benefícios de quem? Se esses valores
fossem aplicados no bem estar social dessa localidade, na melhoria de vida das
pessoas que foram dali retiradas, mas na maioria dos casos o dinheiro vem para
quem já o detém, proprietários, investidores, empresários. O pobre continua
pobre, a disparidade continua clara na imagem da cidade.
Considerar o homem e o local onde ele vive é essencial ao planejamento,
gestão e conservação das cidades, visando seu desenvolvimento sustentável e a
valorização das características específicas de cada local, sua cultura, história,
pessoas.
É a dimensão cultural que diferencia, caracteriza um local, pois está
diretamente ligada ao espaço, à história e aos símbolos locais, distingue a forma
como as pessoas se relacionam com seu meio, e estabelece uma estreita relação
com o desenvolvimento econômico e político local. “Fale de sua aldeia e falará do
mundo”, já dizia Tolstói6, do local para o global.
Com a globalização, o “espaço geográfico ganha novos contornos, novas
características, novas definições e também uma nova importância, porque a
eficácia das ações está estreitamente relacionada com sua localização” (M.
SANTOS, 2000, p.79). Cada lugar procura valorizar suas peculiaridades, afim de
atrair mercados, explorando seus potenciais na procura de diferenciar-se no
espaço global, “nunca o espaço geográfico foi tão valorizado (nos dois sentidos
do termo) como está sendo na atual etapa da expansão capitalista, na era da
globalização, na era informacional” (SENE, 2003, p.126). O lugar, o espaço
definido, objetos e ações de uma comunidade que nele interfere e vive toma
destaque.
O processo da globalização muda a forma de análise do espaço, pois o
local não está sozinho, ele influencia e é influenciado pelas decisões políticas
nacionais, pela economia mundial, pela cultura global. A espacialidade humana é
social, política, cultural, multidimensional e é desse mundo que precisamos dar
6
Liev Tolstói, (09/09/1828 – 20/11/1910) foi um escritor russo muito influente na literatura e
política de seu país.
34
conta, mundo que detém a espacialidade humana, produto instituído socialmente,
lugar do homem.
Podemos perceber nas palavras de M. Santos que o processo de
globalização dialoga com o local, “não existe um espaço global, mas, espaços da
globalização.
O
mundo
se
dá
sobretudo
como
norma,
ensejando
a
espacialização, em diversos pontos, dos seus vetores técnicos, informacionais,
econômicos, sociais, políticos e culturais” (2006, p.337).
Giddens também analisa a globalização através das relações em
sociedade e da valorização do local.
A globalização pode assim ser definida como a intensificação das
relações sociais em escala mundial que ligam localidades distantes de tal
maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos
ocorrendo a milhas de distância e vice-versa. Este é um processo
dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa
direção anversa às relações muito distanciadas que os modelam. A
transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão
lateral das conexões socias através do tempo e do espaço (1991, p.69).
Entende-se, pois, que as transformações locais são parte desse processo
que é a globalização, mas essa globalização pode ser perversa, segundo M.
Santos (2000, p. 38), pois
há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de
solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções
sociais e políticas do Estado com a ampliação da pobreza e os
crescentes agravos à soberania, enquanto se amplia o papel político das
empresas na regulação da vida social.
O mundo global é competitivo, nele, gentileza e solidariedade perdem seu
espaço,
a competividade acaba por destroçar as antigas solidariedades,
frequentemente horizontais, e por impor uma solidariedade vertical, cujo
epicentro é a empresa hegemônica, localmente obediente aos interesses
globais mais poderosos e, desse modo, indiferente ao entorno (M.
SANTOS, op. cit., p.85).
É justamente o habitante local que deve valorizar seu espaço e não
esperar que o mundo global o valorize, ou a fragmentação não só de seu espaço
físico, mas de sua sociedade pode ser de difícil reversão, pois a globalização que
gera riquezas, gera também pobreza. M. Santos (op. cit.) discute esse tema em
seu texto ‘por uma nova globalização’, onde expõe que antes essa pobreza “era
uma pobreza que se produzia num lugar e não se comunicava a outro lugar”,
35
então, “era frequentemente apresentada como um acidente natural ou social”,
diferente da pobreza atual, que é “estrutural globalizada, resultante de uma ação
deliberada”. O espaço global produz o espaço da pobreza e sua disseminação na
busca de capital. Mas o local “pode estruturar alianças estratégicas numa grande
e diversificada rede de cidades e centros econômicos, multiplicando suas
possibilidades” (BUARQUE, 2002, p.39).
Cada vez mais as distâncias são vencidas num tempo mais curto, as
transmissões são em tempo real, as barreiras tempo-espaço são facilmente
transpostas; aliás, já não são mais consideradas barreiras. D. Harvey (1992,
p.190) diz que “o progresso implica a conquista do espaço, a derrubada de todas
as barreiras espaciais e a “aniquilação do espaço através do tempo””. O mundo
está diminuindo, no entanto, quanto menor o mundo, mais comprometida fica a
vida cotidiana, menos tempo temos.
Há aspectos positivos nesse processo, como a inserção das localidades no
comércio mundial, a ampliação das redes de comunicação e muitos negativos,
como o empobrecimento da ação do cidadão neste espaço, o individualismo e
consumismo exacerbado, posto que, juntamente com a globalização cresce o
domínio capitalista, com a predominância da competitividade a qualquer custo e
conseqüente aumento da pobreza, devido ao princípio capitalista de acumulação.
O domínio do espaço físico foi e continua sendo motivo dos maiores conflitos da
humanidade em busca do poder econômico e político.
O termo globalização pode ser recente, mas seu processo não. Segundo
Friedman (2005), em seu texto “O mundo é plano”, ela vem acontecendo há
séculos, e o mundo vem se encolhendo desde então.
Assim, este autor divide o processo de globalização em três eras históricas,
tendo início em 1492, quando Cristóvão Colombo saiu em busca de novas terras
para o comércio. Nesta primeira era da globalização, que teria perdurado até
1800, o tamanho do mundo reduziu de grande para médio, num processo de
integração global e esforços individuais dos paises. De 1800 a 2000 temos a
segunda era, diminuindo o tamanho do mundo de médio para pequeno, sendo
caracterizada pela expansão das empresas multinacionais em busca de
mercados e mão-de-obra; teve dois grandes marcos, a evolução na área dos
36
transportes e inovações tecnológicas na área de comunicações. O momento atual
seria a terceira era, que na análise do autor, está encolhendo o mundo de
pequeno para minúsculo, propiciando que o indivíduo e grupos se globalizem. O
ser mais distante está tão próximo, ou mais, que seu vizinho de porta.
O que é intrigante é que quanto mais nos aproximamos do que antes
estava distante, há um desinteresse pelo que está próximo, pelo lugar que se
vive; pela cidade, bairro, a vida em comunidade na busca do bem comum, pelo
seu espaço real. A vida, em grande parte hoje é virtual. Para Harvey,
por meio da experiência de tudo – comida, hábitos culinários, música,
televisão, espetáculos e cinema –, hoje é possível vivenciar a geografia
do mundo vicariamente, como um simulacro. O entrelaçamento de
simulacros da vida diária reúne no mesmo espaço e no mesmo tempo
diferentes mundos (de mercadorias). Mas ele o faz de tal modo que
oculta de maneira quase perfeita quaisquer vestígios de origem, dos
processos de trabalhos que os produziram ou das relações sociais
implicadas em sua produção (1992, p.270-271).
A virtualidade é um simulacro, pois através dele viajamos o mundo sem
sair do lugar, nos tornamos cidadãos globalizados sem no entanto cruzar
fronteiras territoriais físicas. "O espaço se globaliza, mas não é mundial como um
todo senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais mas não há um
espaço mundial. Quem se globaliza mesmo são as pessoas" (M. SANTOS, 1993,
p.16). O homem moderno é globalizado, e por isso a sua relação com os outros,
com empresas e com o espaço muda.
O espaço, porém, é o cerne de análise das dimensões da globalização.
Giddens (1991, p.74-82) nos fala sobre quatro dimensões da globalização, sendo
a primeira delas a economia capitalista mundial. “O capitalismo foi uma influência
globalizante fundamental precisamente por ser uma ordem econômica e não
política.” Em seguida os sistemas de estado-nação, que “são os atores principais
dentro da ordem política global”.
A ordem militar é a terceira dimensão da globalização citada por Giddens,
dimensão esta que “não se limita obviamente ao armamento e as alianças entre
as forças armadas de estados diferentes – ela também diz respeito à própria
guerra”. A quarta dimensão é o desenvolvimento industrial – “expansão da divisão
global do trabalho”.
37
Juntas, essas dimensões nos dão um quadro de mudanças ocorridas na
sociedade, que culminam nas transformações tecnológicas ocorridas no decorrer
da era moderna, modificando o espaço e o tempo do trabalho, com reflexos na
estrutura da sociedade, de sua organização política, cultural e espacial.
Os países não têm total autonomia sobre suas ações, porque essas têm
que levar em consideração as externalidades como a economia mundial, e seguir
regras acordadas entre as nações. Nessa troca de influências há uma
desigualdade tecnológica discrepante, onde os espaços que dominam as
tecnologias dos que precisam delas.
“Outras dimensões da globalização, como a socioeconômica, a cultural e a
política, estão permanentemente atravessadas pela dimensão espacial, ou
melhor, todas elas se materializam no espaço geográfico” (SENE, 2003, p.119).
A internacionalização do capital e de diversos setores da vida social é
conseqüência, mas também a promoção do desenvolvimento local e a troca
intensa de informações que desafia os limites territoriais. “O desenvolvimento
local pode ser conceituado como um processo endógeno de mudança, que leva
ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população em
pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos” (BUARQUE, 2002, p.
25, grifo do autor).
As grandes empresas multinacionais fixam-se em locais não com o intuito
de atingir aquele mercado local, mas de gerar estruturas globais de produção e
oferta. Há o crescimento local por gerar empregos, mas não é o objetivo maior do
empresariado, que busca
a facilidade de
deslocamento,
desafiando a
territorialidade, que se tornou flexível para atender a esta generalização do
mercado.
Soja (1993, p.129) fala sobre a necessidade do desenvolvimento
geograficamente desigual; “a problemática espacial e suas ramificações sóciopolíticas nas escalas regional e internacional dependem da importância atribuída
ao desenvolvimento geograficamente desigual na gênese e na transformação do
capitalismo.” Os espaços desenvolvidos têm poder sobre os subdesenvolvidos na
forma de domínio tecnológico, econômico, político.
38
As cidades querem oferecer vantagens para que essas empresas se
instalem em seus territórios, atrair investimentos, e é a especificidade local que as
valoriza diante da globalização que ameaça o desenvolvimento local, que
aumenta a desigualdade econômica e a exclusão social. Ao mesmo tempo que
supõe integrar os países, globaliza a miséria, excluindo grande parte das pessoas
do mercado. Para que haja o rico é preciso existir o pobre, pois é das diferenças
que se alimenta o capitalismo.
Buarque (2002, p. 31) afirma que “o desenvolvimento local não pode ser
confundido com o isolamento da localidade e seu distanciamento dos processos
globais; ao contrário, a abertura para os processos externos é um fator de
propagação e estímulo à inovação local.”
“Pensar globalmente, agir localmente”, ou seja, a partir de uma construção
do global, da percepção do todo, desenvolver projetos e ações no âmbito local
visando o seu desenvolvimento, valorizando sua singularidade e investimento na
sociedade que integra uma totalidade é à base da sustentabilidade, de uma
globalização transformadora que respeite o ser humano e sua espacialidade.
A dimensão cultural tem papel fundamental na distinção do local em
relação ao global, pois está diretamente ligada ao espaço, à história e aos
símbolos locais. Distingue a forma como as pessoas se relacionam com seu
meio, e estabelece uma estreita relação com o desenvolvimento econômico e
político local.
É diante da globalização que as características locais têm de ser
reforçadas, para não se perderem e porque são elas que vão caracterizar o local
ressaltando seus diferenciais propícios ou não ao desenvolvimento.
O Estado precisa então se fortalecer, ser ativo no mercado e os
movimentos
sociais
e
ongs
incentivados,
para
que
os
benefícios
do
desenvolvimento fiquem no local, para que a cultura não se dissolva pela falta de
territorialidade. Assim, colaborando para a preservação local estará contribuindo
para solucionar problemas globais.
“A contraface da globalização não parece ser a uniformização e
padronização mundial dos estilos de desenvolvimento, mas ao contrário, a
39
valorização do local e da diversidade, como diferencial de qualidade e
competitividade” (BUARQUE, 2002, p. 37, grifo do autor). A cultura pode ser
explorada
como
esse
diferenciador
dos
espaços,
no
intuito
de
um
desenvolvimento que respeite os princípios do desenvolvimento sustentável e da
sustentabilidade.
Não diminuímos o espaço, agregamos sim a ele novas espacialidades,
como a virtual, e por vezes não damos conta de viver integralmente cada parte
desse tão vasto horizonte que nos é proporcionado, por isso o homem moderno
faz opções, escolhe quais as espacialidades a serem consideradas de maior
importância em seu cotidiano em detrimento de outras. O mundo é vasto, o tempo
é curto. Ao mesmo tempo em que há uma diminuição do espaço global, há um
aumento do individual.
Não se pode viver fora da globalização, porque se está neste mundo, neste
espaço, sofre-se, pois, influências desse processo, mesmo que imperceptíveis a
muitos. Mas é possível sim lutar ‘por uma outra globalização’, onde o ser humano
seja respeitado em sua espacialidade, como indivíduo e como sociedade, e para
que isso ocorra é preciso planejamento, vontade política e participação de cada
um na construção da melhoria local, absorvendo os reflexos positivos da
globalização e eliminando os negativos, com um desenvolvimento onde haja
eqüidade entre classes, tanto na divisão e conquista do capital na divisão do
trabalho, quanto na apropriação do espaço real.
40
CAPÍTULO III
3. PORTO VELHO – CIDADE DA AMAZÔNIA
Situada em Rondônia, região norte do território brasileiro, Porto Velho
encabeça uma rede urbana, formada por cinqüenta e duas cidades, que é o
resultado de um processo bem recente de urbanização da fronteira agrícola,
conforme se verifica na Figura 01. O dinamismo urbano da Região Norte também
se evidencia em cidades como Rio Branco, no Acre, e, marcantemente, em
Manaus, no Amazonas, e Belém, no Pará.
Figura 01 - O Estado de Rondônia
Fonte: site www.portalbrasil.net
Iniciamos com um pouco da história de Rondônia. No século XVII, teve
como seus primeiros colonizadores os portugueses, que começaram a percorrer
as terras do que seria o atual Estado de Rondônia. No século seguinte, com a
descoberta e a exploração de ouro em Goiás e Mato Grosso, aumentou o
interesse pela região. Em 1776, a construção do Forte Príncipe da Beira, às
margens do rio Guaporé, estimulou a implantação dos primeiros núcleos
41
coloniais, que se desenvolveram no final do século XIX com o surto da exploração
da borracha.
No século XX, a criação do estado do Acre, a construção da Ferrovia
Madeira-Mamoré e a ligação telegráfica estabelecida por Cândido Rondon,
representaram novo impulso à colonização.
O Tratado de Petrópolis7 em 1903 estabeleceu definitivamente as fronteiras
entre o Brasil e a Bolívia, compensando a anexação do Acre por meio da cessão
de pequenos territórios próximos à foz do rio Abunã, numa região próxima ao
Acre, e também na bacia do rio Paraguai, e do pagamento de uma quantia em
dinheiro.
Como a Bolívia ficou, após guerra com o Chile, sem saída para o mar, dois
artigos do Tratado de Petrópolis obrigaram o Brasil a assinar um Tratado de
Comércio e Navegação que permitisse a Bolívia usar os rios brasileiros para
alcançar o oceano Atlântico. Além disso, a Bolívia poderia estabelecer alfândegas
em Belém, Manaus, Corumbá e outros pontos da fronteira entre os dois países,
assim como o Brasil poderia estabelecer aduanas na fronteira com a Bolívia.
O Brasil foi obrigado, ainda, a construir uma ferrovia "desde o porto de
Santo Antônio, no rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré", com um ramal que
chegasse em território boliviano, como constatamos no artigo VII do referido
tratado:
Os Estados Unidos do Brasil obrigam-se a construir em território
brasileiro, por si ou por empresa particular, uma ferrovia desde o porto
de Santo Antônio, no Rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, com
um ramal que, passando por Vila Murtinho ou outro ponto próximo
(Estado de Mato Grosso), chegue a Vila Bela (Bolívia), na confluência do
Beni e do Mamoré. Dessa ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir
no prazo de quatro anos, usarão ambos os países com direito às
mesmas franquezas e tarifas.
Surgia, em meio à floresta amazônica, inserida na maior bacia hidrográfica
do globo, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – EFMM, que teve sua delimitação
realizada em 1905, as obras iniciadas em 1907 e concluídas em 1912. Mas a
idéia e a necessidade de sua construção remontam à década de 20 do século XIX
7
Tratado de Petrópolis , também denominado O Tratado de permuta de Territórios e outras Compensações,
foi o documento que resolveu a "Questão Acreana" entre o Brasil e a Bolívia. O tratado foi assinado pelos
brasileiros Barão do Rio Branco e Joaquim Francisco de Assis Brasil, e pelos bolivianos Fernando E.
Guachalla e Cláudio Pinilla na cidade de Petrópolis em 17 de novembro de 1903.
42
Desde o ano de sua independência, 1825, a Bolívia cogitava uma saída
comercial através dos rios Mamoré, Madre de Dios e Beni, Madeira e Amazonas.
Progressivamente estavam sendo mapeados o intrincado sistema de rios daquela
região amazônica, no Brasil, na Bolívia e no Peru. Entretanto, já era sabido que o
mais sério obstáculo à navegação dos principais rios eram as vinte cachoeiras e
corredeiras dos rios Mamoré e Madeira, ao longo de mais de 420km de seu curso,
parte em território brasileiro e parte pela fronteira com a Bolívia.
Figura 02 - EFMM – Trajeto ao lado do trecho encachoeirado do Rio Mamoré-Madeira
Fonte: IPHAN
43
Por
mais
de
um
século,
luso-brasileiros
e
hispano-americanos
aventuraram-se com suas embarcações pelos trechos encachoeirados, ou
contornavam esses obstáculos por terra, arrastando suas canoas. A idéia de uma
via terrestre tomou maior vulto a partir de 1846, quando o engenheiro boliviano
José Augustín Palácios entregou ao governo do seu país um relatório sobre a
região. Esse relatório recomendava estudos sobre a navegação do Rio Madeira,
como única forma de solucionar o problema de escoamento da produção e da
importação da Bolívia.
Podemos ter uma idéia da escala colossal dos territórios envolvidos nos
interesses brasileiro e boliviano, de dimensões equivalentes à soma dos atuais
estados de Mato Grosso e Rondônia, acrescidos de extensa área de influência à
montante dos Rios Mamoré, Madre de Dios e Beni, e à jusante do Rio Madeira
até o Rio Amazonas. A imagem adiante nos auxilia nessa avaliação.
44
Figura 03 - América do Sul – Área Geo-econômica de influência da EFMM
Fonte: IPHAN
45
A Borracha é o impulso à criação e desenvolvimento. A ocupação da
capital do Estado, Porto Velho, tem início de forma exploratória, com a borracha,
a implantação da EFMM para escoamento da produção desta. Porto Velho foi
criada por volta de 1907, à margem direita do Rio Madeira, sete quilômetros
abaixo da Cachoeira de Santo Antônio do Alto Madeira, na parte oeste da Região
Norte do Brasil, na Amazônia Ocidental, durante a construção da EFMM. A
microrregião de Porto Velho é uma das oito do Estado de Rondônia e compõe a
mesorregião de Madeira-Guaporé.
Figura 04 – Localização de Porto Velho
Legenda:
Porto Velho
Fonte: google earth
O município possui área de 35.928,9 Km², altitude de 85,2m, latitude:
08º45’43’’ e longitude: 063º54’14’’. Limita-se ao norte, noroeste e nordeste com o
46
Estado do Amazonas; ao sudeste com os municípios de Cujubim, Machadinho do
Oeste e Candeias do Jamari; ao leste com os municípios de Candeias do Jamari
e Alto Paraíso; ao sul com os municípios de Campo Novo de Rondônia e Nova
Mamoré; ao oeste com o Estado do Acre e República da Bolívia. Tem em sua
maior parte relevo plano, com variações de altitudes que vão de 70 metros a
pouco mais de 500 metros.
Figura 05 – Limites
Fonte: www.a-rondonia.com
O Rio Madeira, um dos principais afluentes do Rio Amazonas, exerce traço
marcante na demarcação urbana, como podemos observar na próxima imagem.
47
Figura 06 – A cidade
Fonte: wikimapia
A borracha, nos anos de 1900-1910, foi o produto brasileiro mais exportado
ao lado do café, segundo Sodré (1976, p.66), a Amazônia conheceu a ascensão
rápida com a borracha que atingiu fases de dominação monopolista dos
mercados, porque eram novos neles e sem competidores, para declinar depressa,
também, logo que outros produtores, mais aparelhados, apareceram.
Desde meados do séc. XIX, nos primeiros movimentos para construir uma
ferrovia que possibilitasse superar o trecho encachoeirado do rio Madeira (cerca
de 380km) e dar vazão à borracha produzida na Bolívia e na região de Guajará
Mirim, a localidade escolhida para construção do porto foi Santo Antônio do
Madeira, província de Mato Grosso possibilitando a exportar para a Europa e os
EUA.
48
As dificuldades de construção e operação de um porto fluvial, em frente
aos rochedos da cachoeira de Santo Antônio, fizeram com que construtores e
armadores utilizassem o pequeno porto amazônico localizado 7km abaixo, em
local muito mais favorável. Era chamado por alguns de porto velho dos militares,
numa referência ao abandonado acampamento da guarnição militar que ali
acampara durante a Guerra do Paraguai (essa guarnição ali estivera como
precaução do Governo Imperial contra uma temida invasão por parte da Bolívia).
Em 15 de janeiro de 1873, o Imperador Pedro II assinou o Decreto-Lei
nº5.024, autorizando navios mercantes de todas as nações subirem o Rio
Madeira. Em decorrência disso, foram construídas modernas facilidades de
atracação em Santo Antônio, que passou a ser denominado porto dos vapores ou,
no linguajar dos trabalhadores, porto novo. O porto velho dos militares continuou
a ser usado por sua maior segurança, apesar das dificuldades operacionais e da
distância até Santo Antônio, ponto inicial da EFMM.
Percival Farquhar, proprietário da empresa que afinal conseguiu concluir a
ferrovia em 1912, desde 1907 usava o velho porto para descarregar materiais
para a obra e, quando decidiu que o ponto inicial da ferrovia seria aquele (já na
província do Amazonas), tornou-se o verdadeiro fundador da cidade que, quando
foi afinal oficializada pela Assembléia do Amazonas, recebeu o nome de Porto
Velho, hoje, a capital de Rondônia, oficializada em 2 de outubro de 1914.
Figura 07 - Área onde foi construído o complexo ferroviário de Porto Velho – 1908
Fonte: www.ronet.com.br
49
Após a conclusão da obra da EFMM, em 1912, e a retirada dos operários,
a população local era de cerca de 1.000 pessoas. O maior de todos os bairros era
onde moravam os barbadianos, Barbadoes Town, construído em área de
concessão da ferrovia. As moradias abrigavam principalmente trabalhadores
oriundos
das
Ilhas
Britânicas
do
Caribe,
genericamente
denominados
"barbadianos".
A EFMM foi inaugurada no dia 12 de abril de 1912, após várias tentativas
fracassadas que tiveram início na década de 70 do século XIX.
Foi a primeira estrada de ferro na Amazônia, e sua construção constitui
uma epopéia, por todas as motivações que a criaram e pela conjuntura histórica
de sua concepção, construção, funcionamento, desativação.
Com o tempo passou a abrigar moradores das mais de duas dezenas de
nacionalidades de trabalhadores que para cá acorreram. Essas frágeis e quase
insalubres aglomerações, associadas às construções da Madeira Mamoré deram
origem a cidade de Porto Velho. Muitos operários, migrantes e imigrantes
moravam em bairros de casas de madeira e palha, construídas fora da área de
concessão da ferrovia.
A EFMM é, não apenas o símbolo, mas a própria história da ocupação
dos atuais estados de Rondônia e Acre. Ao longo de seu percurso, contornando
os trechos encachoeirados dos Rios Madeira e Mamoré, estão implantadas
pequenas vilas, estações, construções rústicas, caixas d’água, pontes e colônias
agrícolas que atestam o povoamento inicial da região.
Durante quase seis anos, trabalhadores de mais de 25 nacionalidades
empregaram seus esforços, enfrentaram doenças, inúmeros perderam suas
vidas, para que viesse a ser concretizado o sonho da construção da estrada no
início do século (1905-1911). Em vários pontos da linha férrea constituíram-se
povoados, vilas de agricultores e comércios que escoavam seus produtos pelos
trens que ali trafegavam.
A área não industrial das obras tinha uma concepção urbana bem
estruturada, onde moravam os funcionários mais qualificados da empresa e onde
estavam os armazéns de produtos diversos. Nos primórdios havia uma divisão da
50
cidade em duas partes distintas: a área de concessão da ferrovia e a área pública;
duas pequenas povoações, com aspectos muito distintos que eram separadas por
uma linha fronteiriça denominada Avenida Divisória, a atual Avenida Presidente
Dutra.
Figura 08 - Avenida Presidente Dutra – 1950
Fonte: www.ronet.com.br
3.1. Formação Urbana
O núcleo urbano inicial de Porto Velho tinha boas condições de
salubridade, o que contribuiu para o seu desenvolvimento e também a facilidade
de acesso pelo rio durante o ano todo, as condições do seu porto, e a
necessidade que a ferrovia sentia de exercer maior controle sobre os operários
para garantir o bom andamento das obras. Foram construídas então residências
em sua área de concessão, e, até mesmo, de certa forma, ao bairro onde
moravam principalmente os estrangeiros trazidos para a construção.
O centro comercial e urbano formou-se a partir da Praça Madeira
Mamoré, sendo o comércio mais significativo localizado ao longo da Avenida 7 de
setembro, que ainda mantém essa característica. Ainda próximos à praça, na
parte mais antiga do centro de Porto Velho, encontram-se vários prédios de
significativa importância no crescimento da cidade.
O Pátio Ferroviário da EFMM é de fundamental importância para preservar
a memória da ocupação dos territórios amazônicos da bacia do Rio Madeira, no
Brasil e na Bolívia.
51
Figura 09 – Imagem Aérea Praça Madeira Mamoré- Porto Velho
CASA DE FORÇA
OFICINA E ROTUNDA
ESTAÇÃO
ARMAZÉM -01
ARMAZÉM -03
ARMAZÉM -02
PLANO INCLINADO
Fonte: VILLELA, T.C, adaptado de Prefeitura Municipal de Porto Velho
A importância da EFMM para a formação da cidade pode ser medida pelo
texto da lei de sua criação (Lei Nº. 757 de 2 de outubro de 1914), aprovada pela
Assembléia Legislativa do Amazonas, que diz:
Art. 2o. - O Poder Executivo fica autorizado a entrar em acordo com o
Governo Federal, a Madeira Mamoré Railway Company e os
proprietários de terras para a fundação imediata da povoação,
aproveitando na medida do possível, as obras do saneamento feitas ali
por aquela companhia, e abrir os créditos necessários à execução da
presente lei.
Nos seus primeiros 60 anos, o desenvolvimento da cidade esteve
diretamente ligado às operações da ferrovia. Enquanto a borracha apresentou
valor comercial significativo, houve crescimento e progresso. Nos períodos de
desvalorização da borracha, devido às condições do comércio internacional e à
inoperância empresarial e governamental, estagnação e pobreza.
52
Figura 10 – Armazenamento e Transporte da Borracha
Fonte: www.ronet.com.br
Quando a borracha da Malásia tornou-se competitiva ao preço da borracha
da Amazônia no mercado mundial, a economia regional estagnou. Segundo Dean
(1989, p.64-65), a produção da borracha expandiu-se enormemente:
Entre 1907 e 1910 duplicou na Malásia, alcançando 400.000 hectares. (...)
A economia da Amazônia, por sua vez, foi arrasada pela concorrência do
Ceilão e da Malásia. Os salários caíram junto com os preços a um quarto
do seu nível durante o boom. “Comerciantes, exportadores, banqueiros e
corretores desesperados juntaram-se aos seringueiros num êxodo da
região.
A grave crise da borracha amazônica foi também conseqüência da
ausência de visão dos líderes empresariais da época, principalmente os
denominados barões da borracha, cuja imensa capitalização no período de
apogeu foi usada apenas para obras e ações improdutivas, e governamentais, o
que resultou na completa ausência de alternativas para o desenvolvimento
regional.
Entre 1925 e 1960, o centro urbano da cidade de Porto Velho adquiriu o
traçado que possui.
No ano de 1943, foi constituído o Território Federal de Guaporé, com
capital em Porto Velho, mediante o desmembramento de áreas de Mato Grosso e
53
do Amazonas, o que estimulou a ocupação e o desenvolvimento da região que
em 1956, passou a se chamar Território de Rondônia. Com a segunda guerra
mundial e a criação dos territórios federais, ocorreu novo e rápido ciclo de
progresso regional. Esse surto decorreu das necessidades de borracha das forças
aliadas, que haviam perdido os seringais malaios na guerra do Pacífico e produziu
o denominado Segundo Ciclo da Borracha.
A economia gomífera produziu um intenso povoamento regional
responsável por uma incipiente rede urbana. É no contexto da economia
da borracha e de suas conseqüências para o povoamento do sudoeste
da Amazônia que se dá a segunda tentativa de ocupação da atual
Rondônia (C. SANTOS, 2007, p.50).
Finda a guerra, novamente a economia regional baseada na borracha, e
dirigida com imprevidência e incapacidade empreendedora, entrou em paralisia.
Após 60 anos de existência, a EFMM foi considerada como uma “ferrovia
deficitária”, em uma época em que a política brasileira enfatizava e financiava a
indústria e o transporte rodoviário. Em 1972 as locomotivas apitaram pela última
vez, dando por encerrado o funcionamento da já lendária ferrovia. Dois anos
após, iniciou-se a crise do petróleo.
Entre os anos 60 e 80, o crescimento é acelerado, nestas décadas
Rondônia foi considerada o eldorado brasileiro, quando atraiu milhares de
imigrantes da Região Sul, seduzidos pela distribuição de terras promovida pelo
governo federal. Os incentivos fiscais e os intensos investimentos do governo
federal, como os projetos de colonização dirigida, que estimularam a migração,
em grande parte originária do Centro-Sul. Além disso, o acesso fácil à terra boa e
barata atraiu empresários interessados em investir na agropecuária e na indústria
madeireira. A descoberta de ouro e cassiterita também contribui para o aumento
populacional.
A partir de 1979, vários representantes da comunidade local, manifestandose sobre a importância da ferrovia como legado histórico para o Território de
Rondônia, demonstraram o interesse de preservar a memória da EFMM,
entendendo que a melhor maneira seria reativá-la e colocá-la a serviço dos
interesses da comunidade.
54
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, além de ter sido o elemento básico
da ocupação do Território de Rondônia, integrou-se plenamente aos costumes e
necessidades
da
região.
Ela
representou,
entre
outros
fatores,
um
empreendimento técnico e econômico internacional e de grande vulto, um fator
sócio-cultural da maior importância para a vida brasileira e boliviana, pois, ao
desbravar a região, alterou a condição de vida da população que se deslocou
para aquele ponto distante da Amazônia Ocidental.
Representando uma das mais importantes obras de engenharia do início
do século, o seu acervo hoje permite caracterizar não só aquela tentativa inédita
de ocupação da Amazônia, como também a transferência, para a região, da mais
avançada tecnologia da época, representada pela energia a vapor.
Em 1981 Rondônia ganha a condição de Estado. Em apenas duas
décadas, a população do estado passou de 70 mil para 500 mil. Porém, de 1991 a
1997, o território perdeu em média 37 pessoas por dia. Segundo o IBGE, a
migração ocorre principalmente em direção a Roraima. Com o esgotamento da
qualidade da terra, em virtude das constantes queimadas, os pequenos
agricultores buscam novas fronteiras agrícolas na Amazônia.
Mais recentemente, no ano de 1995, a construção do porto graneleiro na
capital, Porto Velho e a abertura, em 1997, da hidrovia do rio Madeira, mudam o
perfil econômico de Rondônia. Com 1.115 km, a hidrovia liga a capital ao Porto de
Itacoatiara, no Amazonas, barateando o transporte de seus produtos agrícolas.
Rondônia abastece a Região Nordeste com feijão e milho, destacando-se também
como produtor nacional de cacau, café, arroz e soja.
Marcado pelo extrativismo vegetal, principalmente de madeira e borracha,
Rondônia também é responsável por 40% da cassiterita produzida no Brasil. Com
a construção da Usina Hidrelétrica de Samuel, na década de 80, cresceram os
segmentos madeireiro, mineral, de construção civil e alimentos.
O Estado tem 1,56 milhões de habitantes, dos quais 66,8% vivem nas
cidades. Mais de 370 mil, ou um quarto dos habitantes, moram na capital, Porto
Velho. Recoberto em sua maior parte por vegetação típica de cerrado, o estado
conta com 22.433 km de rodovias, sendo apenas 6,32% pavimentadas. O
55
saneamento básico também é bastante precário. Em 2005, a rede de esgoto
alcança 48,3% dos domicílios do estado, segundo o IBGE.
Os reflexos dessas condições insalubres aparecem na saúde da
população: o estado é considerado pela Fundação Nacional de Saúde uma região
endêmica de malária, leishmaniose e febre amarela. De acordo com dados do
Conselho Federal de Medicina, conta com 7,1 médicos para cada grupo de 10 mil
habitantes, metade do que é considerado aceitável pela Organização Mundial de
Saúde (OMS).
Contribuíram para o crescimento de Porto Velho a descoberta de
cassiterita (minério de estanho) nos velhos seringais no final dos anos 50, e de
ouro no rio Madeira, mas, principalmente, a decisão do governo federal, no final
dos anos 70, de abrir nova fronteira agrícola no então Território Federal de
Rondônia, como meio ocupar e desenvolver essa região segundo os princípios da
segurança nacional vigentes. Além de aliviar tensões fundiárias principalmente
nos estados do sul, por meio da transferência de grandes contingentes
populacionais para o novo Eldorado.
Quase 1 milhão de pessoas migraram para Rondônia, e Porto Velho
evoluiu rapidamente, de 90.000 para 300.000 habitantes (Fonte: Site Prefeitura de
Porto Velho).
Tabela 01 – Taxa de crescimento populacional (%)
1950/60 1960/70 1970/80 1980/90
Rondônia
6,39
4,76
16,03
7,88
Norte
3,34
3,47
5,02
5,19
Brasil
2,99
2,88
2,48
1,92
Fonte: IBGE
A cidade e o estado tornaram-se uma nova mistura cultural, onde convivem
hábitos e sotaques de todos os quadrantes do país. Juntaram-se ao Boi-bumbá e
forró (de origem nordestina), o vaneirão (gaúcho); ao tacacá e açaí, o chimarrão;
à alpercata, a bota e o chapéu de vaqueiro. O desenvolvimento da pecuária
incorporou as festas de peões e os rodeios aos folguedos juninos.
56
Esta migração intensa provocou um explosivo crescimento da cidade,
particularmente na década de 80. Hoje a cidade mostra as conseqüências desse
crescimento desordenado. Os bairros periféricos são pouco mais que um
aglomerado de casebres de madeira cobertos de palha, sem ordenação ou infraestrutura. Em grande parte resultam de invasões de terras ainda não ocupadas,
por parte de uma população sem teto, que aqui chegava num ritmo não
acompanhado pelas instituições públicas.
Apenas
o
centro,
uma
herança
dos
desbravadores,
apresenta
características de urbanização definidas. Os bairros que se interpõe entre o
centro e a periferia, mostram bem essa condição, com ruas ainda por asfaltar e
sem calçadas, rede de esgotos inexistente, casebres de madeira ao lado de belas
residências. A redução na taxa de crescimento demográfico da década atual, por
outro lado, tem permitido que rapidamente os moradores e os órgãos públicos
implementem melhorias.
A área urbana do município de Porto Velho, como na grande maioria das
cidades brasileiras não obedece ao limite urbano estabelecido.
A cidade vem crescendo de maneira acentuada nos últimos anos e sua
população está estimada em 374 mil habitantes (IBGE, 2005), como se pode
observar na tabela a seguir:
57
Tabela 02 – População residente segundo zona de localização - Porto Velho 2000/05
Ano
População total
2000
Zona de localização
Urbana
Rural
334.661
271.064
63.597
2001
342.264
277.222
65.042
2002
347.844
281.742
66.102
2003
353.961
286.697
67.264
2004
380.884
308.503
72.381
2005
373.917
302.873
71.044
Fonte: IBGE / censo demográfico 2000
Nota: Dados estimados, com exceção dos relativos ao ano 2000
As taxas médias geométricas de crescimento entre 1991 e 2000 foram de
2,35 e a taxa de urbanização, no mesmo período, passou de 72,16% para 81,79%
da população total. A densidade média do núcleo urbano principal, cuja área é
estimada em 11.689 hectares é bastante baixa, cerca de 25,0 hab/ha.
Esse crescimento pode ser também observado nos mapas de evolução e
perímetro urbano de Porto Velho, de 1972 a 1985 e o que vigorou até 2008.
58
Figura 11 – Evolução urbana
Em 1985 já era claro o crescimento para zona leste da cidade, o que se
confirma no perímetro demarcado pelo Plano Diretor de 1990 e já ultrapassado
fisicamente, reflexo do crescente número de áreas invadidas ou ocupadas
irregularmente;
invasão
e
ocupação
das
margens
dos
cursos
d’água,
comprometendo os mananciais pelo avanço da urbanização desordenada.
A próxima imagem mostra a quanto a cidade extrapolou seu limite tido
como urbano.
59
Figura 12 - Perímetro até 2008
Fonte: Prefeitura de Porto Velho
Esse crescimento acelerado e desestruturado resultou na carência de
serviços públicos básicos, como saneamento, água tratada, habitação, dentre
outros, e quem mais sofre é sem dúvidas a população mais pobre que é
marginalizada, segregada, excluída da cidade.
A ampliação do perímetro urbano torna-se urgente, para que esta área já
expandida possa oficialmente fazer parte da cidade e seus habitantes usufruírem
60
dos benefícios que a administração pública tem por obrigação oferecer. Com esse
objetivo, a Prefeitura do município de Porto Velho vem desenvolvendo trabalhos
no sentido de levantar, organizar e sistematizar as informações necessárias ao
estudo da cidade para conclusão de seu plano diretor.
O crescimento da cidade de Porto Velho na direção Leste teve a vantagem
de possibilitar a ocupação de áreas mais altas e planas, bastante adequadas à
urbanização, mas demonstrou por outro lado, um problema grave, porém comum
à muitas cidades brasileiras, uma forte dispersão da malha urbana, ocupada com
baixas densidades, fato este que dá origem a grandes vazios urbanos
comprometendo a expansão das redes de infra-estrutura e de equipamentos
sociais, dados os custos elevados representados por grandes extensões de áreas
a serem cobertas por estas redes.
Na Amazônia, cerca de 76,15% da população já vive em cidades (IBGE,
2000), muitas delas tendo passado pela agricultura de subsistência, procurando
posteriormente os centros urbanos como melhoria de qualidade de vida. Em
Rondônia a capital, Porto Velho, concentra grande parte dessa população, como
se vê no gráfico.
Gráfico 01 - Porcentagem de população total das capitais em relação ao Estado
Fonte: INPE
61
Nas décadas de 70 e 80, o Estado foi tomado por um enorme fluxo
migratório, pessoas que buscavam riquezas, atraídas pelo garimpo, pela oferta de
terras, do Eldorado e grande parte desse fluxo dirigiu-se para a capital. Muitos
enriqueceram, e destes, parte voltou com as riquezas tiradas daqui para usufruir
do bem estar das cidades de origem. Mas a grande maioria nem enriqueceu, nem
voltou para o lugar de origem.
“Quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja
história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma
vigorosa
alienação”
(M.
SANTOS,
2006,
p.
328).
O
autor
fala
da
“desterritorialização, que é, também, desculturização”, vista por Haesbaert como
uma espécie de “mito”, “mais do que a desterritorialização desenraizadora,
manifesta-se um processo de reterritorialização espacialmente descontínuo e
extremamente complexo” (HAESBAERT, 1994, p. 214).
Dessa forma, Porto Velho passou a abrigar saudades das raízes de seus
habitantes, que por vezes sonham com a volta e portanto não se enraízam. É
comum ouvir relatos de pessoas que vieram para ficar aqui um ano, dois e já se
vão vinte, ou mais e ainda sonham com a volta.
Esse pensamento vem mudando aos poucos, por pessoas que realizaram
aqui seus projetos de vida, tiveram descendentes, filhos da terra e que têm a
difícil tarefa de mudar esta mentalidade ainda tão presente, abrir a cidade,
derrubar muros, tabus, preconceitos, formando um novo território, que
se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por
um ator sintomático (ator que realiza um programa) em qualquer nível.
Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo
pela representação), o ator ‘territorializa”o espaço. (...) o território nessa
perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e
informação, e que por conseqüência, revela relações marcadas pelo
poder (RAFFESTIN, 1993, p. 43).
Os projetos de urbanização precisam acompanhar essa dinâmica espacial
e seu conseqüente crescimento demográfico, mas isso praticamente não ocorre.
O grande impacto populacional, ocasionado por medidas políticas de
incentivo a colonização da Amazônia, ainda hoje são sentidos na falta de infraestrutura mínima satisfatória, nas baixas taxas de abastecimento de água,
62
saneamento quase inexistentes, déficit habitacional alto, custo de vida elevado,
segurança pública insuficiente.
O mercado imobiliário explora essas deficiências de forma inescrupulosa; o
marketing imobiliário apóia-se principalmente na ausência de segurança pública,
o que aumenta consideravelmente a construção de condomínios de casas e
apartamentos, de muros que os separam da cidade real. Vende-se um
isolamento, uma nova espacialidade, como se nesta não importasse o mundo lá
fora, as pessoas lá fora, a cidade.
Esses condomínios são construídos em áreas menos valorizadas da
cidade e o poder público é induzido a estender infra-estrutura para atender essa
demanda. Os prédios, aos poucos se multiplicam e começam a formar uma
barreira visual na cidade, já não se pode vê-la ao longe, mas do alto dos prédios.
São os reflexos da globalização no espaço urbano, onde o apartamento alcançou
o status da moradia contemporânea ideal, segura e prática.
No final do séc. XX o mundo acompanhou atento a queda de um de seus
mais famosos muros: o de Berlin, que naquele momento parecia libertar o mundo,
derrubar as barreiras de cada um de nós, mas assistiu-se ao evento por detrás de
outros tantos muros, divisores talvez mais difíceis de derrubar do que aquele. Do
outro lado, o coletivo perde força, a cidade é segregada.
Através
de
estratégias
do
mercado
imobiliário,
normalmente
os
empreendimentos são lançados em áreas de menor valor, forçando o
desenvolvimento e sutilmente expulsa a população original para atrair residentes
de mais alta renda, ocasionando o processo de gentrificação.
Fechar-se em condomínios pode ser o caminho individual, o mais fácil para
quem tem poder aquisitivo, mas não para a sociedade. Essa cidade ideal e irreal,
sai caro para a cidade real. O mau aproveitamento dos espaços gera sua
escassez, o seu alto valor estimula o marketing de que verticalizar é bom.
Outro grande vilão que mutila o espaço urbano são os shoppings centers, e
Porto Velho já teve o seu primeiro shopping inaugurado, e tem um segundo em
obras.
63
Para o arquiteto Paulo Mendes da Rocha (em entrevista a Folha on line –
20/06/2006)8, o confinamento crescente dos cidadãos em espaços privados
destrói as cidades. "A pessoa se priva de tudo, inclusive da vida urbana. Isso não
forma cidadão", afirmou Mendes, que citou o shopping como exemplo de
excludência. Para Fani (2005, p.21), “o padrão arquitetônico da cidade também
segrega, separa, expulsa”.
Os shoppings centers são grandes armas contra os centros das cidades,
império do consumismo, reúnem lazer em torno do comércio diversificado,
oferecem segurança, diversão e entretenimento, mas a uma parcela da população
que possa pagar por isso. “Todos nós ficamos cansados de ver coisas iguais
demais, um shopping normal nos exclui da cidade, com suas lojas tão iguais a
ponto de você não saber em que cidade está” (LERNER, 2005, p.120).
Cabe ao planejamento urbano organizar e propor soluções a esses
transtornos da cidade, desenvolvendo estudos em busca da melhor qualidade de
vida da população, atuando no ambiente urbano, nos processos de produção,
estruturação e apropriação do espaço urbano. A interpretação destes processos,
assim como o grau de alteração de seu encadeamento, varia de acordo com a
posição a ser tomada no processo de planejamento e principalmente com o poder
de atuação do órgão planejador.
A equipe de planejamento urbano, que deve ser interdisciplinar, trabalha
além do aspecto físico-territorial da cidade, envolvendo o processo de produção,
estruturação e apropriação do espaço urbano, detectando impactos positivos e
negativos, causados por um plano de desenvolvimento urbano.
Segundo Câmara e Medeiros (1998), modelagem de dados refere-se ao
processo de abstrair os fenômenos do mundo real para criar a organização lógica
do banco de dados.
Um modelo de dados fornece ferramentas formais para
descrever a organização lógica de um banco de dados, bem como define as
operações de manipulação de dados permitidas. No caso de aplicações
geográficas, as técnicas tradicionais de modelagem devem ser estendidas para
incluir questões específicas de dados geográficos.
8
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u61599.shtml
64
A cidade extrapola o limite urbano estabelecido, dificultando o poder
público de agir com eficácia na ampliação de infra-estrutura que atenda a sua
totalidade. Muitos cidadãos estão à margem dos limites e do direito à cidade, tão
almejado, são ignorados pela cidade oficial, pois ocupam irregularmente o solo
urbano, distando ainda mais a cidade ideal da real.
Estamos prestes a presenciar um novo boom demográfico em Porto Velho,
com a instalação das hidrelétricas do Madeira, o que pode ser também uma
chance da cidade se estruturar de forma sólida, visto que os investimentos são
vultuosos.
Os prognósticos dos ambientalistas são desastrosos, mas a situação real é
que elas estão aí e ao invés de apenas detectar os problemas, temos sim que
propor soluções e, mais do que nunca, pensar a cidade de todos, novos e velhos,
migrantes e portovelhenses, e abraçar a oportunidade de replanejamento.
A questão chave do urbanismo é justamente antecipar essa cidade ideal,
planejá-la, conter o crescimento desordenado, propondo intervenções que
transformem o uso e apropriação do espaço urbano. Cada trecho do espaço
urbano pode ser caracterizado, segundo sua maior ou menor acessibilidade, a
infra-estrutura, serviços urbanos, valor da terra, densidade de ocupação, tipo de
uso permitido.
Com o uso de imagens da cidade, gestores e técnicos passam a dispor de
mais informações sobre o município, melhorando o tempo e a qualidade da
tomada de decisões. Utilizando programas de computador que permitem o uso de
informações cartográficas (mapas e plantas) e informações a que se possa
associar coordenadas, permitindo, por exemplo, utilizar uma planta da cidade
identificando as características de cada área da cidade e seus equipamentos.
Com o estudo da área urbana é possível abranger uma gama de
possibilidades em diversos setores da gestão municipal, destacando-se:
a) Ordenamento e gestão do espaço;
b) Otimização de arrecadação;
c) Localização de equipamentos e serviços públicos;
65
d) Identificação de público-alvo de políticas públicas; entre outros.
Segundo Ribeiro da Silva (2004, p. 55-70) a cidade é um espaço dinâmico,
resultante da atuação constante dos agentes produtores do espaço urbano, sendo
local que possibilita a maximização da reprodução capitalista. Ao mesmo tempo, é
o resultado do conjunto de práticas sociais, de fatores econômicos e políticos que
se expressam no interior da cidade. São essas mudanças que, transformadas em
imagens, são trabalhadas no planejamento urbano, e devem direcionar o
crescimento de forma ordenada.
Conhecer a cidade é imprescindível para detectar lacunas e propor
soluções a esta, e para isso, é necessário um mapeamento preciso nos vários
layers que a formam.
As cidades brasileiras passaram por uma urbanização acelerada no século
XX, sendo que em 1960, a população urbana representava 45% da população
total – contra 55% de população rural , recebendo em 40 anos, entre 1960 e
2000, 106 milhões de novos habitantes. Hoje, vivem nas cidades 80% da
população brasileira (IBGE).
Da década de 80 aos dias atuais, a precariedade habitacional vem
assumindo contornos cada vez mais graves, instalando-se nos loteamentos
irregulares e clandestinos, sem infra-estrutura e equipamentos públicos,
ocupações irregulares de áreas ambientalmente frágeis.
Um dos mais eficientes meios de conhecer a qualidade de vida de uma
população é analisar a condição da habitação, considerando o ambiente que se
encontra, assim como o acesso a bens e serviços.
A Amazônia tem o olhar do mundo voltada para si por sua diversidade
natural, mas também é espaço de habitar humano, de formação de cidades, de
desenvolvimento e planejamento territorial. Para um processo de planejamento
contínuo com qualificação e estruturação urbana é necessária uma política
habitacional eficaz que possibilite o acesso à moradia digna tão discursada na
política, tão desejada pela população.
A Região Norte, constituída pelos estados de Rondônia, Acre, Amazonas,
Roraima, Pará, Amapá e Tocantins e abrangendo 7% da população brasileira (5%
66
em 1980) apresentou no período 1980/91 a mais alta taxa média de incremento
anual da população residente (3,9%), o que denota a persistência de fluxos
migratórios, ainda que em menor intensidade do que nos anos 70, pois a taxa de
fecundidade encontra-se em queda, já em 4,04% nas áreas urbanas em 1984, a
maior entre as regiões do país.
Porto Velho, capital do estado de Rondônia tem área de 34.069 km² e
conta 334.661 pessoas residentes (2000), crescendo 1,72 % ao ano. Como no
restante do país, a maior parte da população tem renda baixa, sendo que, 63% da
população empregada, recebem até 3 salários mínimos e necessitam de
incentivos políticos na área habitacional.
Gráfico 02
Classes de rendimento nominal mensal (salário mínimo)
Porto Velho - 2000
6%
3%
23%
15%
até 1
mais de 1 a 2
mais de 2 a 3
mais de 3 a 5
mais de 5 a 10
13%
12%
28%
mais de 10 a 20
mais de 20
Fonte: Prefeitura de Porto Velho – SEMPLA
Para traçar um perfil do quadro habitacional na cidade de Porto Velho,
optou-se por examinar seu crescimento populacional (total, urbano e rural), o
aumento no número de domicílios (total, urbano e rural) e o atendimento a estes
domicílios em saneamento básico nos anos de 1970,1980,1991 e 2000, dados
disponibilizados pelo IBGE, com exceção do saneamento, fornecidos pela
Prefeitura do Município de Porto Velho.
67
Tabela 03 – perfil do quadro habitacional
Anos
1970
1980
1991
2000
poptotal
84048
133882
287534
334661
Popurb poprural domitotal domiurb domirural saneam
47888
36160
14782
8292
6490
266
102593 31289
26023
20321
5702
520
229788 57746
66531
53838
12753
1330
273709 60952
83744
68943
14801
1507
Fonte: dados IBGE
Somam-se os baixos índices de atendimento do sistema de tratamento e
distribuição de água, que atende menos de 50% dos domicílios (CAERD -2000),
induzindo a proliferação de poços para captação de águas subterrâneas. Apenas
1,8% dos domicílios são atendidos pelo sistema incipiente de esgotamento
sanitário, comprometendo o lençol freático com a instalação de fossas.
São as conseqüências de um crescimento desordenado; o município não
acompanha o desenvolvimento populacional e habitacional, como mostram os
mapas de delimitação do perímetro urbano de Porto Velho, evolução de 1972 a
1985 e o atual (ver figuras p. 58-59). As áreas já expandidas têm que ser
incluídas na cidade para que seus habitantes possam usufruir dos benefícios que
a administração pública tem por obrigação oferecer.
O déficit habitacional é crescente e o elevado índice de inadequação
habitacional;
há
baixa
interface
com
investimentos
em
infra-estrutura,
principalmente saneamento básico.
Tabela 04 - Déficit/Inadequação Habitacional
Base :
Censo IBGE 2000
Porto Velho - sede
Déficit Habitacional
Absoluto
Relativo
Inadequação Habitacional
Por adensamento
10.378
12%
7.986
10%
Por Infra-estrutura
40.682
48%
Fonte : IPPUR/UFRJ ser. 2003
Houve um crescimento muito grande, um salto aguçado na demanda
populacional e não houve um plano de ação municipal que acompanhasse esse
crescimento na área habitacional. Segundo estimativas do IBGE para populações
residentes, em 1° de julho de 2008, Porto Velho alc ançou a soma de 379.186
habitantes.
Com a legislação prevista no Estatuto da Cidade para viabilizar a utilização
do estoque dos lotes urbanos na promoção dos programas habitacionais é
68
possível
reduzir
este
déficit,
assim como
a
inadequação
habitacional,
estabelecendo programas para implantação da infra-estrutura e dos serviços
urbanos em todo o perímetro urbano, mas para que isso ocorra é imprescindível
um estudo minucioso do seu processo evolutório, associando a análise
quantitativa a uma abordagem qualitativa da questão habitacional, considerando a
realidade local.
A cidade deve ser vista como um todo para que se possam trabalhar as
partes pontualmente. A urbanização não planejada fragmenta o território e
segrega os grupos sociais, pois por vezes expulsa a pobreza para a periferia,
outras justapõe áreas nobres com áreas extremamente precárias, cria vazios
urbanos e aguça as diferenças.
Sem áreas legais de habitar, as pessoas invadem áreas impróprias,
formando loteamentos clandestinos, as conhecidas “invasões”, criando ainda
maiores dificuldades ao setor público para que sejam feitas as melhorias que
tornariam habitável aquele espaço, pois muitas das vezes estas invasões
extrapolam o limite urbano delimitado da cidade. Em Porto Velho observa-se o
crescimento intenso de bairros na zona leste da cidade, com altas taxas de
crescimento populacional.
69
Tabela 05 – crescimento populacional/bairros
ZONA 01
BAIRRO
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
CENTRO
CAIARI
OLARIA
SÃO CRISTOVÃO
KM 1
STA BÁRBARA
MOCAMBO
BAIXA DA UNIÃO
ARIGOLÂNDIA
PANAIR
PEDRINHAS
SÃO JOÃO BOSCO
LIBERDADE
N. SRA.DAS GRAÇAS
MATO GROSSO
ROQUE
AREAL
TRIÂNGULO
SÃO SEBASTIÃO
NACIONAL
COSTA E SILVA
TUCUMANZAL
TUPY
MILITAR
Total
Total
2.323
512
3.984
4.319
363
1.254
1.015
2.535
1.030
1.793
3.668
6.290
4.127
3.505
2.376
2.340
5.682
2.460
6.599
6.821
4.578
2.493
995
356
71.418
População
Homem
1.007
230
1.848
2.051
172
587
498
1.247
451
877
1.798
2.999
1.976
1.699
1.185
1.139
2.687
1.236
3.321
3.468
2.252
1.245
491
175
34.639
Mulher
1.316
282
2.136
2.268
191
667
517
1.288
579
916
1.870
3.291
2.151
1.806
1.191
1.201
2.995
1.224
3.278
3.353
2.326
1.248
504
181
36.779
Total
10.328
9.866
455
2.271
9.968
11.183
692
44.763
População
Homem
5.051
4.738
215
1.085
4.815
5.466
345
21.715
Mulher
5.277
5.128
240
1.186
5.153
5.717
347
23.048
ZONA 02
BAIRRO
1
2
3
4
5
6
7
EMBRATEL
N. PORTO VELHO
INDUSTRIAL
RIO MADEIRA
FLODOALDO P. PINTO
AGENOR CARVALHO
LAGOA
Total
70
ZONA 3
BAIRRO
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
Total
8.802
3.510
4.181
1.210
9.317
6.396
2.135
10.272
11.618
9.612
3.793
75
1.283
4.917
77.421
População
Homem
4.354
1.741
2.031
623
4.571
3.186
1.083
5.041
5.592
4.749
1.894
42
591
2.553
38.051
Mulher
4.448
1.769
2.150
587
4.746
3.210
1.052
5.231
6.026
4.863
1.899
33
692
2.664
39.370
CUNIÃ
IGARAPÉ
TIRADENTES
TANCREDO NEVES
JK
CASCALHEIRA
TRÊS MARIAS
LAGOINHA
APONIÃ
PLANALTO
TEIXEIRÃO
ESCOLA DE POLÍCIA
Total
Total
5.132
8.817
1.688
9.788
9.530
335
6.441
4.699
12.099
239
5.103
4.460
68.331
População
Homem
2.562
4.349
827
4.787
4.715
172
3.202
2.316
5.864
136
2.564
2.253
33.747
Mulher
2.570
4.468
861
5.001
4.815
163
3.239
2.383
6.235
103
2.539
2.207
34.584
POPULAÇÃO URBANA:
236.849
116.780
120.069
População
Homem
2.482
723
2.896
2.792
3.806
2.776
3.373
2.508
21.356
Mulher
2.491
732
2.903
2.690
3.751
2.821
3.301
2.445
21.134
CONCEIÇÃO
NOVO HORIZONTE
ELETRONORTE
AREIA BRANCA
NOVA FLORESTA
FLORESTA
ELDORADO
CASTANHEIRA
COHAB
CALADINHO
CIDADE DO LOBO
ESTRADA P/ GUAJARA
AEROCLUBE
CIDADE NOVA
Total
ZONA 04
BAIRRO
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
1
2
3
4
5
6
7
8
EXTENSÃO URBANA
EXTENSÃO URBANA
Total
MARCOS FREIRE
4.973
RONALDO ARAGÃO
1.455
ULISSES GUIMARÃES
5.799
MARIANA
5.482
SÃO FRANCISCO
7.557
SOCIALISTA
5.597
JARDIM SANTANA
6.674
OUTROS
4.953
TOTAL
42.490
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - Censo 2000
71
Por outro lado, alguns grupos, para ficar próximos aos serviços, comércio,
facilidades do centro da cidade, ocupam áreas próximas a este, igualmente
impróprias, criando uma proximidade física da cidade, mas continuando excluída
socialmente, desafiando o conceito básico de cidade, baseado na inter-relação
entre as classes sociais.
É o caso do Baixa da União, uma área alagadiça, próxima ao centro, que
poderia servir à população como um grande parque urbano de preservação, mas
hoje está totalmente invadida, o que ocasiona além do problema de assentamento
precário, a conseqüência ambiental, posto que são totalmente desprovidos de
qualquer saneamento.
A crescente demanda por condomínios fechados acentua ainda mais o
quadro de distanciamento entre classes.
A valorização das terras através de interesses de poucos causa o processo
de gentrificação, distanciando ainda mais a pobreza da cidade.
As mudanças devem vir através de um planejamento que veja a cidade,
detecte seus defeitos e proponha soluções a curto, médio e longo prazos, para
que seja possível sua efetivação.
A cidade atual é fruto de um processo histórico de exploração e privilégio
das classes abastadas sobre as pobres, onde poucos são beneficiados e a
maioria não usufrui dos benefícios que gera, criando um território urbano de
grandes desigualdades sociais.
Consolidar a função social da propriedade, baseada fortemente na
construção do interesse público da maioria é o fundamento do Estatuto da
Cidade.
72
CAPÍTULO IV
4. INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO URBANO
"O planejamento não é mais do que a tentativa de viabilizar
a intenção de governar o próprio futuro."
(Carlos Matus)
Para nortear e planejar o crescimento, as cidades dispõem de documentos
fundamentais; entre os de maior importância estão o Estatuto da Cidade e o
Plano Diretor do Município. O Estatuto da cidade reúne importantes instrumentos
que
visam
garantir
estabelecimento
da
a
efetividade
política
do
Plano
Diretor,
responsável
urbana na esfera municipal
pelo
e pelo pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, como
consta no Art.182 da Constituição Federal.
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder
público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade
e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para
cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor.
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e
justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para
área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do
proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado
que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente,
de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo
no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de
resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Pela Constituição de 1988, os municípios foram promovidos à categoria de
ente federativo, co-responsável por promover as políticas habitacional e urbana.
Isso potencializou experiências já em andamento, no esforço de preencher o
vácuo criado pelo esvaziamento da política nacional, e fez surgir novas soluções
no nível local.
73
Mas, para que estes documentos sejam aplicados de forma eficaz é
necessário um mapeamento claro das necessidades, dados reais, para tornar a
cidade elemento espacial de integração.
O Plano Diretor é um instrumento que suscita desafios e oportunidades,
visto que, os núcleos urbanos brasileiros vêm passando por um crescimento
desmedido nas últimas décadas, crescimento sem desenvolvimento, devido à
ocupação desordenada do território e por falta de políticas públicas que absorvam
esses problemas e trabalhem na solução destes, necessitando debater sobre as
formas de planejar o ordenar o território no âmbito local.
Da população destes núcleos urbanos, a maior parte vive em cidades com
mais de 20 mil habitantes. M. Santos (2005) afirma que “a população urbana das
aglomerações com mais de 20 mil habitantes cresce mais depressa do que a
população total e a população urbana do país, e o mesmo fenômeno também se
verifica em escala regional”.
A desarticulação política, a busca por interesses unilaterais agrava os
problemas básicos da cidade, principalmente aqueles como saneamento, obras
que não aparecem politicamente e por isso são desvalorizadas pelos gestores.
Mas essa visão pequena sobre o poder local vem mudando nos últimos
anos, ele tem sido apontado como “espaço privilegiado para a realização da
democracia, da participação cidadã e de iniciativas econômicas e sociais”
(COSTA, 1996, p. 113).
A partir da Constituição de 1988, a política de desenvolvimento das cidades
brasileiras passou a ser definida por Leis Orgânicas e Planos Diretores. Este
último define-se como instrumento de gestão contínua para a transformação
positiva da cidade e seu território, cuja função é estabelecer as diretrizes e pautas
para a ação pública e privada, com o objetivo de garantir as funções sociais da
cidade. Elaborado numa perspectiva de médio prazo, geralmente dez anos,
estando sujeito a reavaliações periódicas, sem prazos definidos, mas sempre que
fatos significativos do fenômeno urbano o requeiram.
Com a criação do Ministério das Cidades (2001) pelo governo federal,
ampliou-se a discussão voltada às políticas de desenvolvimento urbano, antiga
74
reivindicação dos movimentos sociais de luta pela reforma urbana. Seu grande
desafio é a organização do espaço segundo as necessidades práticas dos atores
sociais que intervêm no processo de desenvolvimento local.
O Estatuto da cidade reúne importantes instrumentos que visam garantir a
efetividade do Plano Diretor, responsável pelo estabelecimento da política urbana
na esfera municipal e pelo pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade
e da propriedade urbana, como consta no Art.182 da Constituição Federal9. O
Estatuto da Cidade, lei federal, n. 10.257 de 10 de julho de 2001, em vigor desde
outubro de 2001; regulamenta a Constituição Federal no que trata da política
urbana, definindo diretrizes a serem aplicadas nos municípios brasileiros.
Alguns dos principais assuntos que aborda são:
a)
Regularização fundiária, privilegiando áreas de baixa renda;
b)
Uso e ocupação do solo urbano
c)
Habitação, principalmente nas áreas subutilizadas da cidade;
d)
Relação cidade-campo e a expansão urbana descontrolada;
e)
Qualidade do meio ambiente na cidade, qualidade do habitat;
f)
Parcerias entre os setores público e privado nas intervenções
urbanísticas;
g)
Gestão democrática e participação popular nas decisões.
Para que esses temas sejam discutidos e as ações previstas, o Estatuto da
Cidade reforça a importância dos Planos Diretores Municipais, obrigatórios para
municípios com mais de 20.000 habitantes.
A participação popular é essencial para garantir que as ações previstas no
Estatuto da Cidade; é ela que garantirá que as ações previstas sejam efetivadas.
Segundo publicação do Ministério das Cidades (Plano Diretor Participativo, 2004):
Os processos de discussão de planos diretores municipais podem ser
uma excelente oportunidade de municípios que enfrentam problemas
comuns discutirem e fazerem acordos em torno de questões setoriais e
9
Artigo 182 da constituição Federal: A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.
75
temáticas mais amplas que se relacionam ao desenvolvimento regional.
Pode ser até mesmo uma forma de avançarmos na construção de novas
metodologias para o tema do planejamento espacial metropolitano ou
regional.
Reforça, pois, o olhar sobre a cidade como elemento espacial de
integração, que se relaciona com a região em que está inserida e, portanto pode
propor soluções para os problemas comuns em conjunto.
Uma importante contribuição é oferecida por Oliveira (2001, p. 1) ao afirmar
que “A cidade se origina da necessidade de contato, comunicação, organização e
troca entre homens e mulheres”, e esse contato se amplia no intercâmbio entre
cidades, no intuito de reforçar as características locais e regionais.
Os
municípios
devem reforçar
suas
potencialidades,
vocações
e
identidades, na perspectiva do desenvolvimento local sustentável, através do uso
racional dos recursos naturais, investindo também nos serviços de infra-estrutura
e em iniciativas de valorização sociocultural. É importante lembrar que a
descentralização de investimentos federais e estaduais para o interior dos
estados contribui bastante para alcançar o desenvolvimento de forma mais
equilibrada.
A cultura caracteriza um local, pois está diretamente ligada ao espaço, à
história e aos símbolos locais. Distingue a forma como as pessoas se relacionam
com seu meio, e estabelece uma estreita relação com o desenvolvimento
econômico e político local. “O desenvolvimento divorciado do seu contexto
humano e cultural não é mais do que um crescimento sem alma” (UNESCO).
Diante da globalização as características locais têm que ser reforçadas,
para não se perderem e porque são elas que vão caracterizar da região à
localidade, ressaltando seus diferenciais propícios ou não ao desenvolvimento.
A cultura é elemento essencial no planejamento, gestão e conservação das
cidades, visando seu desenvolvimento sustentável e a valorização das
características específicas de cada local, nesse sentido Taylor (1871, p. 9)
destaca que ao “Falar de cultura significa falar da história da humanidade, pois o
termo engloba costumes, arte, arquitetura, cultos e comportamentos diversos que
76
caracterizam e distinguem povos, mas que é também um elo entre muitos, “um
todo completo”
O desenvolvimento sustentável urbano é um aliado na valorização da
dimensão cultural, valorizando a cidade e direcionando o crescimento desta,
atraindo investimentos para o verdadeiro desenvolvimento local.
A questão social é preocupação constante, em Harvey (1980) podemos
perceber o objetivo social do ordenamento político territorial, quando questiona se
“é possível harmonizar as políticas que governam a forma espacial e os
processos sociais de modo a assegurar a obtenção de, sobretudo, algum objetivo
social?” Se a resposta for não, a segregação é conseqüência.
O Plano Diretor é a busca dessa resposta positiva e no seu processo, é
fundamental a participação de diversos setores da sociedade civil e do governo:
técnicos da administração municipal, órgãos públicos estaduais, federais,
instituições de ensino, movimentos populares, representantes de associações de
bairros e de entidades da sociedade civil, além de empresários, comerciantes e
quem mais venha a se interessar pelo futuro da cidade.
A participação, segundo Demo (1990, p. 97) “é processo, não produto
acabado”, é necessário um início, uma vontade, um despertar, um estímulo para
que se chegue a uma participação ampla da comunidade, “uma questão de
educação de gerações”, completa.
Analisar a situação atual para se definir ações é indispensável. É preciso
esboçar a imagem detalhada do sistema atual e então propor mudanças. Ao final
da análise obtém-se um diagnóstico de passado, presente e futuro.
Para a formulação das possibilidades de gestão e cenário mais provável é
de grande importância a posição assumida pelos atores envolvidos, visando
interesses destes e os conflitos existentes.
Algumas
ferramentas
gerenciais
podem
ser
utilizadas,
como
o
planejamento estratégico, apoiando a escolha de um modelo de gestão que
permita
a
criação
de
espaços
que
estimulem a
participação,
responsabilidade e o acompanhamento da gestão pela população.
a
co-
77
O planejamento estratégico aplicado à forma de governar o público, traz
como ponto fundamental a inter-relação entre os atores sociais e políticos, público
e privado, na busca de desenvolvimento. A ação deve estar pautada na reflexão,
no cálculo antecipado do reflexo desta no futuro.
Aplicado ao ambiente governamental público vem integrar atores que antes
agiam independentemente uns dos outros e prevê com essa integração um
enriquecimento político, econômico, cultural e social, pois a partir do momento
que a gestão é capacitada e o projeto de governo atinge as lacunas existentes
anteriormente com a participação ativa dos atores sociais, o desenvolvimento
torna-se conseqüência dessa integração.
A busca pela solução dos conflitos não deve ser única do governo, mas de
todos os meios envolvidos, assim, se cada qual procurar resolver sua fração,
teremos o crescimento local e global que se espera.
Planejar o desenvolvimento municipal é um dos maiores desafios para o
poder público nos dias incertos que correm e o Plano Diretor dos municípios é
instrumento fundamental na articulação das ações de seu planejamento.
Mas, o município não se limita ao urbano, assim também não pode limitarse a este seu Plano Diretor, visto que, urbano e rural estão diretamente ligados. O
que deve-se abordar portanto, são os problemas do município como um todo,
estejam estes na área urbana ou rural; a relação destes entre si e com a região.
A atualização dos dados, o replanejamento, têm de ser constantes.
Buarque (2002) infere que “a única coisa realmente constante é a mudança”, e
destaca a importância da participação da sociedade para que essa mudança seja
em seu benefício:
O planejamento e o Estado – como agente regulador – ganham
relevância, assumem papéis e se tornam uma necessidade vital na
medida em que a sociedade se oriente para o desenvolvimento
sustentável e para a construção de um novo estilo de desenvolvimento
que busca a conservação do meio ambiente, o crescimento econômico e
a eqüidade social.
A mobilização da cidadania local é fundamental para garantir que os
benefícios previstos no Plano Diretor possam ser efetivados e sair do papel,
78
considerando as características de cada município no enfrentamento das
questões urbanas essenciais.
O Planejamento tem como meta trazer a teoria à prática, tornar o planejado
em ação política, popular, coletiva, mas como sabemos e já citado por Giddens
nas palavras de Ira J. Cohen, “se fosse uma questão simples reconciliar ação e
coletividade em uma teoria social única, então a discriminação entre esses temas
jamais seria cogitada” (COREN, 1999, p. 394).
Com o planejamento estratégico, o município passa a ser detentor do
“maior papel no combate à pobreza e à exclusão social”, deixando a tradicional
visão assistencialista e passando a adotar “programas de geração de emprego e
renda, ações de solidariedade no combate à fome, investimentos em infraestrutura urbana, etc. ...” (BAVA, 1996, p.53).
A responsabilidade de planejamento de políticas públicas está, ou deveria
estar pautada na confiança. Nas palavras de Giddens, “a confiança sem
responsabilidade pode tornar-se unilateral, ou seja, cair na dependência; a
responsabilidade sem confiança é impossível, porque significaria o escrutínio
contínuo dos motivos e das ações do outro” (GIDDENS: 1993, p. 191). Giddens,
considera a democracia como um instrumento de transformação coletiva para
modificar os padrões existentes.
Ora, pois não é então o Plano Diretor essa ferramenta a serviço da
democracia? Construído de forma democrática e participativa, o plano constitui-se
no mais importante instrumento na busca de cidades mais justas e na construção
de um pacto sócio-territorial que mude o quadro de desigualdades expressivo de
nosso território.
A visão política vem na frente da técnica, pois o Plano Diretor é um
instrumento vinculado aos poderes e atribuições de um governo municipal. São
duas dimensões interligadas, sendo que a política visa garantir o acesso à cidade,
o direito a ela e a dimensão técnica visa buscar as formas de viabilizar esse
acesso. Acessibilidade torna-se assim, palavra chave da cidade democrática.
“O exercício político do planejamento é como um jogo; um jogo que se
desenvolve em arenas diversas, na ausência de regras preestabelecidas”
79
(MONTEIRO, 1990, p.12), onde é melhor participar do que apenas sofrer as
conseqüências, pois todos que habitam o território sentiram seus efeitos, positivos
ou não.
A clareza nas diretrizes estabelecidas é presença obrigatória para que a
confiança prevaleça sobre o jogo de poderes e que estes não se escondam por
trás de decisões tão norteadoras do futuro das cidades.
Toda proposta participativa significa divisão de poder para ser autêntica,
mas não está na lógica do poder dividir-se e este pode ser um dos empecilhos do
processo participativo.
o poder, nome comum, se esconde atrás do Poder, nome próprio.
Esconde-se tanto melhor quanto maior for a sua presença em todos os
lugares. Presente em cada relação, na curva de cada ação: insidioso, ele
se aproveita de todas as fissuras sociais para infiltrar-se até o coração
do homem. A ambigüidade se encontra aí, portanto, uma vez que há o
‘Poder’ e o ‘poder’. Mas o primeiro é mais fácil de cercar porque se
manifesta por intermédio dos aparelhos complexos que encerram o
território, controlam a população e dominam os recursos. É o poder
visível, maciço, identificável. Como conseqüência é o perigoso e
inquietante, inspira a desconfiança pela própria ameaça que representa.
Porém, o mais perigoso é aquele que não se vê, ou que não se vê mais
porque acreditou tê-lo derrotado, condenando-o à prisão domiciliar
(RAFFESTIN, 1993, p.52).
Conquistar o espaço da participação é o ponto de partida para a solução
dos problemas de um município. O desenvolvimento sustentável, procura a
eqüidade entre comunidades e entre gerações com a parceria entre governo e
sociedade, cidades, paises, povos, interligados em busca do crescimento geral
baseado na sustentabilidade.
Salgado
(1996)
aponta que
a “melhoria
da
qualidade
de vida,
democratização do poder e defesa do meio ambiente constituem-se bandeiras
que estão sendo assumidas com maior consistência, gerando transformações na
ação municipal”. Com a aplicação do desenvolvimento sustentável, aumenta-se a
sustentabilidade do território, pois, melhor administrado, com diretrizes que
80
demonstrem os principais fatores que levem ao seu uso mais adequado, que
atenda à população, sem eliminar os recursos que serão necessários no futuro.
O desenvolvimento sustentável deve atingir todas as classes, todos devem
participar de uma administração mais envolvida com o crescimento humano e não
apenas econômico. E para que o ser humano cresça, ele precisa de uma
natureza preservada, de sua memória histórica e cultural resguardada e de
condições de vida mais dignas.
Assim, o planejamento, como ferramenta de gestão, possibilita a tomada
de
decisões
estratégicas,
considerando
os
diferentes
aspectos
sociais,
econômicos e ambientais do município, e amplia a visão do gestor, estabelecendo
prioridades para superar as dificuldades e desenvolver as potencialidades, no
sentido de assegurar o futuro desejado.
Para que o Plano Diretor seja o início da construção das cidades que
queremos, é preciso não só cobrar, mas participar ativa e criticamente do seu
processo, do planejamento à implantação, das revisões e adequações
necessárias, porque o território é de quem o faz, quem trabalha por ele, de quem
luta por viver de forma digna no seu espaço.
81
CAPÍTULO V
PLANOS DIRETORES DE PORTO VELHO
1990 – 2008
Complementando nosso estudo sobre a cidade de Porto Velho, para o qual
nos baseamos no estudo teórico-histórico feito nos capítulos anteriores,
passaremos agora análise de seus Planos Diretores.
Porto Velho concluiu neste ano (2008) seu segundo Plano Diretor – PD,
isto é, dezoito anos após a elaboração do primeiro, vigente portanto de 1990 até
2008. Abordaremos os pontos relevantes dos dois planos, na tentativa de detectar
suas
qualidades
e lacunas,
considerando
o
momento
em que
foram
desenvolvidos.
O grande diferencial entre eles está na criação do Estatuto da Cidade em
2001, que estabeleceu pontos que norteiam os Planos Diretores10 elaborados a
partir desta data, como parte da nova política urbana. São pontos a serem
discutidos e que devem fazer parte do PD de cada município. Com ele os Planos
Diretores tomaram um cunho mais humano, social, deixaram de ter o aspecto
apenas técnico, de ser sinônimo de zoneamento, como eram a maioria destes
documentos até então. E o de Porto Velho não foge à regra.
Começamos pela análise do PD/1990, elaborado pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU/USP e pela
Fundação de Pesquisa Ambiental, da mesma Universidade.
Este Plano traçava, como sua definição e abrangência, a promoção do
desenvolvimento das funções sociais da cidade nos campos político, estratégico,
social e físico-territorial, e tem como objetivos definir diretrizes para o uso e
ocupação do solo urbano, a localização de equipamentos e de serviços urbanos e
atenção ao sistema viário.
Textualmente, as propostas de melhorar a qualidade de vida da população
através do planejamento de uso da cidade são relevantes quando propõem:
10
É preciso esclarecer que os planos diretores são instrumentos de planejamento municipal que devem
abranger todo o município. Isto é, devem ordenar todo o território do municipal: rural e urbano.
82
- redução das desigualdades;
- eliminação das deficiências nas redes de equipamentos sociais e de infraestrutura;
- elevação da qualidade do meio urbano;
- participação popular;
- manutenção do limite das áreas urbanizadas.
E constituía como objetivos estratégicos, a implantação de zoneamento e
de hierarquia viária. Porém, os pontos abordados não tomaram a dimensão
esperada, por inconsistência do próprio Plano, assim como a atenção aos
padrões de meio fio, sarjeta e calçadas, no intuito de privilegiar o pedestre, pois
qualquer pedestre tem dificuldade de circulação pelas ruas de Porto Velho.
Como objetivos sociais, constitui prioridade o atendimento escolar urbano
e recomenda a promoção de estudos técnicos para diversos projetos que não
aconteceram.
Com
relação
aos
objetivos
físico-territoriais,
assegura
que
o
desenvolvimento urbano do município garanta a qualidade de vida. Para tanto,
sugere a promoção de estudos que eliminem enchentes, impeça a ocupação de
áreas de risco, que preserve os recursos naturais, implante áreas verdes,
preserve o patrimônio histórico-cultural; porém, não define as áreas em questão e
não propõe ações efetivas. Enfim, são sugestões generalistas, evasivas.
Dentre as diretrizes políticas, estão: criar conselhos visando participação
popular, reformular os órgãos municipais e promover articulação entre órgãos.
Como diretrizes estratégicas, propõe “elaborar políticas de ocupação do
solo urbano que estimulem a ocupação dos vazios urbanos, com o conseqüente
adensamento populacional em regiões da cidade.” Propõe, também, estudos para
implantação de equipamentos urbanos.
Percebemos que estes estudos deveriam ser desenvolvidos no processo
de elaboração do PD. No entanto, diversas vezes no texto há a sugestão de se
desenvolver estudos para propor soluções, mas o documento não articula nem
83
sequer quem deve promover os estudos. É tudo muito vago, sem estipulação de
prazos, sem uma seqüência, sem direcionamento.
Apresentamos na seqüência um estudo feito por empresa contratada pela
Prefeitura de Porto Velho para iniciar a análise e levantamentos para embasar um
novo Plano Diretor. Nele são detectadas quais as proposições do PD/1990 que
obtiveram êxito.
84
PLANO DIRETOR MUNICIPAL DE PORTO VELHO
O Plano Diretor – 1990
Consistência, Atualidade e Nível de Implantação
Consórcio Cyro Laurenza
Promoção da melhoria de vida e redução das desigualdades
Objetivos
Eliminação das deficiências nas redes de equipamentos sociais e de infra-estutura
Participação dos cidadãos nos processos decisórios
Coibição do uso anti-social do solo
Levantamentos anuais do Município com indicação de ocupação urbana
Política
Diretrizes
Elevar a qualidade do meio ambiente, resguardar recursos naturais e o patrimônio histórico
Reformular a organização dos órgãos municipais
Promover a articulação com órgãos e entidades federais e estaduais, em especial à política de
saneamento básico, meio ambiente e transporte de cargas
Criar conselhos representativos da comunidade junto aos órgãos de planejamento e de execução
Objetivos
Promover o crescimento da cidade na área urbanizada
Estratégica
Manutenção do perímetro urbano legal em vigor
Promoção do adensamento e ocupação de lotes vazios
Implantação de zoneamento com predominância de usos a serem incentivados
Cultura/ Lazer
Habitação
Meio Ambiente
Organização Espacial
dos Serviços Municipais
dos Serviços e Equipamentos
de Infra-Estrutura Urbana
dos Serviços Sociais
Econômico
TEOR
NATUREZA
CAMPO
da Organização
Administração e Gestão
PROPOSIÇÕES
85
Implantação de Hierarquia viária
Padronização de meios-fios, sarjetas e calçadas
Diretrizes
Elaborar políticas de ocupação do solo urbano na ocupação dos vazios
Promover estudos e pesquisas relacionadas às atuais predominâncias de uso do solo
Hierarquizar o sistema viário
Promover a articulação dos órgãos federais e estaduais reativação da Estrada de Ferro MadeiraMamoré
Priorizar o atendimento da população escolar urbana do primário ao final do primeiro ciclo
Estabelecer sistema de distribuição de unidades escolares
Promover o atendimento adequado à população quanto à rede de equipamentos de saúde
Objetivos
Promover estudos de modernização e complementação da rede de serviços de saúde
Estabelecer sistema de distribuição, dimensionamento e padronização dos Centros Sociais Urbanos
Promover estudos técnicos objetivando modernizar o serviço de coleta, transporte e destinação final
dos resíduos sólidos urbano e escolher local apropriado para instalação de um aterro sanitário
Promover estudos técnicos objetivando a localização do Centro Cultural
Promover estudos técnicos objetivando a localização de Áreas de recreação
Promover estudos técnicos objetivando a localização do Parque Ecológico
Promover estudos técnicos objetivando a localização do Centro Poliesportivo Municipal
Promover estudos técnicos objetivando a localização do Cemitério Parque
Social
Promover estudos técnicos objetivando a localização do Centro Administrativo Municipal
Promover estudos técnicos objetivando a localização do Viveiro Municipal
Realizar pesquisas para a implantação de Planos setoriais de educação e saúde e sistema de
creches nas áreas deficientes
Implantar Escola Modelo voltada à formação de professores
Diretrizes
Implantar Estádio Poliesportivo na área verde próxima ao Igarapé da Penal
Implantar Centro Cultural junto à Praça da Estação da estrada de Ferro Madeira-Mamoré
Implantar Cemitério Parque nas proximidades do Parque ecológico
Implantar Aterro Sanitário a 21km da cidade com acesso pela rodovia BR-364
Implantar Centro Administrativo Municipal junto ao entroncamento da BR-364 com a Av. Jorge
Teixeira
Implantar Central de Abastecimento no setor urbano formado pelas vias Gov. Jorge Teixeira, Costa
e Silva e Calama.
86
Assegurar o desenvolvimento urbano do Município visando garantir e elevar o padrão de vida
Objetivos
Promover estudos para diminuição de áreas de enchentes e proibir sua ocupação
Diretrizes
FísicoTerritorial
Preservar recursos naturais da cidade
Promover a pavimentação de logradouros públicos
Proibir a construção de avenidas de fundo de vales
Desenvolver sistema de áreas verdes, áreas de lazer considerando o aproveitamento de talvegues
e áreas inundáveis
Preservar e melhorar a paisagem urbana, recursos naturais e patrimônio histórico
Realizar estudos e pesquisas visando a implantação de sistemas de áreas verdes de recreação e
lazer
Realizar estudos e pesquisas visando a implantação de Plano de Drenagem Urbana
Realizar estudos e pesquisas visando a implantação de Plano Setorial de Operacionalização de
serviços urbanos
Impedir a aprovação de novos parcelamentos do solo urbano nas áreas externas ao atual perímetro
urbano do Município
Elaborar políticas de preservação do ajardinamento do sistema de áreas vedes
Equipar com serviços e mobiliário urbano adequado os trechos de logradouros da cidade,
destinados ao uso de pedestres
Estimular a iniciativa privada para equipar e manter logradouros públicos da cidade
Instalar Parque Ecológico em área rural e elaborar políticas inibidoras do crescimento urbano em
suas instalações
Manter a localização da atual Estação Rodoviária e expandir sua área.
Implantar Terminal de Cargas, junto ao porto no Rio Madeira próximo ao anel viário básico
Legenda:
Proposições Não Implantadas
Proposições Parcialmente Implantadas
Proposições Implantadas
Fonte: Prefeitura de Porto Velho - SEMPLA
87
Segundo análise do Consórcio Cyro Laurenza, poucas das propostas
tiveram prosseguimento, a maioria delas ficou apenas no discurso e no papel.
Consideramos que os grandes entraves ao prosseguimento e efetivação
das ações apontadas como necessárias no PD/1990 foram principalmente a
ausência de um cronograma de atividades a serem cumpridas a curto, médio e
longo prazos e o não direcionamento de recursos para que essas ações
pudessem se efetivar. Ao contrário, ele adia os estudos operacionais setoriais
para um futuro indeterminado, privando o Plano da chance de delinear um quadro
de demandas quantitativamente consistente no tempo.
Também é fato que a vontade política em dar prosseguimento aos estudos
e proposições do Plano Diretor foi ausente, o que obstrui o processo de
planejamento, pois este envolve permanente revisão, atualização e controle para
que seja efetivo. “Ora, a vontade política é o fator de excelência das transfusões
sociais” (M. SANTOS, 2005, p.140).
No tocante ao zoneamento, o PD/1990 fez mais um mapeamento da forma
como o espaço já era usado do que um planejamento propriamente dito e
considerou como zona de expansão urbana as contidas fora do perímetro urbano
até 5000 (cinco mil) metros, ou seja, considerou a linha limítrofe da cidade 5km
adiante sem importar-se se a faixa abrangia rio, igarapés, áreas impróprias para
edificar, sem qualquer estudo das áreas nela contidas o documento permite à
cidade desenvolver-se fisicamente nesse sentido. Observamos aí um confronto
com o desejo de adensamento urbano e contensão da expansão expresso no
mesmo documento.
88
Figura 13 - Zoneamento – PD/1990
Fonte: Prefeitura de Porto Velho - SEMPLA
89
Outros aspectos não abordados no PD de 1990 serão comentados em
conjunto com o de 2008 quando contemplados por este.
5.1. Um novo Plano Diretor – PD/2008
O PD/2008 já inicia com algumas vantagens. Primeiro, por ter como ponto
de partida o PD de 1990, foi possível se criticar e apontar falhas e acertos.
Também, por ter em mãos diagnósticos e material levantado pelo consórcio Cyro
Laurenza, Engefoto e Policentro que mapeou toda cidade de Porto Velho. E, por
último, porque contou com um grande aliado que é o Estatuto da Cidade, que,
inclusive, deu embasamento legal às proposições do novo PD.
O PD/2008 começa traçando a história da formação da cidade de Porto
Velho. Localiza o município e a região em que se insere, analisa desde a criação
da EFMM ao sistema viário regional atual. Abrange, ao menos em sua
contextualização, as terras indígenas, as unidades de conservação e os distritos
para os quais adota o Zoneamento-Sócio-Econômico-Ecológico, produzido pela
Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral – SEPLAN, adiando
um replanejamento das áreas citadas.
No aspecto sócio-econômico e demográfico prevê um grande crescimento
devido à construção das Hidrelétricas do Rio Madeira. De início, faz uma projeção
de 409.405 habitantes para o ano de 2010 e 448.263 para 2015, sem levar em
consideração a construção das usinas. Considerando as usinas, a projeção
cresce de 394.822 habitantes em 2008 para 419.838 habitantes em 2010.
Compõe o histórico da malha urbana e os limites impostos a ela, sejam
naturais como os igarapés ou construídos como o aeroporto e a BR-364, para
justificar seu crescimento para o leste.
É dado o devido destaque à questão da habitação como “extremamente
preocupante”, quadro que tem grande probabilidade de ser agravado com a
pressão sobre o setor imobiliário impulsionado pela instalação das usinas. Para
elaborar estudos sobre este tema, somado ao da Regularização Fundiária, foi
contratada uma empresa especializada com o apoio do Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID, que em conjunto com a Secretaria de Regularização
90
Fundiária e Habitação - SEMUR elaboraram diagnósticos sobre o assunto,
indicando os instrumentos políticos a serem usados para saldar seu déficit.
No campo da Infra-estrutura e Serviços Públicos, assunto não abordado
em 1990, detecta problemas quanto ao saneamento ambiental, principalmente
quanto ao abastecimento de água, cuja rede existente serve apenas 50% dos
domicílios e esgotamento sanitário, problema ainda maior, pois apenas 1,8% dos
domicílios possui rede coletora. A drenagem urbana é feita em sua maior parte à
céu aberto. Recursos do Plano de Aceleração do Crescimento - PAC, do Governo
Federal, devem sanar estes problemas.
O desrespeito a áreas de preservação, como a APA do Rio Madeira e a
coleta de lixo, que atende 80% da população, e destino final dos resíduos também
são abordados e informa que um novo aterro deverá ser implantado na altura do
km 9 da BR-364, sentido Cuiabá.
Quanto ao sistema viário, sua hierarquização já era prevista em 1990,
porém o de 2008 detecta a ausência dessa hierarquia, o que somado a outros
fatores, tais como imprudência de motoristas e pedestres resulta em um alto
índice de acidentes de trânsito. O PD atual faz um diagnóstico mais preciso,
identificando 106 mil carros e 165 mil bicicletas, segundo a SEMTRAN –
Secretaria Municipal de Trânsito. A construção de dois shoppings, já citados
anteriormente, e de outros empreendimentos na cidade, como faculdades,
constituem inovações que causam grande fluxo, merecendo estudos a parte.
Neste sentido, está sendo exigido pela SEMTRAN o Estudo de Impacto de
Vizinhança, na intenção de minimizar transtornos. Ainda sobre este tema, pode-se
salientar a necessidade de reestruturação do terminal rodoviário.
Surpreende-nos o fato do PD/2008 (p.20), mais moderno que o anterior,
fazer referência ao uso de bicicletas como problema:
Aos problemas de circulação regional soma-se o conflito provocado por
motos e bicicletas que circulam junto com os demais veículos, originando
um número significativo de acidentes de trânsito.
É lamentável que o documento tenha o usuário como vilão do trânsito,
quando na verdade os acidentes são ocasionados pela falta de estrutura
oferecida pela cidade para uma boa fluidez e circulação do trânsito. O próprio
91
Ministério das Cidades, do Governo Federal, desenvolveu o Programa Brasileiro
de Mobilidade por Bicicleta – Bicicleta Brasil que visa proporcionar
o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização
dos modos de transporte coletivo e não motorizados de maneira efetiva,
socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável. Esta nova
abordagem tem como centro das atenções o deslocamento das pessoas
e não dos veículos.11
Pois considera a inserção da bicicleta no desenho urbano uma
necessidade para dar suporte à Mobilidade Urbana Sustentável, incorporando-se
a necessidade da construção de ciclovias e ciclofaixas. Além disso, estimula o
desenvolvimento e aprimoramento de ações que favoreçam o uso da bicicleta
como modo de transporte, com mais segurança.
A energia elétrica é tida como serviço deficitário. As telecomunicações e
comunicação social são citadas como aspectos positivos ao entretenimento e
informação local.
O documento traz um mapa dos principais equipamentos urbanos
existentes na cidade, quais sejam os hospitais e seus raios de influência e de
educação com os respectivos raios de influência e detecta a carência em
equipamentos de esporte e lazer.
O sistema de transporte público, segundo o PD/2008, é operado por 2
empresas que percorrem 54 linhas. O mapa que demonstra esse serviço possui
um esboço ilegível, dando a impressão de que essas linhas tendem a sair da
região periférica em direção ao centro e vice-versa.
O PD/2008 traça o perfil da Estrutura Administrativa Municipal, composta
de 16 secretarias, Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano – ENDUR,
Fundação Cultural Yaripuna, Instituto de Previdência e Conselhos. Faz uma
crítica à máquina administrativa no que concerne às reformas desta, que somam
quatorze de 1990 a 2008, constatando falha na atribuição de competências de
cada órgão, provocando desentendimento entre as secretarias. Elege três
secretarias como tendo maior importância no processo de gestão urbana: a de
Planejamento e Coordenação, a de Regularização Fundiária e Habitação, criada
11
Disponível no link http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/transporte-e-mobilidade/programas-eacoes/bicicleta-brasil/apresentacao/
92
na última gestão, e a de Trânsito. Detecta ausência de capacitação dos
servidores e recomenda que, por meio desta, é possível melhorar a qualidade dos
serviços prestados. Como solução aponta a já efetuada adesão da Prefeitura ao
Programa de Modernização da Administração Tributária e de Gestão dos setores
Sociais Básicos, Fiscal dos Municípios Brasileiros – PNAFM, do Ministério da
Fazenda com vistas à eficiência e eficácia dos serviços públicos.
Entre os anos de 2002 e 2003 foi feito o mapeamento das informações
cadastrais e levantamento aerofotogramétrico com informações cadastrais
bastante úteis, porém não é atualizado, ação já recomendada pelo PD/1990.
O texto ainda discorre sobre o conjunto de leis que constituem os
instrumentos aplicáveis para política de desenvolvimento e expansão urbana,
legislação urbanística, ambiental e edilícia, Lei Orgânica do Município e o
Zoneammento Sócio-Econômico-Ecológico de Rondônia.
A receita arrecadada, segundo o PD tem variação percentual positiva, e
com o PAC, Porto Velho foi contemplado em diferentes programas, conforme
tabela disponível no PD:
Tabela 07 – Recursos dirigidos ao Município
Programa
Valor (R$ 1,00)
Saneamento e urbanização
105.300.000
PAC/FUNASA
14.000.000
Construção de Habitações de interesse social (FNHIS)
24.500.000
Total
143.800.000
Fonte: Plano Diretor de Porto Velho 2008
Estima-se o seguinte quadro de receita até 2016:
93
Tabela 08 - Receita 2006-2016
Anos
Receita estimada
Crescimento significativo da receita em
(em milhões)
função de royalties dos empreendimentos
2006
287,5
2007
312,8
2008
341,2
2009
370,4
2010
402,4
2011
432,9
2012
461,7
2013
490,0
2014
519,3
2015
548,2
2016
576,9
previstos, ICMS, ISSQN.
Fonte: Plano Diretor de Porto Velho 2008
5.2. O que mudou em 18 anos
Passamos a analisar, conforme seqüência que adotamos do próprio
PD/2008, as diretrizes propostas por este.
O PD deixa claro que as propostas são voltadas para o distrito sede de
Porto Velho, mas que durante os estudos deste, foram feitos levantamentos de
dados e carências também dos distritos, uma segunda etapa do trabalho deverá
elaborar planos para o desenvolvimento destes distritos, em curto prazo pelo
Poder Executivo Municipal. A principal reivindicação dos moradores desses
distritos se refere a abastecimento de água e esgotamento sanitário.
O Macrozoneamento trata o município como um todo e divide-o em três
áreas integradas, a Macrozona Urbana (MU), representada pelo distrito sede e
núcleos urbanos dos demais distritos; Ambiental (MA) são áreas dedicadas à
proteção dos ecossistemas e dos recursos naturais, constituídas pelas Terras
Indígenas e Unidades de Conservação e a Rural (MR) constituída pelas áreas
restantes.
94
As Diretrizes de Uso e Ocupação do Solo para o distrito sede do Município
de Porto Velho pretendem assegurar um crescimento ordenado e uma melhor
qualidade de vida da população.
As propostas iniciam redefinindo os usos numa importante avenida da
cidade, a Avenida Jorge Teixeira, que passa a ser considerada Área Central
Especial e sofre um redirecionamento de usos.
No que concerne ao Setor Histórico da cidade restringe-se a subordinação
das restrições a área e diretrizes impostas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional – IPHAN, órgão do Governo Federal. Vimos que este ponto
poderia ser amplamente discutido em conjunto com o IPHAN, a sociedade e
demais setores interessados e não apenas subordinado. A cidade deixa de
discutir e propor legislação própria para preservar sua história, de incentivar a
conscientização dos valores culturais tão importantes para a inserção do cidadão
como parte da cidade que habita. A própria prefeitura tem desenvolvido um
Projeto de Revitalização do Centro, que abrandge área não contemplada pelas
diretrizes do IPHAN, e tem tido grande êxito com projetos em andamento como o
Mercado Cultural, antigo Mercado Municipal a já concluída Praça das Caixas
D´Água, em obras, praças e outros prédios de importância para a cidade, mas
que não são tombados pelo IPHAN e portanto fogem a sua proteção, como a
antiga Câmara Municipal e o Mercado Central, também em obras. A Revitalização
do Complexo Madeira Mamoré que encontra-se em obras teve o projeto
elaborado pelos técnicos da SEMPLA e aprovado pelo IPHAN e está em obras.
No setor comercial, o PD cria corredores de atividades comerciais e
serviços, em áreas já detectadas com este uso.
Diferente do PD de 1990 que definia como área de expansão urbana 5km
em torno de toda a extensão de limite da cidade, o que demonstrava uma
inexistência de estudo das áreas com possibilidade de expansão, o PD de 2008
define duas áreas concentradas, com uso definido para chácaras de lazer, ponto
que demonstra a real preocupação em adensar a ocupação dentro do limite
urbano existente.
Reserva uma área para as atividades industriais, assunto não definido em
1990, a leste da cidade, próxima à BR-364, desviando o tráfego pesado do centro
95
da cidade, pois o PD prevê também um Contorno Leste e o outro Sul, que
desviará o trânsito para as obras das hidroelétricas, e outros empreendimentos
desta área. .
Delimita Zonas Especiais de interesse social em duas áreas especificas,
uma a leste da cidade e outra ao sul, em área pertencente ao exercito.
O IPTU progressivo e a urbanização compulsória, instrumentos aplicáveis
segundo o Estatuto das Cidades serão grandes aliados na eliminação dos vazios
urbanos. O PD define áreas para inicio desse adensamento e aplicação desses
instrumentos.
Os centros de bairros já existentes, como do Tancredo Neves e da Av.
Jatuarana, são reconhecidos e reforçados pelo PD como tendência espontânea
para os quais propõe melhorias.
A mobilidade urbana já terá grande melhora com o deslocamento do
tráfego pesado através dos contornos criados e além disso o PD tem como
diretrizes e propostas:
- planejamento integrado de transportes e uso do solo;
- priorizar o transporte coletivo ao privado, com a implantação de terminais
de bairro e faixa exclusiva para ônibus;
- melhora da acessibilidade para pedestres e portadores de necessidades
especiais com um programa de recuperação de calçadas;
- estimular o uso de bicicletas, ampliando ciclovias e ciclofaixas integradas
ao sistema viário.
- hierarquização das vias, indicado no PD 1990 e novamente no atual,
adiantando algumas das propostas que farão parte de um Plano de Mobilidade
Urbana.
O Meio Ambiente é tido como ponto sensível na cidade de Porto Velho,
possui igarapés que deveriam ser protegidos e tem suas áreas ocupadas
irregularmente e poluídas.
Tem por diretrizes:
- impedir a ocupação das áreas de risco;
96
- realizar um programa de parques lineares;
- elaborar projeto de macro drenagem das águas pluviais;
- proteção das APA’s;
- ampliação de áreas verdes.
- programas de educação ambiental
O PD/2008 prevê integração entre os programas de Regularização
Fundiária, Habitação, PAC em benefício do Meio Ambiente, pois as áreas que
precisam ser preservadas são constantemente invadidas por uma faixa da
população que necessita ser beneficiada pelos programas habitacionais.
Não basta remover estas pessoas das áreas impróprias, é necessário que
os projetos de revitalização dessas áreas degradadas sejam implementados e
passem a fazer parte do lazer e bem estar da população local, para que esta
ajude a preservar, da mesma forma as praças que já estão sendo resgatadas, um
plano de arborização urbana se faz necessário.
Como apoio a outras ações, como proteção das áreas verdes
remanescentes, o PD faz referência ao Código Municipal de Meio Ambiente.
O turismo ecológico é citado como potencialidade, para isso é necessário
catalogar pontos turísticos, divulgar e desenvolver programas de promoção
turística.
Ao final do texto do PD/2008 o Patrimônio Histórico Cultural é outra vez
abordado e novamente há ausência de proposta.
No mapa de zoneamento podemos observar o novo limite urbano, que
engloba parte da zona leste que já extrapolava a antiga delimitação, a delimitação
das Zonas de Interesse Social – ZEIS, a Zona Atacadista – ZA transferida para
área próxima a industrial – ZI, e áreas que tiveram seus usos atualizados.
97
Figura 14 – Zoneamento PD/2008
Fonte: Plano Diretor de 2008
98
Pudemos observar com a análise dos dois Planos Diretores do Município
de Porto Velho, de 1990 e de 2008, a evolução das propostas, o fortalecimento de
idéias e a abertura dos caminhos legais para efetivação das diretrizes apontadas,
no intuito, de sanar os problemas deste espaço chamado cidade que acolhe as
pessoas, que é espaço de trabalho, de relações, de lazer, de cultura, de vida,
deve ser planejada com a participação de todos para que possa realmente
atender as necessidades e anseios da maioria, conjunto de idéias de diferenças,
mas também, de semelhanças.
O Plano Diretor de 2008 abrange e aprofunda assuntos pouco ou não
abordados em 1990, o que nos leva a considerá-lo um crescimento em termos de
instrumentos para gerir a cidade de Porto Velho.
Podemos apontar como destaque do Plano de 2008 a integração de planos
de ação de Habitação e Meio Ambiente, na busca de um planejamento
sustentável que possa organizar os usos das cidades proporcionando bem estar
ao seu usuário, nesse sentido o PD pode ser instrumento de conciliação do
homem e da natureza, seguindo o dizer de M. Santos:
Quando a natureza se torna social, cabe a geografia perscrutar e expor
como o uso consciente do espaço pode ser um veículo para a
restauração do homem e sua dignidade. Os geógrafos, ao lado de outros
cientistas sociais, devem se preparar para colocar os fundamentos de
um espaço verdadeiramente humano, um espaço que uma os homens
por e para seu trabalho(...) (2002, p.267).
A aplicação de medidas concretas para incentivo do adensamento urbano
tem papel fundamental para que haja um melhor aproveitamento da infraestrutura urbana e possibilita a inclusão de toda a população nos projetos de
expansão de sua rede.
Ausência de cronogramas pode interferir negativamente na efetivação das
ações do PD, que como todo processo de planejamento, precisa de continuidade,
e esta determinará o êxito ou não das propostas, demandando ações integradas e
estratégicas, sobretudo para promover a participação popular nessa continuidade,
pois sem a mobilização da sociedade não há efetivação das melhorias propostas.
A cidade que queremos, mais justa e com qualidade de vida deve ser
objeto de um planejamento contínuo, M.Santos considerou que o espaço, que
aqui tratamos na escala da cidade,
99
deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam,
de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e
objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e anima, ou seja, a
sociedade em movimento. [...] um conjunto de objetos e de relações que
se realizam sobre estes objetos ; não entre estes especificamente, mas
para as quais eles servem de intermediários. Os objetos ajudam a
concretizar uma série de relações. O espaço é resultado da ação dos
homens sobre o próprio espaço, intermediado pelos objetos naturais e
artificiais (1991, p.71).
São as relações que acontecem na cidade que a transformam dia após dia
e se essa transformação não for auxiliada tecnicamente tem como resultados a
exclusão social e a conseqüente degradação do meio. Segundo o mesmo autor,
Estaríamos, agora, deixando a fase da mera urbanização da sociedade,
para entrar em outra, na qual defrontamos a urbanização do território. A
chamada urbanização da sociedade foi o resultado da difusão, na
sociedade, de variáveis e nexos relativos à modernidade do presente,
com reflexos na cidade. A urbanização do território é a difusão mais
ampla no espaço das variáveis e dos nexos modernos. Trata-se, na
verdade, de metáforas, pois o urbano também mudou de figura e as
diferenças atuais entre a cidade e o campo são diversas das que
reconhecíamos há alguns poucos decênios (M. SANTOS, 1993, p.125)
A abordagem regional deve ser explorada, visto que as influências
principalmente econômicas influenciam o local. A cidade precisa estar estruturada
na escala local, para que o global não seja fator de desvalorização, mas de
destaque desta entre as tantas outras. Os fluxos econômicos, de conhecimento e
tecnologia definem esse novo espaço urbano e surge a cidade global, que se
interliga às demais através destes.
O uso do solo urbano também determinará seu valor, ao que Harvey
exemplifica:
No mercado da moradia isso significa que os indivíduos negociam a
quantidade de moradia (usualmente concebida como espaço), a
acessibilidade (usualmente, o custo de transporte ao lugar do emprego),
a necessidade de todos outros bens e serviços, dentro de um orçamento
mais que restrito (HARVEY, 1980, p.138)
Neste sentido a especulação imobiliária deve ser contida, e Porto Velho
passa por um momento de grande expectativa com a instalação das Hidrelétricas
do Madeira, fator de importante discussão, pois devido a estas, espera-se um
novo boom populacional, e se a cidade não estiver preparada de infra-estrutura e
planejamento, sofrerá as conseqüências e transtornos da falta de ordenamento.
Espera-se que com o PD, aliado as legislações municipais, estaduais e federais e
instrumentos necessários esse documento tenha continuidade.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As cidades têm passado por mudanças constantes no intuito de um futuro
de desenvolvimento equilibrado e universalização do direito a qualidade de vida.
Se a cidade está em constante movimento e construção, assim também
seu estudo não pode ser conclusivo, sempre havendo o que ser complementado,
e a cada estudo, novas possibilidades se abrem, como essa nossa análise sobre
os Planos Diretores, que pode ser o início de outras pesquisas, se aprofundados
os pontos levantados ou descobrir-se outros que tenham passado despercebidos,
pois, também as lacunas são pontos que suscitam novos questionamentos. A
pesquisa aqui desenvolvida teve como meta, não esgotar o assunto da questão
urbana, sendo que as possibilidades de direcionamento são inesgotáveis, mas
trazê-lo a discussão, torná-lo presente.
Procuramos detectar alguns dos caminhos na busca do bem-estar urbano,
e constatamos que as ciências, sejam a arquitetura, a geografia, a sociologia e
outras, precisam interagir em seus campos de conhecimento e pesquisas, para
que possamos caminhar para uma maior apropriação do espaço, seja ele coletivo
ou individual, real ou virtual. A articulação dos saberes auxilia a construção de
uma sociedade democrática, onde os espaços são respeitados e acolhem os
desejos da população, proporcionando qualidade de vida e desenvolvimento
sustentável, estreitando cada vez mais a distância entre a cidade que temos e a
que queremos.
As tendências que a urbanização assume (...) aparecem como dado
fundamental para admitirmos que o processo irá adquirir a dinâmica
política própria, estrutural, apontando para uma evolução que poderá ser
positiva se não for brutalmente interrompida (M. SANTOS, 2005, p.140).
Ou seja, precisamos sim idealizar um mundo melhor e possível, se
quisermos alcançá-lo, a cidade ideal pode ser utopia, mas se conquistarmo-na
pouco a pouco, pode tornar-se atingível.
O Estatuto da Cidade assim como a Carta Mundial pelo Direito à Cidade
ousam idealizar essa cidade ideal. Salientamos alguns trechos do Estatuto que
demonstram a afirmativa, como em seu parágrafo único do artigo primeiro: “estão
estabelecidas as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso
da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos
101
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. Idealiza uma Cidade Sustentável
onde todos, incluindo para as gerações presentes e vindouras, têm “o direito à
terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao
transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer” (Artigo 2º parágrafo 1º).
No Inciso IV do mesmo Artigo 2º, o planejamento inclui não somente “o
desenvolvimento das cidades”, mas também a “distribuição espacial das
atividades econômicas” (...) “de modo a evitar e corrigir as distorções do
crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio-ambiente”. Já no Inciso
VII deste artigo vemos o objetivo de “integração e complementariedade entre as
atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do
município e do território sob sua influência”.
O Inciso VIII que se refere a novos padrões de comportamento, de
civilidade e de organização social ao incentivar a “adoção de padrões de
produção, consumo e expansão urbana compatíveis com a sustentabilidade
ambiental
social
e
econômica
do
município
e
do
território”.
Indica pois um caminho, um projeto possível, mas ainda não realizado.
Parte dessa difícil tarefa cabe aos Planos Diretores, a de trazer estas
propostas para a escala regional e local, aplicando-as à situação de cada
realidade e às necessidades urbanas locais, identificando com clareza os
requisitos da função social da propriedade urbana, definindo os instrumentos mais
importantes a serem implantados para bom uso do solo do território municipal
(seja urbano, seja rural), para que sejam tomadas iniciativas concretas
associando o Executivo e o Judiciário na operacionalização da regularização
fundiária. Mas nenhum instrumento político tem o poder de sanar os problemas
por si só, trazem-nos sim à discussão, propõem diretrizes, e se efetivam a partir
do trabalho e participação conjunta no desejo de mudar a cidade.
Em síntese, afirmamos que o plano diretor participativo, mais do que um
instrumento técnico de controle de uso do solo e de implementação da política
urbana do município, função que já justificaria sua elaboração, pode vir a se
constituir em um importante instrumento político de mobilização social para o
debate sobre nossas cidades.
102
Nosso desejo é de que haja a continuidade do processo de planejamento
para que se alcance o desenvolvimento sustentável, tornando as desigualdades
menos intensas.
103
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