FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA TEREZA CRISTINA DA SILVA VILLELA DA BORRACHA ÀS TURBINAS A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE PORTO VELHO - RO PORTO VELHO - RO 2008 ii FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA TEREZA CRISTINA DA SILVA VILLELA DA BORRACHA ÀS TURBINAS A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE PORTO VELHO - RO Dissertação submetida ao Programa de PósGraduação Mestrado em Geografia da Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Título de Mestre. Área de Concentração: Amazônia e Política de Gestão Territorial Linha de Pesquisa: Gestão do Território PORTO VELHO - RO 2008 iii Ficha Catalográfica Villela, Tereza Cristina da Silva. V735b Da borracha às turbinas: a produção do espaço de Porto Velho RO / Tereza Cristina da Silva Villela – Porto Velho, 2008. 106p. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de PósGraduação em Geografia. Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Rondônia, 2008. Orientador: Prof. Dr. Carlos Santos 1. Cidade. 2. Amazônia. 3. Sociedade. 4. Planejamento. I. Título. Bibliotecária responsável: Eliane Gemaque - CRB 11-549 AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. iv v Aos meus amores: Luciano, sempre ao meu lado e nossa filha Sofia, que enche nossos dias de alegria. vi AGRADECIMENTOS Ao Professor Dr. Carlos Santos, pela orientação, pelo saber compartilhado, por seus ensinamentos não só em Geografia, mas de vida, exemplo de simplicidade e sabedoria. Aos professores do Programa de Pós-graduação em Geografia/UNIR, pelas aulas em que aprendi muito do que transcrevo neste trabalho. À Prefeitura do Município de Porto Velho, Secretaria de Planejamento e Coordenação – SEMPLA, pelo incentivo, pelo material disponibilizado, pela convivência. Aos colegas do mestrado, amizades que levarei pra sempre no coração, amigos que me incentivaram, apoiaram e me fizeram acreditar mais em mim mesma. Aos meus pais que mesmo de longe me incentivaram, acreditando, depositando seu amor, carinho e afeição, amo muito vocês. vii RESUMO O objetivo deste trabalho foi refletir sobre o crescimento urbano e a conseqüente exclusão social no espaço da cidade, decorrente da falta de infraestrutura, que tem como implicação a fragmentação deste espaço, formando novas territorialidades. Procurou-se exemplificar o urbano na Amazônia a partir da cidade de Porto Velho (RO), buscando aclarar a relevância dos Planos Diretores como instrumento de política pública fundamental para o desenvolvimento do município, assim como, a importância da participação popular para que a teoria de cidade ideal seja levada à prática, processo que necessita dos diversos atores que compõem a sociedade, na busca por um desenvolvimento real, que respeite a cultura e os anseios dos povos e suas localidades, incentivando o processo participativo objetivando o desenvolvimento sustentável. Adotou-se o método descritivo-reflexivo, pautado num estudo bibliográfico. Os resultados do estudo mostram a real necessidade da continuidade do processo de planejamento para eficácia dos Planos Diretores. Palavras-Chave: Cidade, Amazônia, Sociedade, Planejamento viii ABSTRACT The goal of this work was to reflect about the urbane growth and the consequences of social exclusion in the city space, as a result of lack of infrastructure, what causes the fragmentation of this space and creates new territories. This research fitched to exemplify the urbane area of Amazonia, starting from Porto Velho city (RO), trying to make clear the importance of the Major Planning as a public politic instrument, essential to the development of the country, as well as, the importance of the popular participation to practice the theory of ideal city, process that requires that everybody in the society be engaged with the searching of a real development, that respects the culture and the longings of the people and their localities, encouraging the participative process, with the objective of sustainable development. The method adopted was the descriptive-reflexive, based in a bibliography study. The results of this study showed the real necessity of the continuous planning process in order to get efficient Major Plannings. Keywords: City, Amazônia, Society, Planning ix SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...............................................................................................14 INTRODUÇÃO .....................................................................................................17 CAPÍTULO I 1. CONCEITUALIZANDO ESPAÇO E URBANIZAÇÃO .....................................20 1.1. O Urbano como Espaço Vivido .....................................................................25 CAPÍTULO II 2. CIDADE – ESPAÇO GLOBALIZADO .............................................................29 CAPÍTULO III 3. PORTO VELHO: CIDADE DA AMAZÔNIA.....................................................40 3.1. Formação Urbana .........................................................................................50 CAPÍTULO IV 4. INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO URBANO .......................................72 CAPÍTULO V 5. PLANOS DIRETORES DE PORTO VELHO – 1990-2008 ..............................81 5.1. Um novo Plano Diretor – PD/2008 ................................................................89 5.2. O que mudou em 18 anos.............................................................................93 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................100 REFERÊNCIAS .................................................................................................103 x ÍNDICE DE FIGURAS Figura 01: Estado de Rondônia............................................................................40 Figura 02: EFMM – Trajeto ao lado do trecho encachoeirado do Rio Madeira ....42 Figura 03: América do Sul – Área Geo-econômica de influência da EFMM.........44 Figura 04: Localização de Porto Velho ................................................................45 Figura 05: Limites.................................................................................................46 Figura 06: A cidade ..............................................................................................47 Figura 07: Área do complexo ferroviário de Porto Velho - 1908...........................48 Figura 08: Avenida Presidente Dutra – 1950 .......................................................50 Figura 09: Imagem Aérea Praça Madeira-Mamoré ..............................................51 Figura 10: Armazenamento e Transporte da Borracha ........................................52 Figura 11: Evolução urbana .................................................................................58 Figura 12: Perímetro até 2008 .............................................................................59 Figura 13: Zoneamento PD/1990 .........................................................................88 Figura 14: Zoneamento PD/2008 .........................................................................97 xi ÍNDICE DE GRÁFICOS Gráfico 01: Porcentagem de População Total das Capitais .................................60 Gráfico 02: Classes de Rendimento nominal mensal...........................................67 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 01: Taxa de Crescimento Populacional....................................................55 Tabela 02: População residente segundo zona de localização............................57 Tabela 03: Perfil do quadro habitacional..............................................................67 Tabela 04: Déficit/Inadequação Habitacional .......................................................67 Tabela 05: Crescimento Populacional / Bairros ...................................................69 Tabela 05A: ZONA 1 ...........................................................................................69 Tabela 05B: ZONA 2............................................................................................69 Tabela 05C: ZONA 3............................................................................................70 Tabela 05D: ZONA 4............................................................................................70 Tabela 05E: ZONA EXTENSÃO URBANA...........................................................70 xii SIGLAS E ABREVIATURAS APA - Área de Proteção Ambiental BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento CAERD – Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia CEPAM - Centro de Estudos e Planejamento em Administração Municipal Domitotal – Domicílio Total Domiurb – Domicílio Urbano Domirural – Domicílio Rural EFMM – Estrada de Ferro Madeira Mamoré ENDUR - Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano – FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FNHIS - Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social FUNASA - Fundação Nacional de Saúde IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano ISSQN - Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza ITUC/AL - UFPE - Programa Latino Americano de Conservação Integrada Urbana e Territorial da Universidade Federal de Pernambuco IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPPUR/UFRJ – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro MA - Macrozona Ambiental MR - Macrozona Rural xiii MU - Macrozona Urbana ONG – Organização Não Governamental OMS - Organização Mundial de Saúde PAC - Plano de Aceleração do Crescimento PD – Plano Diretor PNAFM – Programa de Modernização da Administração Tributária e de Gestão dos setores Sociais Básicos, Fiscal dos Municípios Brasileiros Pop – População Poptotal – População Total Poprural – População Rural Popurb – População Urbana Saneam – Saneamento SEMPLA - Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação de Porto Velho SEMTRAN – Secretaria Municipal de Trânsito de Porto Velho SEMUR – Secretaria Municipal de Regularização Fundiária e Habitação de Porto Velho UEP – Unidade Especial de Planejamento UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura USP - Universidade de São Paulo ZA - Zona Atacadista ZEIS - Zonas de Interesse Social ZI - Zona Industrial 14 DA BORRACHA ÀS TURBINAS A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE PORTO VELHO – RO APRESENTAÇÃO Em agosto de 2001 chegamos a Rondônia, eu Arquiteta e Urbanista, meu esposo Engenheiro Civil, profissionais em busca de novas oportunidades de trabalho como tantos migrantes que vêm das diversas regiões do país. A primeira vez em Porto Velho, o estranhamento foi muito, nunca havia sentido calor tamanho, a região sudeste onde nasci, mesmo no verão, é gostoso ficar à sombra, aqui, nem nela me refrescava, mas o ser humano se adapta, e já se vão 7 anos. Quando passei a conhecer a cidade, algumas situações chamaram muito a atenção: os vazios e contrastes urbanos, fruto da especulação imobiliária e evidências de uma cidade com muito a se desenvolver, a Estrada de Ferro Madeira Mamoré - EFMM ao lado do majestoso Rio Madeira, local que conta um pedaço da história , eu estava na Amazônia, e no entanto a cidade me pareceu árida, cinza, não havia verde a não ser em poucas avenidas, ou que me afastasse alguns quilômetros. O homem destruindo a natureza para criar seu ambiente, uma insensatez. O descaso com a arquitetura e história, seu mais belo patrimônio, a Estrada de Ferro, deixado ao dará me incomodou e aumentou a vontade de continuar os estudos em arquitetura, levando-me a buscar um curso a distância, visto que a cidade não oferecia nada nessa área, iniciei uma pós-graduação em Gestão do Patrimônio Cultural1 e o objeto de estudo seria a Madeira Mamoré. Durante esse estudo busquei sua história, que se mostrou a própria história do surgimento da cidade de Porto Velho e o início de seu desenvolvimento urbano. A localização no centro da cidade exigiu diretrizes que a considerassem como fator de valorização do habitante local e de sua história. A partir desse estudo, na 1 Gestão do patrimônio cultural integrado ao planejamento urbano da América Latina - ITUC/AL Cátedra UNESCO – UFPE – Universidade Federal de Pernambuco. Monografia apresentada pela autora: Complexo Ferroviário de Porto Velho - Diretrizes para Uso do Espaço (Orientadora: Vera Milet). 15 busca por informações, conheci muitas pessoas que tinham o mesmo anseio em contribuir para o desenvolvimento da cidade de Porto Velho, e principalmente para que esta tivesse seu patrimônio preservado. E foi através desses ideais comuns com interesses comuns que fui trabalhar na prefeitura municipal e, 2005, iniciando na recém criada Secretaria Municipal de Regularização Fundiária SEMUR, onde conheci a situação fundiária e habitacional catastrófica da cidade. Elaborar os projetos arquitetônicos talvez fosse a etapa mais simples, pois o processo para viabilização desses projetos era por demais burocratizada. Mas dei minha contribuição dentro do meu conhecimento do que sejam moradias dignas, hoje construídas e habitadas. Devido ao trabalho já iniciado com a Madeira Mamoré, fui convidada a participar da elaboração de um projeto de revitalização desta, que a então administração municipal tinha como promessa de campanha, e passei a trabalhar na Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação - SEMPLA, onde tive a oportunidade de colocar meus estudos sobre a EFMM em prática e fazer parte do Projeto de Revitalização do Complexo Madeira Mamoré de Porto Velho, trabalho árduo, pois no início éramos apenas dois arquitetos e desenvolvemos toda a proposta que hoje está sendo executada e já conta com novos integrantes na equipe para detalhar os projetos que traçamos desde o início. Devolver o espaço ao uso de sua população, tornando-o um difusor de cultura, história e motivo de orgulho do portovelhense de todo o Estado foi o partido adotado. O trabalho como arquiteta na prefeitura me levou a conhecer melhor as necessidades da cidade e os anseios tanto políticos quanto da população e constatar que muitas vezes eles são distintos. Ter a oportunidade de projetar melhorias para essa cidade foi colocar em prática a verdadeira arquitetura, a de viabilizar espaços de convívio, de relações humanas, buscando a integração de classes nos espaços públicos livres e a melhoria de conforto nos de serviços. Munida de certo conhecimento sobre a cidade que havia escolhido para morar, decidi continuar os estudos e para isso ingressei no mestrado da UNIR, mas não foi tão simples, primeiro fiz um projeto com a temática voltada para as questões culturais, com intenção de ampliar os estudos na área do patrimônio de 16 um estado novo como Rondônia, seria um desafio, mas esse projeto não foi aceito. Foi questionando sobre a importância dessa temática que conheci uma pessoa que seria de grande importância na minha vida acadêmica a partir de então, meu orientador e amigo, Prof. Dr. Carlos Santos, que me levou a enxergar o quanto seria interessante tratar da questão do desenvolvimento urbano e passou a me indicar leituras que me fizeram chegar ao tema desta dissertação; teoria esta, que eu trazia como lacuna e busquei preencher na geografia e acredito que obtive êxito. Entrar para o mestrado foi uma conquista e no seu decorrer pude aprender o quanto a geografia é ampla e o quanto as profissões se completam, pois ali, no meio de tantos geógrafos, me sentia acolhida como arquiteta, pois muitas áreas do conhecimento são comuns. As disciplinas cursadas contribuíram imensamente para que o trabalho se desenvolvesse de forma sólida. Foram elas: Teoria da Geografia, Cultura e Populações Amazônicas, Métodos quantitativos e Modelagem, Geoprocessamento e Cartografia, O Estado e as Políticas Públicas na Amazônia, Urbanização na Amazônia. Durante o mestrado tive um motivo ainda maior para desejar o planejamento e desenvolvimento sustentável dessa cidade, pois aqui nasceu minha filha Sofia, em dezembro de 2007, portovelhense, rondoniana. Estudar a cidade de Porto Velho, sua evolução urbana e os seus Planos Diretores somaram-se aos anseios já existentes da minha vida profissional em contribuir para a melhoria da qualidade de vida nos espaços reprojetados e é o que espero ter alcançado. 17 INTRODUÇÃO A urbanização crescente do planeta é fato. Cada dia mais as cidades precisam dar conta de abrigar pessoas, que precisam de condições mínimas de vida, como habitação digna, isto é, uma construção adequada, provida de saneamento, urbanização e planejamento, que proporcione o acesso ao trabalho, transporte público, aos equipamentos públicos que devem estar presentes na cidade, enfim o espaço de todos e de cada um. Mas, não é isso que vemos em nossas cidades, pelo contrário, elas crescem de forma desordenada, insalubre, sem proporcionar à grande parte de seus habitantes um mínimo de dignidade urbana. O espaço urbano vem crescendo rapidamente nas últimas décadas e as políticas públicas constroem instrumentos de gestão, como o Plano Diretor, porém não os coloca em prática por falta de planejamento. Assim, grande parte dos habitantes das cidades tem seus direitos de morar e viver dignamente ultrajado, postos de lado, enquanto outros se isolam em muros que prometem segurança, lazer e bem-estar, os condomínios fechados. Este é o caminho de um desenvolvimento sem planejamento. Dessa forma, torna-se imprescindível formular políticas públicas que viabilizem o desenvolvimento sustentável das cidades e possibilite a eficácia dos Planos Diretores, o mais precioso instrumento na luta contra o crescimento desigual. Pretende alçar a discussão sobre a importância do indivíduo em tempos de globalização, do pensar no coletivo para a melhoria do espaço de viver, da participação popular no processo de construção das diretrizes de desenvolvimento do espaço cidade. A pesquisa tem como objetivo analisar a expansão urbana do município de Porto Velho através de seus Planos Diretores e as conseqüências desta expansão na qualidade de vida da população, ressaltando sua condição de cidade na Amazônia. Esse desenvolvimento é mostrado através de mapas, gráficos e dados, tendo como fonte de dados, principalmente o do IBGE e a 18 Prefeitura do Município de Porto Velho, demonstrando estatísticas, crescimento populacional e urbano. Para atender aos objetivos propostos da pesquisa, o método adotado foi o analítico-descritivo, o qual contemplou o levantamento bibliográfico e documental. A análise constituiu essencialmente de Revisão Bibliográfica e análise documental e informações disponíveis sobre o tema em questão, quais sejam: 1ª etapa: Revisão de literatura – leitura e desenvolvimento de textos a partir de literatura selecionada sobre o assunto em estudo: espaço urbano, gestão pública, desenvolvimento sustentável, conforme bibliografia citada. O levantamento bibliográfico é um tipo de pesquisa de caráter exploratório, sendo realizado com a intenção de se obter conhecimentos a partir de informações já publicadas, desta forma, este tipo de pesquisa consiste no exame de produções já registradas. 2a etapa: Análise documental: Estatuto das Cidades, Plano Diretor do Município de Porto Velho, medidas políticas que tenham relação com o espaço urbano. Análise das informações urbanas, quais sejam, mapas urbanos e pesquisas do IBGE. 3a etapa: Análise dos dados obtidos com as pesquisas, apontamento de qualidades e fraquezas do processo em desenvolvimento, diagnóstico da situação atual. Utilizamos como arcabouço teórico, obras de importantes geógrafos, como, Milton Santos e David Harvey, assim como, as reflexões provenientes dos inquietantes diálogos com o professor e orientador deste trabalho, Carlos Santos. O texto elaborado a partir da pesquisa teórica documental, estruturou-se em cinco capítulos. No primeiro apresentamos os conceitos que norteiam o trabalho, as discussões teóricas acerca do espaço e da urbanização e seus processos transformadores. O capítulo dois traz essa discussão para a escala da cidade que a cada dia torna-se mais globalizada e delineia sobre a vida nesse espaço de contrastes tendo o homem como ator e receptor dessas mudanças. 19 O terceiro capítulo situa Porto Velho e sua história de cidade da Amazônia, seu apogeu com a borracha e o declínio em seguida, seu desenvolvimento urbano, população e os novos empreendimentos que vêem acelerar o processo de urbanização. No quarto capítulo são abordados os instrumentos legais que norteiam o desenvolvimento sustentável das cidades, sendo o mais pertinente o Plano Diretor. No quinto e último capítulo analisamos os dois Planos Diretores de Porto Velho, um de 1990 que vigorou até a conclusão do atual, em 2008. Nas considerações finais buscamos o encontro da teoria e prática aqui analisadas através da evolução da cidade e os resultados obtidos com esta análise. Procuramos com esse trabalho, contribuir para o diálogo entre a cidade e seu habitante, sabendo que este é um longo processo e acreditando que o mais importante “é estar consciente dos problemas da vida, desta miséria imensa que precisa ser eliminada” , palavras do arquiteto Oscar Niemeyer (2000) que temos como referencial de arquitetura, assim como temos a Milton Santos na geografia. 20 CAPÍTULO I 1. CONCEITUALIZANDO ESPAÇO E URBANIZAÇÃO Teorizar sobre o espaço não é tarefa fácil, embora ele esteja presente a todo instante em nosso cotidiano. Sua conceitualização é referência teórica para que possamos estudar, por exemplo, o urbano. Para M. Santos (2006, p.63), que dedicou grande parte de sua obra ao estudo do espaço geográfico, ele “constitui um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações” que: é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como um quadro único na qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois cibernéticos fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. Assim, o espaço geográfico é entendido como agente ativo das relações sociais e do físico, ou seja, um híbrido. Para esse autor, o espaço não é apenas um reflexo da sociedade, mas um produto desta, é a “morada do homem”, é o seu lugar de vida e de trabalho, resultado histórico dos conflitos sociais. “(...) sua tendência é mudar com o processo histórico, uma vez que o espaço geográfico é também espaço social” (M. Santos, 1986, p.120). É nele que a vida se desenvolve, sendo que “o espaço geográfico é a natureza modificada pelo homem através do seu trabalho”, segundo M. Santos (op. cit., p. 119). E complementa que “o espaço não pode ser apenas um reflexo do modo de produção atual porque é também reflexo dos modos de produção do passado” (Idem). O espaço é uma instância da sociedade. Assim, entendemos por forma o que é visível, um conjunto formado por objetos, bairro, uma cidade; por função a atividade desempenhada por esse espaço, a vida no cotidiano, o trabalho, as atividades imateriais que dão forma aos objetos; e o processo, associado à estrutura, é, segundo Corrêa (2001, p. 29), “definido como uma ação que se realiza de modo contínuo, implicando tempo e mudança”. Os modos de produção tornam-se concretos numa base territorial historicamente determinada por estes e pelas forças produtivas. As formas 21 espaciais constituem, dessa forma, sujeito e objeto na produção do espaço geográfico. Este espaço sofre transformações de acordo com a relação humana, das necessidades de instrumentalização, da divisão do trabalho. A vida humana se dá no espaço, nele o homem se instrumentaliza através da alocação de funções. Assim, ao modificar o espaço de acordo com suas necessidades, mediante o modo de produção no qual está inserido, resulta que o entendimento do mesmo, passa pelo estudo de todo o processo histórico de sua formação. Inclusive, é bom lembrar, a própria condição humana foi produzida por conta dessa relação com o espaço. Isto é, ao moldar espaços o homem se moldou enquanto tal. As possibilidades humanas de realização dependem do acesso ao espaço, então, as possibilidades que a mente humana vislumbra só são factíveis pelas possibilidades de moldagens que o espaço oferece. Nas palavras de C. Santos (2004, p.167): “o espaço se tornou mente através da condição humana”, esse deve ser o lugar de transcendência do espaço, nós mesmos. E mais, pelo teor do espaço, sua densidade e complexidade, pode-se dispor de tempos diferentes de duração dos processos, ou seja, de dinâmicas de realizações. Pois, segundo o mesmo autor (op.cit., p. 37) “O espaço é algo que ao possibilitar o movimento, o tempo, e revelar-se energia e matéria, torna-se, portanto, uma dinâmica tessitura de possibilidades, ou de espacialidades produzindo temporalidades” O espaço geográfico é, então, o meio que possibilita o processo social. É através da dimensão espacial que ele se expande, abrigando do local ao global e assim sendo transformado por estes. Segundo C. Santos (op.cit., p.19), o espaço “é um dado natural apreendido intuitivamente, desse modo, portanto, o espaço não é construível. Entretanto, o espaço é suscetível de atributos, ou seja, o espaço pode ser qualificado” (grifo do autor). É esta qualificação que distingue as localidades e as tornam singulares a partir do modo como seus habitantes usam, qualificam o espaço, formando espacialidades, incorporando suas dimensões, entre elas a humana. E essa é a dimensão que importa ser discutida. A espacialidade enquanto recorte do espaço é o verdadeiro locus da condição humana. Nessa conotação, espacialidade pode ser, inclusive, contraposta à noção de sócio-espaço, quando esta é colocada como expressão de processo. Ou seja, o composto "sócio-espaço" como indicação de processo tanto 22 social quanto espacial, mistura alho com bugalho. O processo, no caso, é eminente e exclusivamente social, o espacial funciona como condicionante(s) dado(s) naturalmente, passível de transformação em recurso(s) pela ação social. Desse modo, o composto "sócio-espaço" tem sentido naturalizante e/ou positivista, impreciso, híbrido, de péssima formulação. Em suma, o conceito de espacialidade define o resultado da ação humana na(s) circunvizinhança(s) da presença humana. Trata-se de uma visão de transcendência do fato geográfico para o fato exossomático (grifo do autor) (C. SANTOS, Revista Eletrônica Primeira 2 Versão, 2002) . A espacialidade é fruto da ação social e “é, simultaneamente, o meio e o resultado, o pressuposto e a encarnação da ação e da relação sociais”, conforme contextualiza Soja (1993, p. 158). E é no espaço urbano que essa espacialidade social se manifesta. A Geografia tem a noção de espaço geográfico como a mais abrangente e, por conseqüência, a mais abstrata. Observamos que na concepção de espaço geográfico estão contidas diferentes categorias3. Podemos lembrar algumas das categorias do espaço geográfico; quais sejam: região, território, paisagem e lugar, em razão de sua relevância no âmbito da temática urbana e por entender que estão interligadas. O conceito de Região tem sido bastante questionado por estudiosos, pois é bem mais amplo do que uma área delimitada da superfície terrestre, uma divisão político administrativa. Com o avanço da globalização econômica e cultural, a facilidade de acesso as informações e culturas as características próprias de cada região se suavizam, tendem a descaracterização, há uma tendência à homogeneidade. Corrêa (op.cit., p. 183) fala da origem etimológica do termo região, que estaria no termo regio, do latim, o qual se referia “à unidade político-territorial em que se dividia o Império Romano”. Ainda segundo este autor, o fato de seu radical ser proveniente do verbo regere, governar, atribuiria à região “em sua concepção original, uma conotação eminentemente política”. Utilizamos a categoria região para designar lugares semelhantes entre si, uma área que se distingue das demais por possuir características próprias. A 2 Disponível em http://www.primeiraversao.unir.br/artigo111.html Entende-se por categoria palavras ou conceitos “as quais se atribui dimensão filosófica” ou seja, “produzem significado basicamente não de uso coletivo, mas do sentido que adquirem no contexto de sistemas de pensamento determinados” (Genro Filho, l986). 3 23 região está relacionada ao momento histórico e geográfico, por seus traços físicos, características econômicas, humanas e socioculturais. Ao falarmos sobre região nos vem o termo regionalização, também bastante usado na geografia e nas diversas áreas do conhecimento. Acerca deste termo, Haesbaert (1999, p. 28) afirma que: Enquanto a região adquire um caráter epistemológico mais rigoroso, com uma delimitação conceitual mais consistente, a regionalização pode ser vista como um instrumento geral de análise, um pressuposto metodológico para o geógrafo e neste sentido, é a diversidade territorial como um todo que nos interessa, pois a princípio qualquer região pode ser objeto de regionalização, dependendo dos objetivos definidos pelos pesquisadores. Podemos relacionar esta regionalização à globalização, quando objetos de regiões distantes passam a fazer parte do cotidiano de uma localidade, sendo regionalizado. O conceito de território pode ser definido por uma área demarcada onde um indivíduo, ou uma coletividade exercem o seu poder. O território é o produto histórico do trabalho humano, que resulta na construção de um domínio ou de uma delimitação territorial, assumindo múltiplas formas e determinações: econômica, administrativa, bélica, cultural e jurídica. Segundo M. Santos (1986, p. 189) "a utilização do território pelo povo cria o espaço." Sendo assim, o território contém o espaço. Para Moraes (1993) é o “espaço de exercício de um poder” que se tornou “a área de manifestação de uma soberania estatal, delimitada pela jurisdição de uma dada legislação e de uma autoridade. O território é assim, qualificado pelo domínio político de uma porção da superfície terrestre”. Raffestin (1993, p.143) faz um contraponto à discussão ao salientar que espaço e território são termos distintos, quando coloca que: Espaço e território não são termos equivalentes (...) É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. O espaço torna-se sim território quando dominado pelo homem, é resultado da ação humana que delimita e detém espaços. O mesmo autor, aborda a noção de territorialidades através da seguinte conclusão: 24 De acordo com nossa perspectiva, a territorialidade assume um valor bem particular, pois reflete o multidimensionamento do "vivido" territorial pelos membros de uma coletividade, pela sociedade em geral. Os homens vivem ao mesmo tempo o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivas (RAFFESTIN, 1993, p. 158). Deste modo o território ganha uma identidade, não em si mesma, mas na coletividade que nele vive e o produz. Ele é um todo concreto, mas ao mesmo tempo flexível, dinâmico e contraditório, por isso dialético, recheado de possibilidades que só se realizam quando impressas e espacializadas no próprio território, logo trata de considerá-lo como produção humana a partir do uso dos recursos que dão condições a nossa existência. A paisagem é tudo aquilo que podemos perceber por meio de nossos sentidos (audição, visão, olfato e tato), destacando-se a visualização. Divide-se em natural e construída ou cultural, a natural dispensa apresentações e a construída são tidas como as interferências do homem, podendo ser rural ou urbana. A primeira é formada pela atividade agropecuária, fazendo parte da realidade de propriedades rurais. A segunda é constituída por elementos urbanos como ruas, avenidas, estradas , praças, viadutos, prédios que se encontram habitados por pessoas que realizam suas atividades nesse espaço. Segundo M. Santos (2006, p.103-104) A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais-concretos. Nesse sentido, a paisagem é transtemporal, juntando objetos passados e presentes, uma construção horizontal, uma situação única. Cada paisagem se caracteriza por uma dada distribuição de formas-objetos, providas de um conteúdo técnico específico. (...) A paisagem é, pois, um sistema material e, nessa condição, relativamente imutável: o espaço é um sistema de valores, que se transforma permanentemente. (...) A paisagem existe através de suas formas, criadas em momentos históricos diferentes, porém coexistindo no momento atual. Já Lugar ou local, é, dentre as categorias de espaço a que é melhor percebida e definida pelo homem através de seus sentidos. Sobre isso, afirma M. Santos (1986, p. 121) que “lugar é antes de tudo, uma porção da face da Terra identificada por um nome”, sendo que o conceito de lugar do ponto de vista psicológico nos é imposto antes do conceito de espaço. Essa concepção nos aproxima muito do conceito de espaço vivido, entendido como lugar. 25 Giddens (1991, p.26-27), escreve que lugar “é melhor conceitualizado por meio da idéia de localidade, que se refere ao cenário físico da atividade social como situado geograficamente”. É o lugar que vai expressar a cultura singular de cada comunidade, cada história, cada desenvolvimento, o que M. Santos (2006, p.339) afirma: “cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”. É no lugar que as pessoas vivem seu cotidiano e essa vivência não é substituída pela virtualidade, daí a importância em se valorizá-lo, o lugar, pois “as pessoas vivenciam apenas uma pequena porção do espaço geográfico, que é exatamente o lugar”, conforme constata Sene (2003, p.133). Dessa forma, podemos trabalhar o objeto da geografia, o espaço geográfico, na dimensão do lugar (espaço vivido). 1.1. O Urbano como Espaço Vivido Ao estudar o urbano nos deparamos com alguns termos que precisamos esclarecer; são eles: Urbanismo, Urbanização e Planejamento Urbano. Urbanização é um conceito geográfico que representa o desenvolvimento das cidades e urbanismo a disciplina destinada ao estudo desse processo. (...) O urbanismo, na medida em que possui suas próprias leis de transformação é, pelo menos, parcialmente construído de princípios básicos de organização espacial. O papel específico que o espaço desempenha, tanto na organização da produção como na padronização das relações sociais está consequentemente, expresso na estrutura urbana (...) O urbanismo pode ser visto como uma forma particular ou padronizada do processo social. Esse processo desenvolve-se num meio espacial estruturado, criado pelo homem. A cidade pode, por isso, ser olhada como um ambiente tangível construído – um ambiente que é um produto social (HARVEY, 1980, p. 168 e 265). A urbanização planejada apresenta significativos benefícios para os habitantes, porém, quando não há planejamento urbano, os problemas sociais se multiplicam nas cidades como, por exemplo, criminalidade, desemprego, poluição, destruição do meio ambiente e desenvolvimento de sub-habitações. Dentro desse processo, é o planejamento urbano o responsável pela criação e desenvolvimento de programas que buscam melhorar, planejar, projetar e revitalizar as cidades, tendo como objetivo propiciar aos habitantes a melhor 26 qualidade de vida, lidando basicamente com os processos de produção, estruturação e apropriação do espaço urbano. As áreas urbanas concentram a grande maioria das populações; segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, pelo menos 85% da população brasileira vivia em cidades, porém, há dentre estes, muitos excluídos do espaço, dos benefícios, dos direitos que uma cidade deve oferecer a seus habitantes; invasores e ocupantes de áreas de risco, inóspitas para a vida humana, ou, de propriedades públicas e privadas. Qualquer habitante urbano tem em sua mente a cidade onde mora. Isto é, “o mapa do espaço-cidade, que cada um de nós traz dentro de si e que constitui o sedimento inconsciente das nossas noções de espaço e de tempo” (ARGAN, 1993, p.232). Porém, não há a consciência de que esse espaço pertence a cada um desses habitantes, essa apropriação que faz com que o indivíduo lute por seus direitos, defenda seu território. A cidade é feita de pessoas, embora grande parte delas não sinta seu valor na formação urbana, vêem-se à margem do que constroem, quando poderiam apropriar-se, usufruir e participar de forma mais ativa desta construção. Extrapola o limite urbano estabelecido, dificultando o poder público de agir com eficácia na ampliação de infra-estrutura que atenda a sua totalidade. Muitos cidadãos estão à margem dos limites e do direito à cidade. São ignorados pela cidade oficial, pois ocupam irregularmente o solo urbano, o que distancia ainda mais a cidade ideal da real. Segundo Argan (op. cit., p.73), “a chamada cidade ideal nada mais é que um ponto de referência em relação ao qual se medem os problemas da cidade real”. Mas, se almejarmos o ideal poderemos chegar a ele, pois essa ideologia, na prática, é o urbanismo. Como defende Lefebvre (2001, p.16), em seu texto “O Direito à Cidade” constata que o urbanismo como a própria vida urbana “pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver na cidade”. 27 A urbanidade representa a possibilidade de encontro das diferenças e de exercício da cidadania, porque a sociedade é multicultural, híbrida; é a via por onde se qualificam os espaços. De acordo com a Carta Mundial pelo Direito à Cidade4 (2004-2005): além de garantir os direitos humanos às pessoas, o território das cidades, seja urbano ou rural, é espaço e lugar de exercício e cumprimento dos direitos coletivos como forma de assegurar a distribuição e uso eqüitativo, universal, justo, democrático e sustentável dos recursos, riquezas, serviços, bens e oportunidades das cidades. Com o crescimento acelerado e mal planejado, esse ‘exercício dos direitos coletivos’ parece cada vez mais utópico. A cidade não oferece mais o lazer aberto e gratuito, não investe em cultura, exemplo disso são os cinemas que viram igrejas em tantas cidades brasileiras, e essas se proliferam, preenchendo outra lacuna e proporcionando inclusão e lazer , principalmente a jovens, atingindo grande parte da população de baixa renda. Os usos vão se transformando, porque a cidade é espaço em movimento, como descrito por M. Santos: O dia-a-dia das sociedades gira em torno dos seus objetos fixos, naturais ou criados, aos quais se aplica o trabalho. Fixos e fluxos combinados caracterizam o modo de vida de cada formação social. Fixos e fluxos influem-se mutuamente. A grande cidade é um fixo enorme, cruzado por fluxos enormes (homens, produtos, mercadorias, ordens, idéias), diversos em volume, intensidade, ritmo, duração e sentido. Aliás, as cidades se distinguem umas das outras por esses fixos e fluxos (2002, p 127). Sobre estes fixos e fluxos, Benevolo (2004, p.13), destaca que “a situação física de uma sociedade é mais durável do que a própria sociedade e pode ainda ser constatada – reduzida a ruínas ou funcionando – quando a sociedade que a produziu já desapareceu há muito tempo”. A estrutura urbana vai se adequando ao uso, mas guarda a história de seus usos anteriores, das alterações sofridas, o que M. Santos chama de rugosidade: Chamemos rugosidade ao que fica do passado como forma, espaço construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares. Em cada lugar, pois, o tempo atual se defronta com o tempo passado cristalizado em formas (2006, p.140). 4 A carta mundial pelo direito à cidade é um instrumento dirigido a contribuir com as lutas urbanas e com o processo de reconhecimento no sistema internacional dos direitos humanos do direito à cidade. 28 Há uma necessidade visível de uma forma de urbanizar regionalizada, que considere as características locais, amazônica, pois não se pode importar paisagens ou reproduzir espaços. A cotidianidade precisa estar expressa no urbano, na arquitetura, nos espaços públicos e privados, formando a identidade local, sua singularidade, um espaço socialmente construído. O urbanismo deve possibilitar a integração dos espaços público e privado, gerando mais que o simples alcance visual entre os espaços, mas o diálogo entre as pessoas, inibir a criminalidade, incentivar a participação, a vivência, a apropriação do espaço pelo cidadão, sem distinção de classe. Nesse sentido, o urbanismo enseja com suas peculiaridades a discussão dos atributos que oferecem possibilidades de análise, sendo que Soja (1993, p.127) contextualiza sobre as espacializações e suas relações entre a geografia e a teoria social crítica, alcançando a dialética sócio-espacial e conclui que a história da urbanização torna-se “necessária e centralmente, uma geografia (grifo do autor) histórica localizada” O papel social do urbanismo dentro do contexto histórico-geográfico é reforçado através da teoria de Maricato (2000, p. 168) ao inferir que: O espaço urbano não é apenas um mero cenário para as relações sociais, mas uma instância ativa para a dominação econômica ou ideológica. As políticas urbanas, ignoradas por praticamente todas as instituições brasileiras, cobram um papel importante na ampliação da democracia e da cidadania. Para começar, quando se pretende desmontar o simulacro para colocar em seu lugar real, os urbanistas deveriam reivindicar a adoção de indicadores sociais e urbanísticos que pudessem constituir parâmetros/ antídotos contra a mentira que perpetua a desigualdade. São essas políticas urbanas que devem estruturar-se com a participação popular para uma sociedade mais justa e igualitária. 29 CAPÍTULO II 2. CIDADE – ESPAÇO GLOBALIZADO O espaço urbanizado é a cidade, nosso foco de estudo. Viver na cidade é conviver com sua estrutura física em constante movimento: bairros, vilas, avenidas, ruas, praças, construções, marcos, “fixos e fluxos”, homens, mulheres, crianças, idosos, etnias, tribos, comunidades, religiões, culturas5. Esse viver é principalmente trocar experiências com um grande número de pessoas, é seguir horários, necessitar de transportes, equipamentos urbanos, áreas de convívio, trabalho, habitação, comércio, saúde, educação, lazer; é aceitar regras, respeitar culturas; sobretudo, quando essa cidade tem como característica marcante a intensa migração, como é o caso de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, cidade que abriga diversas culturas em seu espaço, vidas vindas de todas as partes do país em busca do sonho de uma vida melhor, pessoas que juntas, com todas as suas contradições compõe a cultura portovelhense. Entender o indivíduo dentro do contexto da cidade é começar pela sua tomada de consciência da mesma. Além de suas formas de relacionamento com o “outro”, com o grupo e com a própria cidade. Cada pessoa traz traços de sua história, de sua cultura, uma bagagem de vivências, características que a tornam única; um ser povoado por lembranças, memórias de pessoas, lugares, de história, acontecimentos, fatos vividos ou simplesmente imaginados, porque nosso imaginário também é único, podemos até confundir o real e o imaginado, o que vivemos e o que nos foi contado, o que somos e o que queremos ser, o que aconteceu e o que gostaríamos que fosse verdade, tanto que assimilamos fatos que passam a fazer parte da nossa verdade, da nossa vida, da nossa história. Mesmo os sonhos, estes também 5 Cultura [Do lat. cultura.] - O conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade. [Nas ciências humanas, opõe-se por vezes à idéia de natureza, ou de constituição biológica, e está associada a uma capacidade de simbolização considerada própria da vida coletiva e que é a base das interações sociais.] (Aurélio Buarque de Holanda) 30 fazem parte do que somos, “(...) os sonhos são documentos sobre o estado do relacionamento social entre nós e nós mesmos.” (MARTINS, 2000, p.66) A cultura é tudo isso que trazemos, nossos antepassados nossos aprendizados, nosso imaginário, esse ludicismo nato do ser humano. A cultura só pode ser lacunar e cheia de buracos, inacabada e mutante. Ela deve continuamente integrar o novo ao velho, o velho ao novo. Daí a necessidade vital de princípios, ao mesmo tempo, organizadores e críticos do conhecimento para contextualizar, globalizar e antecipar (MORIN,1997, p.46). O homem busca mostrar o que é através da sua imagem. “A exterioridade é que é importante, aquilo que se vê” (MARTINS, op. cit., p.52). “Todos estão procurando o sujeito típico ideal e o protagonista típico, que no fundo é irreal” (MARTINS, op. cit., p.149). Estas afirmações mostram o quão enganado é o homem na procura de sua socialização, pois para ser aceito ele se despe de si mesmo e se fantasia na tentativa de parecer com o outro, perdendo sua autenticidade; tentando ser diferente passa a ser igual, um simulacro, o ser global. Somos o que buscamos, o que assimilamos, somos parte herança, parte entorno, presente, consciente e inconsciente. O diálogo entre as pessoas, entre elas e o lugar, o modo de viver é o ponto de partida da vida em sociedade, no entanto o individualismo é cada vez mais crescente, contradizendo tal princípio, estamos sozinhos mesmo que rodeados por muitas outras pessoas. É o que Morin coloca como as contradições de nós mesmos: Introduzo a contradição na idéia de organização, já que esta é, ao mesmo tempo, mais e menos que a soma das partes que a constituem e comporta um antagonismo interno. Da mesma forma, a vida é ininteligível se não utilizarmos o recurso da dialógica: o ser vivo vive na temperatura de sua própria destruição, ele vive de morte e morre de vida, é autônomo-dependente, auto-eco-organizador. A relação entre o indivíduo humano, a espécie e a sociedade é igualmente dialógica: possuímos genes que nos possuem; possuímos idéias e mitos que nos possuem; somos gerados pela sociedade que geramos (MORIN, op. cit., p.62). A idéia do provisório só faz aumentar a atitude individualista de vida, o desejo de voltar ao local de origem, tão comum aos migrantes de todas as partes desencadeia o não amor, a não vida presente para realização do sonho do viver no lugar de onde saiu. 31 Exemplo disso é o prazer que temos quando nos encontramos com um conterrâneo em terra estrangeira, é como se encontrássemos um cúmplice, um irmão, alguém que vem da mesma raiz, do mesmo lugar, que sabe o que você sabe. Assim sentiu Binjamim, ao encontrar uma criança que como ele vivera nos campos de concentração. “Eram olhos que eu conhecia. Eu os vira milhares de vezes, no campo e mais tarde também.” “Éramos as únicas crianças que sabiam a verdade, e podíamos confiar plenamente um no outro...” (WILKOMIRSKI, 1998, p.189 a 193) A cidade é o grande abrigo do contraste, sua imagem é a representação do espaço através de caminhos, bairros, limites, pontos focais e marcos visuais; por onde quer que passemos haverá uma paisagem ao redor da qual de alguma forma fazemos parte. Observando-se a cidade através de um trajeto, pode-se perceber os pontos que atraem na paisagem, que nos fazem mentalizar caminhos, lugares, pontos importantes, mediante formas, cores, sensações, aspectos físicos, culturais, contrastes. A percepção depende também da relação do indivíduo com o local, se ele é habitante, sua visão estará acrescida do sentimento de morador que tem o mapa mental da área que vive relacionada às suas atividades diárias; se for visitante, terá olhos para o novo e fará uma análise muitas vezes generalista e superficial, mas destacando pontos atrativos do local; por último, se for um técnico analisará a área em seu conjunto geográfico, ambiente e cidade, malha urbana, procurando integrar o que observa e seus dados técnicos. São essas imagens que nos fazem relacionar tempo e espaço, passado e presente, a nossa história e a história do lugar. A cidade faz parte da nossa memória como cenário dos acontecimentos. Voltar a um local onde já estivemos traz-nos diversas lembranças. Sair do local de origem em busca de novas oportunidades é deixar para trás parte de nossa história, como nos diz tão claramente Bosi: O desenraizamento é uma condição desagregadora da memória. (...) Ter um passado, eis outro direito da pessoa que deriva de seu enraizamento. Entre as famílias mais pobres a mobilidade extrema impede a sedimentação do passado, perde-se a crônica da família e do indivíduo em seu percurso errante. Eis um dos mais cruéis exercícios de opressão econômica sobre o sujeito: a espoliação das lembranças (BOSI, 1987, p.362). 32 Assim como as pessoas, os lugares também têm sua história, embora haja um processo de crescente descaracterização urbana. A malha urbana, os espaços livres e edificados formam os contornos da cidade, seu traçado. Os espaços livres, sejam estes públicos ou privados, são espaços de transição, ligando bairros, centro-periferia, habitação-trabalho. É através deste estudo, do dia a dia da cidade, do seu movimento, do seu formato, do seu uso, que começam a serem discutidas as intervenções urbanísticas, pois se alterarmos o uso e movimento de uma determinada área isso surtirá reflexo por toda a cidade. A paisagem muda a cada dia e essa transformação contínua faz parte do estudo e da previsão de crescimento ou intervenção. A observação da cidade nos faz buscar explicações ao ver os extremos tão próximos, riqueza e pobreza lado a lado, liberdade e aprisionamento. O menino do bairro pobre brinca de soltar pipa livre nas ruas de terra ao lado do esgoto que corre a céu aberto. O menino da classe média joga futebol no computador, fechado, protegido do mundo lá fora. Num breve passeio pela cidade de Porto Velho, é possível observar o quão grande são as disparidades. O processo de gentrificação é acelerado, impulsionado pela especulação imobiliária crescente. O crescimento expulsa, exclui, marginaliza, deixa á margem; novos empreendimentos valorizam áreas e expulsam seus antigos moradores. Essa transferência da população local para melhorar o nível da região, transfere também a pobreza de lugar, esconde-se o problema, não o soluciona. Com a melhoria do uso, das pessoas que detêm os imóveis, busca-se uma melhor freqüência de pessoas e de giro econômico no local, o que certamente acontece, mas para favorecimento de poucos. “Todo comércio tem uma função de domesticação do espaço; vender, comprar, trocar: com estes movimentos sensíveis os homens dominam verdadeiramente os lugares mais selvagens, as construções mais sagradas” (BARTHES, 1984, p.68). Vende-se a casa conquistada com suor, deixando a própria história para traz. 33 Visa-se o econômico, mas com benefícios de quem? Se esses valores fossem aplicados no bem estar social dessa localidade, na melhoria de vida das pessoas que foram dali retiradas, mas na maioria dos casos o dinheiro vem para quem já o detém, proprietários, investidores, empresários. O pobre continua pobre, a disparidade continua clara na imagem da cidade. Considerar o homem e o local onde ele vive é essencial ao planejamento, gestão e conservação das cidades, visando seu desenvolvimento sustentável e a valorização das características específicas de cada local, sua cultura, história, pessoas. É a dimensão cultural que diferencia, caracteriza um local, pois está diretamente ligada ao espaço, à história e aos símbolos locais, distingue a forma como as pessoas se relacionam com seu meio, e estabelece uma estreita relação com o desenvolvimento econômico e político local. “Fale de sua aldeia e falará do mundo”, já dizia Tolstói6, do local para o global. Com a globalização, o “espaço geográfico ganha novos contornos, novas características, novas definições e também uma nova importância, porque a eficácia das ações está estreitamente relacionada com sua localização” (M. SANTOS, 2000, p.79). Cada lugar procura valorizar suas peculiaridades, afim de atrair mercados, explorando seus potenciais na procura de diferenciar-se no espaço global, “nunca o espaço geográfico foi tão valorizado (nos dois sentidos do termo) como está sendo na atual etapa da expansão capitalista, na era da globalização, na era informacional” (SENE, 2003, p.126). O lugar, o espaço definido, objetos e ações de uma comunidade que nele interfere e vive toma destaque. O processo da globalização muda a forma de análise do espaço, pois o local não está sozinho, ele influencia e é influenciado pelas decisões políticas nacionais, pela economia mundial, pela cultura global. A espacialidade humana é social, política, cultural, multidimensional e é desse mundo que precisamos dar 6 Liev Tolstói, (09/09/1828 – 20/11/1910) foi um escritor russo muito influente na literatura e política de seu país. 34 conta, mundo que detém a espacialidade humana, produto instituído socialmente, lugar do homem. Podemos perceber nas palavras de M. Santos que o processo de globalização dialoga com o local, “não existe um espaço global, mas, espaços da globalização. O mundo se dá sobretudo como norma, ensejando a espacialização, em diversos pontos, dos seus vetores técnicos, informacionais, econômicos, sociais, políticos e culturais” (2006, p.337). Giddens também analisa a globalização através das relações em sociedade e da valorização do local. A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção anversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões socias através do tempo e do espaço (1991, p.69). Entende-se, pois, que as transformações locais são parte desse processo que é a globalização, mas essa globalização pode ser perversa, segundo M. Santos (2000, p. 38), pois há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e políticas do Estado com a ampliação da pobreza e os crescentes agravos à soberania, enquanto se amplia o papel político das empresas na regulação da vida social. O mundo global é competitivo, nele, gentileza e solidariedade perdem seu espaço, a competividade acaba por destroçar as antigas solidariedades, frequentemente horizontais, e por impor uma solidariedade vertical, cujo epicentro é a empresa hegemônica, localmente obediente aos interesses globais mais poderosos e, desse modo, indiferente ao entorno (M. SANTOS, op. cit., p.85). É justamente o habitante local que deve valorizar seu espaço e não esperar que o mundo global o valorize, ou a fragmentação não só de seu espaço físico, mas de sua sociedade pode ser de difícil reversão, pois a globalização que gera riquezas, gera também pobreza. M. Santos (op. cit.) discute esse tema em seu texto ‘por uma nova globalização’, onde expõe que antes essa pobreza “era uma pobreza que se produzia num lugar e não se comunicava a outro lugar”, 35 então, “era frequentemente apresentada como um acidente natural ou social”, diferente da pobreza atual, que é “estrutural globalizada, resultante de uma ação deliberada”. O espaço global produz o espaço da pobreza e sua disseminação na busca de capital. Mas o local “pode estruturar alianças estratégicas numa grande e diversificada rede de cidades e centros econômicos, multiplicando suas possibilidades” (BUARQUE, 2002, p.39). Cada vez mais as distâncias são vencidas num tempo mais curto, as transmissões são em tempo real, as barreiras tempo-espaço são facilmente transpostas; aliás, já não são mais consideradas barreiras. D. Harvey (1992, p.190) diz que “o progresso implica a conquista do espaço, a derrubada de todas as barreiras espaciais e a “aniquilação do espaço através do tempo””. O mundo está diminuindo, no entanto, quanto menor o mundo, mais comprometida fica a vida cotidiana, menos tempo temos. Há aspectos positivos nesse processo, como a inserção das localidades no comércio mundial, a ampliação das redes de comunicação e muitos negativos, como o empobrecimento da ação do cidadão neste espaço, o individualismo e consumismo exacerbado, posto que, juntamente com a globalização cresce o domínio capitalista, com a predominância da competitividade a qualquer custo e conseqüente aumento da pobreza, devido ao princípio capitalista de acumulação. O domínio do espaço físico foi e continua sendo motivo dos maiores conflitos da humanidade em busca do poder econômico e político. O termo globalização pode ser recente, mas seu processo não. Segundo Friedman (2005), em seu texto “O mundo é plano”, ela vem acontecendo há séculos, e o mundo vem se encolhendo desde então. Assim, este autor divide o processo de globalização em três eras históricas, tendo início em 1492, quando Cristóvão Colombo saiu em busca de novas terras para o comércio. Nesta primeira era da globalização, que teria perdurado até 1800, o tamanho do mundo reduziu de grande para médio, num processo de integração global e esforços individuais dos paises. De 1800 a 2000 temos a segunda era, diminuindo o tamanho do mundo de médio para pequeno, sendo caracterizada pela expansão das empresas multinacionais em busca de mercados e mão-de-obra; teve dois grandes marcos, a evolução na área dos 36 transportes e inovações tecnológicas na área de comunicações. O momento atual seria a terceira era, que na análise do autor, está encolhendo o mundo de pequeno para minúsculo, propiciando que o indivíduo e grupos se globalizem. O ser mais distante está tão próximo, ou mais, que seu vizinho de porta. O que é intrigante é que quanto mais nos aproximamos do que antes estava distante, há um desinteresse pelo que está próximo, pelo lugar que se vive; pela cidade, bairro, a vida em comunidade na busca do bem comum, pelo seu espaço real. A vida, em grande parte hoje é virtual. Para Harvey, por meio da experiência de tudo – comida, hábitos culinários, música, televisão, espetáculos e cinema –, hoje é possível vivenciar a geografia do mundo vicariamente, como um simulacro. O entrelaçamento de simulacros da vida diária reúne no mesmo espaço e no mesmo tempo diferentes mundos (de mercadorias). Mas ele o faz de tal modo que oculta de maneira quase perfeita quaisquer vestígios de origem, dos processos de trabalhos que os produziram ou das relações sociais implicadas em sua produção (1992, p.270-271). A virtualidade é um simulacro, pois através dele viajamos o mundo sem sair do lugar, nos tornamos cidadãos globalizados sem no entanto cruzar fronteiras territoriais físicas. "O espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais mas não há um espaço mundial. Quem se globaliza mesmo são as pessoas" (M. SANTOS, 1993, p.16). O homem moderno é globalizado, e por isso a sua relação com os outros, com empresas e com o espaço muda. O espaço, porém, é o cerne de análise das dimensões da globalização. Giddens (1991, p.74-82) nos fala sobre quatro dimensões da globalização, sendo a primeira delas a economia capitalista mundial. “O capitalismo foi uma influência globalizante fundamental precisamente por ser uma ordem econômica e não política.” Em seguida os sistemas de estado-nação, que “são os atores principais dentro da ordem política global”. A ordem militar é a terceira dimensão da globalização citada por Giddens, dimensão esta que “não se limita obviamente ao armamento e as alianças entre as forças armadas de estados diferentes – ela também diz respeito à própria guerra”. A quarta dimensão é o desenvolvimento industrial – “expansão da divisão global do trabalho”. 37 Juntas, essas dimensões nos dão um quadro de mudanças ocorridas na sociedade, que culminam nas transformações tecnológicas ocorridas no decorrer da era moderna, modificando o espaço e o tempo do trabalho, com reflexos na estrutura da sociedade, de sua organização política, cultural e espacial. Os países não têm total autonomia sobre suas ações, porque essas têm que levar em consideração as externalidades como a economia mundial, e seguir regras acordadas entre as nações. Nessa troca de influências há uma desigualdade tecnológica discrepante, onde os espaços que dominam as tecnologias dos que precisam delas. “Outras dimensões da globalização, como a socioeconômica, a cultural e a política, estão permanentemente atravessadas pela dimensão espacial, ou melhor, todas elas se materializam no espaço geográfico” (SENE, 2003, p.119). A internacionalização do capital e de diversos setores da vida social é conseqüência, mas também a promoção do desenvolvimento local e a troca intensa de informações que desafia os limites territoriais. “O desenvolvimento local pode ser conceituado como um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos” (BUARQUE, 2002, p. 25, grifo do autor). As grandes empresas multinacionais fixam-se em locais não com o intuito de atingir aquele mercado local, mas de gerar estruturas globais de produção e oferta. Há o crescimento local por gerar empregos, mas não é o objetivo maior do empresariado, que busca a facilidade de deslocamento, desafiando a territorialidade, que se tornou flexível para atender a esta generalização do mercado. Soja (1993, p.129) fala sobre a necessidade do desenvolvimento geograficamente desigual; “a problemática espacial e suas ramificações sóciopolíticas nas escalas regional e internacional dependem da importância atribuída ao desenvolvimento geograficamente desigual na gênese e na transformação do capitalismo.” Os espaços desenvolvidos têm poder sobre os subdesenvolvidos na forma de domínio tecnológico, econômico, político. 38 As cidades querem oferecer vantagens para que essas empresas se instalem em seus territórios, atrair investimentos, e é a especificidade local que as valoriza diante da globalização que ameaça o desenvolvimento local, que aumenta a desigualdade econômica e a exclusão social. Ao mesmo tempo que supõe integrar os países, globaliza a miséria, excluindo grande parte das pessoas do mercado. Para que haja o rico é preciso existir o pobre, pois é das diferenças que se alimenta o capitalismo. Buarque (2002, p. 31) afirma que “o desenvolvimento local não pode ser confundido com o isolamento da localidade e seu distanciamento dos processos globais; ao contrário, a abertura para os processos externos é um fator de propagação e estímulo à inovação local.” “Pensar globalmente, agir localmente”, ou seja, a partir de uma construção do global, da percepção do todo, desenvolver projetos e ações no âmbito local visando o seu desenvolvimento, valorizando sua singularidade e investimento na sociedade que integra uma totalidade é à base da sustentabilidade, de uma globalização transformadora que respeite o ser humano e sua espacialidade. A dimensão cultural tem papel fundamental na distinção do local em relação ao global, pois está diretamente ligada ao espaço, à história e aos símbolos locais. Distingue a forma como as pessoas se relacionam com seu meio, e estabelece uma estreita relação com o desenvolvimento econômico e político local. É diante da globalização que as características locais têm de ser reforçadas, para não se perderem e porque são elas que vão caracterizar o local ressaltando seus diferenciais propícios ou não ao desenvolvimento. O Estado precisa então se fortalecer, ser ativo no mercado e os movimentos sociais e ongs incentivados, para que os benefícios do desenvolvimento fiquem no local, para que a cultura não se dissolva pela falta de territorialidade. Assim, colaborando para a preservação local estará contribuindo para solucionar problemas globais. “A contraface da globalização não parece ser a uniformização e padronização mundial dos estilos de desenvolvimento, mas ao contrário, a 39 valorização do local e da diversidade, como diferencial de qualidade e competitividade” (BUARQUE, 2002, p. 37, grifo do autor). A cultura pode ser explorada como esse diferenciador dos espaços, no intuito de um desenvolvimento que respeite os princípios do desenvolvimento sustentável e da sustentabilidade. Não diminuímos o espaço, agregamos sim a ele novas espacialidades, como a virtual, e por vezes não damos conta de viver integralmente cada parte desse tão vasto horizonte que nos é proporcionado, por isso o homem moderno faz opções, escolhe quais as espacialidades a serem consideradas de maior importância em seu cotidiano em detrimento de outras. O mundo é vasto, o tempo é curto. Ao mesmo tempo em que há uma diminuição do espaço global, há um aumento do individual. Não se pode viver fora da globalização, porque se está neste mundo, neste espaço, sofre-se, pois, influências desse processo, mesmo que imperceptíveis a muitos. Mas é possível sim lutar ‘por uma outra globalização’, onde o ser humano seja respeitado em sua espacialidade, como indivíduo e como sociedade, e para que isso ocorra é preciso planejamento, vontade política e participação de cada um na construção da melhoria local, absorvendo os reflexos positivos da globalização e eliminando os negativos, com um desenvolvimento onde haja eqüidade entre classes, tanto na divisão e conquista do capital na divisão do trabalho, quanto na apropriação do espaço real. 40 CAPÍTULO III 3. PORTO VELHO – CIDADE DA AMAZÔNIA Situada em Rondônia, região norte do território brasileiro, Porto Velho encabeça uma rede urbana, formada por cinqüenta e duas cidades, que é o resultado de um processo bem recente de urbanização da fronteira agrícola, conforme se verifica na Figura 01. O dinamismo urbano da Região Norte também se evidencia em cidades como Rio Branco, no Acre, e, marcantemente, em Manaus, no Amazonas, e Belém, no Pará. Figura 01 - O Estado de Rondônia Fonte: site www.portalbrasil.net Iniciamos com um pouco da história de Rondônia. No século XVII, teve como seus primeiros colonizadores os portugueses, que começaram a percorrer as terras do que seria o atual Estado de Rondônia. No século seguinte, com a descoberta e a exploração de ouro em Goiás e Mato Grosso, aumentou o interesse pela região. Em 1776, a construção do Forte Príncipe da Beira, às margens do rio Guaporé, estimulou a implantação dos primeiros núcleos 41 coloniais, que se desenvolveram no final do século XIX com o surto da exploração da borracha. No século XX, a criação do estado do Acre, a construção da Ferrovia Madeira-Mamoré e a ligação telegráfica estabelecida por Cândido Rondon, representaram novo impulso à colonização. O Tratado de Petrópolis7 em 1903 estabeleceu definitivamente as fronteiras entre o Brasil e a Bolívia, compensando a anexação do Acre por meio da cessão de pequenos territórios próximos à foz do rio Abunã, numa região próxima ao Acre, e também na bacia do rio Paraguai, e do pagamento de uma quantia em dinheiro. Como a Bolívia ficou, após guerra com o Chile, sem saída para o mar, dois artigos do Tratado de Petrópolis obrigaram o Brasil a assinar um Tratado de Comércio e Navegação que permitisse a Bolívia usar os rios brasileiros para alcançar o oceano Atlântico. Além disso, a Bolívia poderia estabelecer alfândegas em Belém, Manaus, Corumbá e outros pontos da fronteira entre os dois países, assim como o Brasil poderia estabelecer aduanas na fronteira com a Bolívia. O Brasil foi obrigado, ainda, a construir uma ferrovia "desde o porto de Santo Antônio, no rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré", com um ramal que chegasse em território boliviano, como constatamos no artigo VII do referido tratado: Os Estados Unidos do Brasil obrigam-se a construir em território brasileiro, por si ou por empresa particular, uma ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no Rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal que, passando por Vila Murtinho ou outro ponto próximo (Estado de Mato Grosso), chegue a Vila Bela (Bolívia), na confluência do Beni e do Mamoré. Dessa ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir no prazo de quatro anos, usarão ambos os países com direito às mesmas franquezas e tarifas. Surgia, em meio à floresta amazônica, inserida na maior bacia hidrográfica do globo, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – EFMM, que teve sua delimitação realizada em 1905, as obras iniciadas em 1907 e concluídas em 1912. Mas a idéia e a necessidade de sua construção remontam à década de 20 do século XIX 7 Tratado de Petrópolis , também denominado O Tratado de permuta de Territórios e outras Compensações, foi o documento que resolveu a "Questão Acreana" entre o Brasil e a Bolívia. O tratado foi assinado pelos brasileiros Barão do Rio Branco e Joaquim Francisco de Assis Brasil, e pelos bolivianos Fernando E. Guachalla e Cláudio Pinilla na cidade de Petrópolis em 17 de novembro de 1903. 42 Desde o ano de sua independência, 1825, a Bolívia cogitava uma saída comercial através dos rios Mamoré, Madre de Dios e Beni, Madeira e Amazonas. Progressivamente estavam sendo mapeados o intrincado sistema de rios daquela região amazônica, no Brasil, na Bolívia e no Peru. Entretanto, já era sabido que o mais sério obstáculo à navegação dos principais rios eram as vinte cachoeiras e corredeiras dos rios Mamoré e Madeira, ao longo de mais de 420km de seu curso, parte em território brasileiro e parte pela fronteira com a Bolívia. Figura 02 - EFMM – Trajeto ao lado do trecho encachoeirado do Rio Mamoré-Madeira Fonte: IPHAN 43 Por mais de um século, luso-brasileiros e hispano-americanos aventuraram-se com suas embarcações pelos trechos encachoeirados, ou contornavam esses obstáculos por terra, arrastando suas canoas. A idéia de uma via terrestre tomou maior vulto a partir de 1846, quando o engenheiro boliviano José Augustín Palácios entregou ao governo do seu país um relatório sobre a região. Esse relatório recomendava estudos sobre a navegação do Rio Madeira, como única forma de solucionar o problema de escoamento da produção e da importação da Bolívia. Podemos ter uma idéia da escala colossal dos territórios envolvidos nos interesses brasileiro e boliviano, de dimensões equivalentes à soma dos atuais estados de Mato Grosso e Rondônia, acrescidos de extensa área de influência à montante dos Rios Mamoré, Madre de Dios e Beni, e à jusante do Rio Madeira até o Rio Amazonas. A imagem adiante nos auxilia nessa avaliação. 44 Figura 03 - América do Sul – Área Geo-econômica de influência da EFMM Fonte: IPHAN 45 A Borracha é o impulso à criação e desenvolvimento. A ocupação da capital do Estado, Porto Velho, tem início de forma exploratória, com a borracha, a implantação da EFMM para escoamento da produção desta. Porto Velho foi criada por volta de 1907, à margem direita do Rio Madeira, sete quilômetros abaixo da Cachoeira de Santo Antônio do Alto Madeira, na parte oeste da Região Norte do Brasil, na Amazônia Ocidental, durante a construção da EFMM. A microrregião de Porto Velho é uma das oito do Estado de Rondônia e compõe a mesorregião de Madeira-Guaporé. Figura 04 – Localização de Porto Velho Legenda: Porto Velho Fonte: google earth O município possui área de 35.928,9 Km², altitude de 85,2m, latitude: 08º45’43’’ e longitude: 063º54’14’’. Limita-se ao norte, noroeste e nordeste com o 46 Estado do Amazonas; ao sudeste com os municípios de Cujubim, Machadinho do Oeste e Candeias do Jamari; ao leste com os municípios de Candeias do Jamari e Alto Paraíso; ao sul com os municípios de Campo Novo de Rondônia e Nova Mamoré; ao oeste com o Estado do Acre e República da Bolívia. Tem em sua maior parte relevo plano, com variações de altitudes que vão de 70 metros a pouco mais de 500 metros. Figura 05 – Limites Fonte: www.a-rondonia.com O Rio Madeira, um dos principais afluentes do Rio Amazonas, exerce traço marcante na demarcação urbana, como podemos observar na próxima imagem. 47 Figura 06 – A cidade Fonte: wikimapia A borracha, nos anos de 1900-1910, foi o produto brasileiro mais exportado ao lado do café, segundo Sodré (1976, p.66), a Amazônia conheceu a ascensão rápida com a borracha que atingiu fases de dominação monopolista dos mercados, porque eram novos neles e sem competidores, para declinar depressa, também, logo que outros produtores, mais aparelhados, apareceram. Desde meados do séc. XIX, nos primeiros movimentos para construir uma ferrovia que possibilitasse superar o trecho encachoeirado do rio Madeira (cerca de 380km) e dar vazão à borracha produzida na Bolívia e na região de Guajará Mirim, a localidade escolhida para construção do porto foi Santo Antônio do Madeira, província de Mato Grosso possibilitando a exportar para a Europa e os EUA. 48 As dificuldades de construção e operação de um porto fluvial, em frente aos rochedos da cachoeira de Santo Antônio, fizeram com que construtores e armadores utilizassem o pequeno porto amazônico localizado 7km abaixo, em local muito mais favorável. Era chamado por alguns de porto velho dos militares, numa referência ao abandonado acampamento da guarnição militar que ali acampara durante a Guerra do Paraguai (essa guarnição ali estivera como precaução do Governo Imperial contra uma temida invasão por parte da Bolívia). Em 15 de janeiro de 1873, o Imperador Pedro II assinou o Decreto-Lei nº5.024, autorizando navios mercantes de todas as nações subirem o Rio Madeira. Em decorrência disso, foram construídas modernas facilidades de atracação em Santo Antônio, que passou a ser denominado porto dos vapores ou, no linguajar dos trabalhadores, porto novo. O porto velho dos militares continuou a ser usado por sua maior segurança, apesar das dificuldades operacionais e da distância até Santo Antônio, ponto inicial da EFMM. Percival Farquhar, proprietário da empresa que afinal conseguiu concluir a ferrovia em 1912, desde 1907 usava o velho porto para descarregar materiais para a obra e, quando decidiu que o ponto inicial da ferrovia seria aquele (já na província do Amazonas), tornou-se o verdadeiro fundador da cidade que, quando foi afinal oficializada pela Assembléia do Amazonas, recebeu o nome de Porto Velho, hoje, a capital de Rondônia, oficializada em 2 de outubro de 1914. Figura 07 - Área onde foi construído o complexo ferroviário de Porto Velho – 1908 Fonte: www.ronet.com.br 49 Após a conclusão da obra da EFMM, em 1912, e a retirada dos operários, a população local era de cerca de 1.000 pessoas. O maior de todos os bairros era onde moravam os barbadianos, Barbadoes Town, construído em área de concessão da ferrovia. As moradias abrigavam principalmente trabalhadores oriundos das Ilhas Britânicas do Caribe, genericamente denominados "barbadianos". A EFMM foi inaugurada no dia 12 de abril de 1912, após várias tentativas fracassadas que tiveram início na década de 70 do século XIX. Foi a primeira estrada de ferro na Amazônia, e sua construção constitui uma epopéia, por todas as motivações que a criaram e pela conjuntura histórica de sua concepção, construção, funcionamento, desativação. Com o tempo passou a abrigar moradores das mais de duas dezenas de nacionalidades de trabalhadores que para cá acorreram. Essas frágeis e quase insalubres aglomerações, associadas às construções da Madeira Mamoré deram origem a cidade de Porto Velho. Muitos operários, migrantes e imigrantes moravam em bairros de casas de madeira e palha, construídas fora da área de concessão da ferrovia. A EFMM é, não apenas o símbolo, mas a própria história da ocupação dos atuais estados de Rondônia e Acre. Ao longo de seu percurso, contornando os trechos encachoeirados dos Rios Madeira e Mamoré, estão implantadas pequenas vilas, estações, construções rústicas, caixas d’água, pontes e colônias agrícolas que atestam o povoamento inicial da região. Durante quase seis anos, trabalhadores de mais de 25 nacionalidades empregaram seus esforços, enfrentaram doenças, inúmeros perderam suas vidas, para que viesse a ser concretizado o sonho da construção da estrada no início do século (1905-1911). Em vários pontos da linha férrea constituíram-se povoados, vilas de agricultores e comércios que escoavam seus produtos pelos trens que ali trafegavam. A área não industrial das obras tinha uma concepção urbana bem estruturada, onde moravam os funcionários mais qualificados da empresa e onde estavam os armazéns de produtos diversos. Nos primórdios havia uma divisão da 50 cidade em duas partes distintas: a área de concessão da ferrovia e a área pública; duas pequenas povoações, com aspectos muito distintos que eram separadas por uma linha fronteiriça denominada Avenida Divisória, a atual Avenida Presidente Dutra. Figura 08 - Avenida Presidente Dutra – 1950 Fonte: www.ronet.com.br 3.1. Formação Urbana O núcleo urbano inicial de Porto Velho tinha boas condições de salubridade, o que contribuiu para o seu desenvolvimento e também a facilidade de acesso pelo rio durante o ano todo, as condições do seu porto, e a necessidade que a ferrovia sentia de exercer maior controle sobre os operários para garantir o bom andamento das obras. Foram construídas então residências em sua área de concessão, e, até mesmo, de certa forma, ao bairro onde moravam principalmente os estrangeiros trazidos para a construção. O centro comercial e urbano formou-se a partir da Praça Madeira Mamoré, sendo o comércio mais significativo localizado ao longo da Avenida 7 de setembro, que ainda mantém essa característica. Ainda próximos à praça, na parte mais antiga do centro de Porto Velho, encontram-se vários prédios de significativa importância no crescimento da cidade. O Pátio Ferroviário da EFMM é de fundamental importância para preservar a memória da ocupação dos territórios amazônicos da bacia do Rio Madeira, no Brasil e na Bolívia. 51 Figura 09 – Imagem Aérea Praça Madeira Mamoré- Porto Velho CASA DE FORÇA OFICINA E ROTUNDA ESTAÇÃO ARMAZÉM -01 ARMAZÉM -03 ARMAZÉM -02 PLANO INCLINADO Fonte: VILLELA, T.C, adaptado de Prefeitura Municipal de Porto Velho A importância da EFMM para a formação da cidade pode ser medida pelo texto da lei de sua criação (Lei Nº. 757 de 2 de outubro de 1914), aprovada pela Assembléia Legislativa do Amazonas, que diz: Art. 2o. - O Poder Executivo fica autorizado a entrar em acordo com o Governo Federal, a Madeira Mamoré Railway Company e os proprietários de terras para a fundação imediata da povoação, aproveitando na medida do possível, as obras do saneamento feitas ali por aquela companhia, e abrir os créditos necessários à execução da presente lei. Nos seus primeiros 60 anos, o desenvolvimento da cidade esteve diretamente ligado às operações da ferrovia. Enquanto a borracha apresentou valor comercial significativo, houve crescimento e progresso. Nos períodos de desvalorização da borracha, devido às condições do comércio internacional e à inoperância empresarial e governamental, estagnação e pobreza. 52 Figura 10 – Armazenamento e Transporte da Borracha Fonte: www.ronet.com.br Quando a borracha da Malásia tornou-se competitiva ao preço da borracha da Amazônia no mercado mundial, a economia regional estagnou. Segundo Dean (1989, p.64-65), a produção da borracha expandiu-se enormemente: Entre 1907 e 1910 duplicou na Malásia, alcançando 400.000 hectares. (...) A economia da Amazônia, por sua vez, foi arrasada pela concorrência do Ceilão e da Malásia. Os salários caíram junto com os preços a um quarto do seu nível durante o boom. “Comerciantes, exportadores, banqueiros e corretores desesperados juntaram-se aos seringueiros num êxodo da região. A grave crise da borracha amazônica foi também conseqüência da ausência de visão dos líderes empresariais da época, principalmente os denominados barões da borracha, cuja imensa capitalização no período de apogeu foi usada apenas para obras e ações improdutivas, e governamentais, o que resultou na completa ausência de alternativas para o desenvolvimento regional. Entre 1925 e 1960, o centro urbano da cidade de Porto Velho adquiriu o traçado que possui. No ano de 1943, foi constituído o Território Federal de Guaporé, com capital em Porto Velho, mediante o desmembramento de áreas de Mato Grosso e 53 do Amazonas, o que estimulou a ocupação e o desenvolvimento da região que em 1956, passou a se chamar Território de Rondônia. Com a segunda guerra mundial e a criação dos territórios federais, ocorreu novo e rápido ciclo de progresso regional. Esse surto decorreu das necessidades de borracha das forças aliadas, que haviam perdido os seringais malaios na guerra do Pacífico e produziu o denominado Segundo Ciclo da Borracha. A economia gomífera produziu um intenso povoamento regional responsável por uma incipiente rede urbana. É no contexto da economia da borracha e de suas conseqüências para o povoamento do sudoeste da Amazônia que se dá a segunda tentativa de ocupação da atual Rondônia (C. SANTOS, 2007, p.50). Finda a guerra, novamente a economia regional baseada na borracha, e dirigida com imprevidência e incapacidade empreendedora, entrou em paralisia. Após 60 anos de existência, a EFMM foi considerada como uma “ferrovia deficitária”, em uma época em que a política brasileira enfatizava e financiava a indústria e o transporte rodoviário. Em 1972 as locomotivas apitaram pela última vez, dando por encerrado o funcionamento da já lendária ferrovia. Dois anos após, iniciou-se a crise do petróleo. Entre os anos 60 e 80, o crescimento é acelerado, nestas décadas Rondônia foi considerada o eldorado brasileiro, quando atraiu milhares de imigrantes da Região Sul, seduzidos pela distribuição de terras promovida pelo governo federal. Os incentivos fiscais e os intensos investimentos do governo federal, como os projetos de colonização dirigida, que estimularam a migração, em grande parte originária do Centro-Sul. Além disso, o acesso fácil à terra boa e barata atraiu empresários interessados em investir na agropecuária e na indústria madeireira. A descoberta de ouro e cassiterita também contribui para o aumento populacional. A partir de 1979, vários representantes da comunidade local, manifestandose sobre a importância da ferrovia como legado histórico para o Território de Rondônia, demonstraram o interesse de preservar a memória da EFMM, entendendo que a melhor maneira seria reativá-la e colocá-la a serviço dos interesses da comunidade. 54 A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, além de ter sido o elemento básico da ocupação do Território de Rondônia, integrou-se plenamente aos costumes e necessidades da região. Ela representou, entre outros fatores, um empreendimento técnico e econômico internacional e de grande vulto, um fator sócio-cultural da maior importância para a vida brasileira e boliviana, pois, ao desbravar a região, alterou a condição de vida da população que se deslocou para aquele ponto distante da Amazônia Ocidental. Representando uma das mais importantes obras de engenharia do início do século, o seu acervo hoje permite caracterizar não só aquela tentativa inédita de ocupação da Amazônia, como também a transferência, para a região, da mais avançada tecnologia da época, representada pela energia a vapor. Em 1981 Rondônia ganha a condição de Estado. Em apenas duas décadas, a população do estado passou de 70 mil para 500 mil. Porém, de 1991 a 1997, o território perdeu em média 37 pessoas por dia. Segundo o IBGE, a migração ocorre principalmente em direção a Roraima. Com o esgotamento da qualidade da terra, em virtude das constantes queimadas, os pequenos agricultores buscam novas fronteiras agrícolas na Amazônia. Mais recentemente, no ano de 1995, a construção do porto graneleiro na capital, Porto Velho e a abertura, em 1997, da hidrovia do rio Madeira, mudam o perfil econômico de Rondônia. Com 1.115 km, a hidrovia liga a capital ao Porto de Itacoatiara, no Amazonas, barateando o transporte de seus produtos agrícolas. Rondônia abastece a Região Nordeste com feijão e milho, destacando-se também como produtor nacional de cacau, café, arroz e soja. Marcado pelo extrativismo vegetal, principalmente de madeira e borracha, Rondônia também é responsável por 40% da cassiterita produzida no Brasil. Com a construção da Usina Hidrelétrica de Samuel, na década de 80, cresceram os segmentos madeireiro, mineral, de construção civil e alimentos. O Estado tem 1,56 milhões de habitantes, dos quais 66,8% vivem nas cidades. Mais de 370 mil, ou um quarto dos habitantes, moram na capital, Porto Velho. Recoberto em sua maior parte por vegetação típica de cerrado, o estado conta com 22.433 km de rodovias, sendo apenas 6,32% pavimentadas. O 55 saneamento básico também é bastante precário. Em 2005, a rede de esgoto alcança 48,3% dos domicílios do estado, segundo o IBGE. Os reflexos dessas condições insalubres aparecem na saúde da população: o estado é considerado pela Fundação Nacional de Saúde uma região endêmica de malária, leishmaniose e febre amarela. De acordo com dados do Conselho Federal de Medicina, conta com 7,1 médicos para cada grupo de 10 mil habitantes, metade do que é considerado aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Contribuíram para o crescimento de Porto Velho a descoberta de cassiterita (minério de estanho) nos velhos seringais no final dos anos 50, e de ouro no rio Madeira, mas, principalmente, a decisão do governo federal, no final dos anos 70, de abrir nova fronteira agrícola no então Território Federal de Rondônia, como meio ocupar e desenvolver essa região segundo os princípios da segurança nacional vigentes. Além de aliviar tensões fundiárias principalmente nos estados do sul, por meio da transferência de grandes contingentes populacionais para o novo Eldorado. Quase 1 milhão de pessoas migraram para Rondônia, e Porto Velho evoluiu rapidamente, de 90.000 para 300.000 habitantes (Fonte: Site Prefeitura de Porto Velho). Tabela 01 – Taxa de crescimento populacional (%) 1950/60 1960/70 1970/80 1980/90 Rondônia 6,39 4,76 16,03 7,88 Norte 3,34 3,47 5,02 5,19 Brasil 2,99 2,88 2,48 1,92 Fonte: IBGE A cidade e o estado tornaram-se uma nova mistura cultural, onde convivem hábitos e sotaques de todos os quadrantes do país. Juntaram-se ao Boi-bumbá e forró (de origem nordestina), o vaneirão (gaúcho); ao tacacá e açaí, o chimarrão; à alpercata, a bota e o chapéu de vaqueiro. O desenvolvimento da pecuária incorporou as festas de peões e os rodeios aos folguedos juninos. 56 Esta migração intensa provocou um explosivo crescimento da cidade, particularmente na década de 80. Hoje a cidade mostra as conseqüências desse crescimento desordenado. Os bairros periféricos são pouco mais que um aglomerado de casebres de madeira cobertos de palha, sem ordenação ou infraestrutura. Em grande parte resultam de invasões de terras ainda não ocupadas, por parte de uma população sem teto, que aqui chegava num ritmo não acompanhado pelas instituições públicas. Apenas o centro, uma herança dos desbravadores, apresenta características de urbanização definidas. Os bairros que se interpõe entre o centro e a periferia, mostram bem essa condição, com ruas ainda por asfaltar e sem calçadas, rede de esgotos inexistente, casebres de madeira ao lado de belas residências. A redução na taxa de crescimento demográfico da década atual, por outro lado, tem permitido que rapidamente os moradores e os órgãos públicos implementem melhorias. A área urbana do município de Porto Velho, como na grande maioria das cidades brasileiras não obedece ao limite urbano estabelecido. A cidade vem crescendo de maneira acentuada nos últimos anos e sua população está estimada em 374 mil habitantes (IBGE, 2005), como se pode observar na tabela a seguir: 57 Tabela 02 – População residente segundo zona de localização - Porto Velho 2000/05 Ano População total 2000 Zona de localização Urbana Rural 334.661 271.064 63.597 2001 342.264 277.222 65.042 2002 347.844 281.742 66.102 2003 353.961 286.697 67.264 2004 380.884 308.503 72.381 2005 373.917 302.873 71.044 Fonte: IBGE / censo demográfico 2000 Nota: Dados estimados, com exceção dos relativos ao ano 2000 As taxas médias geométricas de crescimento entre 1991 e 2000 foram de 2,35 e a taxa de urbanização, no mesmo período, passou de 72,16% para 81,79% da população total. A densidade média do núcleo urbano principal, cuja área é estimada em 11.689 hectares é bastante baixa, cerca de 25,0 hab/ha. Esse crescimento pode ser também observado nos mapas de evolução e perímetro urbano de Porto Velho, de 1972 a 1985 e o que vigorou até 2008. 58 Figura 11 – Evolução urbana Em 1985 já era claro o crescimento para zona leste da cidade, o que se confirma no perímetro demarcado pelo Plano Diretor de 1990 e já ultrapassado fisicamente, reflexo do crescente número de áreas invadidas ou ocupadas irregularmente; invasão e ocupação das margens dos cursos d’água, comprometendo os mananciais pelo avanço da urbanização desordenada. A próxima imagem mostra a quanto a cidade extrapolou seu limite tido como urbano. 59 Figura 12 - Perímetro até 2008 Fonte: Prefeitura de Porto Velho Esse crescimento acelerado e desestruturado resultou na carência de serviços públicos básicos, como saneamento, água tratada, habitação, dentre outros, e quem mais sofre é sem dúvidas a população mais pobre que é marginalizada, segregada, excluída da cidade. A ampliação do perímetro urbano torna-se urgente, para que esta área já expandida possa oficialmente fazer parte da cidade e seus habitantes usufruírem 60 dos benefícios que a administração pública tem por obrigação oferecer. Com esse objetivo, a Prefeitura do município de Porto Velho vem desenvolvendo trabalhos no sentido de levantar, organizar e sistematizar as informações necessárias ao estudo da cidade para conclusão de seu plano diretor. O crescimento da cidade de Porto Velho na direção Leste teve a vantagem de possibilitar a ocupação de áreas mais altas e planas, bastante adequadas à urbanização, mas demonstrou por outro lado, um problema grave, porém comum à muitas cidades brasileiras, uma forte dispersão da malha urbana, ocupada com baixas densidades, fato este que dá origem a grandes vazios urbanos comprometendo a expansão das redes de infra-estrutura e de equipamentos sociais, dados os custos elevados representados por grandes extensões de áreas a serem cobertas por estas redes. Na Amazônia, cerca de 76,15% da população já vive em cidades (IBGE, 2000), muitas delas tendo passado pela agricultura de subsistência, procurando posteriormente os centros urbanos como melhoria de qualidade de vida. Em Rondônia a capital, Porto Velho, concentra grande parte dessa população, como se vê no gráfico. Gráfico 01 - Porcentagem de população total das capitais em relação ao Estado Fonte: INPE 61 Nas décadas de 70 e 80, o Estado foi tomado por um enorme fluxo migratório, pessoas que buscavam riquezas, atraídas pelo garimpo, pela oferta de terras, do Eldorado e grande parte desse fluxo dirigiu-se para a capital. Muitos enriqueceram, e destes, parte voltou com as riquezas tiradas daqui para usufruir do bem estar das cidades de origem. Mas a grande maioria nem enriqueceu, nem voltou para o lugar de origem. “Quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa alienação” (M. SANTOS, 2006, p. 328). O autor fala da “desterritorialização, que é, também, desculturização”, vista por Haesbaert como uma espécie de “mito”, “mais do que a desterritorialização desenraizadora, manifesta-se um processo de reterritorialização espacialmente descontínuo e extremamente complexo” (HAESBAERT, 1994, p. 214). Dessa forma, Porto Velho passou a abrigar saudades das raízes de seus habitantes, que por vezes sonham com a volta e portanto não se enraízam. É comum ouvir relatos de pessoas que vieram para ficar aqui um ano, dois e já se vão vinte, ou mais e ainda sonham com a volta. Esse pensamento vem mudando aos poucos, por pessoas que realizaram aqui seus projetos de vida, tiveram descendentes, filhos da terra e que têm a difícil tarefa de mudar esta mentalidade ainda tão presente, abrir a cidade, derrubar muros, tabus, preconceitos, formando um novo território, que se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintomático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo pela representação), o ator ‘territorializa”o espaço. (...) o território nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder (RAFFESTIN, 1993, p. 43). Os projetos de urbanização precisam acompanhar essa dinâmica espacial e seu conseqüente crescimento demográfico, mas isso praticamente não ocorre. O grande impacto populacional, ocasionado por medidas políticas de incentivo a colonização da Amazônia, ainda hoje são sentidos na falta de infraestrutura mínima satisfatória, nas baixas taxas de abastecimento de água, 62 saneamento quase inexistentes, déficit habitacional alto, custo de vida elevado, segurança pública insuficiente. O mercado imobiliário explora essas deficiências de forma inescrupulosa; o marketing imobiliário apóia-se principalmente na ausência de segurança pública, o que aumenta consideravelmente a construção de condomínios de casas e apartamentos, de muros que os separam da cidade real. Vende-se um isolamento, uma nova espacialidade, como se nesta não importasse o mundo lá fora, as pessoas lá fora, a cidade. Esses condomínios são construídos em áreas menos valorizadas da cidade e o poder público é induzido a estender infra-estrutura para atender essa demanda. Os prédios, aos poucos se multiplicam e começam a formar uma barreira visual na cidade, já não se pode vê-la ao longe, mas do alto dos prédios. São os reflexos da globalização no espaço urbano, onde o apartamento alcançou o status da moradia contemporânea ideal, segura e prática. No final do séc. XX o mundo acompanhou atento a queda de um de seus mais famosos muros: o de Berlin, que naquele momento parecia libertar o mundo, derrubar as barreiras de cada um de nós, mas assistiu-se ao evento por detrás de outros tantos muros, divisores talvez mais difíceis de derrubar do que aquele. Do outro lado, o coletivo perde força, a cidade é segregada. Através de estratégias do mercado imobiliário, normalmente os empreendimentos são lançados em áreas de menor valor, forçando o desenvolvimento e sutilmente expulsa a população original para atrair residentes de mais alta renda, ocasionando o processo de gentrificação. Fechar-se em condomínios pode ser o caminho individual, o mais fácil para quem tem poder aquisitivo, mas não para a sociedade. Essa cidade ideal e irreal, sai caro para a cidade real. O mau aproveitamento dos espaços gera sua escassez, o seu alto valor estimula o marketing de que verticalizar é bom. Outro grande vilão que mutila o espaço urbano são os shoppings centers, e Porto Velho já teve o seu primeiro shopping inaugurado, e tem um segundo em obras. 63 Para o arquiteto Paulo Mendes da Rocha (em entrevista a Folha on line – 20/06/2006)8, o confinamento crescente dos cidadãos em espaços privados destrói as cidades. "A pessoa se priva de tudo, inclusive da vida urbana. Isso não forma cidadão", afirmou Mendes, que citou o shopping como exemplo de excludência. Para Fani (2005, p.21), “o padrão arquitetônico da cidade também segrega, separa, expulsa”. Os shoppings centers são grandes armas contra os centros das cidades, império do consumismo, reúnem lazer em torno do comércio diversificado, oferecem segurança, diversão e entretenimento, mas a uma parcela da população que possa pagar por isso. “Todos nós ficamos cansados de ver coisas iguais demais, um shopping normal nos exclui da cidade, com suas lojas tão iguais a ponto de você não saber em que cidade está” (LERNER, 2005, p.120). Cabe ao planejamento urbano organizar e propor soluções a esses transtornos da cidade, desenvolvendo estudos em busca da melhor qualidade de vida da população, atuando no ambiente urbano, nos processos de produção, estruturação e apropriação do espaço urbano. A interpretação destes processos, assim como o grau de alteração de seu encadeamento, varia de acordo com a posição a ser tomada no processo de planejamento e principalmente com o poder de atuação do órgão planejador. A equipe de planejamento urbano, que deve ser interdisciplinar, trabalha além do aspecto físico-territorial da cidade, envolvendo o processo de produção, estruturação e apropriação do espaço urbano, detectando impactos positivos e negativos, causados por um plano de desenvolvimento urbano. Segundo Câmara e Medeiros (1998), modelagem de dados refere-se ao processo de abstrair os fenômenos do mundo real para criar a organização lógica do banco de dados. Um modelo de dados fornece ferramentas formais para descrever a organização lógica de um banco de dados, bem como define as operações de manipulação de dados permitidas. No caso de aplicações geográficas, as técnicas tradicionais de modelagem devem ser estendidas para incluir questões específicas de dados geográficos. 8 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u61599.shtml 64 A cidade extrapola o limite urbano estabelecido, dificultando o poder público de agir com eficácia na ampliação de infra-estrutura que atenda a sua totalidade. Muitos cidadãos estão à margem dos limites e do direito à cidade, tão almejado, são ignorados pela cidade oficial, pois ocupam irregularmente o solo urbano, distando ainda mais a cidade ideal da real. Estamos prestes a presenciar um novo boom demográfico em Porto Velho, com a instalação das hidrelétricas do Madeira, o que pode ser também uma chance da cidade se estruturar de forma sólida, visto que os investimentos são vultuosos. Os prognósticos dos ambientalistas são desastrosos, mas a situação real é que elas estão aí e ao invés de apenas detectar os problemas, temos sim que propor soluções e, mais do que nunca, pensar a cidade de todos, novos e velhos, migrantes e portovelhenses, e abraçar a oportunidade de replanejamento. A questão chave do urbanismo é justamente antecipar essa cidade ideal, planejá-la, conter o crescimento desordenado, propondo intervenções que transformem o uso e apropriação do espaço urbano. Cada trecho do espaço urbano pode ser caracterizado, segundo sua maior ou menor acessibilidade, a infra-estrutura, serviços urbanos, valor da terra, densidade de ocupação, tipo de uso permitido. Com o uso de imagens da cidade, gestores e técnicos passam a dispor de mais informações sobre o município, melhorando o tempo e a qualidade da tomada de decisões. Utilizando programas de computador que permitem o uso de informações cartográficas (mapas e plantas) e informações a que se possa associar coordenadas, permitindo, por exemplo, utilizar uma planta da cidade identificando as características de cada área da cidade e seus equipamentos. Com o estudo da área urbana é possível abranger uma gama de possibilidades em diversos setores da gestão municipal, destacando-se: a) Ordenamento e gestão do espaço; b) Otimização de arrecadação; c) Localização de equipamentos e serviços públicos; 65 d) Identificação de público-alvo de políticas públicas; entre outros. Segundo Ribeiro da Silva (2004, p. 55-70) a cidade é um espaço dinâmico, resultante da atuação constante dos agentes produtores do espaço urbano, sendo local que possibilita a maximização da reprodução capitalista. Ao mesmo tempo, é o resultado do conjunto de práticas sociais, de fatores econômicos e políticos que se expressam no interior da cidade. São essas mudanças que, transformadas em imagens, são trabalhadas no planejamento urbano, e devem direcionar o crescimento de forma ordenada. Conhecer a cidade é imprescindível para detectar lacunas e propor soluções a esta, e para isso, é necessário um mapeamento preciso nos vários layers que a formam. As cidades brasileiras passaram por uma urbanização acelerada no século XX, sendo que em 1960, a população urbana representava 45% da população total – contra 55% de população rural , recebendo em 40 anos, entre 1960 e 2000, 106 milhões de novos habitantes. Hoje, vivem nas cidades 80% da população brasileira (IBGE). Da década de 80 aos dias atuais, a precariedade habitacional vem assumindo contornos cada vez mais graves, instalando-se nos loteamentos irregulares e clandestinos, sem infra-estrutura e equipamentos públicos, ocupações irregulares de áreas ambientalmente frágeis. Um dos mais eficientes meios de conhecer a qualidade de vida de uma população é analisar a condição da habitação, considerando o ambiente que se encontra, assim como o acesso a bens e serviços. A Amazônia tem o olhar do mundo voltada para si por sua diversidade natural, mas também é espaço de habitar humano, de formação de cidades, de desenvolvimento e planejamento territorial. Para um processo de planejamento contínuo com qualificação e estruturação urbana é necessária uma política habitacional eficaz que possibilite o acesso à moradia digna tão discursada na política, tão desejada pela população. A Região Norte, constituída pelos estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins e abrangendo 7% da população brasileira (5% 66 em 1980) apresentou no período 1980/91 a mais alta taxa média de incremento anual da população residente (3,9%), o que denota a persistência de fluxos migratórios, ainda que em menor intensidade do que nos anos 70, pois a taxa de fecundidade encontra-se em queda, já em 4,04% nas áreas urbanas em 1984, a maior entre as regiões do país. Porto Velho, capital do estado de Rondônia tem área de 34.069 km² e conta 334.661 pessoas residentes (2000), crescendo 1,72 % ao ano. Como no restante do país, a maior parte da população tem renda baixa, sendo que, 63% da população empregada, recebem até 3 salários mínimos e necessitam de incentivos políticos na área habitacional. Gráfico 02 Classes de rendimento nominal mensal (salário mínimo) Porto Velho - 2000 6% 3% 23% 15% até 1 mais de 1 a 2 mais de 2 a 3 mais de 3 a 5 mais de 5 a 10 13% 12% 28% mais de 10 a 20 mais de 20 Fonte: Prefeitura de Porto Velho – SEMPLA Para traçar um perfil do quadro habitacional na cidade de Porto Velho, optou-se por examinar seu crescimento populacional (total, urbano e rural), o aumento no número de domicílios (total, urbano e rural) e o atendimento a estes domicílios em saneamento básico nos anos de 1970,1980,1991 e 2000, dados disponibilizados pelo IBGE, com exceção do saneamento, fornecidos pela Prefeitura do Município de Porto Velho. 67 Tabela 03 – perfil do quadro habitacional Anos 1970 1980 1991 2000 poptotal 84048 133882 287534 334661 Popurb poprural domitotal domiurb domirural saneam 47888 36160 14782 8292 6490 266 102593 31289 26023 20321 5702 520 229788 57746 66531 53838 12753 1330 273709 60952 83744 68943 14801 1507 Fonte: dados IBGE Somam-se os baixos índices de atendimento do sistema de tratamento e distribuição de água, que atende menos de 50% dos domicílios (CAERD -2000), induzindo a proliferação de poços para captação de águas subterrâneas. Apenas 1,8% dos domicílios são atendidos pelo sistema incipiente de esgotamento sanitário, comprometendo o lençol freático com a instalação de fossas. São as conseqüências de um crescimento desordenado; o município não acompanha o desenvolvimento populacional e habitacional, como mostram os mapas de delimitação do perímetro urbano de Porto Velho, evolução de 1972 a 1985 e o atual (ver figuras p. 58-59). As áreas já expandidas têm que ser incluídas na cidade para que seus habitantes possam usufruir dos benefícios que a administração pública tem por obrigação oferecer. O déficit habitacional é crescente e o elevado índice de inadequação habitacional; há baixa interface com investimentos em infra-estrutura, principalmente saneamento básico. Tabela 04 - Déficit/Inadequação Habitacional Base : Censo IBGE 2000 Porto Velho - sede Déficit Habitacional Absoluto Relativo Inadequação Habitacional Por adensamento 10.378 12% 7.986 10% Por Infra-estrutura 40.682 48% Fonte : IPPUR/UFRJ ser. 2003 Houve um crescimento muito grande, um salto aguçado na demanda populacional e não houve um plano de ação municipal que acompanhasse esse crescimento na área habitacional. Segundo estimativas do IBGE para populações residentes, em 1° de julho de 2008, Porto Velho alc ançou a soma de 379.186 habitantes. Com a legislação prevista no Estatuto da Cidade para viabilizar a utilização do estoque dos lotes urbanos na promoção dos programas habitacionais é 68 possível reduzir este déficit, assim como a inadequação habitacional, estabelecendo programas para implantação da infra-estrutura e dos serviços urbanos em todo o perímetro urbano, mas para que isso ocorra é imprescindível um estudo minucioso do seu processo evolutório, associando a análise quantitativa a uma abordagem qualitativa da questão habitacional, considerando a realidade local. A cidade deve ser vista como um todo para que se possam trabalhar as partes pontualmente. A urbanização não planejada fragmenta o território e segrega os grupos sociais, pois por vezes expulsa a pobreza para a periferia, outras justapõe áreas nobres com áreas extremamente precárias, cria vazios urbanos e aguça as diferenças. Sem áreas legais de habitar, as pessoas invadem áreas impróprias, formando loteamentos clandestinos, as conhecidas “invasões”, criando ainda maiores dificuldades ao setor público para que sejam feitas as melhorias que tornariam habitável aquele espaço, pois muitas das vezes estas invasões extrapolam o limite urbano delimitado da cidade. Em Porto Velho observa-se o crescimento intenso de bairros na zona leste da cidade, com altas taxas de crescimento populacional. 69 Tabela 05 – crescimento populacional/bairros ZONA 01 BAIRRO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 CENTRO CAIARI OLARIA SÃO CRISTOVÃO KM 1 STA BÁRBARA MOCAMBO BAIXA DA UNIÃO ARIGOLÂNDIA PANAIR PEDRINHAS SÃO JOÃO BOSCO LIBERDADE N. SRA.DAS GRAÇAS MATO GROSSO ROQUE AREAL TRIÂNGULO SÃO SEBASTIÃO NACIONAL COSTA E SILVA TUCUMANZAL TUPY MILITAR Total Total 2.323 512 3.984 4.319 363 1.254 1.015 2.535 1.030 1.793 3.668 6.290 4.127 3.505 2.376 2.340 5.682 2.460 6.599 6.821 4.578 2.493 995 356 71.418 População Homem 1.007 230 1.848 2.051 172 587 498 1.247 451 877 1.798 2.999 1.976 1.699 1.185 1.139 2.687 1.236 3.321 3.468 2.252 1.245 491 175 34.639 Mulher 1.316 282 2.136 2.268 191 667 517 1.288 579 916 1.870 3.291 2.151 1.806 1.191 1.201 2.995 1.224 3.278 3.353 2.326 1.248 504 181 36.779 Total 10.328 9.866 455 2.271 9.968 11.183 692 44.763 População Homem 5.051 4.738 215 1.085 4.815 5.466 345 21.715 Mulher 5.277 5.128 240 1.186 5.153 5.717 347 23.048 ZONA 02 BAIRRO 1 2 3 4 5 6 7 EMBRATEL N. PORTO VELHO INDUSTRIAL RIO MADEIRA FLODOALDO P. PINTO AGENOR CARVALHO LAGOA Total 70 ZONA 3 BAIRRO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 Total 8.802 3.510 4.181 1.210 9.317 6.396 2.135 10.272 11.618 9.612 3.793 75 1.283 4.917 77.421 População Homem 4.354 1.741 2.031 623 4.571 3.186 1.083 5.041 5.592 4.749 1.894 42 591 2.553 38.051 Mulher 4.448 1.769 2.150 587 4.746 3.210 1.052 5.231 6.026 4.863 1.899 33 692 2.664 39.370 CUNIÃ IGARAPÉ TIRADENTES TANCREDO NEVES JK CASCALHEIRA TRÊS MARIAS LAGOINHA APONIÃ PLANALTO TEIXEIRÃO ESCOLA DE POLÍCIA Total Total 5.132 8.817 1.688 9.788 9.530 335 6.441 4.699 12.099 239 5.103 4.460 68.331 População Homem 2.562 4.349 827 4.787 4.715 172 3.202 2.316 5.864 136 2.564 2.253 33.747 Mulher 2.570 4.468 861 5.001 4.815 163 3.239 2.383 6.235 103 2.539 2.207 34.584 POPULAÇÃO URBANA: 236.849 116.780 120.069 População Homem 2.482 723 2.896 2.792 3.806 2.776 3.373 2.508 21.356 Mulher 2.491 732 2.903 2.690 3.751 2.821 3.301 2.445 21.134 CONCEIÇÃO NOVO HORIZONTE ELETRONORTE AREIA BRANCA NOVA FLORESTA FLORESTA ELDORADO CASTANHEIRA COHAB CALADINHO CIDADE DO LOBO ESTRADA P/ GUAJARA AEROCLUBE CIDADE NOVA Total ZONA 04 BAIRRO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 1 2 3 4 5 6 7 8 EXTENSÃO URBANA EXTENSÃO URBANA Total MARCOS FREIRE 4.973 RONALDO ARAGÃO 1.455 ULISSES GUIMARÃES 5.799 MARIANA 5.482 SÃO FRANCISCO 7.557 SOCIALISTA 5.597 JARDIM SANTANA 6.674 OUTROS 4.953 TOTAL 42.490 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - Censo 2000 71 Por outro lado, alguns grupos, para ficar próximos aos serviços, comércio, facilidades do centro da cidade, ocupam áreas próximas a este, igualmente impróprias, criando uma proximidade física da cidade, mas continuando excluída socialmente, desafiando o conceito básico de cidade, baseado na inter-relação entre as classes sociais. É o caso do Baixa da União, uma área alagadiça, próxima ao centro, que poderia servir à população como um grande parque urbano de preservação, mas hoje está totalmente invadida, o que ocasiona além do problema de assentamento precário, a conseqüência ambiental, posto que são totalmente desprovidos de qualquer saneamento. A crescente demanda por condomínios fechados acentua ainda mais o quadro de distanciamento entre classes. A valorização das terras através de interesses de poucos causa o processo de gentrificação, distanciando ainda mais a pobreza da cidade. As mudanças devem vir através de um planejamento que veja a cidade, detecte seus defeitos e proponha soluções a curto, médio e longo prazos, para que seja possível sua efetivação. A cidade atual é fruto de um processo histórico de exploração e privilégio das classes abastadas sobre as pobres, onde poucos são beneficiados e a maioria não usufrui dos benefícios que gera, criando um território urbano de grandes desigualdades sociais. Consolidar a função social da propriedade, baseada fortemente na construção do interesse público da maioria é o fundamento do Estatuto da Cidade. 72 CAPÍTULO IV 4. INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO URBANO "O planejamento não é mais do que a tentativa de viabilizar a intenção de governar o próprio futuro." (Carlos Matus) Para nortear e planejar o crescimento, as cidades dispõem de documentos fundamentais; entre os de maior importância estão o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor do Município. O Estatuto da cidade reúne importantes instrumentos que visam garantir estabelecimento da a efetividade política do Plano Diretor, responsável urbana na esfera municipal pelo e pelo pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, como consta no Art.182 da Constituição Federal. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Pela Constituição de 1988, os municípios foram promovidos à categoria de ente federativo, co-responsável por promover as políticas habitacional e urbana. Isso potencializou experiências já em andamento, no esforço de preencher o vácuo criado pelo esvaziamento da política nacional, e fez surgir novas soluções no nível local. 73 Mas, para que estes documentos sejam aplicados de forma eficaz é necessário um mapeamento claro das necessidades, dados reais, para tornar a cidade elemento espacial de integração. O Plano Diretor é um instrumento que suscita desafios e oportunidades, visto que, os núcleos urbanos brasileiros vêm passando por um crescimento desmedido nas últimas décadas, crescimento sem desenvolvimento, devido à ocupação desordenada do território e por falta de políticas públicas que absorvam esses problemas e trabalhem na solução destes, necessitando debater sobre as formas de planejar o ordenar o território no âmbito local. Da população destes núcleos urbanos, a maior parte vive em cidades com mais de 20 mil habitantes. M. Santos (2005) afirma que “a população urbana das aglomerações com mais de 20 mil habitantes cresce mais depressa do que a população total e a população urbana do país, e o mesmo fenômeno também se verifica em escala regional”. A desarticulação política, a busca por interesses unilaterais agrava os problemas básicos da cidade, principalmente aqueles como saneamento, obras que não aparecem politicamente e por isso são desvalorizadas pelos gestores. Mas essa visão pequena sobre o poder local vem mudando nos últimos anos, ele tem sido apontado como “espaço privilegiado para a realização da democracia, da participação cidadã e de iniciativas econômicas e sociais” (COSTA, 1996, p. 113). A partir da Constituição de 1988, a política de desenvolvimento das cidades brasileiras passou a ser definida por Leis Orgânicas e Planos Diretores. Este último define-se como instrumento de gestão contínua para a transformação positiva da cidade e seu território, cuja função é estabelecer as diretrizes e pautas para a ação pública e privada, com o objetivo de garantir as funções sociais da cidade. Elaborado numa perspectiva de médio prazo, geralmente dez anos, estando sujeito a reavaliações periódicas, sem prazos definidos, mas sempre que fatos significativos do fenômeno urbano o requeiram. Com a criação do Ministério das Cidades (2001) pelo governo federal, ampliou-se a discussão voltada às políticas de desenvolvimento urbano, antiga 74 reivindicação dos movimentos sociais de luta pela reforma urbana. Seu grande desafio é a organização do espaço segundo as necessidades práticas dos atores sociais que intervêm no processo de desenvolvimento local. O Estatuto da cidade reúne importantes instrumentos que visam garantir a efetividade do Plano Diretor, responsável pelo estabelecimento da política urbana na esfera municipal e pelo pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, como consta no Art.182 da Constituição Federal9. O Estatuto da Cidade, lei federal, n. 10.257 de 10 de julho de 2001, em vigor desde outubro de 2001; regulamenta a Constituição Federal no que trata da política urbana, definindo diretrizes a serem aplicadas nos municípios brasileiros. Alguns dos principais assuntos que aborda são: a) Regularização fundiária, privilegiando áreas de baixa renda; b) Uso e ocupação do solo urbano c) Habitação, principalmente nas áreas subutilizadas da cidade; d) Relação cidade-campo e a expansão urbana descontrolada; e) Qualidade do meio ambiente na cidade, qualidade do habitat; f) Parcerias entre os setores público e privado nas intervenções urbanísticas; g) Gestão democrática e participação popular nas decisões. Para que esses temas sejam discutidos e as ações previstas, o Estatuto da Cidade reforça a importância dos Planos Diretores Municipais, obrigatórios para municípios com mais de 20.000 habitantes. A participação popular é essencial para garantir que as ações previstas no Estatuto da Cidade; é ela que garantirá que as ações previstas sejam efetivadas. Segundo publicação do Ministério das Cidades (Plano Diretor Participativo, 2004): Os processos de discussão de planos diretores municipais podem ser uma excelente oportunidade de municípios que enfrentam problemas comuns discutirem e fazerem acordos em torno de questões setoriais e 9 Artigo 182 da constituição Federal: A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes. 75 temáticas mais amplas que se relacionam ao desenvolvimento regional. Pode ser até mesmo uma forma de avançarmos na construção de novas metodologias para o tema do planejamento espacial metropolitano ou regional. Reforça, pois, o olhar sobre a cidade como elemento espacial de integração, que se relaciona com a região em que está inserida e, portanto pode propor soluções para os problemas comuns em conjunto. Uma importante contribuição é oferecida por Oliveira (2001, p. 1) ao afirmar que “A cidade se origina da necessidade de contato, comunicação, organização e troca entre homens e mulheres”, e esse contato se amplia no intercâmbio entre cidades, no intuito de reforçar as características locais e regionais. Os municípios devem reforçar suas potencialidades, vocações e identidades, na perspectiva do desenvolvimento local sustentável, através do uso racional dos recursos naturais, investindo também nos serviços de infra-estrutura e em iniciativas de valorização sociocultural. É importante lembrar que a descentralização de investimentos federais e estaduais para o interior dos estados contribui bastante para alcançar o desenvolvimento de forma mais equilibrada. A cultura caracteriza um local, pois está diretamente ligada ao espaço, à história e aos símbolos locais. Distingue a forma como as pessoas se relacionam com seu meio, e estabelece uma estreita relação com o desenvolvimento econômico e político local. “O desenvolvimento divorciado do seu contexto humano e cultural não é mais do que um crescimento sem alma” (UNESCO). Diante da globalização as características locais têm que ser reforçadas, para não se perderem e porque são elas que vão caracterizar da região à localidade, ressaltando seus diferenciais propícios ou não ao desenvolvimento. A cultura é elemento essencial no planejamento, gestão e conservação das cidades, visando seu desenvolvimento sustentável e a valorização das características específicas de cada local, nesse sentido Taylor (1871, p. 9) destaca que ao “Falar de cultura significa falar da história da humanidade, pois o termo engloba costumes, arte, arquitetura, cultos e comportamentos diversos que 76 caracterizam e distinguem povos, mas que é também um elo entre muitos, “um todo completo” O desenvolvimento sustentável urbano é um aliado na valorização da dimensão cultural, valorizando a cidade e direcionando o crescimento desta, atraindo investimentos para o verdadeiro desenvolvimento local. A questão social é preocupação constante, em Harvey (1980) podemos perceber o objetivo social do ordenamento político territorial, quando questiona se “é possível harmonizar as políticas que governam a forma espacial e os processos sociais de modo a assegurar a obtenção de, sobretudo, algum objetivo social?” Se a resposta for não, a segregação é conseqüência. O Plano Diretor é a busca dessa resposta positiva e no seu processo, é fundamental a participação de diversos setores da sociedade civil e do governo: técnicos da administração municipal, órgãos públicos estaduais, federais, instituições de ensino, movimentos populares, representantes de associações de bairros e de entidades da sociedade civil, além de empresários, comerciantes e quem mais venha a se interessar pelo futuro da cidade. A participação, segundo Demo (1990, p. 97) “é processo, não produto acabado”, é necessário um início, uma vontade, um despertar, um estímulo para que se chegue a uma participação ampla da comunidade, “uma questão de educação de gerações”, completa. Analisar a situação atual para se definir ações é indispensável. É preciso esboçar a imagem detalhada do sistema atual e então propor mudanças. Ao final da análise obtém-se um diagnóstico de passado, presente e futuro. Para a formulação das possibilidades de gestão e cenário mais provável é de grande importância a posição assumida pelos atores envolvidos, visando interesses destes e os conflitos existentes. Algumas ferramentas gerenciais podem ser utilizadas, como o planejamento estratégico, apoiando a escolha de um modelo de gestão que permita a criação de espaços que estimulem a participação, responsabilidade e o acompanhamento da gestão pela população. a co- 77 O planejamento estratégico aplicado à forma de governar o público, traz como ponto fundamental a inter-relação entre os atores sociais e políticos, público e privado, na busca de desenvolvimento. A ação deve estar pautada na reflexão, no cálculo antecipado do reflexo desta no futuro. Aplicado ao ambiente governamental público vem integrar atores que antes agiam independentemente uns dos outros e prevê com essa integração um enriquecimento político, econômico, cultural e social, pois a partir do momento que a gestão é capacitada e o projeto de governo atinge as lacunas existentes anteriormente com a participação ativa dos atores sociais, o desenvolvimento torna-se conseqüência dessa integração. A busca pela solução dos conflitos não deve ser única do governo, mas de todos os meios envolvidos, assim, se cada qual procurar resolver sua fração, teremos o crescimento local e global que se espera. Planejar o desenvolvimento municipal é um dos maiores desafios para o poder público nos dias incertos que correm e o Plano Diretor dos municípios é instrumento fundamental na articulação das ações de seu planejamento. Mas, o município não se limita ao urbano, assim também não pode limitarse a este seu Plano Diretor, visto que, urbano e rural estão diretamente ligados. O que deve-se abordar portanto, são os problemas do município como um todo, estejam estes na área urbana ou rural; a relação destes entre si e com a região. A atualização dos dados, o replanejamento, têm de ser constantes. Buarque (2002) infere que “a única coisa realmente constante é a mudança”, e destaca a importância da participação da sociedade para que essa mudança seja em seu benefício: O planejamento e o Estado – como agente regulador – ganham relevância, assumem papéis e se tornam uma necessidade vital na medida em que a sociedade se oriente para o desenvolvimento sustentável e para a construção de um novo estilo de desenvolvimento que busca a conservação do meio ambiente, o crescimento econômico e a eqüidade social. A mobilização da cidadania local é fundamental para garantir que os benefícios previstos no Plano Diretor possam ser efetivados e sair do papel, 78 considerando as características de cada município no enfrentamento das questões urbanas essenciais. O Planejamento tem como meta trazer a teoria à prática, tornar o planejado em ação política, popular, coletiva, mas como sabemos e já citado por Giddens nas palavras de Ira J. Cohen, “se fosse uma questão simples reconciliar ação e coletividade em uma teoria social única, então a discriminação entre esses temas jamais seria cogitada” (COREN, 1999, p. 394). Com o planejamento estratégico, o município passa a ser detentor do “maior papel no combate à pobreza e à exclusão social”, deixando a tradicional visão assistencialista e passando a adotar “programas de geração de emprego e renda, ações de solidariedade no combate à fome, investimentos em infraestrutura urbana, etc. ...” (BAVA, 1996, p.53). A responsabilidade de planejamento de políticas públicas está, ou deveria estar pautada na confiança. Nas palavras de Giddens, “a confiança sem responsabilidade pode tornar-se unilateral, ou seja, cair na dependência; a responsabilidade sem confiança é impossível, porque significaria o escrutínio contínuo dos motivos e das ações do outro” (GIDDENS: 1993, p. 191). Giddens, considera a democracia como um instrumento de transformação coletiva para modificar os padrões existentes. Ora, pois não é então o Plano Diretor essa ferramenta a serviço da democracia? Construído de forma democrática e participativa, o plano constitui-se no mais importante instrumento na busca de cidades mais justas e na construção de um pacto sócio-territorial que mude o quadro de desigualdades expressivo de nosso território. A visão política vem na frente da técnica, pois o Plano Diretor é um instrumento vinculado aos poderes e atribuições de um governo municipal. São duas dimensões interligadas, sendo que a política visa garantir o acesso à cidade, o direito a ela e a dimensão técnica visa buscar as formas de viabilizar esse acesso. Acessibilidade torna-se assim, palavra chave da cidade democrática. “O exercício político do planejamento é como um jogo; um jogo que se desenvolve em arenas diversas, na ausência de regras preestabelecidas” 79 (MONTEIRO, 1990, p.12), onde é melhor participar do que apenas sofrer as conseqüências, pois todos que habitam o território sentiram seus efeitos, positivos ou não. A clareza nas diretrizes estabelecidas é presença obrigatória para que a confiança prevaleça sobre o jogo de poderes e que estes não se escondam por trás de decisões tão norteadoras do futuro das cidades. Toda proposta participativa significa divisão de poder para ser autêntica, mas não está na lógica do poder dividir-se e este pode ser um dos empecilhos do processo participativo. o poder, nome comum, se esconde atrás do Poder, nome próprio. Esconde-se tanto melhor quanto maior for a sua presença em todos os lugares. Presente em cada relação, na curva de cada ação: insidioso, ele se aproveita de todas as fissuras sociais para infiltrar-se até o coração do homem. A ambigüidade se encontra aí, portanto, uma vez que há o ‘Poder’ e o ‘poder’. Mas o primeiro é mais fácil de cercar porque se manifesta por intermédio dos aparelhos complexos que encerram o território, controlam a população e dominam os recursos. É o poder visível, maciço, identificável. Como conseqüência é o perigoso e inquietante, inspira a desconfiança pela própria ameaça que representa. Porém, o mais perigoso é aquele que não se vê, ou que não se vê mais porque acreditou tê-lo derrotado, condenando-o à prisão domiciliar (RAFFESTIN, 1993, p.52). Conquistar o espaço da participação é o ponto de partida para a solução dos problemas de um município. O desenvolvimento sustentável, procura a eqüidade entre comunidades e entre gerações com a parceria entre governo e sociedade, cidades, paises, povos, interligados em busca do crescimento geral baseado na sustentabilidade. Salgado (1996) aponta que a “melhoria da qualidade de vida, democratização do poder e defesa do meio ambiente constituem-se bandeiras que estão sendo assumidas com maior consistência, gerando transformações na ação municipal”. Com a aplicação do desenvolvimento sustentável, aumenta-se a sustentabilidade do território, pois, melhor administrado, com diretrizes que 80 demonstrem os principais fatores que levem ao seu uso mais adequado, que atenda à população, sem eliminar os recursos que serão necessários no futuro. O desenvolvimento sustentável deve atingir todas as classes, todos devem participar de uma administração mais envolvida com o crescimento humano e não apenas econômico. E para que o ser humano cresça, ele precisa de uma natureza preservada, de sua memória histórica e cultural resguardada e de condições de vida mais dignas. Assim, o planejamento, como ferramenta de gestão, possibilita a tomada de decisões estratégicas, considerando os diferentes aspectos sociais, econômicos e ambientais do município, e amplia a visão do gestor, estabelecendo prioridades para superar as dificuldades e desenvolver as potencialidades, no sentido de assegurar o futuro desejado. Para que o Plano Diretor seja o início da construção das cidades que queremos, é preciso não só cobrar, mas participar ativa e criticamente do seu processo, do planejamento à implantação, das revisões e adequações necessárias, porque o território é de quem o faz, quem trabalha por ele, de quem luta por viver de forma digna no seu espaço. 81 CAPÍTULO V PLANOS DIRETORES DE PORTO VELHO 1990 – 2008 Complementando nosso estudo sobre a cidade de Porto Velho, para o qual nos baseamos no estudo teórico-histórico feito nos capítulos anteriores, passaremos agora análise de seus Planos Diretores. Porto Velho concluiu neste ano (2008) seu segundo Plano Diretor – PD, isto é, dezoito anos após a elaboração do primeiro, vigente portanto de 1990 até 2008. Abordaremos os pontos relevantes dos dois planos, na tentativa de detectar suas qualidades e lacunas, considerando o momento em que foram desenvolvidos. O grande diferencial entre eles está na criação do Estatuto da Cidade em 2001, que estabeleceu pontos que norteiam os Planos Diretores10 elaborados a partir desta data, como parte da nova política urbana. São pontos a serem discutidos e que devem fazer parte do PD de cada município. Com ele os Planos Diretores tomaram um cunho mais humano, social, deixaram de ter o aspecto apenas técnico, de ser sinônimo de zoneamento, como eram a maioria destes documentos até então. E o de Porto Velho não foge à regra. Começamos pela análise do PD/1990, elaborado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU/USP e pela Fundação de Pesquisa Ambiental, da mesma Universidade. Este Plano traçava, como sua definição e abrangência, a promoção do desenvolvimento das funções sociais da cidade nos campos político, estratégico, social e físico-territorial, e tem como objetivos definir diretrizes para o uso e ocupação do solo urbano, a localização de equipamentos e de serviços urbanos e atenção ao sistema viário. Textualmente, as propostas de melhorar a qualidade de vida da população através do planejamento de uso da cidade são relevantes quando propõem: 10 É preciso esclarecer que os planos diretores são instrumentos de planejamento municipal que devem abranger todo o município. Isto é, devem ordenar todo o território do municipal: rural e urbano. 82 - redução das desigualdades; - eliminação das deficiências nas redes de equipamentos sociais e de infraestrutura; - elevação da qualidade do meio urbano; - participação popular; - manutenção do limite das áreas urbanizadas. E constituía como objetivos estratégicos, a implantação de zoneamento e de hierarquia viária. Porém, os pontos abordados não tomaram a dimensão esperada, por inconsistência do próprio Plano, assim como a atenção aos padrões de meio fio, sarjeta e calçadas, no intuito de privilegiar o pedestre, pois qualquer pedestre tem dificuldade de circulação pelas ruas de Porto Velho. Como objetivos sociais, constitui prioridade o atendimento escolar urbano e recomenda a promoção de estudos técnicos para diversos projetos que não aconteceram. Com relação aos objetivos físico-territoriais, assegura que o desenvolvimento urbano do município garanta a qualidade de vida. Para tanto, sugere a promoção de estudos que eliminem enchentes, impeça a ocupação de áreas de risco, que preserve os recursos naturais, implante áreas verdes, preserve o patrimônio histórico-cultural; porém, não define as áreas em questão e não propõe ações efetivas. Enfim, são sugestões generalistas, evasivas. Dentre as diretrizes políticas, estão: criar conselhos visando participação popular, reformular os órgãos municipais e promover articulação entre órgãos. Como diretrizes estratégicas, propõe “elaborar políticas de ocupação do solo urbano que estimulem a ocupação dos vazios urbanos, com o conseqüente adensamento populacional em regiões da cidade.” Propõe, também, estudos para implantação de equipamentos urbanos. Percebemos que estes estudos deveriam ser desenvolvidos no processo de elaboração do PD. No entanto, diversas vezes no texto há a sugestão de se desenvolver estudos para propor soluções, mas o documento não articula nem 83 sequer quem deve promover os estudos. É tudo muito vago, sem estipulação de prazos, sem uma seqüência, sem direcionamento. Apresentamos na seqüência um estudo feito por empresa contratada pela Prefeitura de Porto Velho para iniciar a análise e levantamentos para embasar um novo Plano Diretor. Nele são detectadas quais as proposições do PD/1990 que obtiveram êxito. 84 PLANO DIRETOR MUNICIPAL DE PORTO VELHO O Plano Diretor – 1990 Consistência, Atualidade e Nível de Implantação Consórcio Cyro Laurenza Promoção da melhoria de vida e redução das desigualdades Objetivos Eliminação das deficiências nas redes de equipamentos sociais e de infra-estutura Participação dos cidadãos nos processos decisórios Coibição do uso anti-social do solo Levantamentos anuais do Município com indicação de ocupação urbana Política Diretrizes Elevar a qualidade do meio ambiente, resguardar recursos naturais e o patrimônio histórico Reformular a organização dos órgãos municipais Promover a articulação com órgãos e entidades federais e estaduais, em especial à política de saneamento básico, meio ambiente e transporte de cargas Criar conselhos representativos da comunidade junto aos órgãos de planejamento e de execução Objetivos Promover o crescimento da cidade na área urbanizada Estratégica Manutenção do perímetro urbano legal em vigor Promoção do adensamento e ocupação de lotes vazios Implantação de zoneamento com predominância de usos a serem incentivados Cultura/ Lazer Habitação Meio Ambiente Organização Espacial dos Serviços Municipais dos Serviços e Equipamentos de Infra-Estrutura Urbana dos Serviços Sociais Econômico TEOR NATUREZA CAMPO da Organização Administração e Gestão PROPOSIÇÕES 85 Implantação de Hierarquia viária Padronização de meios-fios, sarjetas e calçadas Diretrizes Elaborar políticas de ocupação do solo urbano na ocupação dos vazios Promover estudos e pesquisas relacionadas às atuais predominâncias de uso do solo Hierarquizar o sistema viário Promover a articulação dos órgãos federais e estaduais reativação da Estrada de Ferro MadeiraMamoré Priorizar o atendimento da população escolar urbana do primário ao final do primeiro ciclo Estabelecer sistema de distribuição de unidades escolares Promover o atendimento adequado à população quanto à rede de equipamentos de saúde Objetivos Promover estudos de modernização e complementação da rede de serviços de saúde Estabelecer sistema de distribuição, dimensionamento e padronização dos Centros Sociais Urbanos Promover estudos técnicos objetivando modernizar o serviço de coleta, transporte e destinação final dos resíduos sólidos urbano e escolher local apropriado para instalação de um aterro sanitário Promover estudos técnicos objetivando a localização do Centro Cultural Promover estudos técnicos objetivando a localização de Áreas de recreação Promover estudos técnicos objetivando a localização do Parque Ecológico Promover estudos técnicos objetivando a localização do Centro Poliesportivo Municipal Promover estudos técnicos objetivando a localização do Cemitério Parque Social Promover estudos técnicos objetivando a localização do Centro Administrativo Municipal Promover estudos técnicos objetivando a localização do Viveiro Municipal Realizar pesquisas para a implantação de Planos setoriais de educação e saúde e sistema de creches nas áreas deficientes Implantar Escola Modelo voltada à formação de professores Diretrizes Implantar Estádio Poliesportivo na área verde próxima ao Igarapé da Penal Implantar Centro Cultural junto à Praça da Estação da estrada de Ferro Madeira-Mamoré Implantar Cemitério Parque nas proximidades do Parque ecológico Implantar Aterro Sanitário a 21km da cidade com acesso pela rodovia BR-364 Implantar Centro Administrativo Municipal junto ao entroncamento da BR-364 com a Av. Jorge Teixeira Implantar Central de Abastecimento no setor urbano formado pelas vias Gov. Jorge Teixeira, Costa e Silva e Calama. 86 Assegurar o desenvolvimento urbano do Município visando garantir e elevar o padrão de vida Objetivos Promover estudos para diminuição de áreas de enchentes e proibir sua ocupação Diretrizes FísicoTerritorial Preservar recursos naturais da cidade Promover a pavimentação de logradouros públicos Proibir a construção de avenidas de fundo de vales Desenvolver sistema de áreas verdes, áreas de lazer considerando o aproveitamento de talvegues e áreas inundáveis Preservar e melhorar a paisagem urbana, recursos naturais e patrimônio histórico Realizar estudos e pesquisas visando a implantação de sistemas de áreas verdes de recreação e lazer Realizar estudos e pesquisas visando a implantação de Plano de Drenagem Urbana Realizar estudos e pesquisas visando a implantação de Plano Setorial de Operacionalização de serviços urbanos Impedir a aprovação de novos parcelamentos do solo urbano nas áreas externas ao atual perímetro urbano do Município Elaborar políticas de preservação do ajardinamento do sistema de áreas vedes Equipar com serviços e mobiliário urbano adequado os trechos de logradouros da cidade, destinados ao uso de pedestres Estimular a iniciativa privada para equipar e manter logradouros públicos da cidade Instalar Parque Ecológico em área rural e elaborar políticas inibidoras do crescimento urbano em suas instalações Manter a localização da atual Estação Rodoviária e expandir sua área. Implantar Terminal de Cargas, junto ao porto no Rio Madeira próximo ao anel viário básico Legenda: Proposições Não Implantadas Proposições Parcialmente Implantadas Proposições Implantadas Fonte: Prefeitura de Porto Velho - SEMPLA 87 Segundo análise do Consórcio Cyro Laurenza, poucas das propostas tiveram prosseguimento, a maioria delas ficou apenas no discurso e no papel. Consideramos que os grandes entraves ao prosseguimento e efetivação das ações apontadas como necessárias no PD/1990 foram principalmente a ausência de um cronograma de atividades a serem cumpridas a curto, médio e longo prazos e o não direcionamento de recursos para que essas ações pudessem se efetivar. Ao contrário, ele adia os estudos operacionais setoriais para um futuro indeterminado, privando o Plano da chance de delinear um quadro de demandas quantitativamente consistente no tempo. Também é fato que a vontade política em dar prosseguimento aos estudos e proposições do Plano Diretor foi ausente, o que obstrui o processo de planejamento, pois este envolve permanente revisão, atualização e controle para que seja efetivo. “Ora, a vontade política é o fator de excelência das transfusões sociais” (M. SANTOS, 2005, p.140). No tocante ao zoneamento, o PD/1990 fez mais um mapeamento da forma como o espaço já era usado do que um planejamento propriamente dito e considerou como zona de expansão urbana as contidas fora do perímetro urbano até 5000 (cinco mil) metros, ou seja, considerou a linha limítrofe da cidade 5km adiante sem importar-se se a faixa abrangia rio, igarapés, áreas impróprias para edificar, sem qualquer estudo das áreas nela contidas o documento permite à cidade desenvolver-se fisicamente nesse sentido. Observamos aí um confronto com o desejo de adensamento urbano e contensão da expansão expresso no mesmo documento. 88 Figura 13 - Zoneamento – PD/1990 Fonte: Prefeitura de Porto Velho - SEMPLA 89 Outros aspectos não abordados no PD de 1990 serão comentados em conjunto com o de 2008 quando contemplados por este. 5.1. Um novo Plano Diretor – PD/2008 O PD/2008 já inicia com algumas vantagens. Primeiro, por ter como ponto de partida o PD de 1990, foi possível se criticar e apontar falhas e acertos. Também, por ter em mãos diagnósticos e material levantado pelo consórcio Cyro Laurenza, Engefoto e Policentro que mapeou toda cidade de Porto Velho. E, por último, porque contou com um grande aliado que é o Estatuto da Cidade, que, inclusive, deu embasamento legal às proposições do novo PD. O PD/2008 começa traçando a história da formação da cidade de Porto Velho. Localiza o município e a região em que se insere, analisa desde a criação da EFMM ao sistema viário regional atual. Abrange, ao menos em sua contextualização, as terras indígenas, as unidades de conservação e os distritos para os quais adota o Zoneamento-Sócio-Econômico-Ecológico, produzido pela Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral – SEPLAN, adiando um replanejamento das áreas citadas. No aspecto sócio-econômico e demográfico prevê um grande crescimento devido à construção das Hidrelétricas do Rio Madeira. De início, faz uma projeção de 409.405 habitantes para o ano de 2010 e 448.263 para 2015, sem levar em consideração a construção das usinas. Considerando as usinas, a projeção cresce de 394.822 habitantes em 2008 para 419.838 habitantes em 2010. Compõe o histórico da malha urbana e os limites impostos a ela, sejam naturais como os igarapés ou construídos como o aeroporto e a BR-364, para justificar seu crescimento para o leste. É dado o devido destaque à questão da habitação como “extremamente preocupante”, quadro que tem grande probabilidade de ser agravado com a pressão sobre o setor imobiliário impulsionado pela instalação das usinas. Para elaborar estudos sobre este tema, somado ao da Regularização Fundiária, foi contratada uma empresa especializada com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, que em conjunto com a Secretaria de Regularização 90 Fundiária e Habitação - SEMUR elaboraram diagnósticos sobre o assunto, indicando os instrumentos políticos a serem usados para saldar seu déficit. No campo da Infra-estrutura e Serviços Públicos, assunto não abordado em 1990, detecta problemas quanto ao saneamento ambiental, principalmente quanto ao abastecimento de água, cuja rede existente serve apenas 50% dos domicílios e esgotamento sanitário, problema ainda maior, pois apenas 1,8% dos domicílios possui rede coletora. A drenagem urbana é feita em sua maior parte à céu aberto. Recursos do Plano de Aceleração do Crescimento - PAC, do Governo Federal, devem sanar estes problemas. O desrespeito a áreas de preservação, como a APA do Rio Madeira e a coleta de lixo, que atende 80% da população, e destino final dos resíduos também são abordados e informa que um novo aterro deverá ser implantado na altura do km 9 da BR-364, sentido Cuiabá. Quanto ao sistema viário, sua hierarquização já era prevista em 1990, porém o de 2008 detecta a ausência dessa hierarquia, o que somado a outros fatores, tais como imprudência de motoristas e pedestres resulta em um alto índice de acidentes de trânsito. O PD atual faz um diagnóstico mais preciso, identificando 106 mil carros e 165 mil bicicletas, segundo a SEMTRAN – Secretaria Municipal de Trânsito. A construção de dois shoppings, já citados anteriormente, e de outros empreendimentos na cidade, como faculdades, constituem inovações que causam grande fluxo, merecendo estudos a parte. Neste sentido, está sendo exigido pela SEMTRAN o Estudo de Impacto de Vizinhança, na intenção de minimizar transtornos. Ainda sobre este tema, pode-se salientar a necessidade de reestruturação do terminal rodoviário. Surpreende-nos o fato do PD/2008 (p.20), mais moderno que o anterior, fazer referência ao uso de bicicletas como problema: Aos problemas de circulação regional soma-se o conflito provocado por motos e bicicletas que circulam junto com os demais veículos, originando um número significativo de acidentes de trânsito. É lamentável que o documento tenha o usuário como vilão do trânsito, quando na verdade os acidentes são ocasionados pela falta de estrutura oferecida pela cidade para uma boa fluidez e circulação do trânsito. O próprio 91 Ministério das Cidades, do Governo Federal, desenvolveu o Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta – Bicicleta Brasil que visa proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos de transporte coletivo e não motorizados de maneira efetiva, socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável. Esta nova abordagem tem como centro das atenções o deslocamento das pessoas e não dos veículos.11 Pois considera a inserção da bicicleta no desenho urbano uma necessidade para dar suporte à Mobilidade Urbana Sustentável, incorporando-se a necessidade da construção de ciclovias e ciclofaixas. Além disso, estimula o desenvolvimento e aprimoramento de ações que favoreçam o uso da bicicleta como modo de transporte, com mais segurança. A energia elétrica é tida como serviço deficitário. As telecomunicações e comunicação social são citadas como aspectos positivos ao entretenimento e informação local. O documento traz um mapa dos principais equipamentos urbanos existentes na cidade, quais sejam os hospitais e seus raios de influência e de educação com os respectivos raios de influência e detecta a carência em equipamentos de esporte e lazer. O sistema de transporte público, segundo o PD/2008, é operado por 2 empresas que percorrem 54 linhas. O mapa que demonstra esse serviço possui um esboço ilegível, dando a impressão de que essas linhas tendem a sair da região periférica em direção ao centro e vice-versa. O PD/2008 traça o perfil da Estrutura Administrativa Municipal, composta de 16 secretarias, Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano – ENDUR, Fundação Cultural Yaripuna, Instituto de Previdência e Conselhos. Faz uma crítica à máquina administrativa no que concerne às reformas desta, que somam quatorze de 1990 a 2008, constatando falha na atribuição de competências de cada órgão, provocando desentendimento entre as secretarias. Elege três secretarias como tendo maior importância no processo de gestão urbana: a de Planejamento e Coordenação, a de Regularização Fundiária e Habitação, criada 11 Disponível no link http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/transporte-e-mobilidade/programas-eacoes/bicicleta-brasil/apresentacao/ 92 na última gestão, e a de Trânsito. Detecta ausência de capacitação dos servidores e recomenda que, por meio desta, é possível melhorar a qualidade dos serviços prestados. Como solução aponta a já efetuada adesão da Prefeitura ao Programa de Modernização da Administração Tributária e de Gestão dos setores Sociais Básicos, Fiscal dos Municípios Brasileiros – PNAFM, do Ministério da Fazenda com vistas à eficiência e eficácia dos serviços públicos. Entre os anos de 2002 e 2003 foi feito o mapeamento das informações cadastrais e levantamento aerofotogramétrico com informações cadastrais bastante úteis, porém não é atualizado, ação já recomendada pelo PD/1990. O texto ainda discorre sobre o conjunto de leis que constituem os instrumentos aplicáveis para política de desenvolvimento e expansão urbana, legislação urbanística, ambiental e edilícia, Lei Orgânica do Município e o Zoneammento Sócio-Econômico-Ecológico de Rondônia. A receita arrecadada, segundo o PD tem variação percentual positiva, e com o PAC, Porto Velho foi contemplado em diferentes programas, conforme tabela disponível no PD: Tabela 07 – Recursos dirigidos ao Município Programa Valor (R$ 1,00) Saneamento e urbanização 105.300.000 PAC/FUNASA 14.000.000 Construção de Habitações de interesse social (FNHIS) 24.500.000 Total 143.800.000 Fonte: Plano Diretor de Porto Velho 2008 Estima-se o seguinte quadro de receita até 2016: 93 Tabela 08 - Receita 2006-2016 Anos Receita estimada Crescimento significativo da receita em (em milhões) função de royalties dos empreendimentos 2006 287,5 2007 312,8 2008 341,2 2009 370,4 2010 402,4 2011 432,9 2012 461,7 2013 490,0 2014 519,3 2015 548,2 2016 576,9 previstos, ICMS, ISSQN. Fonte: Plano Diretor de Porto Velho 2008 5.2. O que mudou em 18 anos Passamos a analisar, conforme seqüência que adotamos do próprio PD/2008, as diretrizes propostas por este. O PD deixa claro que as propostas são voltadas para o distrito sede de Porto Velho, mas que durante os estudos deste, foram feitos levantamentos de dados e carências também dos distritos, uma segunda etapa do trabalho deverá elaborar planos para o desenvolvimento destes distritos, em curto prazo pelo Poder Executivo Municipal. A principal reivindicação dos moradores desses distritos se refere a abastecimento de água e esgotamento sanitário. O Macrozoneamento trata o município como um todo e divide-o em três áreas integradas, a Macrozona Urbana (MU), representada pelo distrito sede e núcleos urbanos dos demais distritos; Ambiental (MA) são áreas dedicadas à proteção dos ecossistemas e dos recursos naturais, constituídas pelas Terras Indígenas e Unidades de Conservação e a Rural (MR) constituída pelas áreas restantes. 94 As Diretrizes de Uso e Ocupação do Solo para o distrito sede do Município de Porto Velho pretendem assegurar um crescimento ordenado e uma melhor qualidade de vida da população. As propostas iniciam redefinindo os usos numa importante avenida da cidade, a Avenida Jorge Teixeira, que passa a ser considerada Área Central Especial e sofre um redirecionamento de usos. No que concerne ao Setor Histórico da cidade restringe-se a subordinação das restrições a área e diretrizes impostas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, órgão do Governo Federal. Vimos que este ponto poderia ser amplamente discutido em conjunto com o IPHAN, a sociedade e demais setores interessados e não apenas subordinado. A cidade deixa de discutir e propor legislação própria para preservar sua história, de incentivar a conscientização dos valores culturais tão importantes para a inserção do cidadão como parte da cidade que habita. A própria prefeitura tem desenvolvido um Projeto de Revitalização do Centro, que abrandge área não contemplada pelas diretrizes do IPHAN, e tem tido grande êxito com projetos em andamento como o Mercado Cultural, antigo Mercado Municipal a já concluída Praça das Caixas D´Água, em obras, praças e outros prédios de importância para a cidade, mas que não são tombados pelo IPHAN e portanto fogem a sua proteção, como a antiga Câmara Municipal e o Mercado Central, também em obras. A Revitalização do Complexo Madeira Mamoré que encontra-se em obras teve o projeto elaborado pelos técnicos da SEMPLA e aprovado pelo IPHAN e está em obras. No setor comercial, o PD cria corredores de atividades comerciais e serviços, em áreas já detectadas com este uso. Diferente do PD de 1990 que definia como área de expansão urbana 5km em torno de toda a extensão de limite da cidade, o que demonstrava uma inexistência de estudo das áreas com possibilidade de expansão, o PD de 2008 define duas áreas concentradas, com uso definido para chácaras de lazer, ponto que demonstra a real preocupação em adensar a ocupação dentro do limite urbano existente. Reserva uma área para as atividades industriais, assunto não definido em 1990, a leste da cidade, próxima à BR-364, desviando o tráfego pesado do centro 95 da cidade, pois o PD prevê também um Contorno Leste e o outro Sul, que desviará o trânsito para as obras das hidroelétricas, e outros empreendimentos desta área. . Delimita Zonas Especiais de interesse social em duas áreas especificas, uma a leste da cidade e outra ao sul, em área pertencente ao exercito. O IPTU progressivo e a urbanização compulsória, instrumentos aplicáveis segundo o Estatuto das Cidades serão grandes aliados na eliminação dos vazios urbanos. O PD define áreas para inicio desse adensamento e aplicação desses instrumentos. Os centros de bairros já existentes, como do Tancredo Neves e da Av. Jatuarana, são reconhecidos e reforçados pelo PD como tendência espontânea para os quais propõe melhorias. A mobilidade urbana já terá grande melhora com o deslocamento do tráfego pesado através dos contornos criados e além disso o PD tem como diretrizes e propostas: - planejamento integrado de transportes e uso do solo; - priorizar o transporte coletivo ao privado, com a implantação de terminais de bairro e faixa exclusiva para ônibus; - melhora da acessibilidade para pedestres e portadores de necessidades especiais com um programa de recuperação de calçadas; - estimular o uso de bicicletas, ampliando ciclovias e ciclofaixas integradas ao sistema viário. - hierarquização das vias, indicado no PD 1990 e novamente no atual, adiantando algumas das propostas que farão parte de um Plano de Mobilidade Urbana. O Meio Ambiente é tido como ponto sensível na cidade de Porto Velho, possui igarapés que deveriam ser protegidos e tem suas áreas ocupadas irregularmente e poluídas. Tem por diretrizes: - impedir a ocupação das áreas de risco; 96 - realizar um programa de parques lineares; - elaborar projeto de macro drenagem das águas pluviais; - proteção das APA’s; - ampliação de áreas verdes. - programas de educação ambiental O PD/2008 prevê integração entre os programas de Regularização Fundiária, Habitação, PAC em benefício do Meio Ambiente, pois as áreas que precisam ser preservadas são constantemente invadidas por uma faixa da população que necessita ser beneficiada pelos programas habitacionais. Não basta remover estas pessoas das áreas impróprias, é necessário que os projetos de revitalização dessas áreas degradadas sejam implementados e passem a fazer parte do lazer e bem estar da população local, para que esta ajude a preservar, da mesma forma as praças que já estão sendo resgatadas, um plano de arborização urbana se faz necessário. Como apoio a outras ações, como proteção das áreas verdes remanescentes, o PD faz referência ao Código Municipal de Meio Ambiente. O turismo ecológico é citado como potencialidade, para isso é necessário catalogar pontos turísticos, divulgar e desenvolver programas de promoção turística. Ao final do texto do PD/2008 o Patrimônio Histórico Cultural é outra vez abordado e novamente há ausência de proposta. No mapa de zoneamento podemos observar o novo limite urbano, que engloba parte da zona leste que já extrapolava a antiga delimitação, a delimitação das Zonas de Interesse Social – ZEIS, a Zona Atacadista – ZA transferida para área próxima a industrial – ZI, e áreas que tiveram seus usos atualizados. 97 Figura 14 – Zoneamento PD/2008 Fonte: Plano Diretor de 2008 98 Pudemos observar com a análise dos dois Planos Diretores do Município de Porto Velho, de 1990 e de 2008, a evolução das propostas, o fortalecimento de idéias e a abertura dos caminhos legais para efetivação das diretrizes apontadas, no intuito, de sanar os problemas deste espaço chamado cidade que acolhe as pessoas, que é espaço de trabalho, de relações, de lazer, de cultura, de vida, deve ser planejada com a participação de todos para que possa realmente atender as necessidades e anseios da maioria, conjunto de idéias de diferenças, mas também, de semelhanças. O Plano Diretor de 2008 abrange e aprofunda assuntos pouco ou não abordados em 1990, o que nos leva a considerá-lo um crescimento em termos de instrumentos para gerir a cidade de Porto Velho. Podemos apontar como destaque do Plano de 2008 a integração de planos de ação de Habitação e Meio Ambiente, na busca de um planejamento sustentável que possa organizar os usos das cidades proporcionando bem estar ao seu usuário, nesse sentido o PD pode ser instrumento de conciliação do homem e da natureza, seguindo o dizer de M. Santos: Quando a natureza se torna social, cabe a geografia perscrutar e expor como o uso consciente do espaço pode ser um veículo para a restauração do homem e sua dignidade. Os geógrafos, ao lado de outros cientistas sociais, devem se preparar para colocar os fundamentos de um espaço verdadeiramente humano, um espaço que uma os homens por e para seu trabalho(...) (2002, p.267). A aplicação de medidas concretas para incentivo do adensamento urbano tem papel fundamental para que haja um melhor aproveitamento da infraestrutura urbana e possibilita a inclusão de toda a população nos projetos de expansão de sua rede. Ausência de cronogramas pode interferir negativamente na efetivação das ações do PD, que como todo processo de planejamento, precisa de continuidade, e esta determinará o êxito ou não das propostas, demandando ações integradas e estratégicas, sobretudo para promover a participação popular nessa continuidade, pois sem a mobilização da sociedade não há efetivação das melhorias propostas. A cidade que queremos, mais justa e com qualidade de vida deve ser objeto de um planejamento contínuo, M.Santos considerou que o espaço, que aqui tratamos na escala da cidade, 99 deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e anima, ou seja, a sociedade em movimento. [...] um conjunto de objetos e de relações que se realizam sobre estes objetos ; não entre estes especificamente, mas para as quais eles servem de intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série de relações. O espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediado pelos objetos naturais e artificiais (1991, p.71). São as relações que acontecem na cidade que a transformam dia após dia e se essa transformação não for auxiliada tecnicamente tem como resultados a exclusão social e a conseqüente degradação do meio. Segundo o mesmo autor, Estaríamos, agora, deixando a fase da mera urbanização da sociedade, para entrar em outra, na qual defrontamos a urbanização do território. A chamada urbanização da sociedade foi o resultado da difusão, na sociedade, de variáveis e nexos relativos à modernidade do presente, com reflexos na cidade. A urbanização do território é a difusão mais ampla no espaço das variáveis e dos nexos modernos. Trata-se, na verdade, de metáforas, pois o urbano também mudou de figura e as diferenças atuais entre a cidade e o campo são diversas das que reconhecíamos há alguns poucos decênios (M. SANTOS, 1993, p.125) A abordagem regional deve ser explorada, visto que as influências principalmente econômicas influenciam o local. A cidade precisa estar estruturada na escala local, para que o global não seja fator de desvalorização, mas de destaque desta entre as tantas outras. Os fluxos econômicos, de conhecimento e tecnologia definem esse novo espaço urbano e surge a cidade global, que se interliga às demais através destes. O uso do solo urbano também determinará seu valor, ao que Harvey exemplifica: No mercado da moradia isso significa que os indivíduos negociam a quantidade de moradia (usualmente concebida como espaço), a acessibilidade (usualmente, o custo de transporte ao lugar do emprego), a necessidade de todos outros bens e serviços, dentro de um orçamento mais que restrito (HARVEY, 1980, p.138) Neste sentido a especulação imobiliária deve ser contida, e Porto Velho passa por um momento de grande expectativa com a instalação das Hidrelétricas do Madeira, fator de importante discussão, pois devido a estas, espera-se um novo boom populacional, e se a cidade não estiver preparada de infra-estrutura e planejamento, sofrerá as conseqüências e transtornos da falta de ordenamento. Espera-se que com o PD, aliado as legislações municipais, estaduais e federais e instrumentos necessários esse documento tenha continuidade. 100 CONSIDERAÇÕES FINAIS As cidades têm passado por mudanças constantes no intuito de um futuro de desenvolvimento equilibrado e universalização do direito a qualidade de vida. Se a cidade está em constante movimento e construção, assim também seu estudo não pode ser conclusivo, sempre havendo o que ser complementado, e a cada estudo, novas possibilidades se abrem, como essa nossa análise sobre os Planos Diretores, que pode ser o início de outras pesquisas, se aprofundados os pontos levantados ou descobrir-se outros que tenham passado despercebidos, pois, também as lacunas são pontos que suscitam novos questionamentos. A pesquisa aqui desenvolvida teve como meta, não esgotar o assunto da questão urbana, sendo que as possibilidades de direcionamento são inesgotáveis, mas trazê-lo a discussão, torná-lo presente. Procuramos detectar alguns dos caminhos na busca do bem-estar urbano, e constatamos que as ciências, sejam a arquitetura, a geografia, a sociologia e outras, precisam interagir em seus campos de conhecimento e pesquisas, para que possamos caminhar para uma maior apropriação do espaço, seja ele coletivo ou individual, real ou virtual. A articulação dos saberes auxilia a construção de uma sociedade democrática, onde os espaços são respeitados e acolhem os desejos da população, proporcionando qualidade de vida e desenvolvimento sustentável, estreitando cada vez mais a distância entre a cidade que temos e a que queremos. As tendências que a urbanização assume (...) aparecem como dado fundamental para admitirmos que o processo irá adquirir a dinâmica política própria, estrutural, apontando para uma evolução que poderá ser positiva se não for brutalmente interrompida (M. SANTOS, 2005, p.140). Ou seja, precisamos sim idealizar um mundo melhor e possível, se quisermos alcançá-lo, a cidade ideal pode ser utopia, mas se conquistarmo-na pouco a pouco, pode tornar-se atingível. O Estatuto da Cidade assim como a Carta Mundial pelo Direito à Cidade ousam idealizar essa cidade ideal. Salientamos alguns trechos do Estatuto que demonstram a afirmativa, como em seu parágrafo único do artigo primeiro: “estão estabelecidas as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos 101 cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. Idealiza uma Cidade Sustentável onde todos, incluindo para as gerações presentes e vindouras, têm “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer” (Artigo 2º parágrafo 1º). No Inciso IV do mesmo Artigo 2º, o planejamento inclui não somente “o desenvolvimento das cidades”, mas também a “distribuição espacial das atividades econômicas” (...) “de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio-ambiente”. Já no Inciso VII deste artigo vemos o objetivo de “integração e complementariedade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do município e do território sob sua influência”. O Inciso VIII que se refere a novos padrões de comportamento, de civilidade e de organização social ao incentivar a “adoção de padrões de produção, consumo e expansão urbana compatíveis com a sustentabilidade ambiental social e econômica do município e do território”. Indica pois um caminho, um projeto possível, mas ainda não realizado. Parte dessa difícil tarefa cabe aos Planos Diretores, a de trazer estas propostas para a escala regional e local, aplicando-as à situação de cada realidade e às necessidades urbanas locais, identificando com clareza os requisitos da função social da propriedade urbana, definindo os instrumentos mais importantes a serem implantados para bom uso do solo do território municipal (seja urbano, seja rural), para que sejam tomadas iniciativas concretas associando o Executivo e o Judiciário na operacionalização da regularização fundiária. Mas nenhum instrumento político tem o poder de sanar os problemas por si só, trazem-nos sim à discussão, propõem diretrizes, e se efetivam a partir do trabalho e participação conjunta no desejo de mudar a cidade. Em síntese, afirmamos que o plano diretor participativo, mais do que um instrumento técnico de controle de uso do solo e de implementação da política urbana do município, função que já justificaria sua elaboração, pode vir a se constituir em um importante instrumento político de mobilização social para o debate sobre nossas cidades. 102 Nosso desejo é de que haja a continuidade do processo de planejamento para que se alcance o desenvolvimento sustentável, tornando as desigualdades menos intensas. 103 REFERÊNCIAS ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1993. BARTHES, Roland, A Câmara Clara. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984. BAVA, Sílvio Caccia. Desenvolvimento Local: uma alternativa para a crise social? São Paulo em Perspectiva, Revista Fundação Seade, vol. 10, 1996. BENEVOLO, Leonardo. A cidade e o arquiteto. São Paulo: Perspectiva, 2004. BOSI, Ecléa. Lembrança de Velhos. São Paulo, T. A. Queiroz Editor Ltda/USP, 1987. BUARQUE, Sérgio C. Construindo o desenvolvimento local sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. CAMARA, MEDEIROS. GIS para meio ambiente. São José dos Campos: INPE, 1998 CARLOS, Ana Fani. A cidade. São Paulo: Contexto, 2005. CARTA MUNDIAL PELO DIREITO À CIDADE COHEN, Ira J. Teoria da estruturação e práxis social. In: Anthony Giddens & Jonathan Turner (orgs). Teoria social Hoje. São Paulo: UNESP, 1999. CORRÊA, Roberto Lobato. Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. COSTA, Sueli I. R. A concepção de espaço em matemática: a noção de dimensão. In. In. Miguel, Antônio et. alli (org) Representações do Espaço multidisciplinaridade na Educação. São Paulo: Autores Associados, 1996. DEAN, Warren. A Luta pela Borracha no Brasil: um estudo de história ecológica. São Paulo: Nobel, 1989 DEMO, Pedro. Pobreza Política. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1990. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: O Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. FRIEDMAN, Thomas. O mundo é Plano: Uma breve história do século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. GENRO, A. Fº . Marxismo Filosofia Profana. Porto Alegre: Tchê! Editora, l986. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991. 104 ________ A transformação da intimidade. São Paulo: UNESP, 1993. HAESBAERT, Rogério. Identidades Territoriais. In: ROZENDAHL, Zeny e CORREA, R. L. (Orgs.). Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: UERG, 1999. HARVEY, David. A justiça social e a cidade. Tradução de Armando Correa da Silva. SP: Hucitec, 1980. ________ Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992 LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001 LEI Nº. 10.257. Estatuto da Cidade. 2001. LERNER, Jaime, Acupuntura urbana. Rio de Janeiro: Record, 2005 NIEMEYER, Oscar. Minha Arquitetura. Rio de Janeiro: Revan, 2000 MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. MARTINS, José de Souza. A Sociabilidade do Homem Simples. São Paulo, Hucitec, 2000. MONTEIRO, Yara Darcy Police (coord.). Subsídios para a elaboração do plano diretor. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM, 1990. MORAES, A. C. Robert. in : Para Pensar Uma Política Nacional de Ordenamento Territorial. Brasília. Ministério da Integração Nacional, 2003. ________ Geografia, pequena história crítica. São Paulo: Hucitec, 1993. MORIN, Edgar. Meus Demônios. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997 OLIVEIRA, Isabel Cristina de. Estatuto da cidade; para compreender... Rio de Janeiro: IBAM/DUMA, 2001 Plano diretor do Município de Porto Velho. Prefeitura de Porto Velho, 1990. Plano diretor do Município de Porto Velho. Prefeitura de Porto Velho, 2008. Plano diretor participativo – guia para elaboração pelos municípios e cidadãos. Brasília: Confea/Ministério das Cidades, 2004. RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993. RIBEIRO DA SILVA, W. Novos Centros, Novas Centralidades, Novas Diferenças. A Fragmentação do Espaço Urbano de Londrina. Rio Claro - SP: AGETEO, 2004 105 SILVA, William Ribeiro. Fragmentação do Espaço Urbano de Londrina. In: Geografia – Revista do HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização e as “regiões rede”. Anais do V Congresso Brasileiro em Geografia. Curitiba: AGB, 1994. SALGADO, Sílvia Regina da Costa. Experiências Municipais e Municipais e Desenvolvimento Local. São Paulo em Perspectiva, Revista Fundação Seade, vol. 10, 1996. SANTOS, Carlos. Percussos Geográficos: Rumo à Toposofia. Porto Velho: Fundação Rio Madeira, 2004. ________ Ensaio sem Referências Aparentes ou Em Busca de uma Ecoexossomia. Revista Eletrônica Primeira Versão, ANO I, Nº 111. PORTO VELHO, 2002 ________ A Fronteira do Guaporé. Porto Velho: Edufro, 2007. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo-razão e emoção, 4.ed. São Paulo: Hucitec, 2006. ________Fixos e Fluxos – Cenário para a Cidade sem Medo. In: SANTOS, M. O País Distorcido, o Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo: Publifolha, 2002. ________Por Uma Nova Geografia. São Paulo: Hucitec, 1986. ________ O Brasil: território e sociedade no inicio do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005. ________ Metamorfose do Espaço Habitado. São Paulo: HUCITEC, 1991. ________ Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. SENE, Eustáquio de. Globalização e espaço geográfico. São Paulo: Contexto, 2003. SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de História da Cultura Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. SOJA, Edward W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. TAYLOR, E. B. Primiteve Culture. London: John Murray and Co., 1871. WILKOMIRKI, Binjamin. Fragmentos: Memórias de uma infância 1939-1948. São Paulo, Companhia das Letras,1998. 106 Sites http://www.forumreformaurbana.org.br/_reforma/pagina.php?id=749 http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u61599.shtml www.inpe.br http://www.sidra.ibge.gov.br www.cidades.gov.br portal.iphan.gov.br www.portovelho.ro.gov.br www.a-rondonia.com www.portalbrasil.net earth.google.com www.primeiraversao.unir.br wikimapia.org www.ronet.com.br www.ippur.ufrj.br