Diogo Vaz Marecos O CONTRATO DE ESTÁGIO (ENTRE PARTICULARES E SEM RECURSO A FINANCIAMENTO PÚBLICO) Curso de Mestrado sobre Direito do Trabalho Orientador: Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Escola de Lisboa 22 de Julho de 2011 1 Diogo Vaz Marecos O CONTRATO DE ESTÁGIO (ENTRE PARTICULARES E SEM RECURSO A FINANCIAMENTO PÚBLICO) Curso de Mestrado sobre Direito do Trabalho Orientador: Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Escola de Lisboa 22 de Julho de 2011 2 O autor manifesta a sua imensa gratidão ao Orientador, Professor Doutor Bernardo Lobo Xavier, pedagogo exímio, não só pela sua orientação, como pelo seu constante apoio, contributos e disponibilidade. Agradece às colegas mestrandas o bom ambiente de trabalho e a amizade construída. 3 RESUMO/ABSTRACT Palavras-Chave estágio; contrato de estágio. Resumo O presente estudo visa analisar a admissibilidade do contrato de estágio celebrado entre particulares. Sendo juridicamente aceite o contrato de estágio, em contexto prático de trabalho, quando este tenha intervenção de uma entidade pública e beneficie de financiamento estatal, importa aferir da validade de um contrato de estágio que não se caracterize por aquela intervenção e por aquele financiamento. Para tanto, é realizada uma breve resenha histórica, são analisadas as normas constitucionais e infraconstitucionais vigentes, o recente Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, que estabelece as regras a que deve obedecer a realização de estágios profissionais extracurriculares, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 146.º da Lei n.º 55A/2010, de 31 de Dezembro, o entendimento da doutrina e da jurisprudência, sendo ainda efectuada a distinção de figuras afins – designadamente do contrato de trabalho e do contrato de aprendizagem. Este trabalho é ainda complementado com a caracterização do contrato de estágio em ordenamentos jurídicos estrangeiros. Key words intern; internship contract. Summary: The present study aims to analyze the admissibility of an internship contract concluded between private parties. While legally accepted in a practical context when involving a public entity and benefitting from public funding, its validity must be ascertained when it does not benefit from the intervention or funding from a public entity. We thus provide a brief historical review, and analyze the constitutional and legal rules, the recently approved Decree (Decreto-Lei) No. 66/2011 of June 1, which sets out the rules for arranging extracurricular training, under a legislative permission granted by Article 146 of Law (Lei) No. 55-A/2010 of December 31, the position of both doctrine and jurisprudence, and distinguish it from similar contracts – namely the employment and apprenticeship contracts. We complement this work by describing the internship contract in foreign law. 4 1. INTRODUÇÃO As situações de formação, para futuro desempenho de uma actividade ou de uma profissão, são há muito conhecidas no ordenamento jurídico nacional. De entre estas sobressai o contrato de aprendizagem, contrato secular que tem acompanhado a evolução da ordem social, permitindo a transmissão de conhecimentos quando o ensino escolar se mostrava muito débil e de acesso a apenas alguns. Este contrato consubstancia mesmo, cremos, um antepassado do contrato de estágio. São conhecidos os excessos cometidos na vigência do contrato de aprendizagem, avultando entre esses descomedimentos o prolongamento desmedido das actividades de aprendizagem por muitas horas diárias consecutivas, a utilização daquele que recebia a formação, por quem lha ministrava, em actividades que nada tinham que ver com o objecto contratado, como em trabalhos domésticos, entre outros, as quais compreendiam frequentemente aprendizes em situação de menoridade. Com a intervenção do legislador, conferindo ao aprendiz alguma protecção, seguida da universalização do ensino, e dentro desta, da expansão do acesso ao ensino superior, o contrato de aprendizagem entra em crise. O crescimento do número de alunos que, com aproveitamento, têm vindo a concluir o ensino superior, têm conduzido a uma quantidade assinalável de pessoas com conhecimentos teóricos elevados e, em regra, sem experiência profissional. A necessidade de colmatar a inexperiência profissional, bem como a cada vez maior especialização que se exige aos trabalhadores, sendo insuficientes os conhecimentos adquiridos na educação escolar, mesmo em instituições de ensino superior – até porque mais voltados para uma instrução teórica – exigiram a configuração de uma figura jurídica que possibilite aos jovens conhecimentos práticos que complementem a sua formação, auxiliando-os no ingresso no mercado de trabalho. O contrato de aprendizagem mostra-se inadequado, porquanto a qualificação escolar do formando se acha já concluída. Algumas profissões, procurando assegurar uma preparação efectiva para o correcto desempenho da actividade, condicionam o acesso ao exercício da profissão à realização de formação prática, em contexto de trabalho e em contacto com a realidade. O formando desempenha algum trabalho, formação prática essa designada por estágio, o que sucede quando a profissão exige especiais qualificações, não apenas escolares, mas também 5 deontológicas1. É o que sucede designadamente com os advogados, cujo pleno e autónomo exercício da advocacia está dependente de um tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e certificar publicamente que o candidato, licenciado em Direito, obteve formação técnico-profissional e deontológica adequada ao início da actividade e que cumpriu com os demais requisitos impostos pelo Estatuto e regulamentos para a aquisição do título de advogado2. O mesmo se diga relativamente à profissão de jornalista, em que se exige que previamente ao pleno exercício da profissão, o jornalista realize também ele um estágio3. Tendo por influência os estágios impostos por estas profissões, a prática empresarial, sem o ónus de ter de observar regras deontológicas específicas, procurou estender esta figura à formação prática inicial dos jovens inexperientes profissionalmente, mas com habilitações académicas e competências pessoais elevadas, para que estes, enquanto recebessem a formação, pudessem simultaneamente prestar algum trabalho. Para quem concede o estágio significa proporcionar conhecimentos a troco de poder aproveitar algumas actividades que sejam desenvolvidas durante o estágio. Para quem é dele beneficiário, o estagiário, representa a faculdade de granjear conhecimentos práticos que lhe poderão valer, mais tarde, um lugar como profissional. Para o estagiário, trata-se de obter saberes como o mercado onde a empresa, ou aquele que lhe ministra a formação, actua, conhecimento este que pode mesmo incluir a sapiência necessária para eficazmente nele se mover, conhecimento do modo como se podem utilmente estruturar uma organização, processos de trabalho, etc.. Economicamente são aduzidos ao contrato de estágio vários argumentos em prol deste. Desde logo, ao contrato de estágio é associada a ausência de remuneração ao estagiário, ou um valor reduzido desta no caso da sua existência, quando comparativamente a colaboradores com um vínculo laboral. É frequente a remuneração, quando paga durante o período de estágio, não incluir prestações típicas do vínculo 1 Em regra, as profissões que exigem um estágio fazem-no por razões de ordem pública, procurando que uma fase de formação prévia assegure o exercício da profissão por profissionais habilitados, de modo a salvaguardar a defesa da saúde, da integridade física e moral das pessoas, da segurança de pessoas e bens, bem como de outros valores juridicamente relevantes. 2 Nos termos do n.º 1 do artigo 184.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, e alterada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, e pela Lei n.º 12/2010, de 25 de Junho. 3 Nos termos do artigo 5.º do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, e alterada pela Lei n.º 64/2007, de 6 de Novembro. 6 laboral: subsídio de férias, subsídio de natal, subsídio de refeição, etc.. A exclusão de alguns direitos característicos do contrato de trabalho, como sejam licença por parentalidade, trabalhador-estudante, entre outros, é também uma vantagem – apontada por gestores – ao contrato de estágio. É mais facilitada a substituição de um colaborador em regime de estágio que seja menos apto, por um outro, comparativamente a colaboradores com um vínculo laboral sujeitos às apertadas regras da cessação do contrato de trabalho. Por outro lado, o período de tempo para aferir das aptidões pessoais do colaborador que assuma a qualidade de estagiário é, em teoria, mais longo, sendo o da duração do próprio contrato. Genericamente, os argumentos supra expostos são os usualmente apontados por quem se socorre deste tipo de contratação como modo de contratar colaboradores, permitindo-lhe, teoricamente, reduzir custos operacionais. Jean-Marie Peretti4, seguindo M.-C. Oury-Gatelmand, nota que: “«Ao aceitar estágios, a maioria das empresas persegue múltiplos objectivos: uma ideia pré-concebida para um eventual recrutamento, o desejo de estudar um problema complexo para o qual ainda se hesita em libertar créditos suficientes, o desejo de demonstrar a abertura de uma organização e, também, a vontade de participar num “acto gratuito”: a formação de jovens….»”. Contudo, o facto de o contrato de estágio encontrar maior aceitação na sociedade portuguesa, e mesmo os argumentos económicos aduzidos em seu favor, não significa necessariamente que, juridicamente, o mesmo seja admitido, ou pelo menos permitido nesses configurados moldes. A verdade é que a celebração de um contrato de estágio suscita algumas ambiguidades. As dúvidas quanto à sua admissibilidade parecem, à primeira vista, ultrapassadas pela entrada em vigor do recente Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, que estabelece as regras a que deve obedecer a realização de estágios extracurriculares. Para efeitos deste diploma, o estágio consiste na formação prática em contexto de trabalho que se destina a complementar e a aperfeiçoar as competências do estagiário, visando a sua inserção ou reconversão para a vida activa de forma mais célere e fácil, ou a obtenção de uma formação técnico-profissional e deontológica legalmente obrigatória para aceder ao exercício de determinada profissão. Contrariamente ao que sucede relativamente à admissibilidade do contrato de estágio, as incertezas quanto ao seu regime permanecem. São estas dúvidas que nos propomos abordar, analisando este instituto, num estudo que, no presente contexto económico, se torna ainda mais relevante. Na realidade, a deficiente efectividade da legislação laboral – não deixa de ser 4 Recursos Humanos, 3ª Edição, Edições Sílabo, 2001, página 155. 7 paradigmático que o reforço da efectividade da legislação laboral tenha sido um dos objectivos do Governo para justificar a reforma da legislação laboral operada em 2009 – a debilidade das contas públicas portuguesas, o aumento do desemprego e a estagnação da contratação de trabalhadores, tornam ainda mais pertinente a análise de um instrumento que se mostra muito atractivo para quem tem de prover necessidades de mão-de-obra. 8 2. DA APRENDIZAGEM AO ESTÁGIO NO OCIDENTE EUROPEU 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA É hoje comummente aceite que os povos pré-históricos não tinham a noção humanizada do trabalho que actualmente vigora, sendo esta adquirida com o desenvolvimento das sociedades e das civilizações. Os antigos caçadores e recolectores tinham uma actividade descontínua, ocasional e regular, não obstante essa actividade exercer função económica – garantindo a subsistência do grupo de inserção – e função psico-social – pela resposta às necessidades grupais, interacção, colaboração e solidariedade. “No entanto, só desde o dia em que os primeiros artesãos, criadores de gado e agricultores ficaram sujeitos a uma certa continuidade e sobretudo a uma certa regularidade na execução das suas tarefas, é que a noção de trabalho se definiu e se limitou.” 5. A organização do trabalho na época creto-micénica, investigada por Félix Bourriot, dá conhecimento de que os artesãos se agrupavam em espécies de corporações – tal como os pastores e os apicultores – sendo de crer que em algumas situações o exercício do artesanato seria sazonal, já que alguns desses artesãos possuíam terras. “Assim, as diversas actividades interpenetravam-se, as diferentes camadas sociais misturam-se.” 6. É o mesmo historiador que avalia a importância da utilização da moeda – cuja invenção se desconhece se pertencerá aos Lídios ou aos Gregos – nos progressos conquistados pelos trabalhadores a partir do recurso à moeda: “Enquanto que até aqui os trabalhadores procuravam viver, quer dizer conseguir os objectos e as mercadorias indispensáveis, eles puderam de ora em diante considerar enriquecerem ao acumularem as moedas até ao infinito. Em vez de trocar serviço por serviço, o camponês vendeu e comprou (…) o trabalhador pode exigir um salário;” 7. 5 Pierre Jaccard, História Geral do Trabalho, Livros Horizonte, Lisboa, 1974, tradução portuguesa de Histoire Sociale du Travail de l’antiquité à nos jours pela Payot, Paris, 1961, página 23. 6 “Ainsi, les divers activités s’interpénètrent, les différentes couches sociales se mêlent.”, Félix Bourriot, Histoire Générale du Travail, tome I, ob. cit., página 172. 7 “Alors que jusqu’ici les travailleurs cherchaient à vivre, c’est-à-dire à se procurer les objets et les denrées indispensables, ils purent désormais envisager de s’enrichir en accumulant les pièces à l’infini. 9 Relativamente às profissões intelectuais, a Grécia testemunha que aqueles que a elas se dedicavam tanto podiam ser os mais humildes como os mais distintos, fossem médicos, professores, actores, filósofos, poetas, etc.. Já no tocante ao trabalho livre e ao trabalho servil, ainda na Grécia, as fontes indicam que variavam conforme sectores e cidades, do mesmo modo que a duração do trabalho variava também com as profissões, sendo que nas cidades o ritmo do nascer e do pôr-do-sol quase sempre generalizava os comportamentos8. Não obstante, e para a época helenística, Bourriot refere que as associações profissionais então existentes reuniam sobretudo os artistas seguidores de Dionísio, argumentando que o mundo laboral era composto sobretudo por artesãos independentes que, devido à rivalidade, mostravam com frequência a sua adversidade. Em estudo sobre o trabalho em Roma, Roger Rémondon informa que “O salário mínimo vital estabelece-se pouco mais ou menos entre 180 e 280 dracmas: é a categoria na qual se classificam, além do mais, as mais fortes proporções de trabalhadores, quer eles sejam retribuídos ao mês ou ao dia.” 9. O artesão era um trabalhador independente, não assalariado, e independentemente das modalidades a característica fundamental desse artesanato era a independência do trabalho. Os aprendizes eram remunerados. Com o advento do cristianismo no Império Romano o conceito de trabalho é valorizado e o ócio desprezado: “Uma resposta, sem dúvida nenhuma, foi trazida pelo cristianismo, para o qual não exercer qualquer profissão «é agir como homem que desconhece Deus.»” 10 . A inovadora mensagem cristã abolia as clivagens sociais, colocando no mesmo plano, e aos olhos de Deus, o escravo e o homem livre, a mulher e o homem, o rico e o pobre. Através da cristandade – agregadora das diferentes heranças laborais dos povos mesopotâmicos, egípcios, gregos e romanos – se constitui a expressão da Europa, construída através dos séculos da medievalidade, acompanhando e propiciando profundas transformações no domínio do trabalho: “A época medieval vê Au lieu d’échanger service contre service, le paysan vendit et acheta (…) l’ouvrier peut exiger un salaire;” Idem, ibidem, página 189. 8 Cfr. Félix Bourriot, ob. cit., página 218 e seguintes. 9 “Le salaire minimum vital s’établit à peu près entre 180 et 280 drachmes: c’est la catégorie dans laquelle se classent, d’ailleurs, les plus fortes proportions de travailleurs, qu’ils soient rétribués au mois ou à la journée.” Roger Rémondon, Histoire Générale du Travail, tome I, ob. cit., página 238. 10 “Une réponse, sans aucun doute, a été apportée par le christianisme, pour lequel n’exercer aucun métier «c’est agir en homme qui méconnaît Dieu.»” Idem, ibidem, página 369. 10 aparecer uma série de tarefas novas: artesãos sempre cada vez mais especializados, arquitectos, engenheiros, tipos diversos de comerciantes, professores, médicos, homens de lei… Fechado por ocasião dos primeiros séculos da Idade Média, o leque dos trabalhos humanos abre-se mais abundantemente que nunca (…) Nas cidades instala-se em primeiro lugar uma economia artesanal (…) o artesanato não desaparece. Ele permanece mesmo a organização normal numa multidão de cidades – sem dúvida a maioria – que trabalham para um mercado local.” 11. Durante a época da cristandade medieval europeia, o trabalho, e sobretudo o trabalho manual, adquire uma dignidade nova. Concebido como Mandamento de Deus, o trabalho é visto na Escritura, como um privilégio e um benefício.”. Para além de exprimir dor e necessidade, o trabalho – e sobretudo o trabalho do solo – significava privilégio e dignificava o homem. Os textos bíblicos recomendam justiça e respeito pelo próximo: “«Não maltrates o escravo que trabalha fielmente, nem o mercenário que se dedica ao teu serviço (7:20). (…) «Se tens um escravo, trata-o como a um irmão…» (33:29). (…)12. Citando Louis Bréhier13, Pierre Jaccard refere: “«O que é novo e original (…) é a figuração dos diversos misteres exercidos pelos que se tinham convertido ao cristianismo. O trabalho manual, desprezado pelos pagãos, aparece então como um título de honra, até mesmo o dos humildes e úteis auxiliares que eram os coveiros, de que existem várias efígies, acompanhadas dos seus instrumentos de trabalho. Essas representações constituem o ponto de partida de uma tradição que iria sobreviver.» (…) Não obstante, é evidente que o Evangelho levou ao mundo greco-romano uma nova concepção do trabalho e das artes e ofícios, radicalmente oposta às ideias dos sábios e dos poderosos da época.” 14. 11 “L’époque médiévale voit apparaître une série de tâches nouvelles: artisans toujours plus spécialisés, architectes, ingénieurs, types divers de marchands, professeurs, médecins, hommes de loi… Refermé lors des premiers siècles du Moyen Âge, l’éventail des travaux humains s’ouvre plus largement que jamais, (…) Dans les villes s’instaure d’abord une économie artisanale (…) l’artisanat ne disparaît pas. Il reste même l’organization normale dans une multitude de villes – la majorité sans doute – que travaillent pour un marché local. “ Louis-Henri Paris, Histoire Générale du Travail, tome II, Nouvelle Librairie de France, Paris, 1969, página 8. 12 “Génese”, transcrição de Pierre Jaccard, História Social do Trabalho, (tradução portuguesa de “Histoire Sociale du Travail de l’antiquité à nos jours”), 1º. volume, Livros Horizonte, Lisboa, 1974, páginas 123 e 124, 129 e 135. 13 L’Art Chrétien, Paris, 1928, páginas 48 e 228. 14 Pierre Jaccard, ob. cit., páginas 137 e 138. 11 Na sequência das invasões bárbaras é estabelecido um novo regime social do trabalho, segundo o qual os camponeses têm um estatuto de servidão, ligados ao solo ou à casa do senhor da terra, privados de quaisquer direitos: “Amarrados ao trabalho e a pesados foros, estes campónios estavam encarregados, sem qualquer lucro a não ser a sua própria subsistência, da quase totalidade do trabalho manual.” 15. Com o desenvolvimento dos centros urbanos no continente europeu e com o aperfeiçoamento dos transportes a partir do início do século XIII – o mesmo século em que é criada a liga hanseática, associação que reunia os comerciantes das cidades do Norte –, “(…) os habitantes dos burgos, os chamados mercatores, eram, na maioria, comerciantes. No entanto, aplica-se o mesmo nome aos artesãos que vendem os artigos fabricados em família. Cedo estes se agrupam em ateliers ou, como então se dizia, em oficinas (ouvroirs), palavra derivada do verbo latino operari, trabalhar. O mestre, que toma o nome de burguês, rodeia-se de alguns operários, cuja designação mais comum é a de oficiais. (…) No século XIII contam-se já vinte e cinco ofícios na indústria de lanifícios: tosquiadores, fiandeiros, penteadores, cardadores, tecelãos, tintureiros, etc. (…) É para resistirem aos patrões, para defenderem os seus interesses e os seus direitos que os artesãos e os pequenos comerciantes das cidades deram, desde meados do século XII, grande impulso aos agrupamentos de artes e ofícios. Os trabalhadores da construção, itinerantes por natureza, formam sociedades secretas que mais tarde sobreviverão com o nome de «compagnonnages» (...) as comunas e as corporações do século XIII deram início a uma nova época em que o trabalho se tornou mais assegurado e mais bem dividido. Sabe-se o cuidado que as corporações de artes e ofícios dispensaram à formação profissional, ao controle da qualidade dos produtos, à assistência.” 16. Sem se fazer parte da corporação que estivesse encarregue do fabrico ou venda de um produto, não se conseguia fabricar ou vender, limitando-se assim o exercício de um ofício apenas a alguns, com o que se diminuía, simultaneamente, a concorrência. Condição indispensável ao exercício de um ofício era em momento anterior ter-se servido um mestre, enquanto aprendiz. Cada corporação tinha os seus próprios regulamentos, neles se estabelecendo o número de aprendizes que cada mestre poderia 15 Idem, ibidem, página 147. 16 Pierre Jaccard, ob. cit., páginas 175, 178 e 179. 12 ter. O aprendizado era longo, variando entre os três e os sete anos, caracterizando-se por ser paga pelo aprendiz ou, em regra, pelo seu pai, ao próprio mestre, quando a aprendizagem era iniciada. Depois de concluídos os sete anos, o aprendiz passava a companheiro, trabalhando na casa do mestre, não lhe sendo ainda permitido o direito de, por sua conta, exercer o ofício, excepto se casasse com a viúva do um mestre ou com a filha deste. Este segundo estádio podia durar até cinco anos, apenas lhe sendo permitida a qualidade de mestre após pagamento de uma avultada quantia, e a manufactura de uma obra complexa, de modo a comprovar a sua perícia. O percurso para mestre, quando se tratasse dos filhos deste, era muito mais facilitado, sendo muito menor o tempo de aprendizagem que necessitavam para ascender àquela qualidade, o que contribuiu significativamente para o descontentamento sobretudo dos companheiros, que se reuniam em associações por si criadas, de defesa dos seus interesses, as “compagnonnages” francesas. As corporações assumiram-se como autênticas escolas, fixando os processos para empreender o fabrico ou o comércio, e mesmo a qualidade dos produtos. Era nelas que residiam os conhecimentos científicos da época, não sendo por isso estranho que as corporações tenham também sido designadas como universidades, ou que quando as universidades surgiram, se tenham organizado à semelhança das corporações, chegando até a duração do ensino a ter os mesmos sete anos que caracterizavam a aprendizagem do aprendiz nas corporações. Uma das mais duradouras formas de organização do trabalho no ocidente europeu, base das sociedades de socorro mútuo e, mais tarde, do sindicalismo moderno, diz respeito às confrarias e às associações de instrução profissional e de solidariedade entre trabalhadores, estas últimas denominadas em França “compagnonnages”, como atrás se disse. Impregnadas de um forte espírito de corporação, a expressão social e laboral das confrarias relacionava-se com a obediência religiosa a um santo padroeiro, assumindo a vertente da assistência e socorro face a doença prolongada, acidente ou velhice. As “compagnonnages”, que se desenvolveram durante o século XVI sob forte estrutura hierárquica, compreendendo companheiros e aspirantes (na Idade Média a estruturação hierárquica nas oficinas em Portugal, compreendia o aprendiz, o oficial e o mestre), envolviam não obstante um tipo de associação de espírito igualitário, caracterizadas por grande mobilidade, compatível com uma formação de longa duração – entre três e sete anos – durante a qual, após a aprendizagem, o aspirante deveria 13 descobrir a sua profissão, itinerância que implicava a existência de estruturas de acolhimento a nível nacional, as conhecidas estalagens, que funcionavam como um lar comunitário, a que os trabalhadoras chamavam, significativamente “a mãe”. Tratava-se de comunidades de “irmãos trabalhadores”, dirigidas por um casal de pessoas mais velhas e experientes, cuja orgânica de funcionamento obedecia a ritos específicos, de iniciação, de fidelidade ao grupo, com defesa do seu potencial de integração de um conjunto multi-profissional agrupando ofícios próximos. De notar que este último aspecto, para além de fomentar uma profunda identidade social – em que alguns vêem a possível evocação da maçonaria – viria a constituir uma das principais características do sindicalismo, dada a vocação nacional e o cariz universalizante resultantes da união de vários ofícios. Com o desenvolvimento do comércio marítimo, as cidades periféricas italianas, flamengas, neerlandesas e alemãs são atingidas por grande prosperidade, sobretudo as cidades italianas, dando origem à concentração de enormes lucros para mercadores e banqueiros. “Apesar disso, os operários das cidades aproveitam dessa prosperidade: os seus salários aumentam, passam, em 1450, para o dobro ou para o triplo do que valiam no século anterior.” 17 . Todavia, será necessário ter em conta que “(…) a massa dos assalariados compreende os operários dos ofícios organizados, que não têm oportunidade alguma de chegarem a mestres, os operários das manufacturas principais, os criados e os jornaleiros.” 18. A manifestação da busca de justiça social, na base da ideia do igual direito ao trabalho, é frequentemente relacionada com o meado do século XVIII. Turgot, invocado por Pierre Jaccard, expressa a sua compreensão para o desequilíbrio entre o preço da mão-de-obra/salários e os preços, nos seguintes termos: “«Ao simples operário que não tem (…) senão seus braços e a sua indústria, nada lhe resta senão vender a outrém o seu trabalho. Vende-o mais ou menos, mas esse preço não depende só dele. Depende também do acordo que fizer com aquele que lhe paga o trabalho. Este paga-o o mais barato que pode e, como tem a escolher entre um grande número de operários, prefere aquele que trabalha mais barato. Os operários vêem-se, pois, obrigados a baixar o preço à porfia uns com os outros. Em qualquer género de trabalho, pode acontecer e acontece, 17 Cfr. Jacques Le Goff, Du silence à la parole - Une histoire du droit du travail des années 1830 à nos jours, Les Presses Universitaires Rennes, Rennes, 2004, página 187. 18 Idem, ibidem, página 190. 14 com efeito, que o salário do operário se limite ao que lhe é necessário para ele conseguir a sua subsistência».” 19. As confrarias medievais já praticavam formas de solidariedade específicas do grupo profissional que representavam, dentro dos seus próprios limites de abrangência. Porém, “Não havia verdadeiro direito ao trabalho para ninguém (…) nem sobretudo para os jornaleiros, serventes e outros trabalhadores não especializados que a organização corporativa abandonava à sua sorte. (…) Em contrapartida, deve reconhecer-se que a doutrina tomista do direito à existência serviu de fundamento às noções modernas do direito ao trabalho (…) Esta nova ideia data do século XVI. Esclareçamos ainda: É na Inglaterra, onde a filosofia social sofreu a influência do calvinismo, que Turgot, Fichte e muitos outros depois deles foram buscar as suas ideias sobre o direito que todos os homens devem ter de trabalhar para viver.” 20. Em termos gerais, o meio tradicional de aprendizagem profissional na Idade Média (cujo sistema era supervisionado pelas autoridades municipais e pela comunidade profissional) integrando mão-de-obra contratada a baixo custo e envolvendo jovens – sobretudo do sexo masculino, mas também do sexo feminino no caso da aprendizagem de bordados, tecelagem, etc. – com idades geralmente compreendidas entre os 14 e os 22 anos que, em troca, eram oficialmente iniciados nos meios profissionais, esse meio clássico de aprender sofre um choque violento na sequência da Revolução Francesa, com a conhecida lei de Allarde a qual, em 1791, suprimia as corporações, assim provocando o quase desaparecimento do sistema de aprendizagem e da moldura normativa em que se enquadrava o contrato de aprendizagem. Durante a primeira metade do século XIX, com a expansão da actividade fabril, o consequente declínio do artesanato e a incorporação nas fábricas do trabalho infantil, não se verificou alternativa àquelas formas de aprendizagem e de iniciação profissional e somente com o fim da I Guerra Mundial se verificará a institucionalização das normas para as modernas formas de aprendizagem que se expandirão pelo ocidente europeu. Ao longo do século XIX, quer por iniciativa do assalariado, em busca de sorte noutras paragens, quer sob responsabilidade do empregador, o qual usufrui de uma liberdade de acção quase sem entraves, verifica-se nos países ocidentais uma grande 19 Pierre Jaccard, ob. cit., vol II, páginas 43 e 44. 20 Idem, ibidem, páginas 63 e 64. 15 facilidade na ruptura da relação de trabalho. A figura do patrão chega a ser vista como legislador face à prática laboral: “O patrão não só faz a lei como a aplica ele próprio, indigna-se Ferroul na célebre proposta de lei de 1890 sobre os regulamentos de oficina. Depois de ter editado o custo da multa, ele fixa, pronuncia e levanta ele próprio essa multa sob forma de retenção nos salários. É dizer que sem nenhuma delegação da sociedade, sem investidura, ele é simultaneamente legislador, juiz e cobrador de impostos do seu próprio lucro.” 21. Também a proximidade do relacionamento entre o mestre e o aprendiz nas oficinas é invocada para impedir a interferência do legislador, com base no princípio do respeito pelos espaços privados domésticos e pelas relações de protecção e de defesa natural entre os companheiros. Transcrevendo parcialmente o Relatório parlamentar francês de 1851, Jacque Le Goff destaca: “Na oficina privada, há também muitas vezes o excesso do trabalho e, além disso, as sevícias, a falta de alimento, o mau exemplo, o desprezo pelas convenções. O aprendiz nada ganha, nada aprende. De resto, pouca ou nenhuma comunicação com o exterior. O mal faz-se na sombra; as queixas do paciente são abafadas; a justiça não intervém a não ser quando o rumor público lhe denuncia um crime.” 22. Nesse mesmo ano, limita-se rigorosamente a extensão da regulamentação do trabalho à esfera do privado: “Em 1851, vê-se o deputado Collet protestar, de novo, o governo para não se intrometer no «mistério das relações domésticas». «As relações do mestre e do aprendiz, insiste ele, têm qualquer coisa de íntimo que o legislador deve respeitar. A oficina toca de perto o lar doméstico e o Estado não tem o direito de aí penetrar sem uma necessidade absoluta».” 23 . Em França é frutífero o ano de 1851: é 21 Jacques Le Goff, Du silence à la parole - Une histoire du droit du travail des années 1830 à nos jours, Les Presses Universitaires Rennes, Rennes, 2004, página 52: “Le patron ne fait pas seulement la loi, il l’applique lui-même, s’indigne Ferroul dans sa célèbre proposition de loi de 1890 sur les règlements d’atelier. Aprés avoir édicté la peine de l’amende, il fixe, prononce et prélève lui-même cette amende sous forme de retenue sur les salaires. C’est dire que sans délégation aucune de la société, sans investiture, il est à la fois législateur, juge et percepteur de son propre profit.”. 22 Rapport parlementaire, D., 1851, t. IV, página 48, transcrito por Jacques Le Goff, ob. cit., página 99: “Dans l’atelier privé, il y a aussi bien souvent l’excès du travail, et, de plus, les sévices, le manque de nourriture, le mauvais exemple, le mépris des conventions. L’apprenti ne gagne rien, n’apprend rien. Du reste, peu ou point de communication avec le dehors. Le mal se fait dans l’ombre; les plaintes du patient sont étouffées; la justice n’intervient guère que lorsque la rumeur publique lui dénonce un crime.”. 23 Jacques Le Goff, ob. Cit., página 99: “En 1851, on voit le député Collet adjurer, derechef, le gouvernement de ne pas s’immiscer dans «le mystère des relations domestiques». «Les relations du maître et de l’apprenti, insiste-t-il, ont quelque chose d’intime que le législateur doit respecter. L’atelier touche de près au foyer domestique et l’État n’a pas le droit d’y pénétrer sans une absolue nécessité.»”. 16 revisto o regime da aprendizagem de 12 de Abril de 1803, com a aprovação da Lei relativa aos contratos de aprendizagem das crianças nas oficinas, manufacturas e ateliers, de 22 de Fevereiro24. O século XIX terá sido o tempo em que as populações operárias viram crescer, dia a dia, o reconhecimento dos seus interesses, aspirações e conquistas, a par de doutrinas específicas reivindicativas da liberdade social; talvez por isso mesmo, esse foi o século conhecido pelo “século dos trabalhadores”, por proposta de Lockroy, em 1876 25 26 . Também as questões relacionadas com a segurança de um salário e do horizonte reivindicativo de um salário mínimo, bem como a negociação, surgem nesta altura, acompanhando depois a expansão da sociedade industrial e da progressiva organização do mundo do trabalho: “No século XIX, nas profissões de personalidade afirmada (os tipógrafos, os chapeleiros, os operários de construção…) essas discussões salariais vão atrair uma outra conexão e mais rica incidindo sobre as qualificações segundo uma dupla perspectiva: de abono equitativo das remunerações em função dos lugares e de hierarquização profissional.” 27. No final da hierarquia encontravam-se os aprendizes. 24 “Loi relative aux contrats d´apprentissage des enfants dans les usines, manufactures et ateliers”. É assinalável o seu avanço face à época. Já então não se tratava de um contrato de trabalho. Nos termos do seu artigo 2., o contrato podia ser escrito ou verbal, contudo, no caso deste último, a prova testemunhal não era recebida em conformidade com o Código Civil, contratos ou obrigações decorrentes de tratados em geral. Impunha o seu artigo 5. que o aprendiz deveria auferir uma retribuição, enquanto que no artigo 6. se consagrava um regime de impedimentos que poderia obstar a que quem tivesse sido condenado pela prática de determinados crimes recebesse aprendizes. Em matéria de cessação do contrato, os motivos que a permitiam encontram-se taxativamente elencados no artigo 14. e seguintes, onde também se determinava que os dois primeiros meses de duração do contrato eram considerados um período de ensaio, podendo o contrato cessar por mera vontade de uma das partes, sem sendo devida qualquer indemnização à contraparte, excepto expressa convenção em contrário. Entre outros deveres, determinava-se, no então artigo 12. que no final da aprendizagem, o mestre entregasse ao aprendiz um certificado que comprovasse a execução do contrato. 25 Cfr. Jacques Le Goff, ob. cit., página 273. 26 Data do início da última década do século XIX o nascimento do contrato de trabalho em França, cfr. Jacques Le Goff, ob. cit., página 166, que enfatiza o acto em que, pela primeira vez, o legislador intervém para preservar o assalariado dos riscos de ruptura abusiva: “A 27 de Dezembro de 1890 aparece no Jornal oficial uma lei sobre o contrato de aluguer e sobre as ligações dos agentes de caminhos de ferro com as companhias. (…) «A rescisão do contrato, pela vontade de um só pode dar lugar a interesses danosos.» (…) É com efeito a primeira vez que o legislador ousa intervir no coração do contrato de aluguer, no projecto claramente publicado no decurso dos debates parlamentares, de preservar o assalariado dos riscos de ruptura abusiva.” (“Le 27 décembre 1890 paraît au Journal officiel une loi sur le contrat de louage et sur les rapports des agents de chemin de fer avec les companies. (…) «La résiliation du contrat pour la volonté d’un seul peut donner lieu à des dommages-intérêts-» (…) C’est en effet la première fois que le législateur ose s’immiscer au coeur du contrat de louage, dans le projet clairement affiché au cours des débats parlementaires, de préserver le salarié des risques de rupture abusive.”). 27 Jacques Le Goff, ob. cit., página 192: “Au XIXe siècle, dans les professions de personalité affirmée (les typos, les chapeliers, les ouvriers du Bâtiment…) ces discussions salariales vont en appeler une autre 17 Mesmo com o início do século XX e com o nascimento do ensino técnico – em França, como na Alemanha – não se verificou alternativa ao sistema de formação contratada proveniente da Idade Média. Com o final da I Guerra Mundial, os Estados vão mostrar-se menos permissivos a conceder alguma protecção aos aprendizes, designadamente contra os excessos verificados em situações de aprendizagem. O período que se seguiu ao final da II Guerra Mundial caracterizar-se-ia por modificações políticas e económicas de vulto, as quais trouxeram para a agenda política a necessidade de fomentar o acesso à educação e de alargar a escolaridade obrigatória. A implementação destas medidas, através de apoios educativos destinados a assegurar a sua efectiva concretização, conduziu, um pouco por toda a Europa, a um processo célere de massificação da escolaridade básica, que progressivamente se estendeu ao ensino secundário. Seria nos anos setenta que o ensino superior na Europa seria atingido pela universalização. Permitindo complementar o ensino teórico com formação de natureza essencialmente prática, o contrato de estágio tem, na massificação do ensino superior, o seu fomento. 2.2 O CASO PORTUGUÊS As mais antigas notícias relativamente à estruturação do trabalho em Portugal – que, recorde-se, emerge como País em 5 de Outubro de 1143 no Tratado de Zamora – remontam naturalmente à sociedade medieval, através das actividades dos mesteres ou ofícios, nos quais se agrupavam os mesteirais ou artesãos. Encontramo-los em Lisboa, Porto, Coimbra, Évora, Guimarães, Santarém e outras povoações, acompanhando a evolução da sociedade portuguesa e pugnando pela defesa dos seus direitos e reivindicações profissionais, prolongando-se muitas destas organizações profissionais até aos nossos dias, apesar das medidas do liberalismo oitocentista visando a sua extinção. A frequente localização das suas oficinas e tendas no mesmo arruamento está testemunhada na toponímia das cidades acima referidas, a título de exemplo. connexe et plus riche portant sur les qualifications selon une double perspective: d’allocation équitable des rémunérations en fonction des places et de hiérarchisation professionelle.”. 18 Uma das principais características dos mesteres medievais, para além dos desígnios profissionais, eram o carácter assistencial e religioso, patente na fundação de hospícios – pelo menos desde o século XIV – nos quais a posterior criação das Misericórdias haveria de entroncar, através do propósito de bem-fazer. O culto de um santo padroeiro próprio, a constituição em irmandades – estas últimas reunindo por vezes mesteirais de mais que um ofício – os festejos públicos em honra do padroeiro, conforme o calendário litúrgico, a identificação de cada ofício sob uma bandeira, todos estes compromissos se acham referenciados nos estatutos, integrando a organização profissional e cívica e preparando a formação dos trabalhadores, assim conquistando o reconhecimento social e até o prestígio político, como sucedeu na crise de 1383-1385, conforme indica Fernão Lopes, na primeira parte da sua Crónica de D. João I, revelando o prestígio sócio-profissional da Casa dos Vinte e Quatro. Refere António Cruz que “A evolução da sociedade portuguesa, à semelhança do que se verificou noutros países, teve repercussões na situação e actividades dos mesteirais, encaminhando-os para uma organização que visava defendê-los nos seus interesses, assistir-lhes na doença ou incapacidade (…) A mesma evolução já indicada concorreu para que tal representação viesse a tornar-se regular e efectiva, quando cada mester passou a eleger dois representantes seus, que tinham assento nas vereações dos seus concelhos. Os mesmos, quando reunidos para tratarem exclusivamente de negócios seus, formavam a chamada Casa dos Vinte e Quatro (…)” 28. Os mesteirais, quer em termos de actividade, quer de formação e de promoção profissional, estavam sujeitos a normas que regulavam o seu percurso, desde a aprendizagem até à categoria de oficial: “Por ordem descendente, a hierarquia de qualquer ofício ou profissão, nos termos do modelo para reforma dos seus regimentos estabelecido em 1572 por Duarte Nunes de Leão, era esta: mestre de tenda, oficial examinado, obreiro e aprendiz. A aprendizagem, não sujeita a regulamentação de pormenor e quase só obediente ao costume, implicava, da parte do candidato, o mínimo de 14 anos de idade. Com seus pais ou outra pessoa e sempre mediante um assinado abonado com fiador, o candidato comprometia-se, depois de inscrito no livro de matrícula dum mestre, a completar quatro, cinco ou seis anos de aprendizado. Feita a prova respectiva, podia então requerer exame para oficial. Admitia-se, no entanto, uma 28 António Cruz, Mesteirais, Dicionário Ilustrado da História de Portugal, volume 1, Publicações Alfa, Lisboa, 1990, página 469. 19 excepção, quanto a esse requisito: para os animar, na expressa declaração de muitos regimentos, a continuar as oficinas dos seus pais, conseguindo-se também, por essa via, maior perfeição para a arte, os filhos dos mestres não eram obrigados a certificar os anos de aprendizagem quando pretendiam ser examinados29. Observado o compromisso de respeito pelas regras da profissão, a vocação de intervenção social mais abrangente – traduzida na visibilidade de uma notória imagem pública, através de festejos e procissões – os mesteirais de Lisboa, apoiantes do Mestre de Aviz e futuro D. João I conseguem, em Carta Régia de 1 de Abril de 1384, ver reconhecidos direitos políticos, através da participação nos órgãos dirigentes do Concelho de Lisboa onde tinham representantes seus, dois por cada doze dos ofícios mais importantes da cidade. Nos séculos XV e XVI, na sequência dos direitos conseguidos em Lisboa, os conselhos profissionais em que se achavam representados os ofícios vêem o seu reconhecimento régio e municipal, em Santarém, Évora, Coimbra, Porto, Guimarães e Tavira30. “Contudo, à excepção da capital, e mesmo aí de uma forma mais restrita, os conselhos de mesteirais depressa perderam o seu peso político, não resistindo à reacção da aristocracia concelhia, que recupera o monopólio da direcção da vida da cidade a partir dos finais do século XV. Restringidas de novo ao âmbito socioprofissional (…) as associações de mesteres passam a ser reconhecidas oficialmente, dando origem às corporações, que deviam regular as formas de aprendizagem e exercício dos ofícios, elaborando leis reguladoras, regimentos, que seriam aprovados pela coroa ou pela assembleia municipal” 31. Relativamente aos regimentos, à orgânica, funcionamento, aprendizagem das profissões e examinação das mesmas, esclarece Luís Krus: “Reescritos e adaptados, muitas vezes, das regras desenvolvidas no âmbito das antigas confrarias e irmandades, os regimentos das corporações, de que o mais antigo conhecido, o dos borzeguieiros, sapateiros, chapineiros, soqueiros e curtidores de Lisboa, data de 1489, foram sucessivamente elaborados, dando lugar a uma tal pluralidade de normas de funcionamento que João III ordenou a reforma dos regimentos, sendo aprovada em 1569 a tarefa realizada pelo licenciado Duarte Nunes de Leão, que nesse e em outros 29 António Cruz, Aprendiz, Dicionário de História de Portugal, Dir. Joel Serrão, volume 1, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1971, páginas 164 e 165. 30 Cfr. Luís Krus, Corporações, Dicionário Ilustrado da História de Portugal, volume 1, ob. cit. páginas 158 e 159. 31 Idem, ibidem, páginas 158 e 159. 20 trabalhos posteriores propôs um modelo de regimento para as corporações, onde se apresentam regras respeitantes à assembleia anual do oficio, ao exame de mestria, ao desempenho da profissão e à visitação ou correição das tendas. Na assembleia geral e anual do ofício designavam-se os profissionais eleitores de dois juízes, cuja função principal era o exame da prova de mestria e a correição das tendas, e do escrivão. Para o exame de mestria discriminavam-se as peças de examinação de cada ofício, designadas, por vezes, por obras-primas, pelo qual, se aprovado, qualquer oficial, isto é, todo o que exerce o ofício, passava à categoria de oficial examinado, podendo depois, uma vez na posse da carta de examinação passada pelos juízes e confirmada e registada pela câmara, estabelecer-se por conta própria, ser mestre de tenda, executando obras sob sua responsabilidade, empregando obreiros, oficiais que trabalham em tenda de outrem, desfrutando salário, e recebendo aprendizes, candidatos que com o mínimo de catorze anos se comprometiam, através de um assinado abonado com fiador, a completar quatro a seis anos de aprendizagem, inscrevendo-se para tal no livro de matrículas de um mestre e não dispondo de salário. Quanto ao desempenho da profissão, apresentavam-se normas sobre as matérias-primas a empregar, qualidades exigidas aos produtos ou artefactos, providências cautelares sobre a concorrência e preceitos acerca da protecção do consumidor contras as fraudes.” 32. Será ainda curioso registar que “Este regulamento-tipo mantém-se sem alterações até ao século XVIII, altura em que na sequência do terramoto de 1755, sobretudo em Lisboa, se promove uma nova reforma de regimentos, dirigida pelo alfaiate Filipe de Campos, juiz da Casa dos Vinte e Quatro. As inovações saldam-se pelo reforço da hierarquia interna do ofício (aprendizagem obrigatória; fixação da duração da aprendizagem e do exercício de mester por conta de outrem; atribuição a cada mestre de apenas uma loja e um aprendiz) e consequente maior peso dos mestres no conjunto da corporação, tendo inspirado toda uma nova série de regimentos (17671791), que se mantêm sem grandes variantes até à extinção das corporações, em 1834.” 33 . Extinção que, numa perspectiva histórica, estará relacionada com o Antigo Regime, rejeitado pelo liberalismo instalado na sociedade portuguesa desde a 32 Idem, ibidem, páginas 158 e 159. 33 Idem, ibidem, página 159. 21 Revolução de 1820, com a sua ideologia individualista e a igualdade de todos perante a Constituição. A aprendizagem mostrava-se assim profundamente arreigada entre os ofícios tradicionais, pretendendo munir o aprendiz dos conhecimentos necessários à realização futura de determinada actividade profissional, caracterizando-se pela ausência do dever de remuneração, e pela indeterminação da duração do período de aprendizagem. Não obstante, o aprendiz poderia auferir uma retribuição, não raro em géneros, alimentação ou em produtos comercializados pelo mestre, o que a suceder tinha carácter meramente voluntário. Era costume no Reino o aprendiz, ou o seu pai quando fosse menor, pagar ao mestre a aprendizagem, em dinheiro e trabalho, ou somente trabalho 34. Era então entendido o contrato de aprendizagem como uma locação recíproca, em que o aprendiz loca os seus serviços ao mestre e este ensina o seu ofício ao aprendiz35. É neste contexto, atenta a desigualdade notória entre as partes contratantes, que o Código Civil de 1867 regulamentou nos artigos 1424.º e seguintes, o contrato de aprendizagem36 estabelecendo o dever de indemnização da parte que incumprir as obrigações contraídas, ou por mau procedimento de uma das partes, determinando também a possibilidade de rescisão do contrato quando o trabalho prestado pelo aprendiz valesse mais do dobro da retribuição que razoavelmente teria de pagar ao mestre, se tivesse pago o ensino em dinheiro, e fixando ainda o limite horário de acordo com a idade do aprendiz37. A verdade, como bem notou Luiz da Cunha Gonçalves, era que o aprendiz, em geral, era menor de idade38. Não obrigava o então Código Civil a 34 Cfr. José Homem Correa Telles, Digesto Portuguez ou Tratado dos Direitos e Obrigações Civis relativos às pessoas de uma família Portugueza, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1846, página 218. 35 Ainda assim, e como refere José Homem Correa Telles, Manual do Tabellião ou Ensaio de Jurisprudencia Eurematica, Lisboa, 1819, página 74, o mestre podia “castigar o aprendiz, mas com moderação, e sem arma. Ord. L. 5. T. 36. §. 1. ainda que o castigue com palmatoria, mas moderadamente, não póde por isso fugir, nem dizer que o Mestre o maltrata. Póde sim fugir-lhe, se lhe não der o alimento necessario; ou o castigar mais severamente do que he de razão; ou se o occupar em outro serviço que o que taes aprendizes costumão fazer; e ainda sobre isso o póde demandar para que lhe pague o serviço que lhe fez.”. 36 Ou contrato de prestação de serviço de ensino, cfr. artigo 1424.º: “Chama-se contrato de prestação de serviço de ensino, ou contracto de aprendizagem, aquelle que se celebra entre maiores, ou entre maiores e menores devidamente auctorizados, pelo qual uma das partes se obriga a ensinar à outra uma industria ou um officio.”. 37 Cfr. artigo 1427.º: “Nenhum aprendiz, antes dos quatorze annos, pode ser obrigado a trabalhar mais de nove horas em cada vinte e quatro; nem, antes dos dezoito, mais de doze.”. 38 Tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil Português, volume VII, Coimbra Editora, Coimbra, 1933, página 754. 22 nenhum dever de forma, pelo que o contrato de aprendizagem podia ser celebrado verbalmente ou por escrito, e mesmo tacitamente39. Quanto à duração, permitia-se a liberdade contratual das partes, aplicando-se o costume na ausência de estipulação. Nada se dizia quanto à remuneração, pelo que o contrato de aprendizagem podia, face ao Código Civil de 1867, ser remunerado ou gratuito. No programa do Partido Republicano Português, em Janeiro de 1891, os problemas do trabalho e as questões laborais relacionadas com a aprendizagem, conflitos, trabalho de menores, etc., são abordados em termos de conveniência de reformas. Assim, e ainda sob a Monarquia, a Carta de Lei de 14 de Agosto de 1889, durante o governo de José Luciano de Castro, instituía os tribunais de árbitros avindores, sendo de relevar que, no artigo 7.º se determinava: «nenhuma controvérsia poderá ser julgada pelos tribunais de árbitros avindores, sem se haver tentado conciliação prévia», enquanto que, no artigo 10.º, «perante os tribunais de árbitros avindores não serão admitidos advogados» 40 . Entre as várias competências dos tribunais de árbitros avindores contava-se, nos termos do artigo 2.º da Carta de Lei a indemnização por não cumprimento do contrato de aprendizagem. As condições de trabalho constituem preocupações para o novo regime republicano. O descanso semanal, o horário de trabalho, a elaboração de um código de trabalho, foram temas de debate do republicanismo: “António José de Almeida, ministro do Interior do Governo Provisório, apresenta em conselho de ministros, em 9 de Janeiro de 1911, dois projectos de lei estabelecendo, o primeiro, o descanso semanal obrigatório e, o segundo, o regulamento das horas de trabalho. O primeiro é aprovado unanimemente e logo em seguida publicado no Diário do Governo. (…) em 7 de Maio de 1919, foi publicado o decreto n.º 5516, que estendia a todo o território do continente e ilhas adjacentes a obrigatoriedade das oito horas de trabalho diário, imediatamente se desencadeou um largo movimento de resistência por parte da classe patronal. Consignava o decreto, no artigo 1.º: «O período máximo de trabalho diário […] não 39 Como bem nota Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, vol II, Coimbra, 1906, página 175. Este, como outros autores na época, entendia que o regime português se deveria aproximar da lei francesa, designadamente procedendo ao pagamento de uma retribuição ao aprendiz, ao estabelecimento de um período de ensaio – hoje designado de período experimental, como referido infra – e ao dever do mestre passar ao menor, no termo do contrato, um certificado constatando o tempo em que o aprendiz o serviu e o género de ofício aprendido. 40 Transcrito por David Ferreira, Trabalho, Leis do, Dicionário de História de Portugal, volume IV, página 185. 23 poderá ultrapassar oito horas por dia, nem quarenta e oito horas por semana», (…). Precisamente naquele imediato mês de Novembro de 1919 estava o problema das oito horas de trabalho, além de outros mais, a ser debatido pela Conferência Internacional do Trabalho, reunida em Washington (…).” 41. O período correspondente ao Estado Novo filia-se no corporativismo de matriz católica, assente no teor das encíclicas papais sobre a questão social, moldando associações patronais, sindicatos e organizações locais. Novos sindicatos e associações patronais integram então a expressão das forças vivas, corporizando o edifício social. O Estatuto do Trabalho nacional desempenha uma função central na afirmação do regime e na legitimação da organização corporativa, acompanhando o modelo de integração social e de representação nacionalista. Quanto ao contrato de aprendizagem, com a entrada em vigor do Código Civil de 1966 42 , este saiu do leque de contratos especialmente regulados pela legislação civil. O legislador de 1966 entendeu que o contrato de aprendizagem não tinha dignidade suficiente para se encontrar particularmente disciplinado na legislação substantiva. Ainda assim, haveria a intenção do legislador disciplinar o contrato de aprendizagem através de regulamentação especial, o que não veio contudo a suceder43. Não obstante o contrato de aprendizagem ter deixado de ser regulado no Código Civil de 1966, continuou a ser utilizado com frequência na prática social, relevando-se um instrumento necessário para mais facilmente obter a integração no mercado de trabalho de todos aqueles cuja formação 41 Idem, ibidem, página 186. 42 O Código Civil foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, tendo entrado em vigor no Continente e ilhas adjacentes no dia 1 de Junho de 1967, à excepção do disposto nos artigos 1841.º e 1850.º, que começaram a vigorar apenas em 1 de Janeiro de 1968, cfr. n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 47 344. 43 Na verdade, em dois diplomas é referida aquela intenção. No primeiro deles, o Decreto-Lei n.º 47 032, de Maio de 1966, que promulgou a regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho, determinava-se no n.º 1 do seu artigo 118.º, sob a epígrafe “Princípio geral”, que enquanto a aprendizagem não fosse objecto de regulamentação especial, a entidade patronal deveria proporcionar aos menores que se encontrassem ao seu serviço condições de trabalhos adequadas à sua idade. No diploma que se seguiu ao Decreto-Lei n.º 47 032, revogando-o, o Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, que aprovou um novo regime jurídico do contrato individual de trabalho, estabelecia-se no n.º 3 do artigo 121.º, sob a epígrafe “Do trabalho de menores”, que o disposto nos n.os 1 e 2 daquele artigo 121.º – relativos ao dever da entidade patronal proporcionar aos menores condições de trabalho adequadas à sua idade, e a exercer sobre aqueles uma acção constante de educação e de formação profissional – não prejudicava o que viesse a ser estabelecido em regulamentação especial quanto à aprendizagem e respectivo contrato. 24 deficiente, ou mesmo inexistente, consubstanciava um obstáculo prático ao desenvolvimento de uma actividade ou à prestação de trabalho subordinado44. Só na década de oitenta, após os adventos da democracia e do período conturbado que se lhe seguiu – pautado também por relevantes alterações à legislação laboral45 – é retomada a regulação da aprendizagem, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 102/84, de 29 de Março, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 436/88, de 23 de Novembro. Contudo, a regulação do contrato de aprendizagem efectuada pelo Decreto-Lei n.º 102/84 sofre uma importante alteração de paradigma face ao seu passado: é admitido pelo legislador que os interesses subjacentes ao regime da aprendizagem ultrapassam os interesses particulares, assumindo uma natureza colectiva. Para tanto, terão contribuído a escassa preparação profissional dos milhares de jovens que anualmente deixavam o sistema oficial de ensino, o que se traduzia em elevadas taxas de desemprego juvenil e na ausência de trabalhadores aptos para o exercício de profissões qualificadas, afectando as empresas e dificultando a modernização da economia. A natureza dos interesses colectivos em causa justificaria, para o legislador, o incentivo à integração sócio-profissional dos jovens, permitindo a celebração de 44 Na verdade, a utilização do contrato de aprendizagem, após a entrada em vigor do Código Civil de 1966, mostrava-se juridicamente admissível face ao disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 47 344, que procedeu à revogação global expressa do Código Civil anterior. Com efeito, aquele preceito, sob a epígrafe “Revogação do direito anterior”, estabeleceu que: “Desde que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência.”. Ou seja, de acordo com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 47 344, só foram revogadas as matérias que o novo Código Civil abrangia, pelo que não sendo o contrato de aprendizagem regulado no Código Civil de 1966, podia entender-se que as regras relativas a este contrato, constantes do Código Civil de 1867, permaneceram em vigor, por não terem normas equivalentes no novo Código. No sentido de que o Código Civil de 1867 não foi totalmente revogado, veja-se Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 10.º Edição, livraria Almedina, Coimbra, 1997, página 306. 45 É do período posterior ao 25 de Abril de 1974 que data o Decreto-Lei n.º 292/75, de 16 de Junho, o qual entre outras soluções, procedeu à suspensão da faculdade de fazer cessar o contrato de trabalho, por decisão unilateral, que o regime jurídico do contrato de trabalho reconhecia às entidades patronais, cfr. artigo 21.º daquele diploma. É também posterior ao 25 de Abril de 1974, o Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, que revogou o capítulo vi do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, e regulou a matéria da cessação do contrato de trabalho, rodeando o despedimento das cautelas suficientes para que o mesmo fosse possível apenas em situações muito especiais, fazendo-o depender de justa causa e da averiguação desta em processo disciplinar. Foram ainda publicados neste contexto político e social, entre outros diplomas, o Decreto-Lei n.º 84/76, de 28 de Janeiro, e o Decreto-Lei n.º 841-C/76, de 7 de Dezembro, ambos procedendo à alteração do Decreto-Lei n.º 372-A/75, proibindo, o último daqueles diplomas os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Salienta-se que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 11 de Abril de 1980, Boletim do Ministério da Justiça, 296.º, página 144, entendeu, e bem, que o Decreto-Lei n.º 372-A/75 não era aplicável ao contrato de aprendizagem. 25 contratos de aprendizagem46 e instituindo uma atitude interventiva do Ministério do Trabalho e Segurança Social, a quem incumbia acompanhar e fiscalizar a aprendizagem ministrada. Em contrapartida, aquele Ministério prestava apoio técnico e financeiro às empresas que recorressem ao contrato de aprendizagem. Iniciou-se assim, com o Decreto-Lei n.º 102/84, um caminho ainda hoje vigente: o contrato de aprendizagem entre particulares podia ser validamente celebrado, de acordo com modelo aprovado pelo Estado, reduzido a escrito, sendo o aprendiz remunerado, através de uma bolsa de formação, apoiada financeiramente pelo Estado. Os diplomas subsequentes ao DecretoLei n.º 102/84, o Decreto-Lei n.º 205/96, de 25 de Outubro, e posteriormente a Portaria n.º 1497/2008, de 19 de Dezembro, partilharam com aquele estes elementos. Ainda nos anos 80 do século passado, o aumento exponencial de jovens licenciados, com os inerentes e desenvolvidos conhecimentos teóricos, mas com evidente escassez, quando não total ausência de conhecimentos práticos de trabalho levou algumas empresas a permitirem, a alguns daqueles jovens qualificados, obterem o saber que lhes faltava, permitindo o seu acolhimento na organização. Nascia o contrato de estágio. Em 25 de Junho de 2008 foi celebrado o acordo tripartido para um novo sistema de regulação das relações laborais, das políticas de emprego e da protecção social, entre o Governo e a maioria dos parceiros com assento na Comissão Permanente de Concertação Social. Nesse acordo ficou consignada, em sede do combate à precariedade ilegal e à redução da precariedade legal, a proibição da realização de estágios profissionais extra-curriculares não remunerados, bem como o dever de serem regulados legalmente os estágios obrigatórios para acesso a profissões, para evitar a prática de trabalho dissimulado. Não obstante o disposto no acordo tripartido, só através do artigo 146.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro – que aprovou o Orçamento do Estado para 2011 – foi concedida ao Governo a autorização legislativa para a regulação dos estágios profissionais. No uso daquela autorização legislativa, foi publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 106, de 1 de Junho de 2011, o Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de 46 O contrato de aprendizagem era definido no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 102/84 como aquele pelo qual uma empresa, reconhecida como qualificada para esse fim, se comprometia a assegurar, em colaboração com outras instituições, a formação profissional do aprendiz, ficando este obrigado a executar as tarefas inerentes a essa formação. De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei 102/84, o contrato de aprendizagem não consubstanciava um vínculo laboral. 26 Junho, que estabeleceu as regras a que deve obedecer a realização de estágios extracurriculares. 27 3. O CONTRATO DE ESTÁGIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS 3.1 NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA A Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, alterada pelas Leis Constitucionais n.os 1/82, de 30 de Setembro, 1/89, de 8 de Julho, 1/92, de 25 de Novembro, 1/97, de 20 de Setembro, 1/2001, de 12 de Dezembro e 1/2004, de 24 de Julho, é uma lei hierarquicamente superior, que constitui o vértice do ordenamento jurídico nacional, à qual todas as normas jurídicas se acham subjugadas. Enquanto lei hierarquicamente superior, importa por isso saber em que medida o contrato de estágio se encontra sujeito às normas jurídicas consagradas na Lei Fundamental. Não obstante o vasto âmbito das matérias constitucionais, a verdade é que nenhum preceito da Lei Fundamental se refere expressamente ao contrato de estágio. Ainda assim, nem por isso se pode dizer que os preceitos constitucionais não sejam aplicáveis à relação privada estabelecida por força do contrato em análise. Enquanto lei hierarquicamente superior no ordenamento jurídico português, em sentido de todas as leis e normas jurídicas, em geral, se acharem submetidas à Constituição da República Portuguesa47, o contrato de estágio tem de se conformar com os os preceitos da Lei Fundamental. Entre os preceitos constitucionais relevantes, encontra-se desde logo o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º e inserido sistemáticamente no Título I, Princípios Gerais, da Parte I, Direitos e deveres fundamentais. Determina o seu n.º 1 que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Já o n.º 2 do mesmo preceito estabelece que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. O princípio da igualdade traduz-se no dever de tratar de forma igual o que é igual, e de modo desigual o que não é igual, não significando portanto uma igualdade absoluta em 47 Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, página 57. 28 todas as circunstâncias, ao mesmo tempo que não proíbe um tratamento diferenciado, desde que este seja materialmente fundado, não se baseie num qualquer motivo indicado no n.º 2, do artigo 13.º da Constituição, e conquanto essa diferenciação tenha um fim legítimo e se revele necessária, adequada e proporcional48 49. Trata-se antes de mais, de um limite aos poderes do Estado, consubstanciando-se num modo de controlar o legislador ordinário e obstar à prepotência legislativa50, impondo que todos devam ser considerados iguais perante o ordenamento jurídico. Valendo contra o Estado, o artigo 13.º da Constituição pode já não valer entre privados51, e assim, entre as partes num contrato de estágio, uma vez que este princípio cede perante outros como a autonomia privada e a livre prossecução de interesses próprios. Só assim não será quando estejam em causa direitos de personalidade52 53, e quando este princípio resulte de concretização legislativa, seja essa densificação constitucional54, ou ordinária, valendo então quando 48 O sentido juridicamente vinculante do princípio da igualdade tem sido explicitado em vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional. Neste sentido pode ver-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 186/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º volume, página 383 (também disponível em www.tribunalconstitucional.pt): “Princípio de conteúdo pluridimensional, postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. Numa fórmula curta, a obrigação da igualdade de tratamento exige que «aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade”. 49 Por conseguinte, são admitidas diferenciações de tratamento, desde que fundamentados à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais. 50 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de Junho de 2010, processo 96/09.0TVLSBA.L2-8, sumários em www.dgsi.pt. 51 Este é o entendimento de Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Almedina, 1999, página 163, que defende que um particular “poderá arbitrariamente, escolher contratar com uma outra pessoa, sem justificações igualitárias, salvo particulares limites impostos no caso concreto pela boa fé ou pelos bons costumes. Já não assim para Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1998, página 216, 223 e 224, que pugnando pela aplicação do princípio da igualdade entre privados, reconhece contudo que a sua aplicação pode variar de intensidade. Também José João Abrantes, Contrato de trabalho e direitos fundamentais, Coimbra Editora, 2005, página 137, defende a aplicabilidade do princípio da igualdade nas relações recíprocas dos indivíduos, quando as partes estejam numa situação de desequilíbrio real entre si, exemplificando com os entes económicos em situação de monopólio, seja ele de facto ou de direito. 52 Neste sentido José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª Edição, Almedina Novembro de 2011, página 268 e seguintes, e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1983, página 72 e seguintes. 53 É o que sucederia caso fosse celebrado entre privados um contrato de escravatura (exemplo colhido em Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, página 338. 54 É o que sucede relativamente a alguns direitos dos trabalhadores, cfr. n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa. 29 imposto por uma determinada disposição. Ou seja, o princípio da igualdade não deverá em regra, e por si só, ter aplicação entre privados, em ordem à liberdade geral de que beneficiam os privados, o que já não deverá suceder quando uma discriminação determine uma violação dos direitos de personalidade, ou quando um preceito concreto determine que seja observada uma igualdade de tratamento. Assim, e no que ao contrato de estágio diz respeito, atenta a relação estabelecida entre as partes, predominantemente pessoal, deve admitir-se a livre escolha do estagiário, podendo considerar-se lícita a exclusão de certas pessoas. Outros preceitos constitucionais com interesse para a matéria em análise são os direitos liberdades e garantias, consagrados no Título II da Parte I, nos artigos 24.º a 57.º da Constituição da República Portuguesa. Estes preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, por imposição do n.º 1 do artigo 18.º da Constituição. Significa isto que os preceitos respeitantes aos direitos, liberdades e garantias não são meras normas programáticas, valendo não só frente ao Estado como nas relações entre particulares. Nos termos do n.º 1 do artigo 24.º da Constituição, a vida humana é inviolável, sendo este o primeiro dos direitos fundamentais55 consagrados56. Significa isto que, quer aquele que faculta a formação, desde que constitua uma pessoa física, quer o formando ou estagiário, têm assegurada pela Constituição da República Portuguesa a protecção da vida humana, em termos de não poder ser privado da vida. Corolário deste direito fundamental é que não se admite a pena de morte, como estatuíndo o n.º 2 do mesmo artigo 24.º: “Em caso algum haverá pena de morte.”. Por efeito deste preceito não pode o formador atentar contra a vida do formando ou estagiário procurando puni-lo com a 55 Sobre o conceito de direitos fundamentais vide Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1998, página 7, e do mesmo autor Direitos Fundamentais Introdução Geral, Lisboa 1999, página 11: “Por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas subjectivas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material”. 56 Note-se que os direitos fundamentais não se restringem ao elenco compreendido na Parte I da Constituição da República Portuguesa, nos seus artigos 12.º a 79.º. Não só existem outros preceitos constitucionais que consagram direitos fundamentais, como nada veda que normas de direito ordinário atribuam direitos equiparados aos constantes de normas constitucionais, cfr. n.º 1 do artigo 16.º da Constituição da República Portuguesa, que determina que: “Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.”. Neste sentido José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa de 1976, 2.ª edição, Almedina, Novembro 2001, página 71. 30 morte, não dispondo o formador da vida daquele que recebe formação. O bem juridicamente protegido é a vida. Este direito fundamental, como outros, está desde logo estreitamente relacionado com o princípio da dignidade da pessoa humana, que é um princípio estruturante da Constituição da República Portuguesa57 e matriz de vários direitos constitucionalmente consagrados. Desta conexão permite-se inferir que a protecção da vida exige que seja assegurada a sobrevivência, garantindo-se as circunstâncias que permitam um limite mínimo de subsistência. O próprio Tribunal Constitucional tem vindo a reconhecer a garantia do direito a uma sobrevivência minimamente condigna ou a um mínimo de sobrevivência58, garantia que incumbe ao próprio Estado. Neste sentido, veja-se os n.os 1, 2 e 3 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos dos quais se consagra que todos têm direito à segurança social, incumbindo ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social, sistema este que protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. Cabendo ao Estado a salvaguarda de uma sobrevivência minimamente condigna, significa que não ofende a Lei Fundamental a relação de formação que não pressuponha o pagamento ao formando de uma remuneração por parte daquele que ministra ou faculta a formação. Outro direito fundamental relevante é o direito à integridade pessoal. Consagrado no artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa enquanto direito, liberdade e garantia, aí se consagra, no n.º 1, que: “A integridade moral e física das pessoas é inviolável.”. A protecção da integridade pessoal é assim constituída por dois elementos, a integridade física, e a integridade moral, o que significa que quer a pessoa, física, que faculte a formação, quer aquele que dela beneficia, têm direito a não serem ofendidos fisicamente, não lhes podendo pessoalmente ser infligidos maus tratos, ofensas corporais etc., bem como moralmente, não podendo ser sujeitos a humilhações ou vexames. Proibe-se assim o assédio59, porquanto este consubstancia uma ofensa à integridade. 57 Neste sentido dispõe desde logo o artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana”. 58 Vide, por todos, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/05, Processo n.º 238/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 59 O n.º 1 do artigo 29.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro estabelece a definição de assédio, entendendo-se este como o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado no acesso à formação, ou na própria formação, com o 31 O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a tutela da integridade pessoal está umbilicalmente ligada à consagração constitucional absoluta da dignidade da pessoa humana, sendo o sono e o repouso essenciais à vida, não só na vertente da saúde, mas também da própria existência física60. Significa isto que o formando ou estagiário deve beneficiar de períodos de descanso que permitam a sua recuperação física e psíquica. O direito à integridade pessoal tem mesmo tutela penal. Com efeito, e a título exemplificativo, o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, contém um extenso capítulo, o Capítulo III, do Título I, do Livro II, artigos 143.º a 152.º-B, dedicado aos crimes contra a integridade física. Já o n.º 2 do artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa determina que: “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.”, concretizando a protecção da integridade pessoal, explicitando que a tortura, seja ela física ou psíquica, é proibida, bem como o tratamento cruel, degradante ou desumano61. Em termos práticos, o formando ou estagiário não poderá pois ser agredido fisicamente por aquele que lhe ministra formação, proibindo-se igualmente que seja sujeito a humilhação. No n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Outros direitos pessoais”, consagra-se que: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. Não obstante o assédio ser facilmente reconhecido enquanto assédio sexual, a verdade é que o assédio não se esgota no assédio sexual, tendo, contráriamente, um âmbito mais vasto. Abrange por isso todo o comportamento não pretendido, sob a forma verbal, não verbal ou física, quer este tenha o objectivo de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, quer, não tendo esse objectivo, gere o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. Frequentemente, trata-se de um conjunto de situações que separadamente poderiam até não ter relevo jurídico, mas que pelo seu carácter reiterado são aptas a atingir um objectivo ou a produzir um efeito em outrém, que não é por este último pretendido. 60 Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Abril de 1977, Boletim do Ministério da Justiça, 266.º, página 168, de 13 de Setembro de 2007, processo n.º 07B2198, de 02 de Julho de 2009, processo n.º 09B0511, de 08 de Abril de 2010, processo n.º 1715/03TBEPS.G1.S1, estes últimos referidos no Acórdão daquele mesmo tribunal, de 19 de Outubro de 2010, processo n.º 565/1999.L1.S1, sumários em www.dgsi.pt. 61 O n.º 3 do artigo 243.º do Código Penal estabelece que se considera “tortura, tratamento cruel, degradante ou desumano, o acto que consista em infligir sofrimento físico ou psicológico agudo, cansaço físico ou psicológico grave ou no emprego de produtos químicos, drogas ou outros meios, naturais ou artificiais, com intenção de perturbar a capacidade de determinação ou a livre manifestação de vontade da vítima.”. 32 cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.”. Preocupou-se o legislador constitucional em assegurar a protecção dos direitos de personalidade, compilando numa única norma nove direitos diferentes. O direito à identidade pessoal pressupõe que cada pessoa possa ter um nome, utilizá-lo e protegê-lo, opondo-se a que outrem o use ilicitamente. O direito ao desenvolvimento da personalidade subentende o direito à formação da personalidade, que deve ser livre, em termos de permitir a cada pessoa incrementar a sua consciência, a sua individualidade, sem ingerências de terceiros, e gozando para tanto de autonomia. O direito ao bom nome e reputação significa que todos têm direito à honra e consideração, em termos de as mesmas não deverem ser lesadas. Este direito é aplicável às pessoas colectivas, cfr. n.º 2 do artigo 12.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza. O direito à imagem pressupõe o direito pessoal a não ser utilizada a imagem sem o consentimento do próprio, não se permitindo, por exemplo, que o retrato de uma pessoa seja exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem a autorização da pessoa retratada. O meio utilizado não releva. Já se admite a utilização da imagem quando a notoriedade, o cargo desempenhado ou a reprodução da imagem estiver enquadrada num lugar público ou em eventos com interesse público. Significa isto que o estagiário não poderá ser fotografado por aquele que lhe ministra a formação e posteriormente divulgar a imagem sem o consentimento do primeiro. O direito à palavra subentende o direito a não ser utilizada a palavra ou voz sem o consentimento do próprio. Já se admite a utilização da palavra quando a notoriedade, o cargo desempenhado ou a reprodução da voz estiver enquadrada num lugar público ou em eventos com interesse público. Permite-se assim que seja utilizada a voz de um estagiário quando este num evento público faz a defesa do programa de formação que lhe foi ou será ministrada, a terceiros. O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar postula que nenhuma das partes no contrato de estágio – a que ministre o estágio ou aquele que recebe a formação, o estagiário – tenha acesso ou divulgue informações da contraparte relativas à sua esfera íntima e pessoal, designadamente relacionadas com a vida familiar, com a vida afectiva, com a vida sexual, com o estado de saúde e com as 33 convicções políticas e religiosas. Como tal, não poderá, em princípio, ser exigido ao formando ou estagiário a realização de testes ou exames médicos, sejam eles para comprovação das condições físicas ou das condições psíquicas. Infra analisaremos se existe alguma excepção à proibição de realização de testes e exames médicos. Ainda quanto ao direito fundamental de reserva da intimidade da vida familiar deve referir-se a existência de outros dois direitos fundamentais que decorrem do primeiro: a inviolabilidade do domicílio e da correspondência, consagrado no artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa, e a interdição de utilização da informática, ou de ficheiros manuais, para tratamento de dados referentes a vida privada, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação, ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis, consagrado nos n.os 3 e 7 do artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa. Voltaremos a estes preceitos. Por fim, importa mencionar que a protecção da intimidade da vida privada e familiar é também assegurada pelo disposto nos artigos 192.º e 195.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro62 63. O n.º 1 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa consagra que todos têm direito à liberdade e à segurança. Já o n.º 2 do mesmo preceito constitucional estabelece que: “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.”, privação da liberdade esta que tem não só as limitações impostas por esta norma, como as que resultam do n.º 3 daquele artigo 27.º, que excepciona os casos em que a lei ordinária pode admitir a privação64. O sentido do preceito constitucional que estatui o direito à 62 Determina o n.º 1 do artigo 192.º do Código Penal, sob a epígrafe “Devassa da vida privada” que: “Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual: a) Interceptar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de correio electrónico ou facturação detalhada; b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos; c) Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado; ou d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa; é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.”. 63 Estabelece o artigo 195.º do Código Penal, sob a epígrafe: “Violação de segredo”, que: “Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.”. 64 Estatui o n.º 3 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa que: “Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes: 34 liberdade e à segurança é, no que se refere ao primeiro destes direitos, permitir a independência de circulação, o livre trânsito, a liberdade física65, em termos de qualquer pessoa só poder ser privada da liberdade e limitada a um espaço físico nas situações tipicamente previstas na Constituição, e na lei que àquela se tem de submeter. Trata-se da liberdade física de "ir e vir" da pessoa que está em causa, compreendida de acordo com o consagrado no artigo 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Esta é jurisprudência constante do Tribunal Constitucional66. O direito à liberdade e segurança é mais um direito fundamental pessoal, não sendo extensível às pessoas colectivas. Assim, o estagiário ou a pessoa singular que faculte o estágio não poderá ser privada da liberdade de movimentos, retida num determinado lugar, senão nas situações referidas, quer por autoridades públicas, quer pela contraparte, quando tal faculdade lhe assista67. Sendo a liberdade um direito fundamental, importa analisar se este não abrange a liberdade contratual, ou seja, a faculdade dos particulares celebrarem livremente os contratos que lhes aprouver, dentro dos limites da lei, como permitido pelo n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil. Em causa não está a possibilidade de alguém ser compelido a celebrar determinado contrato, porquanto a ninguém pode ser imposto um a) Detenção em flagrante delito; b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos; c) Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão; d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente; e) Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente; f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente; g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários; h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.”. 65 Assim entendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, página 478 e seguintes. 66 Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 479/94 e 663/98, publicados no Diário da República, I Série-A, de 29 de Agosto de 1994, e II Série, de 15 de Janeiro de 1999, respectivamente e disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt. 67 O artigo 255.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, determina que não só uma qualquer autoridade judiciária ou entidade policial, mas também qualquer pessoa, pode proceder à detenção de outra, em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão, se nenhuma daquelas entidades estiver presente, nem puder ser chamada em tempo útil, devendo em tal caso entregar imediatamente o detido a uma autoridade judiciária ou entidade policial. Nos termos do n.º 4 do artigo 255.º, tratando-se contudo de crime cujo procedimento dependa de acusação particular, não há lugar a detenção em flagrante delito, mas apenas à identificação do infractor. 35 contrato contra a sua vontade, face ao direito à integridade pessoal – previsto no artigo 25.º da Constituição – mas antes saber se a liberdade referida no n.º 1 do artigo 27.º da Constituição tem apenas o seu campo de aplicação no âmbito dos direitos penal e processual penal, não tendo qualquer reflexo no domínio da liberdade contratual. O Tribunal Constitucional tem sido avesso a considerar que a liberdade contratual se inclua na esfera da protecção normativa do n.º 1 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa. Tem entendido este Tribunal que não está acolhido constitucionalmente o direito à liberdade em geral, mas sim os direitos que se englobam neste direito, considerando que o escopo da norma se limita a garantir a liberdade física68 69. Sem prejuízo do que vem sendo o entendimento constante da jurisprudência do Tribunal Constitucional, este poderia, em nosso entender, ir mais longe na sua argumentação. Com efeito, não se nega que a liberdade individual 70 resulte genericamente do texto constitucional. Não obstante, a afirmação de um direito fundamental – no caso tratar-se-ia de assumir a liberdade contratual como um destes direitos, atendendo apenas ao elemento literal de uma norma olvidando a unidade do sistema jurídico – tem por efeito admitir que se possa exigir ao Estado a protecção jurídica dos bens tutelados pela norma que o consagre. Entender a liberdade contratual como um direito fundamental teria por consequência aceitar que o Estado não pudesse cumprir uma das suas principiais funções, legislar, regulando a vida em sociedade, e no limite esgotar os tipos contratuais, o que a reconhecer-se corresponderia a uma contradição nos seus próprios termos. No artigo 34.º, a Constituição da República Portuguesa consagra enquanto direito fundamental, a inviolabilidade do domicílio e da correspondência. Estabelece este preceito constitucional, sob a epígrafe “Inviolabilidade do domicílio e da correspondência”, que: “1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios 68 Vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/01, processo n.º 666/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 69 Assim entendem também Gomes Canotilho e Vital Moreira, que defendem que direitos como a liberdade contratual e a autonomia privada se incluem no âmbito normativo da liberdade ao desenvolvimento da personalidade, consagrada no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, obra citada, página 465. 70 A alínea d) do n.º 2 do artigo 67.º da Constituição da República Portuguesa refere-a expressamente, ao estabelecer que: “Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família garantir, no respeito da liberdade individual, o direito ao planeamento familiar, promovendo a informação e o acesso aos métodos e aos meios que o assegurem, e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes.”. 36 de comunicação privada são invioláveis. 2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei. 3. Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei. 4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.”. A inviolabilidade do domicílio e da correspondência acolhida pela Lei Fundamental, decorre de um outro direito fundamental de natureza pessoal que é também protegido pela Constituição da República Portuguesa, a reserva da intimidade da vida privada e familiar, cfr. n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa. Nos termos do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa assegura-se a protecção do domicílio, ou seja, o lugar onde se habita, independentemente deste constituir o centro principal da vida do cidadão – o lugar da residência habitual71 – ou tão somente o lugar secundário, como uma segunda residência de veraneio, abrangendo ainda o domicílio profissional, ou seja, o lugar onde exerce uma profissão. Significa isto que o estagiário goza de protecção no seu domicílio. Em decorrência do artigo 34.º da Lei Fundamental, o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro prevê, no seu artigo 190.º 72, a punição como crime da violação de domicílio. Tratando-se de um direito pessoal, a inviolabilidade do domicílio não é aplicável às pessoas colectivas, cfr. n.º 2 do artigo 12.º da Constituição da República Portuguesa, de 71 Entendeu o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23 de Junho de 1988, Boletim do Ministério da Justiça, 378.º, página 309 que: “O local de residência de uma pessoa singular é aquele onde ela tem o centro da sua vida e onde, normalmente, vive e permanece, a ele regressando após uma eventual ausência breve ou mesmo mais prolongada”. 72 Estabelece o artigo 190.º do Código Penal, sob a epígrafe: “Violação de domicílio ou perturbação da vida privada”, que: “1 – Quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois de intimado a retirar -se é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias. 2 – Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel. 3 – Se o crime previsto no n.º 1 for cometido de noite ou em lugar ermo, por meio de violência ou ameaça de violência, com uso de arma ou por meio de arrombamento, escalamento ou chave falsa, ou por três ou mais pessoas, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”. 37 acordo com o qual as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza. O âmbito normativo do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa abrange ainda o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada. Acham-se assim incluídos na protecção conferida pelo n.º 1 deste artigo 34.º não só as cartas enviadas ou recebidas, como as mensagens recebidas ou enviadas através do telefone, escritas ou verbais, bem como as mensagens de correio electrónico, e ainda quaisquer outras mensagens enviadas ou recebidas, independentemente do meio tecnológico em causa, que tenham carácter pessoal. A mais, a protecção conferida pela inviolabilidade da correspondência é aplicável independentemente da propriedade dos meios utilizados. Em termos exemplificativos, a celebração de um contrato de estágio que faculte ao estagiário a utilização de meios da organização onde se encontra a receber a formação, não constitui fundamento bastante para que a entidade que faculte o estágio possa aceder ao conteúdo das mensagens privadas enviadas ou recebidas pelo formando. Importa ainda referir o n.º 4 do artigo 34.º, porquanto, e em acréscimo ao sigilo da correspondência, se proíbe, em princípio, a ingerência na correspondência, o que significa que é não só vedado perturbar o curso normal da correspondência – detenção da correspondência – como a intromissão na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação – por exemplo a escuta de chamadas telefónicas, proibida, em regra, pelo n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 69/98, de 28 de Outubro. O artigo 194.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro prevê e pune a violação de correspondência ou de telecomunicações73. Outros direitos fundamentais relevantes encontram-se consagrados no n.º 1 do artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa, aí se prevendo que todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam. O progresso tecnológico trouxe uma massificação da utilização dos meios informáticos, sendo corrente a constituição das 73 Estabelece o artigo 194.º do Código Penal, sob a epígrafe: “Violação de correspondência ou de telecomunicações”, que: “1 – Quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias. 2 — Na mesma pena incorre quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicação ou dele tomar conhecimento. 3 — Quem, sem consentimento, divulgar o conteúdo de cartas, encomendas, escritos fechados, ou telecomunicações a que se referem os números anteriores, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.”. 38 mais variadas bases de dados, as quais contém dados pessoais, para realização de tarefas tão rotineiras como o processamento salarial. Do escopo normativo do n.º 1 resulta desde logo que todos os cidadãos, ao terem acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, deverão ser informados previamente à criação de dados informatizados que os seus próprios dados constarão desse registo. Mostra-se, pois, necessário que pretendendo-se tratar informaticamente dados do formando, este seja informado de semelhante tratamento. O n.º 3 do mesmo preceito da Lei Fundamental determina que a informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis. Sendo tratados dados pessoais fora dos casos referidos, devem os mesmos ser eliminados, sendo este um direito que assiste ao seu titular. A importância da protecção dos dados referidos no n.º 3 do artigo 35.º da Constituição justifica que o artigo 193.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro preveja e puna a devassa por meio de informática74. Refira-se ainda que no n.º 4 do artigo 35.º se estabelece a regra de que é proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei, procurando-se com esta norma assegurar que não sejam obtidos dados pessoais sem o conhecimento do seu titular, ao mesmo tempo que se aponta no sentido de que os dados pessoais devem ser acondicionados com recurso a técnicas de segurança que impeçam o seu acesso a quem não lhe é lícito tê-lo. Evidenciando uma protecção que já se encontrava coberta pelo n.º 4 do mesmo preceito constitucional, o legislador esclareceu no n.º 7 do artigo 35.º que os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos números anteriores daquele preceito. O n.º 1 do artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que: “Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.”. Significa isto que a Lei Fundamental erige à categoria de direito 74 Sob a epígrafe: “Devassa por meio de informática”, estabelece o n.º 1 do artigo 193.º do Código Penal que: “Quem criar, mantiver ou utilizar ficheiro automatizado de dados individualmente identificáveis e referentes a convicções políticas, religiosas ou filosóficas, à filiação partidária ou sindical, à vida privada, ou a origem étnica, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.” O n.º 2 do mesmo artigo 193.º determina que a tentativa é punível. 39 fundamental o direito a constituir família, o que abrange o direito a ter filhos, e a liberdade de contrair casamento, em termos de cada um poder optar por casar-se ou não, e fazendo-o, poder escolher o nubente. A relevância do n.º 1 do artigo 36.º no âmbito do contrato de estágio prende-se com a impossibilidade de ser inserida uma cláusula naquele contrato em sentido do estagiário não poder contrair casamento ou não poder constituir família, bem como na inadmissibilidade de ser publicado um anúncio de oferta de estágio em que o estado de solteiro ou solteira é condição para acesso ao mesmo. Estatui o n.º 1 do artigo 37.º da Lei Fundamental, sob a epígrafe: “Liberdade de expressão e informação”, que: “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.”. Já o n.º 2 daquele mesmo preceito constitucional determina que: “O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.”. No n.º 1 daquele artigo 37.º consagram-se dois direitos fundamentais: o direito de expressão do pensamento e o direito de informação. Admite-se por isso que um estagiário possa exprimir, no local onde realiza o estágio, a sua preferência por determinada ideologia, clube futebolístico, religião, etc.. A liberdade de expressão pode simplesmente manifestar-se sob a configuração de silêncio, ou seja, não pode exigir-se que alguém expresse o seu pensamento. Por sua vez, o direito de informar, de se informar e de ser informado decompõe-se no direito de comunicar ou difundir informação, no direito a adquirir ou obter pelos seus próprios meios informação, e no direito a receber de outros informação. A parte final do n.º 1 do artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa menciona “sem impedimentos nem discriminações”, o que poderia suscitar a dúvida se, quer o direito de expressão do pensamento, quer o direito de informação, não têm limitações. A verdade é que qualquer um daqueles direitos poderá ser coarctado por respeito a outros direitos fundamentais75. A título exemplificativo, e no que se refere ao 75 É vasta a jurisprudência que admite restrições ao direito de expressão e informação. Neste sentido, veja-se, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Junho de 2009, processo n.º 159/09.1YFLSB, sumários em www.dgsi.pt: “Ainda que constituindo o direito à liberdade de expressão um pilar essencial do Estado de Direito democrático, o certo é que esse direito não pode ser exercido com ofensa de outros direitos, designadamente o direito ao bom nome e reputação, direito de igual dignidade e idêntica valência normativa. 2. Assumindo estes dois direitos consagração e protecção constitucional, é difícil estabelecer uma ordem hierárquica entre eles, pelo menos em abstracto. Essa ordem deve antes 40 direito de informação, ao estagiário que se encontre a receber formação numa empresa não será permitido invocar o artigo 37.º da Lei Fundamental para obter informação qualificada como confidencial76 ou mesmo informação relativa à gestão da organização, como a sua situação contabilística77 pois tais elementos encontram-se abrangidos pelo direito de iniciativa privada, e da propriedade privada, constitucionalmente reconhecidos78. Ou seja, no âmbito da organização em que o estagiário se há-de necessariamente inserir para receber a formação, é-lhe reconhecida a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião. Contudo, esta liberdade não é plena, no sentido que deverá respeitar os direitos de personalidade quer dos trabalhadores que eventualmente prestem o seu trabalho na organização, quer de outros estagiários, da própria organização onde por força do contrato de estágio se encontra incluído, quer ainda de terceiros que se relacionem com a organização. Justifica-se este regime porquanto o estagiário não deixa de ser um cidadão, ao mesmo tempo que não perde a sua dignidade enquanto pessoa humana, mantendo em princípio após a celebração do contrato de estágio todos os seus direitos enquanto tal. No n.º 1 do artigo 41.º da Constituição da República Portuguesa, ao estabelecerse que: “A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.”, consagram-se três direitos fundamentais. Trata-se de mais uma manifestação da ordem constitucional fazer-se sopesando as circunstâncias concretas de cada caso, e com base em princípios de adequação e proporcionalidade em ordem à salvaguarda de cada um dos direitos.”. 76 Nos termos do n.º 3 do artigo 412.º e do n.º 1 do artigo 413.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, permite-se que haja informação qualificada pela empresa como confidencial, podendo ser considerada como tal a informação cuja natureza seja susceptível de prejudicar ou afectar gravemente o funcionamento da empresa ou do estabelecimento. 77 Esta informação encontra-se circunscrita, em princípio, aos órgãos de gestão das empresas, bem como à Comissão de Trabalhadores, quando exista, tendo até um âmbito mais vasto, cfr. n.º 1 do artigo 424.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, para que esta última possa exercer o controlo da gestão da empresa, nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 54.º da Constituição da República Portuguesa, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 423.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Já poderá a informação contabilística ser do conhecimento público quando se encontrar em informação semestral e/ou relatório e contas anuais, de entidades emitentes de acções e de valores mobiliários, nos termos dos artigos 245.º e 246.º do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro. 78 Cfr. n.º 1 do artigo 61.º, no n.º 1 do artigo 86.º e n.º 1 do artigo 62.º, todos da Constituição da República Portuguesa. Os direitos de iniciativa privada e de propriedade privada, constituem direitos fundamentais de natureza análoga, cfr. artigo 17.º in fine da Constituição, os quais vinculam, quer as entidades públicas, quer as privadas (n.º 1 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa), só podendo ser restringidos ou comprimidos nos casos expressamente nela previstos, devendo as restrições limitarem-se ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (n.º 2 do mesmo artigo 18.º). 41 como ordem alicerçada numa ideia de auto-determinação individual. A liberdade de consciência pressupõe que ninguém deve ser constrangido a proceder em desacordo com o seu modo de pensar e os seus valores éticos. A liberdade religiosa 79 subentende o direito de cada um a professar uma religião, ou a não ter qualquer devoção. Já a liberdade de culto consiste na faculdade de praticar os actos de adoração da religião adoptada. O n.º 2 daquele artigo 41.º da Lei Fundamental determina que: “Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa.”, o que torna esta norma uma aclaração do princípio da igualdade. Ao abrigo da liberdade de consciência ao estagiário não podem ser impostas convicções que afectem as suas, beneficiando este da liberdade necessária para escolher os seus próprios valores e actuar de acordo com estes. No âmbito do contrato de estágio, a liberdade de consciência releva sobretudo relativamente às organizações de tendência, significando que estas organizações, sejam elas políticas, religiosas, ou outras, deverão salvaguardar o foro individual do estagiário. No que se refere à liberdade de religião, deve ainda atender-se ao disposto no n.º 3 do artigo 41.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder. Esta norma, como as demais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, é também directamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas (n.º 1 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa), pelo que fora da hipótese de recolha de dados estatísticos, não pode o estagiário ser questionado acerca das suas convicções ou prática religiosa. Por fim, e no que à liberdade de consciência, de religião e de culto diz respeito, deve ter-se em conta o estabelecido na Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho, Lei da Liberdade Religiosa, alterada pelas Leis n.os 91/2009, de 31 de Agosto, 3-B/2010, de 28 de Abril, e 55-A/2010, de 31 de Dezembro, Lei esta que vem dar concretização ao comando constitucional decorrente do artigo 41.º da Constituição da República Portuguesa. Nos termos da alínea c) do artigo 10.º da Lei n.º 16/2001, a liberdade de 79 Sobre a liberdade religiosa vide Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1998, página 355 e seguintes. 42 religião e de culto compreende o direito de, de acordo com os respectivos ministros do culto e segundo as normas da igreja ou comunidade religiosa escolhida, comemorar publicamente as festividades religiosas da própria religião, reconhecendo-se assim o direito de também o estagiário gozar os feriados religiosos da respectiva confissão, ainda que esses feriados sejam diferentes dos feriados legais80. De acordo com o n.º 1 do artigo 42.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe: “liberdade de criação cultural”, consagra-se que é livre a criação intelectual, artística e científica, liberdade esta que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito constitucional compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor. A liberdade de criação cultural encontra-se em estreita conexão com a liberdade de expressão, prevista no artigo 37.º da Lei Fundamental, porquanto aquela não existe sem esta. Com efeito, sem liberdade de expressão e sem liberdade de divulgação do fruto da criação, não há liberdade de criação, não podendo esta liberdade ser impedida ou limitada por qualquer tipo ou forma de censura, nos termos do n.º 2 daquele preceito constitucional, o artigo 37.º. A liberdade de criação cultural abrange a protecção legal dos direitos de autor, que se acha regulada no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março81. No que ao estágio diz respeito, poderá no seu decorrer ser criada uma obra, pelo que se impõe aferir de quem é a titularidade do direito de autor. Em regra, o direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário, nos termos do artigo 11.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. Não obstante, há uma norma específica para os casos excepcionais previstos naquele Código, o n.º 1 do artigo 14.º, de acordo com a qual a 80 Sobre um caso em que se entendeu como consubstanciar violação do direito à liberdade religiosa, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 2 de Agosto de 2007, processo 01394/06 .0BEPRT, sumários em www.dgsi.pt. Neste Acórdão julgou-se ilícita a conduta da Ordem dos Advogados, que negou o pedido que lhe foi dirigido, de agendamento duma nova data para realização do exame final de agregação daquela Ordem, de molde a ser compatível com a prática religiosa do requerente, com fundamento neste não ter instruído o seu pedido com declaração de igreja ou comunidade religiosa inscrita, do envio, no ano anterior, ao membro do Governo competente, com a indicação dos dias de descanso semanal e dos dias das festividades. 81 O n.º 1 do artigo 1.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos considera como obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas. Na doutrina, Oliveira Ascensão obsta à formulação desta norma considerando não só que há obras que não são protegidas pelo direito de autor, como a afirmação de que se incluem na protecção os direitos dos respectivos autores conduz à confusão, “como se a obra fosse tutelada por si mesma”, Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, 1992, página 70. 43 titularidade do direito de autor relativo a obra feita por encomenda ou por conta de outrem, quer em cumprimento de dever funcional quer de contrato de trabalho, determina-se de harmonia com o que tiver sido convencionado. Na falta de convenção, o n.º 2 do mesmo artigo 14.º, faz presumir82 que a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por conta de outrem pertence ao seu criador intelectual. Ou seja, na falta de convenção o direito de autor presume-se do criador intelectual; havendo convenção, entre a entidade que proporciona o estágio e o estagiário, a obra apenas pode ser utilizada para os fins previstos na respectiva convenção. Significa isto que nada obsta a que as partes num contrato de estágio convencionem a solução para uma obra criada na sua pendência. O n.º 1 do artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa consagra outros dois direitos que se encontram em estrita ligação com o contrato de estágio. Trata-se da liberdade de aprender e de ensinar. Facilmente reconduzível à escola, local privilegiado de materialização da liberdade de aprender e de ensinar, esta liberdade não se esgota contudo na própria escola. Significa isto que o processo de aprendizagem é livre, não se reconduzindo à obrigatoriedade de apenas o conseguir através de estabelecimentos de ensino, sejam eles públicos ou privados. Para quem ministra o ensino, faculta os conhecimentos, a liberdade de ensino significa que pelo Estado não pode ser imposta uma determinada orientação83, orientação essa que não sendo imposta pelo Estado já poderá ser prosseguida pelas escolas particulares, e entre estas aquelas que ensinem qualquer religião84, bem como por outras formas de organização formativas. Para quem recebe a formação, a liberdade de aprender significa a faculdade de apreender criticamente os conteúdos que lhe são ministrados. Nos termos do n.º 1 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa, todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade. 82 Trata-se de uma presunção ilidível, ou seja, pode ser afastada mediante prova em contrário, cfr. n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil. Esta presunção é designada pela doutrina como iuris tantum, ou seja, que admite prova em contrário. 83 Neste sentido, o n.º 2 do artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa determina que: “O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”. 84 Relativamente a estas, o n.º 5 do artigo 41.º da Constituição da República consagra que: “É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades.”. 44 Trata-se, como refere a epígrafe do próprio preceito, da liberdade de escolha de profissão. O estágio em si, não consubstancia uma profissão, mas encontra-se estreitamente relacionado com a liberdade de escolha desta, porquanto sem a preparação necessária, designadamente sem os conhecimentos práticos necessários ao desempenho de uma profissão, poderá de facto haver restrições, efeito que o escopo da norma expressamente visa afastar. Significa isto que a liberdade de exercício ou de emprego deve compreender o livre acesso, ou seja, sem impedimentos (com excepção da compressão legal referida na norma), à aprendizagem necessária para efectivação desta liberdade. O acesso mencionado refere-se ao dever de ser assegurada a igualdade, nas condições de ingresso, o que valerá contra o Estado, mas não já, em princípio entre privados85. Como tal, e entre outras liberdades consagradas constitucionalmente, a liberdade de escolha de profissão exige a liberdade de aprender, consagrada no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Fundamental. No Capítulo III do Título II, sob a epígrafe “Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores”, artigo 53.º e seguintes, a Constituição da República Portuguesa consagra alguns dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Outros destes há, fora deste Capítulo III, como infra se tratará, e mesmo fora da própria Constituição da República Portuguesa. Entre os direitos previstos no Capítulo III, encontra-se o direito à segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa86 ou por motivos políticos ou ideológicos, consagrado no artigo 53.º da Constituição, o direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses e intervenção 85 Vejam-se as considerações supra, relativamente ao princípio da igualdade nas relações privadas. 86 A ordem jurídica permite quer o despedimento por justa causa objectiva, quer por justa causa subjectiva. Quanto ao primeiro, trata-se de uma modalidade do despedimento por motivos não imputáveis ao empregador nem ao trabalhador, mas antes ligadas à organização, sendo constituído pelo despedimento colectivo, cfr. artigo 359.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009; pelo despedimento por extinção de posto de trabalho, cfr. artigo 367.º e seguintes do Código do Trabalho; e pelo despedimento por inadaptação, cfr. artigo 373.º e seguintes do mesmo Código do Trabalho. Alicerçase nas frequentes alterações a que a realidade se acha sujeita, e a que as empresas, enquanto parte integrante desta, não são alheias, sendo que em face dessas mudanças, as próprias organizações podem ter de se adequar, conformando o número de trabalhadores ao seu serviço às suas necessidades, em ordem a permitir a sua manutenção no mercado. Caso fosse proibido o despedimento por justa causa objectiva, seria inexequível a própria segurança no emprego protegida pelo legislador constitucional, pois a redução através do despedimento poderá permitir a manutenção dos contratos de trabalho dos demais trabalhadores não afectados pelo despedimento. A justa causa subjectiva, por sua vez, assenta num comportamento imputável, a título de culpa, ao trabalhador, cfr. n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho, que consigna que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. 45 democrática na vida da empresa, previsto no n.º 1 do artigo 54.º da Lei Fundamental, o direito de auto-organização das comissões de trabalhadores (ou seja, a livre formação dos seus órgãos e da respectiva vontade) e o direito de eleger os seus membros, consagrado no n.º 2 do mesmo artigo 54.º. Além destes, aquele Capítulo III incluí também o direito dos trabalhadores constituírem associações sindicais, consignado na alínea a) do n.º 2 do artigo 55.º da Constituição, o direito dos trabalhadores se inscreverem em sindicato, e o direito de nele não se inscreverem, previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 55.º da Constituição, o direito dos trabalhadores não pagarem quotizações para sindicato em que não estejam inscritos, consagrado na segunda parte da mesma norma, o direito de auto-organização das associações sindicais, previsto na alínea c) do n.º 2 do mesmo artigo 55.º, o direito de exercício de actividade sindical na empresa, consagrado na alínea d) do n.º 2 do artigo 55.º da Constituição, e o direito de tendência consignado na alínea e) do n.º 2 do mesmo artigo 55.º da Constituição. Não menos relevantes e ainda compreendidos naquele mesmo Capítulo III da Lei Fundamental são o direito à greve, consagrado no n.º 1 do artigo 57.º, e o direito dos trabalhadores a definir o âmbito de interesses a defender através da greve, previsto no n.º 2 do artigo 57.º. Como se disse supra, há outros direitos fundamentais dos trabalhadores consagrados fora do Capítulo III. O mais relevante dos preceitos constitucionais inserido sistematicamente fora daquele Capítulo, e mesmo do Título II da Constituição, é o artigo 59.º. Este preceito, que tem como epígrafe “Direitos dos trabalhadores” encontra-se no Capítulo I, “Direitos e deveres económicos, do Título III da Lei Fundamental, “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais87. Nos termos do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, constituem direitos fundamentais dos trabalhadores o direito à retribuição do trabalho, cfr. alínea a), o direito ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, cfr. alínea d), o direito à assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, cfr. alínea e), e o direito à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, cfr. alínea f). 87 Atenta a sua delimitação sistemática, o artigo 59.º não beneficiaria da aplicabilidade directa, e simultaneamente não vincularia as entidades públicas e privadas, pois este estatuto estaria à partida confinado aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, previstos no Título II, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. Sucede, porém, que por força do artigo 17.º o regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no Título II,e aos direitos fundamentais de natureza análoga, pelo que alguns dos direitos estabelecidos no artigo 59.º poderão configurar, como efectivamente sucede, direitos fundamentais de natureza análoga. 46 Referidos os direitos fundamentais dos trabalhadores, e atenta a sua força jurídica, providos de aplicabilidade directa, independentemente de se tratar de entidades públicas ou privadas, impõe-se desde logo aferir se aqueles direitos valem relativamente ao contrato de estágio. Ou seja, importa pois saber se juridicamente o conceito de estagiário ou formando se acha incluído no conceito de trabalhador. A verdade é que a Constituição não estabelece qual o conceito de trabalhador. Não obstante, a ausência na Lei Fundamental de uma noção expressa de trabalhador não significa uma impossibilidade de delimitar o seu conceito, pois o ordenamento jurídico há muito que estabilizou a definição de trabalhador88. Com efeito, o conceito de trabalhador é mesmo antecedente à Constituição, que data de 2 de Abril de 1976, pelo que o legislador constituinte já o conhecia, entendendo-se como tal a pessoa singular que se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outrem, sob a autoridade e direcção desta última, ou seja com subordinação jurídica89, sendo que no caso constitucional outrem abrange quer uma entidade pública quer uma entidade privada, uma vez que na Administração Pública também há trabalhadores90. Assim, e como infra se demonstrará, ao estagiário, porquanto lhe falta a subordinação jurídica, condição necessária para que seja considerado trabalhador, são inaplicáveis os preceitos constitucionais que consagram direitos fundamentais próprios dos trabalhadores. Ainda assim, e não recaindo aqueles que celebrem um contrato de estágio na previsão normativa dos preceitos constitucionais relativos aos trabalhadores, nada 88 Neste sentido, o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aprovado pelo pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, determina que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 89 Esta noção de trabalhador resulta desde logo do Código Civil, aprovado pelo pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, que no seu artigo 1152.º determina que: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”. 90 Neste sentido vejam-se o n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, ao estabelecer que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, determinando-se que a regra de ingresso é através de concurso, e os n.os 1 e 2 do artigo 269.º da Lei Fundamental, que prevêem expressamente que os trabalhadores da Administração Pública estão subordinados ao interesse público, não podendo ser prejudicados ou beneficiados em virtude do exercício de quaisquer direitos políticos. Sobre o trabalho em funções públicas veja-se a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.os 64-A/2008, de 31 de Dezembro, 3-B/2010, de 28 de Abril, 34/2010, de 2 de Setembro e 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, a Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, alterada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que estabelece o regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, e o Decreto-Lei n.º 209/2009, de 3 de Setembro que adapta à administração autárquica o disposto na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e no Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de Outubro. 47 impede que a nível infra constitucional o legislador ordinário entenda estabelecer-lhes direitos semelhantes àqueles que vigoram para os trabalhadores. 3.2 O CONTRATO DE ESTÁGIO NO CÓDIGO DO TRABALHO O Código do Trabalho foi aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, tendo sido publicado em anexo a esta lei, dela fazendo parte integrante, cfr. artigo 1.º da Lei n.º 7/2009. Regulando as relações laborais, a verdade é que o Código do Trabalho pode não ser aplicável ao contrato de estágio. Caso se conclua que o vínculo do estagiário deva ser considerado de trabalho subordinado, o estagiário acha-se submetido às normas próprias da relação de trabalho. Caso se conclua em sentido diverso, são inaplicáveis aquelas mesmas normas. Independentemente da conclusão a que se chegue, o vasto conjunto de normas agregadas no Código do Trabalho não se circunscreve apenas àqueles que são partes num contrato de trabalho, tendo também como destinatários aqueles que não sendo partes no contrato, podem de algum modo influir na relação de trabalho, como sucede em matéria de direito colectivo, cfr. artigo 404.º e seguintes do Código do Trabalho. Impõe-se por isso, empreender uma análise das normas daquele, que se podem relacionar com o contrato de estágio. Antes de mais e pelos motivos referidos, sem prejuízo de se ter já avançado que ao estagiário falta a subordinação jurídica, condição indispensável para que seja considerado trabalhador, mostra-se de toda a conveniência analisar se assim é verdadeiramente. Como já se disse, o contrato de trabalho encontra-se definido no artigo 1152.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, noção que consta também no Código do Trabalho, em sentido semelhante. Neste último determina-se no seu artigo 11.º que o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas, divergindo na letra do artigo 1152.º do Código Civil porquanto a expressão “sob a autoridade e direcção” foi substituída no Código do Trabalho por “no âmbito da organização e sob a autoridade”. O significado, contudo, é o mesmo, sendo a alteração apenas de ordem semântica, preferindo-se agora uma expressão mais abrangente do que a tradicionalmente utilizada no Código Civil. Na verdade, e não obstante a direcção, ou 48 melhor, o poder de direcção não se encontrar na definição legal de contrato de trabalho estabelecida no Código do Trabalho, este continua previsto, a ele se referindo o artigo 97.º do Código do Trabalho91. Das definições legais de contrato de trabalho resulta, pois, que o elemento caracterizador da relação laboral é a subordinação jurídica, traduzindo-se esta na circunstância de o prestador da actividade o fazer sob as ordens, autoridade e direcção daquele que beneficia dessa actividade. O poder de direcção distingue-se ainda pela faculdade do beneficiário da actividade poder fiscalizar a prestação de trabalho. Enquanto elemento caracterizador do contrato de trabalho, é suficiente a susceptibilidade ou potencialidade de serem dadas ordens e instruções, bem como a faculdade de ser fiscalizada a prestação, para que o prestador se ache subordinado juridicamente ao beneficiário da actividade, e consequentemente para que seja de qualificar como sendo de trabalho a relação jurídica vigente entre as partes. A subordinação jurídica é, assim, um dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, e o que verdadeiramente o distingue de outros contratos passíveis de com ele se confundirem. É o que sucede com o contrato de estágio, ainda que o seu objecto – a formação – seja distinto do objecto do contrato de trabalho – a prestação de trabalho subordinado ou a prestação da actividade laboral – pois o formador há-de poder exercer poderes de orientação e direcção, os quais se mostram necessários à boa execução da formação acordada, sobretudo quando a formação tiver uma acentuada ou predominante vertente prática. Nos termos referidos, para se proceder à qualificação da relação jurídica, o intérprete terá de apurar a vontade real das partes quando celebraram o negócio jurídico, investigar os modos como a relação se desenvolve, analisando o comportamento das próprias partes durante a execução do contrato, com o objectivo de descortinar a existência de subordinação jurídica, independentemente daquilo que resulte formalmente do negócio jurídico concreto92. Atentas as dificuldades práticas, a 91 Estabelece o artigo 97.º do Código do Trabalho: “Compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem.”. 92 A título exemplificativo, é jurisprudência constante que o nomen iuris, ou seja, a designação dada pelas partes a um contrato não é decisivo para o qualificar ou não como contrato de trabalho. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Dezembro de 2009, processo 6/08.1TTPTG.S1, sumários em www.dgsi.pt: “Resultando dos factos materiais fixados pelas instâncias que a autora, na execução da sua actividade, estava sujeita à autoridade e direcção do réu, verificando-se uma relação de dependência da conduta da trabalhadora na execução da prestação laboral em relação às ordens ou orientações determinadas pelo empregador, é de concluir que a relação contratual entre eles estabelecida como contrato de avença preenche os requisitos de um contrato de trabalho, sendo certo que, 49 jurisprudência construiu um critério técnico-jurídico para destrinçar situações em que existe subordinação jurídica daquelas outras em que inexiste93. Esse critério, o método indiciário, refere que os índices de subordinação94 deverão ser avaliados, caso a caso, de uma forma global. Constituem índices de subordinação jurídica a sujeição do prestador a um horário de trabalho determinado pelo beneficiário, a propriedade dos meios e instrumentos necessários à prestação, o local onde é executada a actividade, a duração do vínculo, a quem incumbe a organização do trabalho bem como a existência ou não de controlo, a obediência a ordens e a submissão à disciplina do beneficiário da prestação da actividade, a existência ou não de exclusividade, por quem corre o risco da actividade, a existência ou inexistência de trabalhadores por conta do prestador da actividade, a coadjuvação ou não de colegas de profissão para a prestação da actividade, o prestador encontrar-se ou não na dependência económica do beneficiário da actividade, o pagamento de prestações típicas de uma relação laboral como o subsídio de Natal e o subsídio de férias, a possibilidade do prestador se fazer substituir ou não, a qualificação e modo de cumprimento das obrigações em matéria fiscal e de segurança social do prestador da actividade, entre outros. Alguns destes índices de subordinação foram acolhidos pelo legislador no artigo 12.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, onde se estabelece uma presunção de contrato de trabalho, que pode ser afastada mediante prova em contrário, cfr. n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil, caso se verifiquem pelo menos duas características das várias constantes daquela lista de indícios. A verdade, contudo, é que pelo menos alguns dos índices de subordinação referidos se podem verificar no contrato de estágio. Ainda assim, tal não deverá ser suficiente para o qualificar como sendo de trabalho. Com efeito, a sujeição a um horário de trabalho determinado pelo formador, a propriedade dos meios e instrumentos necessários à formação serem pertença do formador, o local onde a formação é ministrada ser determinado pelo formador, a quem incumbe a organização do trabalho nos contratos de execução continuada, havendo contradição entre o tipo contratual inicialmente acordado e o realmente executado, prevalece a execução assumida, efectivamente, pelas partes.”. 93 Neste sentido pode ver-se, de entre a vasta jurisprudência relativa a esta matéria, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Janeiro de 2009, documento n.º SJ21012009022704, sumários em www.dgsi.pt: “Perante a dificuldade de prova de elementos fácticos nítidos de onde resultem os elementos caracterizadores da subordinação jurídica, deve proceder-se à identificação da relação laboral através de indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado, por modo a que possa concluir-se pela coexistência, no caso concreto, dos elementos definidores do contrato de trabalho.”. 94 Sobre os índices de subordinação, vide Bernardo Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Verbo, Lisboa – São Paulo, 2005 página 225 e seguintes. 50 prático desenvolvido pelo estagiário, a existência de controlo, a obediência a ordens do formador, o risco da formação correr por conta do formador, constituem índices de subordinação jurídica, mas que no caso do contrato de estágio devem ser neutralizados pela natureza deste contrato. É que aqueles índices mostram-se indispensáveis ao objecto do contrato ajustado, não se coadunando uma formação com a ausência de tais vectores, permitindo que fosse aquele que recebe a formação que arbitrariamente escolhesse as horas, ou o local em que a receberia, ou que por si organizasse a própria formação, e mesmo que a expensas suas obtivesse os meios para desempenhar a actividade. O mesmo se diga relativamente à obediência a ordens do formador. Como se pode empreender uma formação, com o desenvolvimento de várias tarefas, se relativamente a estas não pudesse o formador dar ordens ao estagiário? Se assim não fosse a formação seria inexequível95. Outros índices de subordinação poderão verificarse no contrato de estágio, mas deverão, em princípio, ter o mesmo tratamento que os anteriores. Falamos da existência de exclusividade, que atentas as finalidades e complexidade da formação prática em sede de contrato de estágio poderá, se não mesmo deverá, existir, e da potencial dependência económica em que o estagiário se achará face ao formador, quando este lhe atribua uma qualquer remuneração, uma vez que, em regra, encontrando-se o estagiário num momento anterior à sua plena entrada no mercado de trabalho, toda e qualquer quantia provirá à partida de uma mesma entidade, podendo até aquela eventual remuneração ser suficiente para prover à sua subsistência. Como se referiu, a Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aprovou o Código do Trabalho, que se encontra em anexo àquela lei. Na própria Lei n.º 7/2009, a alínea a) do n.º 1 do seu artigo 4.º, determina que o regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, previsto nos artigos 283.º e 284.º do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, aplica-se igualmente a praticante, aprendiz, estagiário e demais situações que devam considerar-se de formação profissional. Por força desta norma, a protecção que é conferida a trabalhador em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais é estendida a outros profissionais que, não devendo ser qualificados como trabalhadores, ainda assim beneficiam do regime a estes aplicável. É o que sucede então com os estagiários. 95 Como reconheceu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Março de 1998, processo 98S020, documento n.º SJ199803180000204, sumários em www.dgsi.pt, se alguém se obriga a dar formação, então terá de dispor de meios que lhe permitam dar essa formação, e dentro desses meios se ajusta o poder de direcção, fiscalização e de dar ordens, sem que tal se deva considerar como revelador de um contrato de trabalho. 51 Do conteúdo normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 7/2009 resulta que o contrato de estágio, designadamente aquele que é celebrado entre privados e sem recurso a financiamento público, é reconhecido no ordenamento jurídico português. Neste sentido, o legislador aceita que as situações de formação profissional podem assumir diferentes designações, de acordo com a vontade das partes, podendo assumir aquele que beneficia da formação profissional a denominação de estagiário, praticante, aprendiz, ou outra que as partes tenham configurado. Para que a extensão opere basta, pois, que o exercício da actividade consubstancie uma situação de formação profissional, ou seja, independentemente da denominação dada pelas partes, caso o objecto do contrato seja a formação profissional, tal é suficiente para que aquele que a recebe se ache incluído no âmbito normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 7/2009. Já no próprio Código do Trabalho, estabelece o seu artigo 10.º, sob a epígrafe “Situações equiparadas”, que as normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade. Face ao disposto naquele preceito, deve entender-se que o contrato de estágio não constitui uma situação equiparada, não lhe sendo aplicável aquele artigo 10.º do Código do Trabalho. É que, e como vem entendendo a jurisprudência96, aquela equiparação, como outras previstas na Lei, reporta-se a situações em que existe uma prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, mas em que o prestador do serviço se encontra economicamente dependente97 daquele que recebe o produto da sua actividade, não resultando da equiparação que se tenha alterado a conceptualização típica do contrato de trabalho ou do contrato de prestação de serviço, por forma a que este último possa beneficiar, sem mais, da protecção legalmente conferida ao primeiro. O artigo 10.º do Código do Trabalho tem uma função residual, destinando-se a prevenir que situações que não se encontrem juridicamente bem definidas como contrato de trabalho ou como contrato de prestação de serviço, possam igualmente beneficiar da protecção das normas legais respeitantes a 96 Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Setembro de 2010, processo 237/04.3TTPTG.E1.S1, sumários em www.dgsi.pt. 97 O que é também designado de subordinação económica, cfr. Bernardo Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, página 317. 52 direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho. Para que se ache preenchido o conceito de dependência económica não basta que o prestador da actividade necessite das quantias auferidas para prover ao seu sustento ou ao da sua família. Este subentende a integração do prestador da actividade no processo empresarial de outrem, o que ocorrerá sempre que se verifique a continuidade no exercício da actividade ou uma continuidade da vinculação para prestar a actividade98. Não é o caso do contrato de estágio. O artigo 103.º do Código do Trabalho estabelece o regime da promessa de contrato de trabalho99. Semelhante regulação no Código do Trabalho pretende, cremos, salvaguardar a realização do contrato prometido – o contrato de trabalho – quando se verifique um obstáculo que veda à celebração daquele contrato prometido, ou por um qualquer motivo seja mais benéfico protelar a celebração do próprio contrato prometido para um outro momento. Na relação entre a promessa de trabalho e o contrato de estágio poderá estar em causa o último daqueles motivos, ou seja, poderá mostrar-se mais adequado aos interesses da empresa apenas celebrar um contrato de trabalho quando o estagiário tiver concluído as actividades de estágio, e recebido a formação aprazada. Por esta razão a promessa de trabalho é, em regra, unilateral, ou seja, apenas o contraente estagiário se vincula a celebrar um contrato de trabalho100. Nos termos do n.º 1 do artigo 103.º do Código do Trabalho, a promessa de contrato de trabalho está sujeita a forma escrita, devendo ainda conter os elementos taxativamente previstos naquela norma, a saber: identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; declaração, em termos inequívocos, da vontade de o promitente ou promitentes se obrigarem a celebrar o contrato de trabalho, e a actividade a prestar e correspondente retribuição. Faltando algum destes elementos, a consequência é que a promessa de trabalho é nula, cfr. artigo 220.º do Código Civil. 98 No mesmo sentido entende Bernardo Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, página 317, que adopta o conceito de dependência económica proposto por Monteiro Fernandes, de acordo com o qual, haverá esta “nos casos de debilidade contratual do prestador de serviços (exclusividade de emprego e de salário na esfera económica de outrem) e em que o processo produtivo do prestador de serviços esteja incorporado no processo produtivo da pessoa servida.”. 99 Por promessa de contrato de trabalho deve entender-se a convenção pela qual, dentro de certo prazo, ou verificados determinados pressupostos, alguém se obriga a celebrar um contrato de trabalho. No mesmo sentido, Bernardo Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, página 615. 100 A promessa pode ser unilateral ou bilateral. Será bilateral se ambas as partes se comprometerem a celebrar um contrato de trabalho, enquanto que se apenas uma das partes se comprometer a celebrá-lo, a promessa será unilateral. 53 Assinale-se que quando a promessa de trabalho for unilateral e conste de cláusula contratual do contrato de estágio, este último, enquanto encontro de vontades, será assinado por ambas as partes, o que não será suficiente para retirar à promessa o seu carácter unilateral. Com efeito, a assinatura de ambas as partes do contrato de estágio não é, por si só, bastante para vincular ambas a celebrar um contrato de trabalho. O que releva para aferir da qualificação da promessa é o seu conteúdo jurídico, podendo deste resultar que só uma das partes se vincula à celebração do negócio prometido – o contrato de trabalho. Quando inserta em contrato de estágio uma cláusula que contenha uma promessa de trabalho, deve definir-se o conteúdo do contrato prometido – o contrato de trabalho – de modo a dispensarem-se subsequentes negociações para a sua celebração. Ainda assim, na promessa de contrato de trabalho, o contrato prometido – o contrato de trabalho – terá ainda de ser celebrado, sendo que tal pode nunca vir a ocorrer. Por efeito do n.º 3 do artigo 103.º do Código do Trabalho, caso não seja cumprida a promessa de contrato de trabalho, a parte que pretendia o seu cumprimento não poderá obter uma sentença judicial que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso. Assim, o não cumprimento da promessa de contrato de trabalho tem apenas os efeitos previstos no n.º 2 daquele mesmo artigo 103.º, ou seja, o incumprimento da promessa de contrato de trabalho gera responsabilidade, nos termos gerais de direito. Para tanto, ter-se-á de distinguir se houve, ou não, entrega de sinal por efeito da promessa de trabalho, apesar do sinal não ser comum. Quando tenha havido a entrega de sinal, se quem constituiu o sinal deixar de cumprir a obrigação, por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento da promessa for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, cfr. n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil. Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo incumprimento do contrato-promessa, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, cfr. n.º 4 do mesmo artigo 442.º do Código Civil. Na falta de sinal, como sucede frequentemente na promessa de contrato de trabalho, a parte que incumpriu a promessa deve indemnizar, por aplicação das regras previstas no artigo 798.º, e seguintes, do Código Civil. Em matéria de promessa de contrato de trabalho, deve ainda atender-se ao disposto no artigo 412.º do Código Civil, que estabelece que os direitos e obrigações resultantes do contrato-promessa, que não sejam exclusivamente pessoais, transmitem54 se aos sucessores das partes. Significa isto que os efeitos do artigo 412.º do Código Civil diferem consoante a posição contratual em causa. Tratando-se de estagiário promitente (o que promete prestar o seu trabalho), os direitos e obrigações resultantes da promessa de contrato de trabalho têm carácter pessoal, porquanto a prestação de trabalho só poderia ser executada por aquela pessoa em concreto, o que obsta à transmissão. Já quando o estagiário tenha a qualidade de promissário (o que beneficia da promessa), tendo-se a parte promitente vinculado a celebrar um contrato de trabalho, o princípio é de que a posição do empregador transmite-se aos seus sucessores, como previsto no artigo 346.º do Código do Trabalho. O que se disse relativamente à diferenciação do contrato de estágio do contrato de trabalho, é válido para a distinção entre aquele e o contrato de trabalho a termo resolutivo101. Com efeito, e tratando-se o contrato de trabalho a termo resolutivo de uma modalidade do contrato de trabalho, sendo aliás sistematicamente o primeiro das várias modalidades de contrato de trabalho tratado na Secção IX, com a epígrafe “Modalidades de contrato de trabalho”, com início no artigo 139.º e seguintes do Código do Trabalho, valem as considerações efectuadas a propósito da diferenciação entre aqueles tipos contratuais. O termo resolutivo constitui uma cláusula acessória típica que é aposta ao contrato de trabalho, e que determina que o contrato produza efeitos até à verificação do evento futuro e certo, que constitui o termo. Ou seja, uma vez verificado o termo, o contrato de trabalho cessa. Permite-se que o termo resolutivo assuma uma de duas modalidades: termo resolutivo certo ou termo resolutivo incerto. Assim, o contrato de trabalho a termo resolutivo poderá ser celebrado a termo certo ou incerto. A diferença entre ambos é que enquanto no contrato de trabalho a termo certo a verificação do termo é exacta, delimitando-se precisamente a data em que ocorrerá, no contrato de trabalho a termo incerto a verificação do termo, não obstante ser certo, ocorrerá num momento que não é ainda conhecido à data em que as partes o celebram. No que ao contrato de estágio diz respeito, também nada veda que lhe seja aposta uma cláusula que estabeleça que o contrato produza efeitos até à verificação de evento futuro e certo, que constitui o termo, cessando com a sua verificação, sendo que também nada impede que lhe seja aposta uma cláusula em que se consigne que o 101 O termo é uma figura com origem no Direito Civil, cfr. artigo 278.º do Código Civil, entendendo-se como tal a estipulação que consigna que os efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento, cuja ocorrência futura é certa. O termo divide-se em termo inicial ou suspensivo, o qual pode ser aposto ao contrato de trabalho, cfr. artigo 135.º do Código do Trabalho, e em termo final ou resolutivo, o qual poderá também em regra ser aposto ao contrato de trabalho, a não ser que o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho afaste a sua previsão, cfr. artigo 139.º do Código do Trabalho. 55 contrato só produza efeitos com a verificação do evento certo e futuro, o que neste último caso se designa por termo inicial ou suspensivo. É o que sucede quando as partes celebram um contrato de estágio em 1 de Setembro, acordando no mesmo que o seu início só ocorrerá no dia 1 de Outubro. Não é despropositado contrapor o contrato de trabalho a termo resolutivo ao contrato de estágio, mesmo após ter sido distinguido este último do contrato de trabalho sem termo, ou por tempo indeterminado, pois a verdade é que uma ténue análise da realidade mostra que o contrato de trabalho a termo é um dos meios mais utilizados para a admissão de mão-de-obra nas organizações empresariais portuguesas, não raro como modo de proporcionar formação durante toda, ou mesmo parte da sua duração102. Como se sabe, o regime da contratação a termo mostra-se menos rígido comparativamente ao contrato de trabalho sem termo, permitindo ao empregador fazer cessar o contrato quando se verificar o evento futuro e certo que o admite, faculdade que inexiste no contrato de trabalho por tempo indeterminado, votado, até por imperativos constitucionais103, à estabilidade, que impõe a manutenção da relação de trabalho, a qual não poderá cessar por vontade discricionária do empregador. Sucede porém que o aproveitamento do regime do contrato de trabalho a termo para ministrar formação, configura uma fraude à lei, simulando-se um contrato de trabalho a termo quando verdadeiramente o negócio desejado é outro. Na verdade, o regime do contrato de trabalho a termo resolutivo tem exigentes requisitos materiais e formais, prescrevendo-se que, em regra, este só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade104, pelo que fora dessas situações a contratação se mostra em 102 A duração máxima do contrato de trabalho a termo resolutivo, de acordo com o artigo 148.º do Código do Trabalho encontra-se limitada, no contrato de trabalho a termo certo, a dezoito meses, quando se tratar de pessoa à procura de primeiro emprego; dois anos quando se tratar de lançamento de nova actividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores, e quando se tratar de contratação de pessoa em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego, e três anos, nos casos de satisfação de necessidade temporária da empresa. Já a duração do contrato de trabalho a termo incerto não pode ser superior a seis anos. 103 Cfr. artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra, como supra tratado, a segurança no emprego, proibindo os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos. Este preceito constitucional não proíbe, contudo, o regime do contrato de trabalho a termo, que atenta a admissibilidade da sua cessação com a verificação do termo, se revela precário, desde que este se mostre de aplicação excepcional, e o recurso ao mesmo se revele justificado. 104 Cfr. n.º 1 do artigo 140.º do Código do Trabalho. Note-se, todavia, que por efeito do n.º 4 do mesmo artigo 140.º, é também admissível a celebração de contratos de trabalho a termo, em duas situações que nada têm a ver com a satisfação daquele tipo de necessidades, limitando-se porém a admissibilidade da 56 princípio ilícita, com a consequência do contrato aprazado ser considerado um contrato de trabalho sem termo, cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho. Já a alínea a) do n.º 1 do artigo 275.º, artigo este que tem por epígrafe “Redução da retribuição mínima mensal garantida105 relacionada com o trabalhador”, estabelece que a retribuição mínima mensal garantida pode ter uma redução de 20% relativamente a praticante, aprendiz, estagiário ou formando em situação de formação certificada106. Nos termos dos n.os 2 e 3 daquele artigo 275.º, a redução de 20% não é aplicável por período superior a um ano, incluindo o tempo de formação ao serviço de outro empregador, desde que documentado e visando a mesma qualificação, sendo que aquele período deve ser reduzido a seis meses, no caso de trabalhador habilitado com curso técnico-profissional ou curso obtido no sistema de formação profissional qualificante para a respectiva profissão. Salvo melhor opinião, o disposto no artigo 275.º do Código do Trabalho é inaplicável ao contrato de estágio em análise, que não se caracteriza, como referido, pela prestação de trabalho subordinado. Assim se entendendo, significa que ao praticante, aprendiz, estagiário ou formando não tem de ser paga qualquer quantia, quando a relação jurídica seja de outra natureza que não de subordinação jurídica. Tal sucede porquanto o âmbito de aplicação do artigo 275.º circunscreve-se àqueles que têm aposição do termo que se consubstancie num contrato de trabalho a termo certo. Assim, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 140.º do Código do Trabalho, o início de laboração de um novo estabelecimento constitui, apenas quanto a empresas com menos de 750 trabalhadores, um motivo para a celebração de contrato de trabalho a termo. Já a alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo 140.º do Código do Trabalho permite que seja celebrado um contrato de trabalho a termo certo com trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego. 105 Nos termos do n.º 1 do artigo 273.º do Código do Trabalho, é garantida aos trabalhadores uma retribuição mínima mensal, seja qual for a modalidade praticada, cujo valor é determinado anualmente por legislação específica, ouvida a Comissão Permanente de Concertação Social. Esta retribuição mínima mensal tem a designação de retribuição mínima mensal garantida, cujo valor para o continente é de 485,00 euros, de acordo com o Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31 de Dezembro. As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira têm vindo a estabelecer um acréscimo à retribuição mínima garantida, no sentido de atenuar os efeitos dos custos da insularidade. Relativamente à Região Autónoma dos Açores veja-se o Decreto Legislativo Regional n.º 8/2002/A, de 10 de Abril, alterado pelo Decretos Legislativos Regionais n.os 22/2007/A, de 23 de Outubro e 6/2010/A, de 23 de Fevereiro, de acordo com o qual o montante da retribuição mínima mensal garantida tem, na Região Autónoma dos Açores, o acréscimo de 5%. Quanto à Região Autónoma da Madeira, veja-se o Decreto Legislativo Regional n.º 9/2011/M, de 11 de Abril, de acordo com o qual a retribuição mínima mensal garantida tem o valor, nesta Região Autónoma, de 494,70 euros. 106 A redução estabelecida no n.º 1 do artigo 275.º é uma possibilidade dada pela lei ao empregador, podendo este, querendo, não aplicar essa redução, uma vez que aquela norma poderá ser afastada por contrato individual de trabalho que estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, cfr. n.º 4 do artigo 3.º do Código do Trabalho. 57 a qualidade de trabalhadores, o que resulta não só da inserção sistemática deste preceito na lei que regulamenta a relação laboral, o Código do Trabalho, como da própria epígrafe do preceito, e ainda dos n.os 2 e 3 daquele artigo 275.º, que mencionam empregador e trabalhador, respectivamente, qualidade que não têm, no contrato de estágio, aquele que o concede e aquele que dele beneficia – o estagiário. A mais, a formação que seja ministrada aos estagiários que tenham celebrado um contrato de estágio para receberem formação prática em contexto de trabalho não corresponde, em princípio, a formação certificada. O conceito de formação certificada encontra-se definido na alínea f) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações, que a define como a formação desenvolvida por entidade formadora certificada para o efeito ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelos ministérios competentes. Assim, o n.º 1 do artigo 275.º do Código do Trabalho é aplicável a praticante, aprendiz, estagiário, ou formando que receba ordens e se encontre sujeito à disciplina do empregador, devendo consequentemente ser considerado trabalhador, sendo que a designação de praticante, aprendiz, estagiário, formando, ou outra, enquanto trabalhadores, constitui frequentemente uma categoria profissional. No n.º 1 do artigo 415.º do Código do Trabalho reconhece-se o direito dos trabalhadores de criar, em cada empresa, uma comissão de trabalhadores para defesa dos seus interesses e exercício dos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa107 108 . A comissão de trabalhadores é uma estrutura de representação colectiva dos trabalhadores, cfr. alínea b) do artigo 404.º do Código do Trabalho, que representa todos os trabalhadores da empresa, independentemente de todos eles terem ou não participado na sua constituição ou na eleição dos seus membros. O n.º 3 do artigo 415.º do Código do Trabalho determina que qualquer trabalhador da empresa, independentemente da idade109 ou função, tem o direito de participar na constituição das 107 Constitui assim o artigo 415.º uma densificação na lei ordinária dos direitos reconhecidos aos trabalhadores no artigo 54.º da Constituição da República Portuguesa. Sobre estes, ver supra 3.1. 108 Sobre as comissões de trabalhadores vide Bernardo Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, página 213 e seguintes. 109 Nos termos dos artigos 68.º e 69.º do Código do Trabalho, verificados determinados requisitos, pode ser admitido na empresa um menor de idade para prestar o seu trabalho. 58 estruturas previstas nos números anteriores110 e na aprovação dos respectivos estatutos, bem como o direito de eleger e de ser eleito. Face ao disposto no artigo 415.º do Código do Trabalho e à pretendida representatividade da totalidade dos trabalhadores da empresa, constituirá um direito do estagiário participar na comissão de trabalhadores? Como já referido, não recaindo aqueles que celebrem um contrato de estágio na previsão normativa dos preceitos constitucionais relativos aos trabalhadores, nada impede que a nível infra constitucional, designadamente no Código o Trabalho, o legislador ordinário entenda conceder-lhes direitos semelhantes àqueles que vigoram para os trabalhadores. A verdade, todavia, é que o disposto no n.º 3 do artigo 415.º do Código do Trabalho se mostra insuficiente para dele retirar que os estagiários possam também eles participar na comissão de trabalhadores, seja na sua constituição, seja na eleição dos seus membros. Com efeito, o n.º 3 do artigo 415.º é uma decorrência do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, sendo que o direito de igualdade de tratamento do trabalhador da empresa, que independentemente da idade ou função, tem o direito de participar em estruturas de representação colectiva resultava já do n.º 1 do artigo 24.º, e da alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo 24.º do Código do Trabalho111. Semelhante igualdade de tratamento é aplicável àqueles que prestam trabalho subordinado, os trabalhadores, englobando assim o estagiário, formando, praticante, aprendiz ou outro que se acham juridicamente subordinados ao empregador, os quais tem direito a participar nas estruturas de representação colectiva dos trabalhadores, o que já não sucede relativamente a um estagiário ou formando que não beneficie de uma relação daquele tipo, e que em detrimento de um contrato de trabalho tenha antes celebrado um contrato de estágio. 110 Para além da comissão de trabalhadores, podem ser criadas subcomissões de trabalhadores, cfr. n.º 2 do artigo 415.º do Código do Trabalho, criação que se acha dependente da existência de estabelecimentos da empresa geograficamente dispersos. 111 Estabelece o n.º 1 do artigo 24.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho”, que: “O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos. Já a alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo 24.º determina que o direito referido no número anterior respeita, designadamente a filiação ou participação em estruturas de representação colectiva, ou em qualquer outra organização cujos membros exercem uma determinada profissão, incluindo os benefícios por elas atribuídos. 59 Significa isto que os estagiários, que tenham celebrado um contrato de estágio, não poderão participar na constituição da comissão de trabalhadores e na subcomissão de trabalhadores, não tendo igualmente capacidade activa e passiva. Não obstante os estagiários que não tenham celebrado um contrato de estágio se encontrarem arredados da participação nas comissões de trabalhadores, estas últimas acham-se excluídas da defesa dos seus interesses? A verdade é que a finalidade da comissão de trabalhadores é a defesa dos interesses dos trabalhadores e a intervenção democrática na vida da empresa, mas não é menos verdadeiro que esta tem os meios suficientes quer para conhecer da celebração de contratos de estágio na empresa, quer para conhecer a execução dos mesmos. Com efeito, a comissão de trabalhadores tem, entre outros, o direito a receber a informação necessária ao exercício da sua actividade112, e a exercer o controlo da gestão da empresa113. No conteúdo do direito a informação da comissão de trabalhadores, inclui-se a informação sobre gestão de pessoal114 e estabelecimento dos seus critérios básicos, montante da massa salarial e sua distribuição por grupos profissionais, regalias sociais, produtividade e absentismo, e inclui-se informação sobre a situação contabilística da empresa, fundamentação, associação ou outra forma que assuma o empregador, compreendendo o balanço, conta de resultados e balancetes, cfr. alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 424.º do Código do Trabalho, respectivamente. Já no exercício do controlo da gestão, a comissão de trabalhadores pode promover a adequada utilização dos recursos técnicos, humanos115 e financeiros, cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 426.º do Código do Trabalho. Significa isto que a defesa dos interesses dos trabalhadores poderá permitir à comissão de trabalhadores empreender a defesa dos interesses dos estagiários, conquanto esta defesa não se mostre contraditória com a defesa dos interesses dos próprios trabalhadores da 112 Cfr. alínea a) do n.º 5 do artigo 54.º da Constituição da República Portuguesa, e alínea a) do n.º 1 do artigo 423.º do Código do Trabalho. 113 Cfr. alínea b) do n.º 5 do artigo 54.º da Constituição da República Portuguesa, e alínea b) do n.º 1 do artigo 423.º do Código do Trabalho. 114 Note-se que o conteúdo da informação é relativo à gestão de pessoal, e não apenas à gestão dos trabalhadores, o que permite abranger todas as pessoas que prestem uma actividade à empresa, subordinada ou não. 115 À semelhança do que sucede no conteúdo do direito a informação, em que se utiliza uma expressão abrangente, gestão de pessoal, também no controlo de gestão que a comissão de trabalhadores pode exercer se preferiu um conceito amplo, recursos humanos, que abrange, tal como a expressão anterior, todos os que prestam trabalho subordinado e os que desempenhem uma actividade. 60 empresa, exigindo-se assim uma análise casuística para aferir se tal sucede ou não116. Semelhante defesa fundamentar-se-á sempre na defesa dos interesses dos trabalhadores da empresa, verificando-se apenas porque se prossegue esta última. De algum modo conexa com a questão analisada encontra-se outra, também ela relativa a uma estrutura de representação colectiva dos trabalhadores, agora as associações sindicais117, designadamente, se estas são, à luz da legislação ordinária, aptas a representar os estagiários. As associações sindicais visam a defesa e prossecução colectivas dos direitos e interesses sócio-profissionais dos trabalhadores118, podendo assumir um dos níveis de estruturação admitidos por lei, sendo o mais vulgarizado destes últimos o sindicato119. Para o efeito, as associações sindicais, têm, entre outros, o direito a iniciar e intervir em processos judiciais, em procedimentos laborais120 e em procedimentos administrativos, quanto a interesses dos seus associados. Para que uma associação sindical possa então representá-lo, o trabalhador terá de ser associado da mesma. Apesar de vigorar no 116 Não raro, os interesses de trabalhadores e de estagiários são similares. Pode exemplificar-se com a admissão como trabalhadores sem termo daqueles que se encontram contratados a termo, o que se assemelha com a admissão como trabalhadores daqueles que se encontram a beneficiar de um estágio; com uma retribuição mais elevada daqueles que são trabalhadores, o que será similar à pretensão de auferir um montante superior a título de bolsa de estágio ou simplesmente a auferir uma, relativamente aos estagiários que auferem um subsídio, apoio ou bolsa, ou aqueles que simplesmente não o recebem. E outras situações há em que os interesses de trabalhadores e estagiários são opostos. Pense-se por exemplo no caso do empregador anunciar que tem uma determinada quantia pecuniária para a título excepcional distribuir entre todos aqueles que colaboram com a organização, sendo que se aos estagiários nada for distribuído os trabalhadores auferirão um montante bastante superior, ou a existência de alguns, poucos, postos de trabalho através de vínculo sem termo, a preencher, entre trabalhadores contratados a termo (os quais não teriam preferência na admissão, cfr. artigo 145.º do Código do Trabalho) e estagiários, ambos em número superior ao número de lugares existentes. Nas últimas hipóteses configuradas, a comissão de trabalhadores deve pois prosseguir a defesa dos interesses que a justifica: os interesses dos trabalhadores. 117 Sobre as associações sindicais vide Bernardo Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, página 103 e seguintes. 118 Cfr. alínea a) do artigo 404.º e n.º 1 do artigo 440.º, ambos do Código do Trabalho. 119 Cfr. n.º 1 do artigo 442.º do Código do Trabalho: “No âmbito das associações sindicais, entende-se por: a) Sindicato, a associação permanente de trabalhadores para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais; b) Federação, a associação de sindicatos de trabalhadores da mesma profissão ou do mesmo sector de actividade; c) União, a associação de sindicatos de base regional; d) Confederação, a associação nacional de sindicatos, federações e uniões; e) Secção sindical, o conjunto de trabalhadores de uma empresa ou estabelecimento filiados no mesmo sindicato; f) Delegado sindical, o trabalhador eleito para exercer actividade sindical na empresa ou estabelecimento; g) Comissão sindical, a organização dos delegados sindicais do mesmo sindicato na empresa ou estabelecimento; h) Comissão intersindical, a organização, a nível de uma empresa, dos delegados das comissões sindicais dos sindicatos representados numa confederação, que abranja no mínimo cinco delegados sindicais, ou de todas as comissões sindicais nela existentes.”. 120 Sobre estes veja-se Bernardo da Gama Lobo Xavier, Procedimentos Laborais na Empresa, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009. 61 ordenamento jurídico português o princípio da liberdade de inscrição sindical, semelhante liberdade não é plena, mas antes é subordinada pela lei à representação, pelo sindicato, da categoria do trabalhador, cfr. n.º 1 do artigo 444.º do Código do Trabalho. Tal significa que a inscrição só pode verificar-se em sindicato que, na área da sua actividade, represente a categoria respectiva. Ou seja, a qualidade de associado depende de inscrição ou filiação121, e esta última determina em princípio o pagamento de quotas, cfr. n.º 1 do artigo 457.º do Código do Trabalho, constituindo estas o principal meio de financiamento das associações sindicais122. 121 Mas não exige o exercício efectivo da actividade, como bem nota Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho I, Verbo, 2004, página 221, permitindo-se que o trabalhador que deixe de exercer a sua actividade mantenha a qualidade de associado de associação sindical, desde que não passe a exercer outra actividade não representada pelo mesmo sindicato, e desde que não perca a condição de trabalhador subordinado, cfr. n.º 2 do artigo 444.º do Código do Trabalho. Assim, o trabalhador que tenha o contrato de trabalho suspenso poderá igualmente manter a qualidade de associado, sendo pela associação sindical representado, mantendo também o direito de participar na actividade da associação, incluindo o direito de eleger e ser eleito para os corpos sociais e ser nomeado para qualquer cargo associativo, sem prejuízo de, caso existam requisitos de idade e de tempo de inscrição, o trabalhador não os satisfazer, cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 451.º do Código do Trabalho. Com efeito, a suspensão do contrato de trabalho em nada afecta o vínculo de trabalho subordinado, que subsiste, para poder ser retomado, em princípio, a todo o tempo. O mesmo sucede relativamente ao trabalhador em situação de pré-reforma – prevista nos artigos 318.º e seguintes do Código do Trabalho – que pode manter a qualidade de associado da associação sindical, mantendo o direito de participar na actividade da associação, incluindo o direito de eleger e ser eleito para os corpos sociais e ser nomeado para qualquer cargo associativo, sem prejuízo de, caso existam requisitos de idade e de tempo de inscrição, o trabalhador não os satisfazer. Já se proíbe é que o trabalhador se encontre simultaneamente filiado, a título da mesma profissão ou actividade, em sindicatos diferentes, podendo contudo o trabalhador desfiliar-se, a todo o tempo, do sindicato onde se encontra inscrito, desde que o comunique, por escrito, com a antecedência mínima de trinta dias, cfr. n.os 5 e 6 do artigo 444.º do Código do Trabalho. 122 Com efeito, as associações sindicais, enquanto estruturas de representação colectiva dos trabalhadores encontram fortes limitações em matéria de financiamento, em ordem a manter um estatuto de autonomia e independência. Nos termos do n.º 4 do artigo 55.º da Constituição da República Portuguesa “as associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer as garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras.”. Concretizando o disposto naquela norma da Lei Fundamental, o n.º 1 do artigo 405.º do Código do Trabalho determina que as estruturas de representação colectiva dos trabalhadores são independentes do Estado, de partidos políticos, de instituições religiosas ou associações de outra natureza, sendo proibidos qualquer ingerência destes na sua organização e gestão, bem como o seu recíproco financiamento. O n.º 2 do mesmo artigo 405.º estabelece que sem prejuízo das formas de apoio previstas no Código do Trabalho – como instalações adequadas, meios materiais e técnicos necessários ao exercício das funções das estruturas de representação colectiva, etc. – os empregadores não podem, individualmente ou através das suas associações, promover a constituição, manter ou financiar o funcionamento, por quaisquer meios, de estruturas de representação colectiva dos trabalhadores ou, por qualquer modo, intervir na sua organização e gestão, assim como impedir ou dificultar o exercício dos seus direitos. As quotas, assumem assim um papel fundamental para satisfazer os encargos decorrentes das actividades das associações sindicais. Não se olvida o apoio que as associações sindicais recebam do Estado, tal como previsto no n.º 3 do artigo 405.º do Código do Trabalho, bem como a prestação de serviços de carácter económico e social aos associados, como igualmente previsto, na alínea b) do n.º 1 do artigo 443.º, ou mesmo as receitas que obtenham com a venda de publicações, ou outras, que com muita imaginação logrem obter, mas todas estas se acharão, como tem revelado a prática, de importância diminuta face ao valor obtido com as quotizações. 62 Como tal, resulta da lei uma restrição clara à legitimidade da representação das associações sindicais. Por outras palavras, a defesa dos direitos e interesses de determinada pessoa por uma associação sindical está sujeita a limites objectivos e subjectivos cuja verificação cabe, num primeiro momento, à própria associação sindical: qualidade de trabalhador, necessidade de filiação do próprio trabalhador e o exercício por este de uma profissão cujos interesses a associação sindical defenda e promova, nos termos dos seus próprios estatutos. A verdade é que, não tendo os estagiários a qualidade de trabalhadores, estes não se acham representados pelas associações sindicais, não existindo quanto a estas o dever de defender os interesses daqueles. Ainda assim, a actividade sindical caracteriza-se pela tomada de posição constante sobre as mais diversas matérias, reivindicando, como refere Bernardo Lobo Xavier, “constantemente as políticas que reputam mais convenientes para os interesses dos trabalhadores que representam, nos aspectos mais variados, e que vão dos salários mínimos à política fiscal, de rendimentos e preços à habitação e ao ensino, etc.” 123 . Assim, e como referido, a defesa dos interesses dos estagiários não constitui a finalidade das associações sindicais, pese embora, o conceito de actividade sindical constitua um conceito tão amplo que poderá permitir às associações sindicais a defesa dos interesses dos estagiários, o que farão pontualmente e não permanentemente, como sucede relativamente aos trabalhadores, e desde que essa defesa não colida nem se sobreponha à defesa dos interesses dos próprios trabalhadores. Ou seja, não representando as associações sindicais os estagiários, poderá ainda assim verificar-se a defesa dos seus interesses, o que sucederá apenas porque a defesa destes se justificará para a defesa dos trabalhadores que representam. Não sendo os estagiários trabalhadores, não são titulares do direito à greve124. Neste sentido, o n.º 1 do artigo 530.º do Código do Trabalho estabelece, na senda do texto constitucional, que a greve constitui um direito dos trabalhadores. Como tal, 123 Curso de Direito do Trabalho I, Verbo, 2004, página 227. 124 Na ausência de uma noção legal, aderimos à definição proposta por Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho I, Verbo, 2004, página 259: “abstenção da prestação de trabalho por um grupo de trabalhadores como meio de realizar objectivos comuns”. 63 qualquer paralisação de estagiários, como sucede com outras pessoas125 e profissionais126, não integra o conceito jurídico de greve. O que poderá é existir uma greve de trabalhadores que pretendam objectivos relacionados com os estagiários. Com efeito, o n.º 2 do artigo 530.º do Código do Trabalho determina que compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve. É certo que os interesses a defender através da greve não poderão ser quaisquer uns127, antes devendo ter uma correspondência com os direitos e interesses dos trabalhadores, pelo que nada veda que sejam coincidentes os interesses de trabalhadores e de estagiários, embora só os primeiros possam beneficiar da protecção do regime da greve, que suspendendo os contratos de trabalho obsta a eventuais retaliações, por parte do empregador, estribadas no seu exercício. Por outro lado, tem-se entendido que os interesses dos trabalhadores não têm, para efeitos de greve, de ser interesses próprios, admitindo-se a greve de solidariedade, ou seja, a greve cujos objectivos escapam ao domínio de interesses que podem ser satisfeitos pelo empregador, o que permitirá a greve de trabalhadores cujo próprio empregador não se socorre da contratação de estagiários. 3.3 O DECRETO-LEI N.º 66/2011, DE 1 DE JUNHO Não existia até há pouco um diploma que regulasse expressamente o contrato de estágio celebrado directamente entre particulares, designadamente entre uma empresa e um estagiário ou formando, sem que o mesmo tivesse de ser financiado com dinheiros estatais. Não obstante, o contrato de estágio encontrava a sua legitimidade no Código Civil. Como uma das pedras basilares dos estados de direito democrático, vigora no 125 Será, por exemplo o caso dos estudantes. 126 O caso dos advogados, quando a paralisação não seja no âmbito de um vínculo jurídico de trabalho subordinado. Estes profissionais poderão celebrar um contrato por via do qual o seu exercício profissional se encontre sujeito a subordinação jurídica, o qual deve, contudo, ser conforme com os princípios deontológicos aplicáveis aos advogados, sob pena de nulidade da cláusula que viole aqueles princípios, cfr. n.os 1 e 2 do artigo 68.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, e alterada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, e pela Lei n.º 12/2010, de 25 de Junho. 127 Neste sentido Bernardo Lobo Xavier, Direito da Greve, Verbo, Lisboa 1984, página 122. 64 direito português o princípio da liberdade contratual128, ou seja, dentro dos limites da lei, as partes podem celebrar os contratos que lhes aprouver, tendo a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, conformando as respectivas vontades, cfr. n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil. Significa então que, nos termos do n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir nos contratos as cláusulas que lhes aprouver. Assim, faculta-se às partes quer a liberdade de celebração de contratos, quer a liberdade de determinar o seu conteúdo, estabelecendo o que lhes convier. Ou seja, com as limitações decorrentes da lei, permitindo-se a celebração de todo o tipo de contratos, admitia-se a celebração de contratos de estágio. E permitindo-se às partes fixar o seu conteúdo, poderá, por exemplo, o contrato de estágio encerrar, como referido, uma cláusula que contenha uma promessa bilateral ou unilateral de trabalho, a cumprir após a cessação do contrato de estágio. Em 25 de Junho de 2008 foi celebrado o acordo tripartido para um novo sistema de regulação das relações laborais, das políticas de emprego e da protecção social, entre o Governo e a maioria dos parceiros com assento na Comissão Permanente de Concertação Social. Nesse acordo ficou consignada, em sede do combate à precariedade ilegal e de redução da precariedade legal, a proibição da realização de estágios profissionais extra-curriculares não remunerados, bem como o dever de serem regulados legalmente os estágios obrigatórios para acesso a profissões, para evitar a prática de trabalho dissimulado. A evolução do contrato de estágio passava obrigatoriamente pela sua regulamentação. Esta mostrava-se mesmo uma necessidade cada vez mais inadiável, sendo várias as razões que conduziam a semelhante raciocínio. Desde logo urgia tomar as medidas que permitissem iniciar o abrandamento da assimetria cada vez mais elevada do mercado de trabalho. Por um lado, os trabalhadores que beneficiam da estabilidade de um vínculo, com regras – porventura até excessivas – que asseguram a segurança inerente à cessação do contrato de trabalho, que só é admissível, em regra, em situações extremas. Do outro lado, avulta o trabalho precário e a fuga para situações qualificadas como extra-laborais, quando frequentemente 128 Sobre a liberdade contratual vide Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º volume, AAFDL, 1999, página 68 e seguintes, e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª Edição, Almedina, 2000, página 205 e seguintes. 65 constituem relações de trabalho subordinado, com o objectivo claro de obstar à aplicação das normas jurídicas laborais, propósito essencialmente prosseguido por quem deve ser qualificado como empregador, e que atinge sobretudo aqueles que mais tarde chegaram ao mercado de trabalho, ou que nele pretendem ingressar. A ausência de regulamentação do contrato de estágio apenas contribuía para o adensar do desequilíbrio do mercado de trabalho, ao permitir – por até ao Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, o estágio não se encontrar disciplinado – a utilização da figura de modo abusivo, por aqueles que nele eram partes não conhecerem, em circunstâncias idênticas, os seus direitos e deveres. Quem procura aceder ao mercado de trabalho, como sucede com um estagiário, encontra-se, por princípio, em situação de maior debilidade pela pouca experiência detida, numa clara posição de desvantagem face a quem lhe faculta o estágio, desvantagem essa que devia por isso ser equilibrada, conferindo-lhe alguma protecção. Não significa isto que o maior equilíbrio entre as partes no contrato de estágio deva ser obtido pela aplicação de todas as normas aplicáveis aos trabalhadores, o que a suceder poderia inviabilizar a utilização deste instituto, perdendo-se as vantagens inerentes ao mesmo: possibilitar uma formação efectiva dos estagiários, contribuindo para posteriormente se alcançarem trabalhadores mais qualificados. Outra razão em abono da regulamentação do contrato de estágio encontrava-se na utilização, cada vez mais frequente, deste contrato, ao qual recorriam um número cada vez maior de empresas fazendo-o, contudo, de modo díspar, e em alguns casos sem qualquer preocupação de efectivamente facultarem ao estagiário uma formação real, procurando apenas satisfazer necessidades de mão-de-obra. Com efeito, há matérias como a duração do contrato de estágio, e a duração do período das actividades de formação prática em contexto de trabalho que, só por si, justificavam a necessidade de disciplinar este contrato, de modo a evitar que uma situação determinada no tempo, com benefícios para ambas as partes, se prolongasse por tempo incerto, e que as actividades diárias se prolongassem várias horas após aquelas a que se encontram obrigados os que prestam trabalho subordinado. Por fim, a morosidade a que se acham votados os tribunais nacionais, com milhares de processos pendentes, demandava, e demanda ainda, que não se concorra para agravar a situação, sem prejudicar a garantia de acesso à justiça daqueles que dela carecem. A clarificação e uniformização das regras aplicáveis ao contrato de estágio, conferindo-lhe maior transparência, cooperaria para uma menor litigância judicial, poupando-se os efeitos desta para todos os que nela se acham envolvidos. 66 Correspondendo a regulamentação do contrato de estágio a uma necessidade, só através do artigo 146.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011, foi concedida ao Governo a autorização legislativa para a regulação dos estágios profissionais, a qual caducaria em 31 de Dezembro de 2011. Nos termos do n.º 2 do artigo 146.º da Lei n.º 55-A/2010, o âmbito da autorização legislativa compreende os estágios profissionais, incluindo aqueles cuja realização se mostre legalmente exigível para a aquisição de uma habilitação profissional tendo em vista o acesso ao exercício de determinada profissão, e exclui os estágios que correspondam a trabalho independente, os estágios curriculares, os estágios profissionais extracurriculares que sejam objecto de comparticipação pública e aqueles cuja realização seja obrigatória para o ingresso ou acesso a determinada carreira ou categoria no âmbito de uma relação jurídica de emprego público. Por determinação constitucional129, o sentido e a extensão da autorização legislativa concedida foi expressamente prevista no n.º 3 do artigo 146.º da Lei n.º 55A/2010, dividindo-se nos seguintes princípios: a) Prever a obrigatoriedade de um contrato de estágio, reduzido a escrito, e fixar o seu conteúdo mínimo necessário; b) Estabelecer que o estágio não pode ultrapassar a duração máxima de 12 meses, excepto aqueles cuja realização se mostre legalmente exigível para a aquisição de uma habilitação profissional, tendo em vista o acesso ao exercício de determinada profissão, e em que aquele prazo pode ser prorrogado até ao limite máximo de 18 meses; c) Determinar a obrigatoriedade de pagamento de um subsídio mensal de estágio por parte da entidade promotora e de um subsídio de alimentação, fixando-se os respectivos montantes mínimos, e, ainda, a obrigatoriedade de a entidade promotora contratar um seguro de acidentes pessoais em benefício do estagiário, suportando o pagamento do respectivo prémio; d) Estabelecer que se considera entidade promotora, para efeitos do diploma a aprovar, a pessoa singular ou colectiva que concede o estágio, incluindo a pessoa singular que, na qualidade de patrono e ao abrigo das disposições legais e regulamentares que regulam a realização de estágios profissionais obrigatórios para o acesso ao exercício de determinada profissão, orientar o respectivo estágio; 129 Cfr. n.º 2 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra que: “As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.”. 67 e) Determinar que o estagiário não está abrangido por qualquer regime obrigatório de segurança social, podendo ser acordado um esquema contributivo facultativo para a segurança social; f) Estabelecer as situações que originam a suspensão e cessação do contrato de estágio e os respectivos efeitos; g) Consagrar que a actividade desenvolvida pelo estagiário na entidade promotora, após o termo do período de estágio, é considerada como exercida no âmbito de um contrato de trabalho; h) Estabelecer a obrigação de a entidade promotora designar um orientador de estágio, definindo as respectivas competências e o número limite de estagiários que pode acompanhar; i) Fixar as regras de desenvolvimento do estágio, nomeadamente quanto ao regime do período normal de trabalho, dos descansos diário e semanal, de feriados, de faltas e de segurança e saúde no trabalho, aplicando-se o regime da generalidade dos trabalhadores ao serviço da entidade promotora; j) Consagrar o regime sancionatório para o incumprimento das regras estabelecidas ao abrigo da autorização legislativa; l) Determinar que as regras relativas à realização de estágios profissionais a aprovar ao abrigo da autorização legislativa prevalecem sobre outros diplomas legais ou regulamentares relativos à realização de estágios, excepto quando delas resulte expressamente o contrário ou a especificidade do regime resulte reconhecida no decreto-lei autorizado. No cumprimento do disposto na autorização legislativa foi publicado, para apreciação pública, na Separata do Boletim do Trabalho e Emprego n.º 1, de 28 de Janeiro de 2011 130 , o projecto de decreto-lei que estabelecia as regras a que devia obedecer a realização de estágios profissionais, incluindo os que tinham como objectivo a aquisição de uma habilitação profissional legalmente exigível para o acesso ao exercício de determinada profissão. Através de comunicado, o Conselho de Ministros anunciou que, na sua reunião de 3 de Março de 2011, foi aprovado o Decreto-Lei que estabelece as regras a que deve obedecer a realização de estágios profissionais. 130 Disponível em bte.gep.mtss.gov.pt/. 68 No Diário da República, 1.ª Série, n.º 106, de 1 de Junho, veio a ser publicado o Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho. Este Decreto-Lei, nos termos do n.º 1 do seu artigo 1.º, estabelece as regras a que deve obedecer a realização de estágios profissionais, incluindo os que tenham como objectivo a aquisição de uma habilitação profissional legalmente exigível para o acesso ao exercício de determinada profissão, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 146.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro131. 131 Tal publicação no Diário da República é apta a suscitar dúvidas acerca da constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 66/2011. Com efeito, pouco depois do Conselho de Ministros ter anunciado a aprovação, na sua reunião de 3 de Março, do Decreto-Lei que regulamenta os estágios profissionais, o Governo foi demitido pelo Presidente da República, na sequência do pedido de demissão apresentado pelo PrimeiroMinistro, que a aceitou, cfr. Decreto do Presidente da República n.º 38-A/2011, de 31 de Março, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 64, de 31 de Março de 2011. Alguns dias depois da demissão do Governo, o Presidente da República dissolveu a Assembleia da República, cfr. Decreto do Presidente da República n.º 44-A/2011, de 7 de Abril, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 69, de 7 de Abril de 2011. A demissão do Governo comporta efeitos jurídicos de relevo no ordenamento jurídico, com suficientes repercussões no processo legislativo. Nos termos do n.º 4 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, as autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República. No mesmo sentido, o n.º 5 do mesmo preceito constitucional determina que as autorizações concedidas ao Governo na lei do Orçamento – o que sucedeu no caso da regulação dos estágios profissionais, através do artigo 146.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro – observam o disposto naquele artigo 165.º e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam. A questão decisiva para se concluir pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 66/2011 é determinar o momento relevante em que cessa a possibilidade de, validamente, ser utilizada uma autorização legislativa. Chamado a pronunciar-se sobre esta questão, tem entendido o Tribunal Constitucional que o dia da publicação do diploma governamental não releva, pelo que o decreto-lei poderá ser publicado apenas em momento posterior àquele em que cessou a validade da autorização legislativa, sem que padeça de inconstitucionalidade. Para esta conclusão, tem invocado aquele tribunal que a falta de publicidade de um acto implica a sua ineficácia jurídica, nos termos do n.º 2 do artigo 119.º da Constituição da República Portuguesa, não constituindo assim a publicação de um decreto-lei um elemento de validade do próprio acto. Não sendo a publicação o momento relevante para aferir da validade de um decreto-lei emitido ao abrigo de uma autorização legislativa, restam, no procedimento legislativo, três outros momentos: a aprovação em Conselho de Ministros, a promulgação pelo Presidente da República e a referenda pelo Governo. A falta das duas últimas implica a inexistência jurídica do acto, cfr. artigo 137.º e n.º 2 do artigo 140.º e da Constituição, respectivamente. Ainda quanto à promulgação, esta não constitui um acto da competência do Governo, pelo que não é de exigir que ela ocorra dentro do 69 O estágio profissional, para efeitos do Decreto-Lei n.º 66/2011, consiste, como referido, na formação prática em contexto de trabalho que se destina a complementar e a aperfeiçoar as competências do estagiário, visando a sua inserção ou reconversão para a vida activa de forma mais célere e fácil ou a obtenção de uma formação técnicoprofissional e deontológica legalmente obrigatória para aceder ao exercício de determinada profissão, cfr. n.º 1 do artigo 2.º do diploma referido. Com o Decreto-Lei n.º 66/2011 pretende-se, de acordo com o seu preâmbulo, uniformizar o tratamento jurídico dos estágios profissionais extracurriculares, alargando as regras e princípios que norteiam a realização dos programas de estágios, comparticipados com dinheiros públicos, a todo e qualquer tipo de situação que configure a realização de um estágio profissional extracurricular, respeitando-se, prazo concedido ao Governo para legislar em determinada matéria. A referenda, por sua vez, é posterior à promulgação, pelo que deverá ser desconsiderada. O Tribunal Constitucional tem perfilhado a tese de que para que se considere respeitado o prazo da autorização legislativa, basta que ocorra dentro desse prazo a aprovação pelo Conselho de Ministros do Decreto-Lei emitido no uso dessa autorização, aceitando o paralelismo com a aprovação parlamentar de uma lei - que se considera aprovada quando a Assembleia da República vota o seu texto final em termos globais, cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 150/92, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 28 de Julho de 1992, página 6971 e seguintes, 121/93, processo n.º 288/91, e 206/94, processo n.º 419/92, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt. Na doutrina, é considerada a possibilidade de o Governo antedatar actos em sede de Conselho de Ministros, cometendo uma fraude de modo a que estes fiquem em prazo, pelo que quer Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo v, Coimbra Editora, 1997, página 317, quer Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, Coimbra Editora, 2010, página 338, afastam a aprovação em Conselho de Ministros. Jorge Miranda prefere a data em que o diploma é recebido pelo Presidente da República para efeitos de promulgação, enquanto que Gomes Canotilho e Vital Moreira parecem eleger a promulgação e referenda, enquanto momento intermédio. Assim, a autorização legislativa concedida pelo artigo 146.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, caducaria automaticamente com a demissão do Governo, o que só não ocorreu porquanto a mesma autorização legislativa já havia cessado por utilização da mesma pelo Governo, utilização essa que, atendendo à jurisprudência do Tribunal Constitucional, se consubstanciou com a aprovação do diploma em Conselho de Ministros, e para Jorge Miranda com o envio do diploma ao Presidente da República, desconhecendo-se contudo a data deste envio, que não é do conhecimento geral. Adoptando-se a concepção de Gomes Canotilho e de Vital Moreira, a consequência é que o Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, é inconstitucional, por a data de promulgação e referenda pelo Governo ter sido posterior à demissão deste último – recorde-se que o diploma em causa foi promulgado em 10 de Maio de 2011, e referendado no dia seguinte. 70 contudo, algumas das especificidades inerentes à obrigatoriedade da realização de alguns desses estágios para se poder aceder ao exercício de determinada profissão. Após definir o respectivo objecto, o Decreto-Lei n.º 66/2011 exclui, no n.º 2 do artigo 1.º, do seu âmbito de aplicação os estágios curriculares, os estágios profissionais extracurriculares que sejam objecto de comparticipação pública, os estágios profissionais regulados pelos Decretos-Leis n.os 18/2010, de 19 de Março e 65/2010, de 11 de Junho (ou seja, o estágios profissionais na administração pública, e os estágios profissionais na administração local), os estágios cuja realização seja obrigatória para o ingresso ou acesso a determinada carreira ou categoria no âmbito de uma relação jurídica de emprego público, e os estágios que correspondam a trabalho independente. Estes últimos são definidos no próprio Decreto-Lei n.º 66/2011. Considera-se que o estágio profissional corresponde a trabalho independente sempre que, expressamente, o estagiário, nessa qualidade, recebe formação prática em contexto de trabalho que se destina a complementar e a aperfeiçoar as suas competências, exercendo o estagiário, exclusivamente por conta própria – ainda que sob a orientação da entidade promotora do estágio – todas as tarefas ou actividades inerentes ao estágio e para cujo exercício entregou no respectivo serviço de finanças, previamente ao início da realização do estágio, a devida declaração de início de actividade, de acordo com o disposto nos n.os 2 e 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. O estagiário, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, deve auferir um subsídio mensal de estágio cujo valor não pode ser inferior ao valor correspondente ao indexante dos apoios sociais (IAS), instituído pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro, alterada pelo Decreto-Lei n.º 323/2009, de 24 de Dezembro, e pelas Leis n.os 3-B/2010, de 28 de Abril, e 55-A/2010, de 31 de Dezembro132 133 . Admite-se contudo que o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho134 afaste o disposto no n.º 1 daquele artigo 8.º, desde que o regime que resulte do instrumento de 132 De acordo com o artigo 3.º do Decreto-lei n.º 323/2009, de 24 de Dezembro, e com a alínea a) do artigo 67.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que procedeu à suspensão, durante o ano de 2011, do regime de actualização anual do IAS para o ano de 2011, o valor deste é presentemente de 419,22 €. 133 A violação do dever da entidade que concede o estágio de pagar ao estagiário, nos casos em que a tal dever se ache submetida, o subsídio mensal de estágio, no valor do IAS, constitui contra-ordenação muito grave, punível com coima, de acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. 134 Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho encontram-se taxativamente previstos nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 2.º do Código do Trabalho, podendo ser uma convenção colectiva (que por sua vez pode ser um contrato colectivo, acordo colectivo, ou um acordo de empresa), um acordo de adesão, uma decisão arbitral, uma portaria de extensão, ou uma portaria de condições de trabalho. 71 regulamentação colectiva seja mais favorável ao estagiário, nos termos do n.º 3 do artigo 8.º. Ou seja, o limite mínimo do subsídio de estado corresponde ao valor do IAS, nada vedando que seja por força do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho em valor superior. A entidade que concede o estágio, também designada por entidade promotora do estágio, tem ainda o dever de proceder ao pagamento de um subsídio de refeição, por cada dia de estágio, em valor correspondente ao montante do subsídio de alimentação atribuído aos trabalhadores que se encontrem ao seu serviço, de acordo com o n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. Em alternativa ao subsídio de refeição, o estagiário pode optar por refeição fornecida pela própria entidade promotora do estágio, se essa for a prática para os trabalhadores ao seu serviço, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. Em concreto, poderá não haver lugar ao pagamento do subsídio de refeição, se a entidade que concede o estágio não o fizer relativamente aos seus trabalhadores. O pagamento do subsídio de refeição é efectuado por uso, ou porque a tanto se encontra obrigado o empregador, por força do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que lhe é aplicável. Na realidade, o Código do Trabalho não obriga o empregador ao pagamento deste subsídio aos trabalhadores, constatando-se todavia que mesmo quando não há nenhum instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, ou havendo-o, não obrigue ao seu pagamento, o subsídio de refeição é pago por razões fiscais135. Estabelece-se no Decreto-Lei n.º 66/2011, que a realização de um estágio é precedida da celebração de um contrato de estágio entre o estagiário e a entidade promotora, cfr. n.º 1 do artigo 3.º, determinando-se a obrigatoriedade da redução a escrito do contrato de estágio, cfr. n.º 2 do mesmo artigo 3.º. Esta obrigatoriedade de redução a escrito do contrato constitui uma excepção à liberdade de forma, prevista no artigo 219.º do Código Civil, que vigora no ordenamento jurídico português, e de 135 O subsídio de refeição apenas é considerado base de incidência de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares na parte em que exceder em 50% ao valor anualmente fixado para os subsídios de refeição dos trabalhadores da Administração pública, nos termos do n. os 3 e 14 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro. O mesmo sucede relativamente à base de incidência da taxa social única em matéria de segurança social, que tem o mesmo regime estabelecido em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, razões pelas quais os empregadores preferem proceder ao seu pagamento aos trabalhadores ao seu serviço, cfr. alínea l) do n.º 2 e n.º 3, ambos do artigo 46.º da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social. Voltaremos a este tema, uma vez que a situação em matéria fiscal e de segurança social pode ser distinta relativamente ao estagiário. 72 acordo com o qual a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir. A obrigatoriedade de redução a escrito do contrato de estágio possibilita às partes conhecerem, a todo o tempo, aquilo a que se vincularam, além de facilitar, em caso de litígio, o controlo jurisdicional do estágio. Nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, o contrato de estágio tem, obrigatoriamente, um conteúdo mínimo, exigindo-se que, entre os vários elementos que devem constar no contrato (além das habituais identificações, domicílios ou sede das partes e assinaturas) encontram-se: o nível de qualificação do estagiário; a duração do estágio e a data em que o mesmo se inicia; a identificação da área em que o estágio se desenvolve e as funções ou tarefas que no âmbito daquela se encontrem atribuídas ao estagiário; o local de realização do estágio, o período de duração, diário e semanal, das actividades de estágio; o valor do subsídio de estágio e do subsídio de refeição; a data de celebração do contrato e a cópia da apólice de seguro de acidentes pessoais, contratada pela entidade que concede o estágio em benefício do estagiário, e que cubra os riscos de eventualidades que possam ocorrer durante e por causa das actividades desenvolvidas no decorrer do estágio, bem como nas deslocações entre a residência e o local de estágio136. A duração do estágio encontra-se limitada ao período de doze meses, salvo tratando-se de estágio obrigatório para aquisição de uma habilitação profissional legalmente exigível para o acesso ao exercício de determinada profissão, em que aquele prazo pode ser prorrogado até ao limite máximo de dezoito meses, cfr. n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. Esta excepção, que permite uma duração máxima do contrato de estágio de dezoito meses, terá aplicação decorridos noventa dias após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 66/2011, prazo durante o qual as associações públicas profissionais, representativas de profissões a cujo exercício só podem aceder aqueles que previamente desenvolvam um estágio profissional objecto de regulamentação específica, devem proceder à sua adaptação ao disposto no Decreto-Lei n.º 66/2011, cfr. n.º 2 do artigo 17.º e artigo 16.º do diploma137. No que à duração diz 136 A contratação deste seguro de acidentes pessoais é uma obrigação que incumbe à entidade promotora do estágio, nos termos do n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, sob pena de incorrer na prática de uma contra-ordenação grave, punível com coima, de acordo com o n.º 5 do mesmo artigo 9.º. 137 É o que sucede, por exemplo, no estágio necessário para a obtenção do título de advogado, o qual tem presentemente uma duração mínima de dois anos, nos termos do artigo 188.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, e alterada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, e pela Lei n.º 12/2010, de 25 de Junho. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 66/2011, o Estatuto da Ordem dos Advogados terá de ser adaptado em consonância. 73 respeito, deve ainda ter-se em conta o disposto no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, segundo o qual na ausência de determinação legal específica (no caso de estágio obrigatório para aquisição de uma habilitação profissional legalmente exigível para o acesso ao exercício de determinada profissão) ou de estipulação do período de duração do estágio no contrato (escrito), considera-se que a duração do estágio corresponde a doze meses. Ou seja, o n.º 2 do artigo 4.º estabelece que na falta de determinação do período de duração do estágio pelas partes, aplica-se supletivamente a duração de doze meses138. Nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, podem ser realizados estágios profissionais de muito curta duração, ou seja aqueles que não ultrapassem os três meses de duração, de acordo com o n.º 1 daquele artigo. Estes estágios encontramse sujeitos à obrigatoriedade de reduzir o contrato a escrito, em dois exemplares, um para cada uma das partes, com os elementos referidos no artigo 3.º, supra mencionado, do Decreto-Lei n.º 66/2011 139 , excepto o valor do subsídio de estágio, se este não for pago no estágio de muito curta duração, uma vez que se permite, apenas neste, não se proceder ao seu pagamento, cfr. n.º 5 do artigo 5.º. A necessidade de serem proporcionadas a aquisição de conhecimentos, capacidades práticas, atitudes e formas de comportamento, fundamentais para o exercício de uma ou mais actividades profissionais, por um escasso período de tempo – que frequentemente comporta até mais vantagens ao estagiário do que à entidade que lhe faculta a formação – levou o legislador a atender àquelas exigências não impondo à entidade promotora custos mais elevados com a satisfação de uma bolsa de estágio. Todavia, e ao contrário do que sucede no estágio profissional que não tenha uma duração até três meses, impõe-se no estágio de muito curta duração que o contrato contenha, de forma fundamentada, os motivos que justificam o seu curto período de duração. O contrato de estágio de muito curta duração afasta-se assim do regime geral do contrato de estágio, devendo os motivos que explicam a sua diminuta vigência, por força do n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 66/2011 serem devidamente justificados, 138 Ainda assim, quando seja aplicável a duração supletiva dos doze meses, nem por isso a entidade que concede o estágio se encontra obrigada a manter este contrato, pois como infra se demonstrará, poderá sempre fazer cessá-lo por resolução, desde que cumpra o dever de comunicar a sua intenção de não pretender a manutenção do contrato através de carta registada e com antecedência não inferior a 15 dias. 139 E com a mesma cominação caso o contrato de estágio não observe os mesmos deveres de forma e de conteúdo previstos naquele artigo 3.º, ou seja contra-ordenação grave, punível com coima, de acordo com o n.º 7 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. 74 constando essa justificação expressamente do contrato escrito. Assim se permite que a veracidade do motivo justificativo invocado possa ser sindicada judicialmente. Caso a fundamentação seja preterida do contrato de estágio, não se considera esse estágio ao abrigo deste regime especial previsto para o estágio de muito curta duração, cfr. n.º 4 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 66/2011140, incorrendo ainda a entidade que concede o estágio em contra-ordenação grave, punível com coima, cfr. n.º 7 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. A entidade promotora, também designada por entidade que concede o estágio, não pode celebrar com o mesmo estagiário mais do que um contrato de estágio profissional de curta duração, nos termos do n.º 6 do Decreto-Lei n.º 66/2011, o que significa que ainda que o contrato seja celebrado por período inferior ao limite legal dos três meses, as partes não poderão celebrar um novo contrato de muito curta duração141. O Decreto-Lei n.º 66/2011 consigna também o dever da entidade que concede o estágio, a entidade promotora, de designar um orientador de estágio, sob pena de incorrer em contra-ordenação grave, cfr. n.os 1 e 4 do seu artigo 7.º 142. Pode considerarse entidade promotora a pessoa singular que, na qualidade de patrono, ao abrigo das 140 Se o estágio deixa de se considerar de muito curta duração, aplicando-se, como determina expressamente aquele n.º 4 do artigo 5.º o regime previsto no Decreto-Lei n.º 66/2011, com exclusão da dispensa da obrigatoriedade de pagamento do subsídio de estágio, revelando-se nesta parte redundante, outra consequência parece advir da preterição da fundamentação: ao estágio passará a aplicar-se a duração supletiva prevista no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. 141 Já será de admitir a prorrogação de um contrato de estágio de muito curta duração celebrado por período inferior aos três meses e que as partes pretendem posteriormente estender até ao limite legal. Sendo materialmente o mesmo contrato não se deve impedir a prorrogação, quando a duração total do contrato não ultrapasse os três meses, considerando-se o contrato de muito curta duração como um só. 142 Trata-se de uma solução louvável. Constituindo o objecto do contrato de estágio a formação, deverá consignar-se os meios que possibilitem acautelar a sua real ministração. Semelhante efeito pode obter-se através da obrigatoriedade daquele que concede o estágio, quando não for o próprio, designar alguém que possa acompanhar o período de estágio, como sucede agora por força do n.º 1 do artigo 7.º do DecretoLei n.º 66/2011. Em causa está uma assistência pedagógica conferida ao estagiário, dispensada por um formador, um tutor, ou orientador de estágio na empresa, ao longo de todo o percurso da formação. O estabelecimento do dever da empresa, quando não seja uma pessoa singular a facultar o estágio, de designar um orientador de estágio poderá facilitar a transmissão de conhecimentos, ao permitir um acompanhamento com carácter mais pessoal do estagiário. À partida, sendo o orientador de estágio um trabalhador da empresa, que supervisionará o estagiário, é possível configurar outra mais valia, ainda que indirecta: mais facilmente o tempo das actividades de estágio não será prolongado para além do tempo permitido, pois aquelas actividades encontram-se em estreita ligação com o orientador, sendo admissível que as mesmas mais facilmente se cinjam ao período normal de trabalho do próprio orientador. A identificação do orientador de estágio não constitui um elemento que tem, obrigatoriamente, de constar do contrato de estágio sujeito à forma escrita, cfr. n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. Se este elemento figurasse obrigatoriamente do contrato lograr-se-ia obter da entidade promotora do estágio a vinculação de que determinada pessoa, por si designada, iria, em princípio, desempenhar aquelas funções até ao termo do contrato aprazado. 75 disposições legais e regulamentares de um estágio profissional obrigatório para o acesso ao exercício de determinada profissão, orienta o respectivo estágio, cfr. n.º 2 do mesmo artigo 7.º. Funcionando como um mentor, o orientador de estágio tem funções concretas, previstas no n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. De acordo com esta norma, a orientação do estágio consiste, sob pena de constituir contra-ordenação grave, punível com coima, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito, pelo menos, em: elaborar, ouvindo o estagiário, o plano individual de estágio; em realizar o acompanhamento técnico e pedagógico do estagiário, supervisionando o seu progresso face aos objectivos fixados no plano individual de estágio; e em avaliar, no final do estágio, os resultados obtidos pelo estagiário143. Só assim não será se se tratar de estágio obrigatório para aquisição de uma habilitação profissional legalmente exigível para o acesso ao exercício de determinada profissão, caso em que se aplicam em matéria de orientação as normas legais e regulamentares daquele estágio, cfr. n.º 5 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. Não pouco relevante é o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, de acordo com o qual durante o estágio é aplicável o regime do período normal de trabalho144, de descansos diário e semanal, de feriados, de faltas e de segurança e saúde no trabalho, que for aplicável à generalidade dos trabalhadores ao serviço da entidade que conceder o estágio. Ou seja, apesar do vínculo jurídico que une o estagiário àquele que lhe conceder o estágio não ser de trabalho subordinado, o estagiário beneficia das normas previstas no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, quando este for aplicável à generalidade dos trabalhadores. Salvo melhor opinião, trata-se dos efeitos mais necessários do Decreto-Lei, circunscrever as actividades de estágio aos limites legais do período normal de trabalho, evitando situações de exploração e cuja ausência de regulamentação podia levar alguns a celebrarem contratos de estágio com o único intuito de, a troco de alguma formação, retirarem infindos e desproporcionados 143 A não celebração de um contrato de trabalho em momento subsequente à cessação do contrato de estágio não deve ser entendida como uma avaliação. Com efeito, nada deve impedir que uma formação frequentada de modo diligente não seja seguida de um vínculo laboral, assim como nada deve vedar que a frequência assim empreendida seja sucedida por um vínculo daquela natureza. 144 O período normal de trabalho, nos termos do artigo 198.º do Código do Trabalho, corresponde ao tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana. Por tempo de trabalho entende-se, de acordo com o n.º 1 do artigo 197.º do Código do Trabalho, qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no n.º 2 daquele mesmo artigo. 76 proveitos para si, efeitos que repudiam ao direito e é por este tutelado através do abuso de direito, cfr. artigo 334.º do Código Civil. Consequentemente, e a não ser que seja aplicável instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, em sentido mais favorável em matéria de limites à duração dos períodos normais de trabalho, as actividades de estágio têm como limite máximo oito horas por dia e quarenta horas por semana, cfr. n.º 1 do artigo 203.º do Código do Trabalho145. Por efeito daquele artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, o estagiário beneficia também de um período de descanso diário de, pelo menos, onze horas seguidas, entre dois períodos diários de actividades de estágio consecutivas, ou seja, entre jornadas de trabalho para aqueles que são trabalhadores, cfr. n.º 1 do artigo 214.º do Código do Trabalho. A mais, tem também o estagiário direito a gozar, pelo menos, um dia de descanso por semana, o que é designado por dia de descanso semanal obrigatório – em regra o Domingo –, cfr. n.os 1 e 2 do artigo 232.º do Código do Trabalho, e em princípio, a gozar o período de onze horas do descanso semanal em continuidade com o dia de descanso semanal obrigatório, ou, em substituição deste último, a descanso semanal complementar desde que gozado em continuidade ao descanso semanal obrigatório cfr. n.os 1 e 2 do artigo 233.º do Código do Trabalho. 145 Delimitar-se um máximo de horas em que o estagiário poderá desenvolver as actividades, obviando a que estas se prolongassem muito para lá do que é razoável, e sem que o estagiário pudesse beneficiar de algum descanso, era das matérias cuja regulamentação se mostrava indispensável. Se é relevante a imposição de um limite de horas de duração das actividades diárias, a sua determinação em concreto podia suscitar relevantes dificuldades significativas. Temos para nós que nesta matéria a solução adoptada pelo legislador se mostrou a mais adequada, permitindo que a formação que seja facultada ao estagiário acompanhe o período normal de trabalho diário dos trabalhadores da organização que lhe conceda o estágio, assim contribuindo decisivamente para que aquela formação seja efectiva. Na realidade, a velocidade a que se sucedem os eventos nas organizações empresariais, onde os acontecimentos nem sempre ocorrem como programado, por melhor que se tenha planificado, justificam que, para que o estagiário possa tirar o melhor proveito da formação prática em contexto de trabalho, este possa realizar as actividades de estágio durante pelo menos o mesmo período de tempo em que os trabalhadores da empresa devem prestar o seu trabalho. Ou seja, um estágio que não tivesse uma correspondência temporal, em termos de duração, com o trabalho que é desenvolvido pelos trabalhadores da entidade que faculta o estágio, com quem o estagiário se há-de necessariamente relacionar, poderia permitir que os conhecimentos, capacidades práticas, atitudes e formas de comportamento, fossem transmitidos ao estagiário de modo incompleto. Pense-se por exemplo que o estagiário se encontrava, por força da lei, obrigado a terminar diariamente as suas actividades uma ou duas horas mais cedo do que aqueles que prestam o seu trabalho na organização. Quanto não poderia desaproveitar o estagiário com semelhante imposição? Seria a reunião inesperada de final de dia, a dificuldade cuja resolução só se logra alcançar várias horas depois de detectada, etc., ocorrências essas que têm sempre lugar e, pela sua importância, têm de ser sempre solucionadas, independentemente das actividades de estágio. Significa isto que, em nosso entender, as actividades de estágio deverão ter correspondência com a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores da organização em que decorrer o estágio, não sendo em menor nem em maior número. 77 E tem também o estagiário, ainda por força do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, direito aos feriados obrigatórios previstos no n.º 1 do artigo 234.º do Código do Trabalho, e eventualmente aos feriados facultativos previstos no n.º 1 do artigo 235.º do Código do Trabalho. A uniformização defendida entre as actividades de estágio e os períodos normais de trabalho dos trabalhadores da entidade que conceda o estágio, deve entender-se, no que aos feriados diz respeito, igualmente como válida, permitindo o desenrolar do estágio quando a organização se encontre em funcionamento. Se esta não labora em dia considerado feriado, nenhuma razão há para que o estagiário deva desempenhar as suas actividades. Por efeito do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, o regime de faltas previsto no artigo 248.º e seguintes do Código do Trabalho146 é igualmente aplicável ao contrato de estágio. Significa isto que a falta assume uma de duas modalidades: justificada ou injustificada, cfr. alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 8.º, conjugadas com as alíneas c) e d) do artigo 12.º, todas do Decreto-Lei n.º 66/2011, e com o n.º 1 do artigo 249.º do Código do Trabalho. Por aplicação do n.º 2 do artigo 249.º do Código do Trabalho, são consideradas faltas justificadas: a) As dadas, durante 15 dias seguidos, por altura do casamento; b) A motivada por falecimento de cônjuge, parente ou afim147; c) A motivada por impossibilidade de realizar as actividades de estágio devido a facto não imputável ao estagiário, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, acidente ou cumprimento de obrigação legal; d) A motivada pela prestação de assistência inadiável e imprescindível a filho, a neto ou a membro do agregado familiar do estagiário, podendo a entidade que conceda o estágio solicitar-lhe prova do carácter inadiável e imprescindível da assistência148; 146 Na ausência de noção de falta no Decreto-Lei n.º 66/2011, esta resulta desde logo do n.º 1 do artigo 248.º do Código do Trabalho, em sentido de se considerar falta a ausência do estagiário do local em que deve desempenhar as actividades de estágio durante o período normal de estágio diário. E por aplicação do n.º 2 do mesmo artigo 248.º, em caso de ausência do estagiário por períodos inferiores ao período normal de estágio diário, os respectivos tempos são adicionados para determinação da falta. 147 Neste caso o estagiário pode faltar justificadamente até cinco dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens, de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o estagiário, ou de parente ou afim no 1.º grau na linha recta, e até dois dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou afim na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral, cfr. artigo 251.º do Código do Trabalho. 78 e) A motivada por deslocação a estabelecimento de ensino de responsável pela educação de menor por motivo da situação educativa deste, pelo tempo estritamente necessário, até quatro horas por trimestre, por cada um; f) A de candidato a cargo público, nos termos da correspondente lei eleitoral; g) A autorizada ou aprovada pela entidade que conceda o estágio149; e h) A que por lei seja como tal considerada. As demais faltas são consideradas injustificadas, cfr. n.º 3 do artigo 249.º do Código do Trabalho. Cada uma das modalidades de faltas, justificada ou injustificada, tem regimes distintos. Quanto aos efeitos da falta justificada, a regra é que não prejudica qualquer 148 No caso de falta para assistência a filho, o estagiário pode faltar às actividades de estágio para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, a filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, a filho com deficiência ou doença crónica, até 29 dias por ano (uma vez que quando atingir 30 dias de faltas o contrato de estágio cessa, cfr. alínea c) do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011), faculdade que não pode ser exercida simultaneamente pelo pai e pela mãe, cfr. n.os 1 e 4 do artigo 49.º do Código do Trabalho. O estagiário pode também faltar às actividades de estágio até 15 dias por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível em caso de doença ou acidente a filho com 12 ou mais anos de idade que, no caso de ser maior, faça parte do seu agregado familiar, faculdade esta que não pode igualmente ser exercida simultaneamente pelo pai e pela mãe, cfr. n. os 2 e 4 do artigo 49.º do Código do Trabalho. Quanto à falta para assistência a neto, embora esta situação possa ser de verificação bastante diminuta por razões biológicas, o estagiário pode também faltar justificadamente, cfr. artigo 50.º do Código do Trabalho. Já quanto à falta para assistência a membro do agregado familiar, o estagiário tem direito a faltar às actividades de estágio até 15 dias por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, a cônjuge ou pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o estagiário, parente ou afim na linha recta ascendente ou no 2.º grau da linha colateral, cfr. n.º 1 do artigo 252.º do Código do Trabalho. Ao período de ausência referido acrescem até 14 dias por ano, no caso de prestação de assistência inadiável e imprescindível a pessoa com deficiência ou doença crónica, que seja cônjuge ou viva em união de facto com o estagiário, cfr. n.º 2 do artigo 252.º do Código do Trabalho, conjugado com a alínea c) do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. No caso de assistência a parente ou afim na linha recta ascendente, não é exigível a pertença ao mesmo agregado familiar, cfr. n.º 3 do artigo 252.º do Código do Trabalho. 149 Atenta a ampla margem de discricionariedade decorrente da alínea i) do n.º 2 do artigo 249.º do Código do Trabalho, o estagiário pode no decurso do contrato de estágio beneficiar de férias, caso a entidade que conceda o estágio entenda, a tal não sendo obrigada, autorizar as faltas consequentes da ausência ou as aprove. Nos termos do Decreto-Lei n.º 66/2011 não se prevê expressamente que o estagiário goze férias, efeito que por aplicação da norma referida pode obter-se. As férias constituem um direito dos trabalhadores, qualidade que o estagiário não tem. Atenta a duração necessariamente determinada do contrato de estágio, em regra doze meses, cfr. n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, não havia necessidade de, por princípio, as consagrar como um direito do estagiário. Contudo admite-se que, caso o estagiário venha, posteriormente à cessação do contrato de estágio, a celebrar um contrato de trabalho com a mesma entidade que lhe concedeu o estágio, deverá serlhe assegurado um período, ainda que curto de tempo, que possibilite a recuperação física e psíquica do estagiário. É que, pelas regras relativas ao direito a férias dos trabalhadores, no ano da admissão, o trabalhador só poderá gozar férias após seis meses completos de execução do contrato de trabalho, cfr. n.º 1 do artigo 239.º do Código do Trabalho, período de tempo ao qual, juntando-se-lhe a duração de um anterior contrato de estágio sem férias, mostrar-se-á demasiado excessivo se não existir o restabelecimento do estagiário. Contudo, mesmo na situação em que o estagiário vem posteriormente a celebrar um contrato de trabalho, nada obriga a entidade que concedeu o estágio a conceder-lhe algum tempo de repouso. 79 direito do estagiário, ou seja, em princípio, as faltas justificadas não determinam a perda do subsídio de estágio nem do subsídio de refeição, excepto quando excedam as 15 faltas justificadas, cfr. alínea d) do n.º 2 do artigo 8.º, conjugada com o n.º 3 do artigo 9.º, ambos do Decreto-Lei n.º 66/2011, e com o n.º 1 do artigo 255.º do Código do Trabalho. Quanto aos efeitos da falta injustificada, esta determina a perda do subsídio de estágio correspondente ao período de ausência, e do subsídio de refeição, cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 8.º conjugada com o n.º 3 do artigo 9.º, ambos do Decreto-Lei n.º 66/2011, e com o n.º 1 do artigo 256.º do Código do Trabalho. Note-se contudo que os efeitos das faltas referidos, relativamente ao pagamento do subsídio de estágio (mas não já relativamente ao subsídio de refeição), podem ser afastados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, desde que este consagre um regime mais favorável ao estagiário, cfr. n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. No caso de apresentação do estagiário com atraso injustificado superior a sessenta minutos e para início do estágio diário, a entidade que conceda o estágio pode não aceitar as actividades de estágio durante todo o período normal de estágio diário, cfr. alínea a) do n.º 3 do artigo 256.º do Código do Trabalho. Caso o estagiário se apresente com atraso injustificado superior a trinta minutos, a entidade que concede o estágio pode não aceitar as actividades de estágio durante essa parte do período normal de estágio diário, cfr. alínea b) do n.º 3 do artigo 256.º do Código do Trabalho. No que às faltas diz respeito, há também que fazer uma alusão final à comunicação de ausência, que por efeito da aplicação do artigo 253.º do Código do Trabalho, determinaria que a ausência, quando previsível, tem de ser comunicada à entidade que concede o estágio, acompanhada da indicação do motivo justificativo, com a antecedência mínima de cinco dias. Caso a antecedência não possa ser respeitada, nomeadamente por a ausência ser imprevisível com a antecedência de cinco dias, a comunicação à entidade que concede o estágio deve ser feita logo que possível. Já a falta de candidato a cargo público durante o período legal da campanha eleitoral deve ser comunicada à entidade que concede o estágio com a antecedência mínima de quarenta e oito horas. Impõe-se ainda um dever de reiterar a comunicação, em caso de ausência imediatamente subsequente à ausência comunicada, mesmo quando a ausência determine a suspensão do contrato de estágio, cfr. n.º 3 do artigo 253.º do Código do Trabalho. A consequência do incumprimento dos deveres de comunicação de ausência determina que a ausência seja considerada injustificada, cfr. n.º 4 do artigo 253.º do Código do Trabalho. 80 Por fim, quanto à prova do motivo justificativo da falta, a entidade que concede o estágio pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao estagiário prova de facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável, sendo que o incumprimento desta obrigação determina que a ausência seja considerada injustificada, cfr. n.os 1 e 5 do artigo 254.º do Código do Trabalho. No que se refere à aplicação do regime de segurança e saúde no trabalho que seja aplicável à generalidade dos trabalhadores daquele que concede o estágio, encontrase aquele regime previsto no artigo 281.º e seguintes do Código do Trabalho. Com semelhante aplicação pretende-se assegurar a protecção do estagiário em matéria de segurança e saúde no trabalho150, e simultaneamente vedar a que o contrato de estágio seja usado para se contornar a proibição ou condicionamento de certos trabalhos que incide sobre o empregador151. Nos artigos 281.º e seguintes do Código do Trabalho estabelecem-se apenas as normas fundamentais do regime de segurança e saúde no trabalho, sendo as demais reguladas em legislação específica, como determinado pelo artigo 284.º daquele Código, a Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro152. Entre aquelas 150 Com efeito, a alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, como referido, assegura apenas a aplicação, com as necessárias adaptações, ao estagiário, praticante, aprendiz e demais situações que devam considerar-se de formação profissional, do regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, previsto nos artigos 283.º e 284.º do Código do Trabalho, e não em matéria de segurança e saúde no trabalho. 151 Determina o n.º 6 do artigo 281.º do Código do Trabalho que são proibidos ou condicionados os trabalhos que sejam considerados, por regulamentação em legislação especial, susceptíveis de implicar riscos para o património genético do trabalhador ou dos seus descendentes. O artigo 48.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, estabelece que são proibidas ou condicionadas aos trabalhadores as actividades que envolvam a exposição aos agentes químicos, físicos e biológicos ou outros factores de natureza psicossocial que possam causar efeitos genéticos hereditários, efeitos prejudiciais não hereditários na progenitura ou atentar contra as funções e capacidades reprodutoras masculinas ou femininas, susceptíveis de implicar riscos para o património genético, referidos naquele diploma ou em legislação específica, conforme a indicação que constar dos mesmos. O n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, veda a utilização dos agentes proibidos, admitindo-a apenas para fins exclusivos de investigação científica ou em actividades destinadas à respectiva eliminação, sendo que mesmo nestas situações excepcionais, incide sobre o empregador um dever de comunicar previamente um conjunto de informações ao organismo competente para a segurança e saúde no trabalho do ministério responsável pela área laboral, cfr. n.º 3 do artigo 49.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro. 152 De acordo com os conceitos de trabalhador e de empregador, previstos nas alíneas a) e c), respectivamente, do artigo 4.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, esta Lei é, só por si, inaplicável ao estagiário. Na primeira daquelas normas determina-se que para efeitos da Lei n.º 102/2009 se entende por trabalhador a pessoa singular que, mediante retribuição, se obriga a prestar um serviço a um empregador e, bem assim, o tirocinante, o estagiário e o aprendiz que estejam na dependência económica do empregador em razão dos meios de trabalho e do resultado da sua actividade. Já na segunda estabelece-se que para os efeitos daquela lei se entende por empregador a pessoa singular ou colectiva com um ou mais trabalhadores ao seu serviço e responsável pela empresa ou estabelecimento ou, quando se trate de organismos sem fins lucrativos, que detenha competência para a contratação de trabalhadores. O estagiário não é trabalhador, sendo que aquele que lhe concede o estágio não é, relativamente ao estagiário, seu empregador. E também não recai o contrato de estágio na equiparação do n.º 3 do artigo 3.º 81 normas fundamentais encontra-se a determinação de que o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde, devendo o empregador assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção, cfr. n.os 1 e 2 do artigo 281.º do Código do Trabalho. Por efeito da aplicação do regime de segurança e saúde no trabalho, a entidade que concede o estágio deve, entre outros deveres, promover a realização de exames de saúde adequados a comprovar e avaliar a aptidão física e psíquica do estagiário para o exercício das actividades de estágio, bem como a repercussão destas e das condições em que seriam desenvolvidas na saúde do mesmo, cfr. n.º 1 do artigo 108.º da Lei n.º 102/2009. Semelhantes exames de saúde subdividem-se em exames de admissão, antes do início das actividades de estágio ou, se a urgência da admissão o justificar, nos 15 dias seguintes, em exames ocasionais, sempre que haja alterações substanciais nos componentes materiais de trabalho que possam ter repercussão nociva na saúde do estagiário, bem como no caso de regresso do estagiário às actividades de estágio depois de uma ausência superior a 30 dias por motivo de doença ou acidente153. O Decreto-Lei n.º 66/2011 compreende ainda a regulação dos motivos que determinam a suspensão do contrato de estágio, cfr. n.º 1 do seu artigo 11.º. Naquela norma determina-se que o contrato de estágio se suspende por facto relativo à entidade promotora do estágio, nomeadamente encerramento temporário do estabelecimento onde o mesmo se realizava, por período não superior a um mês, ou por facto relativo ao estagiário, nomeadamente por doença, maternidade ou paternidade, por período não superior a seis meses. Trata-se pois de duas situações de impossibilidade superveniente, ou seja, que se verificam após a celebração do contrato de estágio, temporária. Caso a impossibilidade superveniente seja absoluta e definitiva, e não temporária, a daquela Lei n.º 102/2009, de acordo com a qual, os princípios definidos naquela lei são aplicáveis, sempre que se mostrem compatíveis com a sua especificidade, às situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, quando o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade. Esta é mais uma equiparação, à semelhança de outras previstas na Lei, como supra referido em 3.2. 153 À partida, a ausência superior a 30 dias por motivo de doença ou acidente só determina a realização de exames ocasionais em caso de suspensão do contrato de estágio por facto relativo ao estagiário, cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. Por força da alínea c) do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011 o contrato de estágio cessa, por caducidade, no momento em que o estagiário atingir 30 dias de faltas, seguidas ou interpoladas, desde que a entidade que concede o estágio comunique a cessação ao estagiário, pelo que em princípio uma ausência superior a 30 dias só ocorrerá no caso de suspensão referido, ou quando se verifique a caducidade, ainda assim a entidade que concede o estágio não a invoca, não a comunicando ao estagiário. 82 consequência é que o contrato de estágio caduca, como prevê a alínea b) do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. As situações que permitem a suspensão do contrato de estágio são meramente exemplificativas e não taxativas, não se limitando apenas ao encerramento temporário do estabelecimento154 no caso da entidade que concede o estágio, ou a doença, maternidade ou paternidade, no caso do estagiário, o que resulta do advérbio “nomeadamente”. Contudo, quando o facto seja relativo à entidade que concede o estágio, não poderá ter uma duração superior a um mês, enquanto que se o facto for relativo ao estagiário, não poderá ter uma duração superior a seis meses. Quando o impedimento temporário seja por facto relativo ao estagiário, este deverá apresentar-se à entidade que lhe concedeu o estágio para retomar a actividade no dia imediato à cessação do impedimento, cfr. n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. O Decreto-Lei não o refere, mas aquela consequência impõe-se igualmente caso o impedimento temporário seja relativo à entidade que concedeu o estágio, ou seja, cessando o impedimento temporário deve ser retomado o estágio. Ainda que o impedimento temporário seja por facto relativo à entidade que concedeu o estágio, ou ao estagiário, caso este não se apresente no dia imediato à cessação do impedimento, incorre em faltas injustificadas, cfr. n.º 3 do artigo 249.º e n.os 1, 2, 4 e 5 do artigo 253.º, todos do Código do Trabalho, os quais seriam mandados aplicar pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. Quanto aos efeitos da suspensão do contrato de estágio, não havendo actividade, a alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 66/2011 determina que o subsídio de estágio não é devido, o mesmo sucedendo relativamente ao subsídio de alimentação, se este último for atribuído aos trabalhadores da entidade que concede o estágio, cfr. n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. Ainda assim, outros efeitos tem a suspensão. De facto, a suspensão não tem efeitos no decurso de prazo de caducidade, o que resulta 154 Permite-se assim a suspensão do contrato de estágio enquanto dure o encerramento da empresa ou do estabelecimento, total ou parcialmente, para férias dos trabalhadores, previsto no artigo 242.º do Código do Trabalho. Não obstante, o regime da suspensão do contrato de estágio mostra-se dificilmente compatível com situações de lay-off, ou seja, suspensão dos contratos de trabalho em situação de crise empresarial, por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afectado gravemente a actividade normal da empresa, cfr. artigo 298.º e seguintes do Código do Trabalho. Tal deve-se ao facto do lay-off poder ter uma duração superior a um mês, mas em princípio não superior a seis meses, excepto em caso de catástrofe ou outra ocorrência que tenha afectado gravemente a actividade normal da empresa, em que pode atingir um ano, ou em caso de prorrogação de qualquer um daqueles prazos por um período máximo de seis meses, cfr. n.os 1 e 3 do artigo 301.º do Código do Trabalho. Nestas situações, a entidade que concede o estágio deve então resolver o contrato de estágio, cumprindo os requisitos previstos no n.º 5 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. 83 da alínea a) do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, de acordo com o qual ocorre a cessação do contrato de estágio por caducidade após o decurso do prazo correspondente ao seu período de duração, ainda que se trate de estágio obrigatório para o acesso ao exercício de determinada profissão, a não ser que as normas que regulassem este último impusessem solução diversa, cfr. n.º 6 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011 155 . Note-se que a actividade que vir a ser desenvolvida pelo estagiário após o decurso do prazo de duração do contrato de estágio será considerada como exercida no âmbito de um contrato de trabalho, cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 66/2011 156. Outro dos efeitos da suspensão é que esta não obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato por resolução, observados os requisitos para tanto referidos no n.º 5 do artigo 12.º. Como já se deixou transparecer, em matéria de cessação do contrato de estágio, o Decreto-Lei n.º 66/2011 admite várias modalidades de cessação do contrato de estágio157. Assim, a cessação do contrato de estágio só é aceite por caducidade, acordo das partes e por resolução de alguma delas, cfr. n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. Já referimos três situações que originam a caducidade do contrato: decurso do prazo de duração do contrato, impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de alguma das partes, e a verificação de 30 dias de faltas, seguidos ou intercalados, ainda que justificadas, não relevando neste caso o período de suspensão, exigindo-se para tanto que a entidade que concede o estágio o comunicasse por escrito ao estagiário. Para além destas, também determina a caducidade do contrato cinco dias de faltas injustificadas, seguidas ou intercaladas, exigindo-se a mesma comunicação ao estagiário, reduzida a escrito, cfr. alínea d) do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. 155 A mesma solução resulta do artigo 328.º do Código Civil, nos termos do qual o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine. 156 Contrato de trabalho sem termo, ou por tempo indeterminado, pois neste vigora a liberdade de forma, enquanto que no contrato de trabalho a termo resolutivo exige-se a redução a escrito do contrato, o qual deve conter, entre outros elementos, a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, cfr. n.º 1 do artigo 141.º do Código do Trabalho. 157 Bem andou o legislador ao faze-lo. Na realidade, uma relação de bom entendimento, confiança e interesse mútuos constitui pressuposto indispensável ao êxito da formação, sendo que semelhante relacionamento só se mostrará possível se houver uma possibilidade reconhecida às partes de, com alguma latitude, porem termo a um contrato que não desejem manter. Estes motivos deverão ter levado o legislador a admitir uma flexibilização das causas de cessação do contrato de estágio, em ordem até a impulsionar a contratação de estagiários. 84 Outro modo de fazer cessar o contrato de estágio será através de acordo das partes, o qual estará sujeito a forma escrita, através de documento assinado por ambas, no qual se manifeste a vontade das partes de forma clara e inequívoca, e se mencione as datas de celebração e da produção de efeitos do acordo, cfr. n.º 4 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. No que se refere à resolução, esta é também uma das formas típicas de cessação de contratos158. No Decreto-Lei n.º 66/2011 a resolução, para ser eficaz, está dependente da manifestação de vontade ser efectuada através de carta registada, embora não necessite de aviso de recepção, e de ser antecedida por um período não inferior a quinze dias, cfr. n.º 5 do seu artigo 12.º. Admite-se no caso de estágio obrigatório para a aquisição de uma habilitação profissional legalmente exigível para o acesso ao exercício de uma profissão pode a regulamentação específica consagrar outra solução, cfr. o mesmo n.º 5 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. Deve referir-se que, em matéria de segurança social, o Decreto-Lei n.º 66/2011 remete para as disposições legais em vigor, cfr. artigo 10.º. Significa então que os estagiários não estão abrangidos pelo regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 8/98, de 15 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 18/2002, de 29 de Janeiro, que definiu a situação dos formandos, ainda que portadores de deficiência, de acções de formação profissional e dos trabalhadores deficientes em regime de emprego protegido, perante os regimes de segurança social, 158 A resolução é um modo de extinguir a relação jurídica, a par da revogação e da denúncia. Tratam-se de conceitos de direito civil cujos critérios de distinção nem sempre se mostram pacíficos. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª Edição, Almedina, 2000, página 281, define a resolução “como o acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse celebrado.”. A revogação, para o mesmo Autor, obra citada, página 283, “consiste na destruição do vínculo contratual mediante uma declaração dos contraentes aposta à primitiva que lhe deu vida”, podendo resultar de acordo das partes ou somente por uma delas, destruição aquela que tem efeitos apenas para o futuro. Já a denúncia seguindo ainda o mesmo Autor, obra citada, página 284, consiste “na manifestação da vontade de uma das partes, em contratos de prestações duradouras, dirigida à sua não renovação ou continuação.”. Não deixa de ser curioso que o próprio legislador terá tido dúvidas quanto à designação da modalidade de cessação do contrato de estágio que está em causa, porquanto no projecto de decreto-lei sujeito a discussão pública, que antecedeu o Decreto-Lei n.º 66/2011, se designava a cessação, agora denominada de resolução, por denúncia. Tomando posição, entendemos que a modalidade de cessação em causa estabelecida nos n. os 1 e 5 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2011 aproxima-se tecnicamente mais de uma denúncia do que uma resolução, pois a primeira tem efeitos para o futuro, e em regra, a declaração de uma das partes à outra que visa pôr termo ao contrato, não carece de qualquer justificação, o que sucede no Decreto-Lei n.º 66/2011. 85 exclui os estagiários, o que significa que quer o subsídio de estágio, quer o subsídio de refeição, não estão sujeito a contribuição para a segurança social159. Antes de terminarmos a análise do Decreto-Lei n.º 66/2011, importa ainda referir a alínea a) do seu artigo 13.º, segundo a qual, para além do disposto no 12.º do Código do Trabalho160, considera-se exercida no âmbito de um contrato de trabalho161 a 159 O n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 8/98, de 15 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 18/2002, de 29 de Janeiro, estabelece que estão abrangidos pelo regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem os formandos a frequentar acções de formação profissional promovidas pelas respectivas entidades empregadoras. Uma vez que as entidades que concedem estágios não são, relativamente àqueles que dele beneficiam, empregadores, o estagiário encontra-se excluído de contribuir, com as quantias eventualmente auferidas pelas actividades de estágio, para a segurança social. Neste sentido, o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 8/98 determina que: “São excluídos do âmbito pessoal do regime de segurança social os formandos que não integrem as situações previstas no artigo anterior”, o artigo 2.º, referido. Assim, e por efeito do n.º 1 do artigo 2.º já estará sujeita a descontos para a segurança social o subsídio ou bolsa de formação que seja paga pelo empregador aos seus próprios trabalhadores por formação após o período normal de trabalho diário. O mesmo já não sucede, porém, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (I.R.S.). Por efeito da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Código do I.R.S., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, consideram-se rendimentos do trabalho dependente, da categoria A, todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de trabalho prestado ao abrigo de contrato de aquisição de serviços ou outro de idêntica natureza, sob a autoridade e a direcção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito activo na relação jurídica dele resultante. De acordo com o n.º 2 do mesmo artigo 2.º, as remunerações referidas no n.º 1 compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não. Significa isto que no contrato de estágio, o subsídio, bolsa ou qualquer outra quantia recebida pelas actividades de estágio, estão sujeitas a I.R.S.. Quanto ao subsídio de refeição, o ponto 2) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do I.R.S. considera rendimento do trabalho dependente as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente o subsídio de refeição na parte em que exceder em 50% o limite legal estabelecido, ou em 70% sempre que o respectivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição. O limite legal referido é anualmente fixado para os servidores do Estado, cfr. n.º 14.º do artigo 2.º do Código do I.R.S., encontrando-se actualmente previsto na Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro. 160 O artigo 12.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho” estabelece que: “1 – Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”. 161 Valem as considerações anteriores, ou seja, contrato de trabalho sem termo, ou por tempo indeterminado, pois neste vigora a liberdade de forma, enquanto que no contrato de trabalho a termo resolutivo exige-se a redução a escrito do contrato, o qual deve conter, entre outros elementos, a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, cfr. n.º 1 do artigo 141.º do Código do Trabalho. 86 actividade profissional desenvolvida a coberto da realização de um estágio profissional que não obedeça ao disposto no artigo 2.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 3.º. Ou seja, significa isto que por força da alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, um estágio que não se destine a complementar e a aperfeiçoar as competências do estagiário, ou quando se trate de estágio profissional correspondente a trabalho independente, este não cumpra os requisitos necessários e supra referidos, ou ainda quando o estágio não tenha sido precedido da celebração de um contrato de estágio, reduzido a escrito, em dois exemplares, ficando um para cada uma das partes, considera-se que a actividade é realizada no âmbito de um contrato de trabalho. No que consubstancia mais uma aproximação ao regime do trabalho subordinado, às infracções que sejam decorrentes das violações do Decreto-Lei n.º 66/2011 é aplicável, com as devidas adaptações, o regime da responsabilidade contraordenacional previsto nos artigos 548.º a 566.º do Código do Trabalho, cfr. n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 66/2011. Desta remissão resulta, de entre outros efeitos, que o regime geral das contra-ordenações162, cfr. artigo 549.º do Código do Trabalho, é subsidiariamente aplicável às contra-ordenações que previstas no Decreto-Lei n.º 66/2011. No mesmo sentido da aproximação referida, o n.º 2 do mesmo artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 66/2011 determina que o processamento das contra-ordenações é regulado pelo regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, actualmente previsto na Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. Por força da aplicação da Lei n.º 107/2009, o procedimento das contra-ordenações compete à Autoridade para as Condições do Trabalho163. Por fim, nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, o disposto neste diploma prevalece sobre quaisquer outros diplomas legais ou regulamentares, excepto quando dele resulte expressamente o contrário, procurando-se assim, segundo cremos, afastar dúvidas interpretativas. 162 Previsto no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 356/89, de 17 de Outubro, 244/95, de 14 de Setembro, e 323/2001, de 17 de Dezembro, e ainda pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro. 163 A Autoridade para as Condições do Trabalho foi criada pelo Decreto-Lei n.º 211/2006, de 27 de Outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 326-B/2007, de 28 de Setembro, 229/2009, de 14 de Setembro, e 124/2010, de 17 de Novembro, constando a respectiva orgânica do Decreto-Lei n.º 326-B/2007, de 28 de Setembro. 87 3.4 NA JURISPRUDÊNCIA No que se refere à jurisprudência, impõe-se antes de mais aferir, de entre os vários tribunais existentes no ordenamento jurídico, quais deles são materialmente competentes para conhecer das questões emergentes do contrato de estágio. A verdade é que, não obstante o contrato de estágio não constituir uma relação de trabalho, a competência material é dos tribunais do trabalho, nos termos do disposto quer na alínea g) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro164, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, quer na alínea g) do artigo 118.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto165, que estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais166. Uma e outra norma têm idêntica redacção. Na alínea g) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, estabelece-se que compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de contratos de aprendizagem e de tirocínio, enquanto que na alínea g) do artigo 118.º da Lei n.º 52/2008 se dispõe que compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de contratos de aprendizagem e de tirocínio. Ou seja, numa ou noutra norma, derivando o litígio de relação estabelecida como sendo ao abrigo de um contrato de estágio, tanto basta para que, entendendo-se a mesma abrangida pela competência material dos tribunais de trabalho, se haja de considerar a causa subtraída ao conhecimento da jurisdição comum. Chamada a pronunciar-se relativamente à admissibilidade do contrato de estágio entre particulares, designadamente entre uma empresa e uma pessoa singular, num primeiro momento a jurisprudência mostrou-se reticente a aceitá-lo, perfilhando o entendimento de que a validade deste contrato se encontrava dependente da prévia 164 Alterada pela Lei n.º 101/99, de 26 de Julho, pelos Decretos-Lei n.os 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, de 8 de Março, pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, pelos Decretos-Lei n.os 76-A/2006, de 29 de Março, 8/2007, de 17 de Janeiro e 303/2007, de 24 de Agosto, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, pelo Decreto-lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, e pelas Leis n.os 40/2009, de 3 de Setembro, e 43/2010, de 3 de Setembro. 165 Alterada pelas Lei n.os 103/2009, de 11 de Setembro, 115/2009, de 12 de Outubro, pelo Decreto-lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, e pelas Leis n. os 3-B/2010, de 28 de Abril, 40/2009, de 3 de Setembro, e 43/2010, de 3 de Setembro. 166 Presentemente encontram-se em vigor tanto a Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro, como a Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, uma vez que, nos termos dos artigos 186.º e 187.º desta última, expressamente se revoga a Lei n.º 3/99, pese embora a Lei n.º 52/2008 apenas entrar em vigor de forma faseada, só se aplicando a todo o território nacional a partir de 1 de Setembro de 2014. 88 aprovação das autoridades administrativas competentes. Deve notar-se que a jurisprudência não vinha distinguindo o contrato de estágio do contrato de aprendizagem, distinção que com a aprovação do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho se imporá. No sentido referido, entendeu desde logo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Outubro de 1986 167 : “A possibilidade de as empresas aceitarem a prestação de trabalho a título de estágio não pode ser admitida sem intervenção prévia das autoridades administrativas. O contrato de aprendizagem carece de aprovação genérica e conhecimento do Ministério do Trabalho, devendo inserir-se numa acção formativa organizada sob a égide da Comissão Nacional de Aprendizagem. Não pode ser classificado de aprendizagem aquele (contrato) segundo o qual o trabalhador exerce durante 6 meses as funções inerentes à categoria profissional de escriturário, sem que por parte da entidade patronal haja uma actividade formativa.”. Note-se porém que para o entendimento do Tribunal da Relação terá sido determinante a ausência de formação no caso concreto, o que resulta quer do sumário mencionado, quer do texto do próprio Acórdão168. A mesma linha de orientação foi seguida pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17 de Novembro de 1992 169 , como resulta desde logo do respectivo sumário: “I - Nos domínios da formação profissional, onde imperam interesses de ordem pública, não podem as partes contratar, como entenderem, sem conhecimento, aprovação ou fiscalização das autoridades administrativas competentes. II – A possibilidade de as empresas aceitarem a prestação de trabalho, a título de estágio, não pode ser admitida sem intervenção prévia das autoridades administrativas. III – Celebrado um contrato que se denominou de "contrato de estágio", não pode ele ser reconhecido como tal se tiverem faltado os requisitos legais exigidos para os contratos de formação lato sensu, devendo, portanto, o mesmo contrato ser qualificado como simples contrato de trabalho.” Este Acórdão da Relação de Évora foi contudo um pouco mais longe do que aquele primeiro Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, defendendo não só que no domínio da formação profissional imperavam interesses de ordem pública, como a própria política legislativa da formação profissional está embebida da intervenção 167 Colectânea de Jurisprudência, 1986, IV, página 211 e seguintes. 168 No qual se pode ler: “Em contraste, não há notícia de qualquer actividade formativa, como seja noções de contabilidade, organização da empresa, ou outras matérias de base.”. 169 Colectânea de Jurisprudência, 1992, V, página 285 e seguinte. 89 necessária das autoridades administrativas, tendo até procedido a uma súmula dos contratos que à data visavam conceder formação profissional. Em decorrência do sentido adoptado, ambos os Acórdãos foram assertivos na qualificação que fizeram da relação contratual efectivamente vigente entre as partes, concluindo pela existência de um contrato de trabalho. Desde a data em que foram proferidos os Acórdãos referidos a importância da formação profissional parece ter ganho novo ânimo, enquanto o meio que mais eficazmente poderá assegurar e manter a empregabilidade. Como referido supra, a promoção da formação profissional, relativamente aos trabalhadores, incumbe ao Estado, de acordo com o consagrado na alínea c) do n.º 2 do artigo 58.º da Constituição da República Portuguesa, a quem compete ainda garantir o acesso dos cidadãos a esta (abrangendo, mas não se limitando, aos trabalhadores), cfr. artigo 6.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Na realidade, não é apenas o Estado quem deve promover esta formação, pois também o empregador tem o dever de a promover junto daqueles que a si se acham subordinados juridicamente, cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 127.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009. Não se esgotando a formação profissional no Estado, nem no empregador, quanto a este último relativamente aos seus trabalhadores, nada deve impedir que um cidadão, por si, consiga obter formação profissional, o que não lhe deve ser coarctado. A verdade é que a orientação jurisprudencial sofreu posteriormente uma inflexão, revelando-se mais permissiva, o que é de louvar. Com efeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Novembro de 2000 170 entendeu que: “I – O contrato de formação não gera relações de trabalho subordinado. II – Prevendo o "contrato de estágio profissional" celebrado entre as partes que a entidade formadora tinha direito à restituição das quantias pagas ao formando a título de "bolsa de estágio" se este rescindisse o contrato sem a concordância da outra parte, mediante solicitação apresentada com a antecedência mínima de 15 dias, e vindo o formando a rescindir o contrato sem a concordância da entidade formadora e sem respeito por aquele prazo, não pode ser oposta ao direito da entidade formadora a pretensa existência de uma obrigação natural, imposta por um dever de justiça, de a entidade formadora compensar o formando dos serviços por este prestados durante a 170 Cfr. Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 2000, Tomo III, página 290. 90 efectivação do estágio.” Este Acórdão não exigiu expressamente a prévia aprovação das autoridades administrativas competentes como requisito da inexistência de um vínculo laboral171. Pouco mais tarde, a jurisprudência veio mesmo a pronunciar-se em sentido de que as empresas podem fazer por si o que os outros fazem com dinheiros públicos, ou seja, celebrar contratos de estágio com estagiários exclusivamente a expensas suas. Pela sua importância, não poderá deixar de se mencionar o Acórdão da Relação de Lisboa, de 2 de Junho de 2005 172. Este Acórdão embora se refira ao Decreto-Lei n.º 205/96, de 25 de Outubro173, diploma à data em vigor, foi entretanto revogado pela entrada em vigor da Portaria n.º 1497/2008, de 19 de Dezembro, sendo agora nesta última, como mencionado supra, que se encontra previsto o contrato de aprendizagem. Não obstante, vale a pena atentarmos no entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, que subscrevemos: “Em parte alguma a lei proíbe a celebração de acordos de estágio fora do controle das autoridades administrativas. Nestes casos, a única consequência para as empresas formadoras é não poderem candidatar-se aos benefícios materiais previstos na lei, para os “estágios oficiais” (cf. art.º 38º do mesmo diploma). A ser assim, o estágio não conforme ao estatuído no Decreto-Lei n.º 205/96, não fica descaracterizado nem se converte em contrato de trabalho. Seria um absurdo impedir as empresas de, a exclusivas expensas suas, fazerem o que os outros fazem com dinheiros públicos. O interesse público174 vai precisamente no sentido da validade dos 171 A ênfase foi, sobretudo, posta na inexistência de elementos caracterizadores do vínculo laboral, podendo-se ler no Acórdão: “igualmente se não provou, como pretendido pelo réu, que na realidade, na prática, se estabeleceu entre as partes uma relação de trabalho subordinado.” Ou seja, o que determinou a decisão do Supremo Tribunal de Justiça foi a circunstância de o formando não ter logrado provar os indícios típicos de um contrato de trabalho, não provando a existência de subordinação jurídica. 172 Processo 1598/2005-4, sumários em www.dgsi.pt. 173 O Decreto-Lei n.º 205/96, de 25 de Outubro, estabelecia o regime jurídico da aprendizagem, que era um sistema de formação profissional inicial em alternância, no quadro de formação profissional inserida no mercado de trabalho. Este decreto-lei pressupunha uma relação triangular, entre formando, entidade formadora e Emprego e Formação Profissional, I.P. (I.E.F.P.), sendo que de acordo com o então n.º 1 do seu artigo 5.º, a entidade formadora poderia ser qualquer pessoa singular ou colectiva que assegurasse qualquer componente de formação, designadamente a formação em situação de trabalho. Com efeito, não obstante o contrato de aprendizagem fosse celebrado entre o formando ou o seu representante legal, e a entidade formadora, cfr. n.º 1 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 205/96, a verdade é que o contrato estava dependente de aceitação e registo pelo I.E.F.P., cfr. n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 205/96, pressupondo igualmente que existia financiamento público, através de comparticipação do Estado nos apoios que seriam auferidos pelo formando, cfr artigos 38.º e 24.º, ambos do Decreto-Lei n.º 205/96. 174 Não refere o Acórdão, contudo entendemos pertinente aclarar o conceito de interesse público. Este corresponde ao interesse colectivo, ou seja, o interesse geral de uma determinada comunidade, o bem- 91 “contratos de estágio profissional”, mesmo que celebrados à margem do controle das autoridades administrativas. No Decreto-Lei n.º 205/96 não existe qualquer disposição que determine que os “contratos de estágio” ou “contratos de formação”, se convertem em “contrato de trabalho” se não forem cumpridas as formalidades nele previstas.”. No sentido de admitir o contrato de estágio, designando-o contudo como contrato de aprendizagem, celebrado apenas entre particulares, e sem intervenção de qualquer entidade pública, pronunciou-se ainda o Acórdão da Relação do Porto, de 6 de Novembro de 2006, que qualificou o contrato de aprendizagem como um contrato de prestação de serviços, invocando para tanto o Código Civil de 1867. Este Acórdão, para a distinção entre o contrato de aprendizagem e o contrato de trabalho, adoptou três critérios para o distinguir do contrato de trabalho: o critério remuneratório, o critério funcional e o critério disciplinar. De acordo com o critério remuneratório, enquanto que no contrato de aprendizagem a contrapartida consiste em apoios de formação ou bolsa, no contrato de trabalho há uma retribuição como contrapartida do trabalho prestado. O critério funcional atende ao objecto de cada um dos contratos: formação do aprendiz no contrato de aprendizagem, a aprendizagem de uma profissão, por oposição a prestação de trabalho, em si mesma, no contrato de trabalho. Por fim, o critério disciplinar põe em evidência que enquanto que no contrato de aprendizagem o formando tem deveres para cumprir mas não está sujeito ao poder disciplinar patronal, este poder já se verifica no contrato de trabalho. Mais recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 5 de Dezembro de 2007 175, aceitou como válido um contrato designado como “acordo para a frequência de estágio de formação”, com a duração de nove meses, celebrado entre a RTP e um jornalista, tendo aquela pago a este uma bolsa de estágio, a expensas próprias daquela entidade – ou seja, sem recurso a financiamento do Emprego e Formação Profissional, I.P. (I.E.F.P.) – tendo o estagiário, na execução do mesmo, efectuado várias reportagens, pesquisa e recolha de dados. De acordo com o disposto no documento aprazado pelas partes, o estagiário obrigava-se a frequentar as aulas do estágio, sendo que o mesmo não estabelecia qualquer vínculo jurídico laboral, não conferindo o bom aproveitamento final do estágio o direito a admissão do estagiário comum, visando a satisfação das necessidades colectivas e de cada um dos membros da comunidade, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, volume II, Almedina, 2002, páginas 35 e 36. 175 Processo 06S2963, documento SJ200712050029634, sumários em www.dgsi.pt. 92 como trabalhador. De notar que, no Acórdão referido, o Supremo Tribunal de Justiça não aceitou a qualificação do contrato de estágio como sendo de trabalho, mesmo tendose provado que o estagiário já tinha anteriormente àquele estágio efectuado o estágio de acesso obrigatório à profissão noutra entidade televisiva. 3.5 CARACTERÍSTICAS Ao abrigo do contrato de estágio, concede-se ao estagiário a faculdade de receber formação em ordem a obter os saberes necessários a empreender uma profissão. Segundo Belmiro Cabrito176, embora referindo-se à formação em alternância, mas que cremos serem aplicáveis ao contrato de estágio, os saberes a desenvolver em formação em contexto de trabalho são o saber-fazer, o saber-ser e o saber-estar. Com o desenvolvimento do saber-fazer pretende-se que o estagiário ou formando identifique e resolva problemas inerentes à profissão, aplique os conhecimentos em novos contextos, organize e programe diversas tarefas, utilize os instrumentos de trabalho, e analise e implemente a informação que adquire. Quanto ao saber-ser pretende-se que o formando revele capacidades de organização pessoal e do trabalho, consiga adaptar-se à mudança, revele responsabilidade e aprenda a aprender. Por último, as capacidades relacionadas com o saber-estar, são exteriorizadas por capacidades de iniciativa, de comunicação, de relacionamento interpessoal, de trabalho em equipa, respeito pelas normas, assiduidade, pontualidade e hierarquia. Ou seja, o contrato de estágio permite àquele que dele é beneficiário a maturidade profissional mínima para poder desenvolver uma profissão. O objecto do contrato de estágio é preenchido não com trabalho, mas com formação, embora esta seja em situação de trabalho eminentemente prática, podendo o trabalho prestado pelo beneficiário do estágio nem sequer compensar o que por aquele objecto se paga. Também por este motivo nem todas as empresas facultam estágios, mesmo em ordenamentos jurídicos onde a admissibilidade dos mesmos constituiu sempre uma realidade, sem nunca sofrerem das dúvidas interpretativas e das limitações de uma corrente jurisprudencial a eles mais adversa, como sucedeu em Portugal, nos tempos que se seguiram à implementação da democracia. Com efeito, um estágio efectivo pode traduzir-se numa oportunidade única durante toda a vida activa de, uma 176 Formação em Alternância: conceitos e práticas, Educa, 1994, páginas 42 e 43. 93 pessoa, durante um período de tempo, necessariamente determinado, não só contactar com organizações que de outro modo não conseguiria, como nelas ingressar, acedendo a informação e experiência anteriormente não detidas, e que em momento posterior poderá permitir naquela organização, noutra ou mesmo por si próprio, realizar uma actividade profissional. Para as organizações que os concedem, um estágio não deverá ser desconsiderado. Um estágio efectivo não pressupõe apenas uma contratação. Neste sentido, Jean-Marie Peretti177, propõe quatro etapas para a gestão dos estágios nas empresas: a definição das necessidades de estagiários, o recrutamento de estagiários, o acompanhamento e a avaliação dos estagiários. O objecto do contrato de estágio é a formação que há-de ser ministrada, como referido, por uma entidade com personalidade jurídica, ao formando ou estagiário. Pressupõe-se assim, antes de mais, segundo Oliveira Ascensão178, uma acção humana, com uma vontade exteriorizada de realização de determinados fins, que é relevante para a ordem jurídica. Ou seja, a lei atribui efeitos à vontade, entendendo-os como os actos que, de acordo com o seu conteúdo, são finalisticamente dirigidos à constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, através da estatuição de um regime. Segundo aquele autor, modalidade particular de acção é o negócio jurídico, representando este último o instrumento, no ordenamento jurídico, da autonomia privada179. 3.5.1 NEGÓCIO BILATERAL Correspondendo à manifestação de duas declarações de vontade contrapostas, as quais vêm a convergir para produzir um resultado unitário, por intermédio de uma proposta, ou oferta, e da sua aceitação, este negócio jurídico diz-se bilateral ou contrato. 177 Recursos Humanos, 3ª Edição, Edições Sílabo, 2001, página 155, seguindo M.-C. Oury-Gatelmand, “Pour une meilleure gestion des stages en entreprise”, Ressources Humaines, n.º 12, Junho de 1988. 178 Cfr. Direito Civil Teoria Geral, volume II, Coimbra Editora, 1999, página 14 e seguintes. 179 Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Almedina, 1999, página 169, define-a como uma permissão genérica de produção de efeitos jurídicos. Já Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª Edição, Almedina, 2000, página 97, define autonomia privada como a faculdade concedida aos particulares de auto-regulamentação dos seus interesses. 94 3.5.2 CONTRATO OBRIGACIONAL Constituindo obrigações para ambas as partes, ficando uma parte adstrita para com a outra à realização de uma prestação, o contrato de estágio é um contrato obrigacional. Dele emergem deveres principais e deveres secundários que se conjugam em ordem a uma identidade de fim, constituindo o conteúdo de uma relação de carácter unitário, a relação obrigacional complexa, não se limitando uma das partes a ministrar a formação e a outra a recebê-la. Ao lado destes deveres há outros, como a urbanidade, lealdade, o dever de protecção e cuidado, etc., que caracterizam o contrato de estágio. 3.5.3 CONTRATO INTER VIVOS O contrato de estágio destina-se a produzir efeitos em vida daqueles que o celebram, ou seja, só pode ser ministrada formação conquanto aquele que a recebe e o que a ministra estejam vivos, ou sendo uma entidade que não uma pessoa física, deverá existir. 3.5.4 CONTRATO ONEROSO A celebração de um contrato de estágio origina vantagens patrimoniais para ambas as partes, razão pela qual se diz que é oneroso. Com efeito, aquele que ministra a formação poderá receber do formando ou estagiário algum trabalho, enquanto que este último receberá uma formação que de outro modo não lograria obter. Como é característica dos contratos onerosos, não tem de existir uma absoluta contrapartida económica das prestações, podendo assim suceder que a formação tenha um valor patrimonial excessivamente superior às actividades que são desempenhadas pelo estagiário. Sempre se diga que a onerosidade do contrato de estágio não implica que o estagiário tenha de auferir uma remuneração, podendo aquele que faculta a formação não pagar àquele que a recebe, uma qualquer quantia monetária (desde que, como oportunamente será tratado, o estágio não tenha uma duração superior a três meses), caso em que o estagiário sustenta o custo relativo à execução da sua actividade. Quando 95 assim seja, não é apenas aquele que ministra a formação que poderá ter uma atribuição patrimonial, na medida em que a formação, por si própria, corresponde, como referido, a uma vantagem. 3.5.5 CONTRATO SINALAGMÁTICO O contrato de estágio é um contrato sinalagmático, uma vez que dele resultam obrigações para ambas as partes, as quais são recíprocas e interdependentes. Significa isto que há entre as obrigações de cada uma das partes um sinalagma, ou um nexo, só havendo uma porque há a outra. Com efeito, à formação ministrada corresponde a contraprestação de algum trabalho, por parte daquele que a recebe. No contrato de estágio o sinalagma verifica-se quer na sua celebração, o que se designa por sinalagma genético, quer na execução do próprio contrato, o que se denomina de sinalagma funcional. 3.5.6 CONTRATO NOMINADO O contrato de estágio é um negócio jurídico nominado porquanto o ordenamento jurídico confere-lhe um nomen iuris, um nome legal ou designação própria, que o distingue dos demais contratos. Com efeito, a este contrato se refere o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, supra analisado, que estabelece as regras a que deve obedecer a realização de estágios profissionais extracurriculares, preceito aquele que tem precisamente por epígrafe “contrato de estágio”. Antes mesmo do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 28 de Fevereiro, o contrato de estágio era já referido no artigo 7.º da Portaria n.º 92/2011, de 28 de Fevereiro, que regula o Programa de Estágios Profissionais, preceito aquele que tem precisamente por epígrafe “contrato de estágio”. Como infra se demonstrará, o contrato de estágio previsto na Portaria mencionada é contudo distinto do contrato de estágio em análise, porquanto a Portaria n.º 92/2011 exige a intervenção do Estado180. 180 O próprio artigo 7.º da Portaria n.º 92/20011, é disso revelador, ao estabelecer que previamente ao início do estágio é celebrado entre a entidade promotora e o estagiário um contrato de estágio, reduzido a escrito, conforme modelo definido em regulamento específico aprovado pelo I.E.F.P. 96 Caso não tivesse uma designação própria, tratar-se ia de um contrato inominado181. 3.5.7 CONTRATO FORMAL Por força da Lei, não basta para a conclusão do contrato de estágio o simples consenso das partes, uma vez que a lei impõe a observância de uma determinada forma, a forma escrita. Com efeito, a lei determina que a vontade das partes esteja sujeita a uma forma especial para a conclusão do negócio jurídico, a forma escrita, estabelecendo a obrigatoriedade da redução a escrito do contrato de estágio, o que constitui uma excepção à liberdade de forma, prevista no artigo 219.º do Código Civil, que vigora no ordenamento jurídico português, e de acordo com o qual a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir. Esta obrigatoriedade consta do n.º 2 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho. Caso a lei não impusesse a observância de uma determinada forma ao contrato de estágio, este entender-se-ia como um contrato consensual. 3.5.8 CONTRATO TÍPICO O contrato de estágio é um negócio jurídico típico, na medida em que a sua celebração entre privados tem uma regulamentação própria, prevista no Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho182. Caso não tivesse, designar-se-ia de contrato atípico. 181 A expressão contrato inominado, e a expressão contrato atípico, são frequentemente usadas como sinónimos, por influência do Direito Romano, como refere Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos atípicos, Almedina, 1995, página 207 e seguintes. Rui Pinto Duarte, Tipicidade e atipicidade dos contratos, Almedina, 2000, página 34 e seguintes, identifica com precisão os meados dos anos quarenta e sessenta para a doutrina e a jurisprudência, respectivamente, como as épocas em que aquelas expressões são correntemente utilizadas como sinónimos. Em bom rigor deve-se distinguir, pois a verdade é que em certos casos há contratos que têm um nomen iuris, não tendo ainda assim um modelo regulativo na Lei. 182 Para que um contrato possa ser designado como contrato típico não é necessário que seja a lei a regulálo, bastando que semelhante advenha dos usos, cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos atípicos, Almedina, 1995, página 209. 97 3.5.9 CONTRATO INTUITU PERSONAE O contrato de estágio fundamenta-se numa relação fiduciária, pautado pela confiança recíproca. Com efeito, enquanto aquele que faculta a formação espera da contraparte honestidade, probidade, urbanidade, etc., aquele que a recebe espera ter um tratamento condigno. Esta relação fiduciária, no caso do contrato de estágio, resulta desde logo do próprio objecto do contrato, a formação, o qual só se mostra exequível se entre as partes subsistir uma relação de confiança e um contacto especial entre quem faculta a formação e quem a recebe. A transmissão de conhecimentos específicos de determinada profissão, do mercado onde a empresa, ou aquele que faculta a formação, actua, apenas é possível se entre as partes existir o contacto e a relação de confiança referidos. Quer do objecto do contrato, quer da sua natureza fiduciária, decorre que as partes não se podem fazer substituir. Na verdade, no que respeita ao objecto do contrato, este não se realizaria se a substituição fosse admissível. Significa então, que não é legítimo ao estagiário, em caso de impedimento, fazer-se substituir por outra pessoa que, por si, cumpriria a prestação a que se vinculou pela celebração do contrato. O mesmo é válido relativamente àquele que faculta a formação. 3.5.10 CONTRATO DE EXECUÇÂO CONTINUADA Do contrato de estágio emergem obrigações que se prorrogam no tempo, não se esgotam num único acto, cessando com este. Na realidade, a duração da prestação no tempo influi na determinação do seu objecto, caracterizando-se pela continuidade da prestação – a formação, contra a prestação de algum trabalho. 3.6 DISTINÇÃO DE FIGURAS PRÓXIMAS O estudo de um instituto jurídico não fica completo se não for distinguido de outras figuras jurídicas, de algum modo susceptíveis de com ele ser confundidos. Não é diferente o que ocorre relativamente ao contrato de estágio, motivo pelo qual é de toda a conveniência diferenciar este contrato de outros, ou mesmo de outras situações, 98 permitindo-se também através de semelhante tarefa uma melhor apreensão do contrato em análise. Entre as figuras próximas do contrato de estágio encontram-se o contrato de aprendizagem, os estágios profissionais, os programas Inov, os estágios curriculares, o contrato de trabalho, o período experimental e a formação contínua, as quais nos propomos seguidamente diferenciar daquele que constitui o tema da presente dissertação. 3.6.1 O CONTRATO DE APRENDIZAGEM O contrato de estágio distingue-se do contrato de aprendizagem. A regulamentação do contrato de aprendizagem consta da Portaria n.º 1497/2008, de 19 de Dezembro, alterada pelas Portarias n.os 289/2009, de 20 de Março, e 73/2010, de 4 de Fevereiro183 184 . A Portaria n.º 1497/2008 foi emitida ao abrigo do Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações, prevendo-se no seu n.º 3 do artigo 9.º que os cursos de aprendizagem, enquanto modalidade de formação de dupla certificação, são regulados por portaria 183 Como referido supra, o regime jurídico da aprendizagem remonta à década de oitenta quando o legislador fez aprovar o Decreto-Lei n.º 102/84, de 29 de Março, posteriormente alterado pelo DecretoLei n.º 436/88, de 23 de Novembro. Mais tarde, através do Decreto-Lei n.º 383/91, de 9 de Outubro, a aprendizagem veio a ser complementada pelos cursos de pré-aprendizagem que conferiam equivalência à escolaridade obrigatória, cursos esses já previstos inicialmente no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 102/84, mas só na década de noventa efectivamente criados. Quer se tratasse de aprendizagem quer de pré-aprendizagem, ambos beneficiavam de financiamento público, cfr. n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 102/84 e n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 383/91, e ambas podiam ser ministradas por empresas privadas. Doze anos mais tarde, face à publicação do Decreto-Lei n.º 102/84, foi aprovado um novo regime jurídico da aprendizagem, revogando todos os diplomas anteriores, através do Decreto-Lei n.º 205/96, de 25 de Outubro. Este último, o Decreto-Lei n.º 205/96, manteve-se em vigor até ter sido revogado pela entrada em vigor da Portaria n.º 1497/2008, de 19 de Dezembro (cfr. n.º 1 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de Dezembro.) À semelhança dos anteriores diplomas, o contrato de aprendizagem beneficiava de financiamento público, cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 205/96, podendo a formação ser ministrada em situação de trabalho, e por qualquer pessoa singular ou colectiva. 184 O contrato de aprendizagem é para António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Livraria Almedina, 1991, página 575, e para Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5ª Edição, Almedina, 2010, página 726, um contrato de trabalho com regime especial. Para Luís Menezes Leitão, Direito de Trabalho, 2.ª Edição, Almedina 2010, páginas 569 e 576 e seguintes, o contrato de aprendizagem é um contrato equiparado ao contrato de trabalho. Já Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito Do Trabalho Parte II, Almedina, 2010, página 72, trata o contrato de aprendizagem nas figuras afins do contrato de trabalho, distinguindo-o deste último. Cremos que o entendimento de Maria do Rosário Palma Ramalho – sem prejuízo de a mesma se referir a legislação já revogada, o Decreto-Lei n.º 205/96, de 25 de Outubro, como o faz também Pedro Romano Martinez – é o que se afigura mais rigoroso, face ao disposto no n.º 3 do artigo 10.º da Portaria n.º 1497/2008, que infra analisaremos. 99 conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da formação profissional e da educação. O contrato de aprendizagem é, assim, celebrado no âmbito dos cursos de aprendizagem, ou seja, cursos de formação profissional inicial, em alternância, dirigidos a jovens, privilegiando a sua inserção no mercado de trabalho e permitindo o prosseguimento de estudos. Estes cursos de aprendizagem apenas podem ser realizados pelos centros de formação profissional da rede do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (I.E.F.P.), por outras entidades tuteladas pelo ministério responsável pela área da formação profissional, e por entidades formadoras públicas e privadas devidamente certificadas no âmbito do sistema de certificação de entidades formadoras, à excepção das escolas básicas, secundárias e profissionais, cfr. n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 1497/2008, entidades estas designadas por entidades formadoras. Acresce que os cursos de aprendizagem conferem dupla certificação, cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de Dezembro, dependem de autorização administrativa do I.E.F.P., cfr. n.os 3 e 4 do artigo 5.º, antecedida de candidatura das entidades formadoras ao próprio I.E.F.P., cfr. n.º 5 do artigo 4.º da Portaria n.º 1497/2008, e beneficiam de financiamento público, cfr. alínea a) do artigo 21.º da Portaria n.º 1497/2008. No curso de aprendizagem, o formando está ainda sujeito a avaliação formativa contínua, e a prova de avaliação final. O contrato de estágio, por seu turno, poderá facilitar a inserção no mercado de trabalho; contudo, dificilmente permitirá ao estagiário prosseguir os seus estudos, uma vez que a formação que lhe seja ministrada não sendo incompatível, dificilmente será conciliável com a frequência de aulas e a prestação de provas de avaliação, não beneficiando o estagiário da especial protecção que a lei atribui ao trabalhador que seja simultaneamente estudante, e que goze do estatuto de trabalhador estudante, cfr. artigo 89.º e seguintes do Código do Trabalho. O contrato de estágio também não está sujeito a autorização do I.E.F.P., não beneficia de financiamento público, e não confere dupla certificação. Simultaneamente, não se exige uma avaliação, seja ela contínua e final, ou tão somente final. O contrato de aprendizagem consubstancia-se num contrato sujeito a forma escrita, de acordo com modelo único a disponibilizar pelo I.E.F.P., celebrado entre um formando ou, quando este seja menor de idade, o seu representante legal, e a entidade formadora, em que esta se obriga a ministrar-lhe formação e aquele se obriga a frequentar essa formação, executando todas as actividades que constam da estrutura 100 curricular do curso de aprendizagem, cfr. n.os 1 e 4 do artigo 10.º da Portaria n.º 1497/2008. O contrato de estágio, por sua vez, não obstante se encontrar igualmente sujeito a forma escrita, não lhe impõe a lei a observância de um modelo único, embora, atento o disposto no Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, deva haver um conteúdo mínimo do contrato de estágio. Tratando-se de uma entidade privada não certificada no âmbito do sistema de certificação de entidades formadoras – uma empresa ou uma pessoa singular, por exemplo – ainda assim poderá intervir no curso de aprendizagem, assegurando a componente de formação prática em contexto de trabalho, em articulação com a entidade formadora, assumindo nesse caso a designação de entidades de apoio à alternância, cfr. n.º 1 do artigo 9.º da Portaria n.º 1497/2008. Quando haja uma entidade de apoio à alternância, a obrigação de ministrar a formação passa a ser-lhe também aplicável, cfr. n.º 2 do artigo 10.º da Portaria n.º 1497/2008. Note-se ainda que o contrato de aprendizagem está sujeito a registo no I.E.F.P., cfr. n.º 5 do artigo 10.º da Portaria n.º 1497/2008, obrigação que inexiste relativamente ao contrato de estágio. Do contrato de aprendizagem resultam direitos e deveres para o formando, expressamente previstos na Portaria n.º 1497/2008, de 19 de Dezembro. De entre os primeiros contam-se o direito a recusar a realização de actividades que não se insiram no objecto do curso, cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º; o direito a gozar anualmente um período de férias, definido no contrato de aprendizagem cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 11.º; o direito a usufruir dos apoios previstos no contrato de aprendizagem cfr. alínea e) do n.º 1 do artigo 11.º; e o direito a beneficiar de um seguro contra acidentes, ocorridos durante e por causa da formação, na modalidade de acidentes pessoais, cfr. alínea f) do n.º 1 do artigo 11.º. Quanto aos deveres do formando, e sem prejuízo de outros previstos no contrato, encontra-se o dever de manter o empenho individual ao longo de todo o processo de aprendizagem, cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 11.º; o dever de frequentar com assiduidade e pontualidade a acção de formação, cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º; o dever de tratar com correcção todos os intervenientes no processo formativo, cfr. alínea c) do n.º 2 do artigo 11.º; o dever de guardar lealdade à entidade formadora e à entidade de apoio à alternância, designadamente não divulgando informações sobre o equipamento, processos de produção e demais actividades de que tome conhecimento, durante e após a acção de formação, cfr. alínea d) do n.º 2 do artigo 11.º; e o dever de utilizar com cuidado e zelar pela conservação dos equipamentos e 101 demais bens que lhes sejam confiados para efeitos de formação, cfr. alínea e) do n.º 2 do artigo 11.º. Não despiciendo é o disposto no n.º 3 do artigo 10.º da Portaria n.º 1497/2008, de acordo com o qual o contrato de aprendizagem não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca com a conclusão da acção de formação para que foi celebrado. Por fim, a cessação do contrato de estágio só é admitida por acordo das partes, denúncia do formando, caducidade e rescisão pela entidade formadora, sendo que esta última se encontra limitada aos casos de desobediência ilegítima do formando a ordens ou instruções, lesão culposa de interesses patrimoniais sérios da entidade formadora ou da entidade de apoio à alternância, faltas injustificadas pelo período definido em regulamentação específica elaborada pelo I.E.F.P., e falta de aproveitamento no final de cada período de formação que impeça a progressão, cfr. n.os 6 e 8 do artigo 10.º da Portaria n.º 1497/2008. Quanto às consequências da celebração de um contrato de aprendizagem que desrespeite a sua regulamentação, designadamente entre particulares e sem recurso a financiamento do Estado, remete-se para a análise já empreendida, de acordo com a qual a jurisprudência, até à Portaria n.º 1497/2008, de 19 de Dezembro, vinha aceitando este contrato, ainda que alheado do cumprimento integral das normas estabelecidas na legislação. 3.6.2 ESTÁGIOS PROFISSIONAIS O contrato de estágio também não se confunde com os estágios profissionais, que se caracterizam por beneficiarem de financiamento público, o que partilham com o contrato de aprendizagem. O Programa Estágios Profissionais encontra-se actualmente regulado pela Portaria n.º 92/2011, de 28 de Fevereiro185, constituindo um programa especial, 185 Os estágios profissionais foram originalmente previstos no artigo 16.º da Portaria n.º 247/95, de 29 de Março, de acordo com o qual se permitia aos jovens com formação superior ou outra formação qualificante devidamente certificada, inscritos nos centros de emprego, completar a sua formação mediante estágios de duração não superior a seis meses, em entidades públicas ou privadas. Esta Portaria n.º 247/95, de 29 de Março, consubstanciava uma medida específica de promoção do emprego, tendo sido emitida, ao abrigo das alíneas a) e d) do n.º 3 do artigo 1.º e do n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 445/80, de 4 de Outubro, que estabelecia medidas relativas à promoção do emprego. De acordo com o 102 disposto na Portaria n.º 247/95, deveria ser celebrado um contrato tipo de formação entre as entidades públicas ou privadas e os estagiários, que poderiam beneficiar de um subsídio complementar de formação correspondente a duas vezes o salário mínimo ou 1,3 deste, conforme se tratasse de jovens com formação superior ou com outra formação qualificante, respectivamente. O montante do subsídio era comparticipado em 50% pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (I.E.F.P.). A estes estágios profissionais sucedeu o Programa Estágios Profissionais, inicialmente regulado pela Portaria n.º 268/97, de 18 de Abril, (alterada pelas Portarias n. os 1271/97, de 26 de Dezembro, 814/98, de 24 de Setembro 286/2002, de 15 de Março e 282/2005, de 21 de Março), emitida também ao abrigo do DecretoLei n.º 445/80, de 4 de Outubro. De acordo com esta legislação o Programa Estágios Profissionais consistia num estágio com uma duração de 9 meses, prorrogável até 12 meses, e destinava-se a jovens qualificados entre os 16 e 30 anos que se encontrassem desempregados à procura do primeiro emprego, que não tivessem tido qualquer tipo de actividade profissional por período superior a um ano, ou de desempregados à procura de novo emprego que tivessem entretanto adquirido qualificação e não tivessem tido ocupação profissional nessa área, também por um período superior a um ano. O Programa Estágios Profissionais era comparticipado, com dinheiro público, pelo I.E.F.P., concretizado em apoios financeiros que incluíam bolsa de estágio, de montante variável, consoante o nível de qualificação, subsídio de refeição ou apoio à alimentação, subsídio de transporte, seguro de acidentes de trabalho e subsídio de alojamento. O orientador do estágio tinha também direito a uma compensação financeira, por mês e por estagiário. Este programa não incluía os estágios curriculares de qualquer espécie de cursos e pressupunha uma relação triangular, entre o I.E.F.P., a entidade beneficiária (a empresa) e o estagiário. Através da Portaria n.º 567/2000, de 7 de Agosto, foi instituída a medida estágios profissionais para jovens portugueses e luso-descendentes residentes no estrangeiro, promovida pelo I.E.F.P., em estreita articulação com a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas. Esta medida tinha como destinatários jovens desempregados, com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos, habilitados com diploma do ensino superior, ou com formação técnico-profissional, e permitia-lhes o acesso a um estágio profissional com a duração de 9 meses. Os estagiários tinham direito a uma bolsa de estágio de montante variável, consoante o nível de qualificação em causa, com comparticipação pelo I.E.F.P., bem como a subsídio de refeição, seguro de acidentes pessoais, subsídio de alojamento e subsídio para despesas de transporte, correspondentes ao custo das viagens entre o local de residência no país de origem e o local de realização do estágio profissional em território continental nacional, no início e no fim do mesmo, bem como o respectivo seguro de assistência em viagem. Também o orientador do estágio tinha direito a uma compensação financeira, de montante variável consoante o nível de qualificação do estagiário. O Programa Estágios Profissionais foi mais tarde regulado pela Portaria n.º 129/2009, de 30 de Janeiro, alterada pelas Portarias n.os 127/2010, de 1 de Março, e 681/2010, de 12 de Agosto, de acordo com a qual o estágio profissional se destinava a jovens com idade até aos 35 anos, inclusive. Não eram abrangidos os estágios que tinham como objectivo a aquisição de uma habilitação profissional requerida para o exercício de determinada profissão, nem os estágios curriculares de quaisquer cursos, cfr. n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 129/2009. O estagiário celebrava um contrato de formação em contexto de trabalho com a entidade promotora (pessoas singulares ou colectivas, de direito privado, com ou sem fim lucrativo), por escrito e conforme modelo definido em regulamento específico pelo I.E.F.P.. De acordo com o artigo 12.º da Portaria n.º 129/2009, o estágio tinha a duração de nove meses, não prorrogáveis. Ao estagiário era concedida, mensalmente, uma bolsa de estágio de valor correspondente a duas vezes o indexante dos apoios sociais (IAS), cfr. artigo 13.º da Portaria n.º 129/2009, comparticipada pelo I.E.F.P., bem como subsídio de alimentação e seguro que cobrisse os riscos que pudessem ocorrer durante e por causa do estágio profissional, estes últimos financiados pelo I.E.F.P., cfr. artigos 14.º e 15.º, ambos da Portaria n.º 129/2009. Além do Programa Estágios Profissionais, foi também criado o Programa Estágios Profissionais – Formações Qualificantes de níveis 3 e 4, aprovado pela Portaria n.º 127/2010, de 1 de Março, alterada pela Portaria n.º 681/2010, de 12 de Agosto. Este programa destinava-se a jovens com idade até aos 35 anos, inclusive, que se encontrassem em situação de procura do primeiro emprego, ou em situação de desempregados à procura de novo emprego e que fossem detentores de curso de qualificação de nível 3 ou 4, sendo que no caso de pessoas com deficiência e incapacidade, não se aplicava o limite de idade dos 35 anos, cfr. art. 3.º. Nos termos do n.º 3 do artigo 1.º, não eram abrangidos pela Portaria n.º 127/2010 os estágios que tivessem como objectivo a aquisição de uma habilitação profissional exigida para o exercício de determinada profissão, nem os estágios curriculares de quaisquer cursos. A este Programa específico de Estágios Profissionais podiam candidatar-se enquanto entidades promotoras pessoas singulares ou colectivas, de direito privado, com ou sem fins lucrativos e autarquias locais, cfr.artigo 6.º da Portaria n.º 127/2010. Previamente ao início do estágio, e à semelhança do que ocorria no Programa Estágios Profissionais regulados na Portaria n.º 129/2010, entre o estagiário e a entidade promotora, era celebrado um contrato escrito de formação em 103 adoptado para a execução da política de emprego, entendendo-se por esta última o instrumento de garantia do direito ao trabalho, que tem por objectivo a prevenção e resolução dos problemas de emprego, incluindo a melhoria da qualidade do emprego, a promoção do pleno emprego e o combate ao desemprego no quadro do desenvolvimento sócio-económico, no sentido de melhorar os níveis de bem-estar da população, cfr. Decreto-Lei n.º 132/99, de 21 de Abril. De acordo com a Portaria n.º 92/2011, são destinatários destes estágios as pessoas, com idade até 30 anos, inclusive, aferida à data da entrada da candidatura, desde que sejam detentoras de qualificação de nível 4, 5, 6, 7 ou 8 do Quadro Nacional de Qualificações (QNQ); e as pessoas, com idade superior a 30 anos, aferida à data da entrada da candidatura, que se encontrem desempregadas e em situação de procura de contexto de trabalho, conforme modelo definido, em regulamento específico, pelo I.E.F.P., de acordo com o artigo 9.º da Portaria n.º 127/2010. Este estágio profissional tinha também a duração de nove meses, não prorrogáveis, cfr. artigo 13.º da Portaria n.º 127/2010. Aos estagiários era concedida, mensalmente, uma bolsa de estágio, comparticipada pelo I.E.F.P., no montante de 1,75 vezes do indexante dos apoios sociais (IAS), para os estagiários detentores de cursos com nível de qualificação 4, ou de 1,60 vezes do IAS, para os estagiários detentores de cursos com nível de qualificação 3, nos termos do artigo 14.º, e do n.º 1 do artigo 16.º, ambos da Portaria n.º 127/2010. Aos estagiários eram ainda concedidos, mensalmente, subsídio de alimentação e seguro que cobrisse os riscos que pudessem ocorrer durante e por causa do estágio profissional, apoios financiados pelo I.E.F.P., cfr. n. os 1 e 5 do artigo 15.º da Portaria n.º 127/2010. Em acréscimo ao Programa Estágios Profissionais e ao Programa Estágios Profissionais – Formações Qualificantes de níveis 3 e 4, havia ainda o programa de Estágios Qualificação-Emprego, aprovado pela Portaria n.º 131/2009, de 30 de Janeiro, alterada pelas Portarias n. os 262/2009, de 12 de Março, 128/2010, de 1 de Março e 681/2010, de 12 de Agosto. O estágio qualificação-emprego destinavase a pessoa desempregada, que se encontrava à procura do primeiro ou de novo emprego, com 35 ou mais anos de idade e que tivesse concluído, há menos de três anos, uma das seguintes ofertas de qualificação: i) ensino básico ou secundário, nomeadamente através do Programa Novas Oportunidades; ii) curso de especialização tecnológica; ou iii) curso de ensino superior, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 131/2009. De acordo com o n.º 3 do artigo 1.º daquela Portaria, não eram abrangidos os estágios que tivessem como objectivo a aquisição de uma habilitação profissional requerida para o exercício de determinada profissão, nem os estágios curriculares de quaisquer cursos. Ao programa de Estágios Qualificação-Emprego podiam candidatar-se, enquanto entidades promotoras, entidades privadas, singulares ou colectivas, com ou sem fim lucrativo, e autarquias locais, cfr. artigo 5.º da Portaria n.º 131/2009. O estágio tinha a duração de nove meses, não prorrogáveis, nos termos do artigo 12.º da Portaria n.º 131/2009. O estagiário celebrava um contrato de formação em contexto de trabalho com a entidade promotora, por escrito e conforme modelo definido em regulamento específico pelo I.E.F.P., de acordo com o artigo 8.º daquele mesmo diploma. Aos estagiários era concedida, mensalmente, uma bolsa de estágio, comparticipada pelo I.E.F.P., no montante de 2 vezes o IAS para os estagiários com nível de qualificação 5; 1,75 vezes o IAS para os estagiários com nível de qualificação 4; 1,50 vezes o IAS para os estagiários com ensino secundário completo; e no valor do IAS para os estagiários com ensino básico completo, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º e do n.º 1 do artigo 15.º, ambos da Portaria n.º 131/2009. Aos estagiários eram ainda concedidos, mensalmente, subsídio de alimentação e seguro que cobrisse os riscos que pudessem ocorrer durante e por causa do estágio profissional, apoios estes financiados pelo I.E.F.P., cfr. n.os 1 e 5 do artigo 14.º da Portaria n.º 131/2009. A vasta dispersão legislativa em matéria de estágios profissionais parece ter cessado com a aprovação da Portaria n.º 92/2011, de 28 de Fevereiro que integrou os vários programas num único Programa de Estágios Profissionais, procedendo-se à revogação da Portaria n.º 129/2009, de 30 de Janeiro, da Portaria n.º 127/2010, de 1 de Março que aprovava o Programa Estágios Profissionais – Formações Qualificantes de níveis 3 e 4, e a Portaria n.º 131/2009, de 30 de Janeiro, que aprovava o programa de Estágios Qualificação-Emprego. 104 novo emprego, desde que tenham obtido há menos de três anos uma qualificação de nível 2, 3, 4, 5, 6, 7 ou 8 do QNQ e não tenham registos de remunerações na segurança social nos últimos 12 meses anteriores à entrada da candidatura, cfr. artigo 3.º. No caso de pessoas com deficiência e ou incapacidade, não se aplica o limite dos 30 anos de idade. Ao Programa de Estágios Profissionais podem candidatar-se, enquanto entidades promotoras, as pessoas singulares ou colectivas, de direito privado, com ou sem fins lucrativos, as quais podem identificar na candidatura o estagiário ou, no caso de não o fazerem, será o mesmo seleccionado pelo I.E.F.P., nos termos dos artigos 4.º e 5.º da Portaria n.º 92/2011. Previamente ao início do estágio é celebrado entre a entidade promotora e o estagiário um contrato de estágio, reduzido a escrito, conforme modelo definido em regulamento específico aprovado pelo I.E.F.P., de acordo com o artigo 7.º da Portaria n.º 92/2011. O estágio tem a duração de nove meses, não prorrogáveis, nos termos do artigo 11.º do mesmo diploma, sendo concedida ao estagiário, mensalmente, em função do nível de qualificação de que é detentor, uma bolsa de estágio, comparticipada pelo I.E.F.P., no valor correspondente ao IAS, para o estagiário com qualificação de nível 2 do QNQ; 1,2 vezes do valor correspondente ao IAS, para o estagiário com qualificação de nível 3 do QNQ; 1,3 vezes do valor correspondente ao IAS, para o estagiário com qualificação de nível 4 do QNQ; 1,4 vezes do valor correspondente ao IAS, para o estagiário com qualificação de nível 5 do QNQ; e 1,65 vezes do valor correspondente ao IAS, para o estagiário com qualificação de nível 6, 7 ou 8 do QNQ, cfr. artigo 12.º da Portaria n.º 92/2011. O estagiário tem ainda direito a receber subsídio de alimentação e a beneficiar de um seguro de acidentes de trabalho, contratado pela entidade promotora, apoios estes parcialmente financiados pelo I.E.F.P., cfr. artigo 13.º da Portaria n.º 92/2011. Além do Programa Estágios Profissionais, há ainda o Programa de Estágios Profissionais na Administração Pública, regulado pelo Decreto-Lei n.º 18/2010, de 19 de Março186, regime este que continua a ser aplicável à administração local, de acordo 186 O Programa de Estágios Profissionais na Administração Pública foi instituído primeiramente pelo Decreto-Lei n.º 326/99, de 18 de Agosto, e regulado pela Portaria n.º 1256/2005, de 2 de Dezembro. Através do Decreto-Lei n.º 94/2006, de 29 de Maio, procedeu-se à adaptação do regime à administração local, tendo sido posteriormente regulamentado o Programa Estágios Profissionais na Administração Local através da Portaria n.º 1211/2006, de 13 de Novembro, alterada pela Portaria n.º 286/2008, de 11 de Abril. O Programa Estágios Profissionais na Administração Pública concretizava-se através de um estágio com a duração de 12 meses e destinava-se a jovens qualificados com idade compreendida entre os 18 e os 30 anos, recém-saídos dos sistemas de educação e formação à procura do primeiro emprego ou desempregados à procura de novo emprego. Os apoios financeiros incluíam bolsa de estágio, de montante variável, consoante o nível de qualificação, subsídio de refeição nos termos fixados para os trabalhadores 105 com a adaptação a esta realizada actualmente pelo Decreto-Lei n.º 65/2010, de 11 de Junho. O Programa de Estágios Profissionais na Administração Central do Estado é regulamentado pela Portaria n.º 172-B/2010, de 22 de Março. A mais recente legislação mantém a duração do estágio nos 12 meses e determina que o Programa Estágios Profissionais na Administração Pública se destina a jovens que, cumulativamente, sejam jovens à procura do primeiro emprego, desempregados à procura de novo emprego ou jovens à procura de emprego correspondente à sua área de formação e nível de qualificação, tenham até 35 anos de idade, aferidos à data de início do estágio, e possuam uma qualificação de nível superior correspondendo, pelo menos, ao grau de licenciado. Os apoios financeiros ao estagiário continuam a incluir uma bolsa de estágio de montante correspondente a duas vezes o indexante de apoios sociais, subsídio de refeição de valor correspondente ao praticado para a generalidade dos trabalhadores que exercem funções públicas187 e seguro que cubra os riscos de eventualidades que possam ocorrer durante e por causa das actividades correspondentes ao estágio profissional, bem como nas deslocações entre a residência e o local de estágio. Na Região Autónoma da Madeira, o Programa Estágios Profissionais é regulado pela Portaria n.º 20/2009, de 23 de Fevereiro, publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira I Série, n.º 16 188. Na Região Autónoma dos Açores também foram criados planos de estágio, comparticipados com dinheiros públicos, os quais têm a designação de Programa Estagiar189, integrando, nos termos do artigo 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/A, de 22 de Julho três vertentes, o Estagiar L, destinado a jovens licenciados, o Estagiar T, destinado a jovens com formação tecnológica e o Estagiar U, destinado a jovens que frequentem o ensino superior. O regulamento dos programas Estagiar L, Estagiar T e Estagiar U foi aprovado pela Resolução do Conselho do Governo n.º da administração pública e seguro de acidentes pessoais. Também o orientador do estágio tinha direito a uma compensação financeira, por mês e por estagiário. 187 O valor deste encontra-se previsto na Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro, com as alterações que lhe foram introduzidas Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro. 188 Na Região Autónoma da Madeira, o Programa Estágios Profissionais foi instituído pela Portaria n.º 168/97, de 13 de Outubro, com as alterações introduzidas pelas Portarias n. os 35/99, de 9 de Março, e 53/2003 de 13 de Maio. 189 O plano de Estágios, inicialmente com dois programas, o Estagiar L e o Estagiar T, foi criado, na Região Autónoma dos Açores, pela Resolução n.º 181/98, de 30 de Julho, e regulamentado pelo Despacho Normativo n.º 220/98, de 13 de Agosto. 106 107/2010, de 14 de Julho de 2010. De acordo com esta Resolução, não são apenas as empresas privadas e as entidades sem fim lucrativo que podem conceder o estágio, mas também a administração pública central, regional e local – com excepção das Juntas de freguesia – embora apenas a administração se encontre limitada aos programas Estagiar L e Estagiar T, cfr. artigo 6.º daquela Resolução do Conselho do Governo. Os estagiários devem celebrar um contrato de estágio, sendo que os do programa Estagiar L auferem uma compensação pecuniária mensal no valor da remuneração mínima garantida na Região, majorado em 60%, bem como subsídio de refeição de acordo com a importância correspondente ao subsídio de refeição aplicável à Administração Pública, ficando este a cargo da entidade promotora do projecto. Já os estagiários dos programas Estagiar T e Estagiar U recebem uma compensação pecuniária mensal no valor da remuneração mínima garantida na Região, sendo que só o Estagiar T concede direito a subsídio de refeição nos termos referidos quanto ao Estagiar L, cfr. artigo 16.º da Resolução do Conselho do Governo n.º 107/2010. Nesta região, os estágios só se podem realizar no período diurno, e estão limitados às 35 horas semanais, tendo uma duração que pode ser distinta consoante a ilha. Nos termos do artigo 5.º da Resolução do Conselho do Governo n.º 107/2010, os estágios do programa Estagiar L têm a duração inicial de seis meses nas ilhas de São Miguel e Terceira, passíveis de prorrogação por mais cinco meses. Já os estágios do programa Estagiar L nas ilhas de Santa Maria, Pico, Faial, São Jorge, Graciosa, Flores e Corvo têm a duração inicial de onze meses, passíveis de prorrogação por mais doze meses, incluindo um mês de descanso, a gozar entre o 12.º e o 15.º mês. O Estagiar T tem a duração inicial de seis meses, passíveis de prorrogação por mais cinco meses, enquanto que os estágios do programa Estagiar U têm a duração de um mês por candidato. 3.6.3 OS PROGRAMAS INOV O contrato de estágio também não se confunde com os programas Inov, os quais são aliás semelhantes ao Programa Estágios Profissionais, beneficiando igualmente de financiamento público. E, à semelhança do Programa Estágios Profissionais, os programas Inov constituem programas especiais, adoptados para a execução da política de emprego, cfr. Decreto-Lei n.º 132/99, de 21 de Abril. 107 O Programa Inov-Jovem – Jovens Quadros para a Inovação nas PME (pequenas e médias empresas) foi criado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 87/2005, 29 de Abril de 2005, mais tarde designado apenas como Inov-Jovem, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2008, de 7 de Abril, na redacção dada pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 93/2008, de 5 Junho190. O Programa Inov-Jovem foi mais tarde complementado por um programa de estágios internacionais também para jovens qualificados, o Programa Inov Contacto, adoptado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 93/2005, de 20 de Maio. Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2008, de 7 de Abril, alterada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 93/2008, de 5 de Junho, foi ainda criado o Inov Vasco da Gama, como medida específica para apoiar a qualificação internacional de jovens empresários, gestores ou quadros de empresas nacionais, tendo como principal objectivo a capacitação dos mesmos em matéria de internacionalização, através de acções de integração em empresas e entidades internacionais de referência, consideradas detentoras das melhores práticas em gestão, o Inov-Art, em que se apoia a realização de estágios internacionais de jovens ligados às artes e à cultura em entidades de referência de outros países ligadas ao respectivo sector, e o Inov Mundus, como medida específica de apoio à qualificação de jovens na área da cooperação para o desenvolvimento. Além destes, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/2009, de 15 de Dezembro, criou o Programa Inov-Export, destinado a apoiar a inserção, numa primeira fase, de 500 jovens quadros profissionais especializados em comércio internacional em PME nacionais exportadoras ou potencialmente exportadoras, nomeadamente através de estágios profissionais remunerados dirigidos a jovens licenciados e do apoio à contratação de jovens licenciados e de desempregados qualificados. O regime de concessão dos apoios técnicos e financeiros das medidas InovJovem, Inov Contacto, Inov Vasco da Gama, Inov-Art e Inov Mundus, bem como as respectivas normas de funcionamento e acompanhamento, estão presentemente reguladas na Portaria n.º 1103/2008, de 2 de Outubro, alterada pela Portaria n.º 190 Inicialmente o Programa Inov-Jovem tinha como destinatários jovens até aos 35 anos, habilitados com qualificações de nível superior nas áreas da gestão, engenharia, ciência e tecnologia e outras áreas críticas para a inovação empresarial, visando a sua inserção nas PME, através de apoio do Estado. Este apoio concretizava-se através de dois tipos de mecanismos: um apoio específico à celebração imediata de um contrato individual de trabalho, ou de um estágio profissional, em que o Estado comparticiparia na respectiva bolsa de estágio e incentivaria a posterior contratação. O regime de concessão dos apoios técnicos e financeiros do Programa Inov-Jovem – Jovens Quadros para a Inovação nas PME constava inicialmente da Portaria n.º 586-A/2005, de 8 de Julho, mais tarde revogada pelo n.º 1 do artigo 10.º da Portaria n.º 1103/2008, de 2 de Outubro. 108 110/2011, de 16 de Março, diploma este que nos termos do seu artigo 11.º, vigora até 31 de Dezembro de 2013. Já o regime de concessão dos apoios técnicos e financeiros da medida Inov-Export, bem como as normas de funcionamento e acompanhamento, encontram-se reguladas na Portaria n.º 238/2010, de 29 de Abril, alterada pela Portaria n.º 148/2011, de 8 de Abril. De acordo com os regulamentos das medidas Inov-Jovem, Inov Contacto, Inov Vasco da Gama, Inov-Art e Inov Mundus, anexos à Portaria n.º 1103/2008, todas estas medidas são suportadas por dinheiros públicos, e em todas o estagiário receberá uma bolsa de estágio. A medida Inov-Jovem consubstancia-se num estágio profissional com a duração de 12 meses, incluindo um mês de férias. O estágio na medida Inov Contacto tem uma duração mínima de seis meses e máxima de nove meses. O Inov Vasco da Gama é constituído por três fases sequenciais, cuja 1.ª fase, seminário de preparação, tem a duração máxima de dois dias; a 2.ª fase, acção prática a realizar no estrangeiro, tem a duração máxima de três meses e a 3.ª fase, seminário de encerramento com apresentação do relatório final do plano de qualificação internacional e do projecto de implementação de práticas de gestão e ou estratégia empresarial, com duração de um dia. O estágio na medida Inov-Art é também constituído por três fases, tendo o estágio no estrangeiro uma duração mínima de três meses e máxima de seis meses. Já o estágio no Inov Mundus é igualmente constituído por três fases sequenciais, em que a 1.ª fase, seminário de formação, tem a duração máxima de dois dias; a 2.ª fase, acção prática, tem a duração máxima de 12 meses, incluindo 1 mês de férias, e a 3.ª fase, constituída apenas por um seminário de encerramento. O regulamento da medida Inov-Export encontra-se anexo à Portaria n.º 238/2010, de 29 de Abril, alterada pela Portaria n.º 148/2011, de 8 de Abril, sendo esta medida também suportada por dinheiros públicos e auferindo igualmente o estagiário uma bolsa de estágio. Traduz-se num estágio com a duração de nove meses, constituído por três fases sequenciais, subdividindo-se a 1.ª fase na realização de acção de formação, 2.ª fase no estágio na entidade beneficiária e a 3.ª fase na avaliação do estágio e sessão de encerramento, com entrega de diplomas de frequência de estágio. Entre a entidade beneficiária (empresas exportadoras com produtos e ou serviços de origem nacional, empresas potencialmente exportadoras ou que exportam pontualmente, com produtos e ou serviços de origem nacional ou associações empresariais) e o estagiário, é 109 celebrado um contrato de formação, nos termos do qual aquela se obriga a cumprir o plano de estágio visado pela AICEP, E. P. E.191. 3.6.4 ESTÁGIOS CURRICULARES O contrato de estágio é distinto dos estágios curriculares. Estes últimos, embora consubstanciem um estágio, ou seja, uma formação que poderá ser prática e em contexto de trabalho, a aprendizagem deles decorrente encontra-se ainda inserida no âmbito do sistema educativo, sendo frequentemente uma etapa necessária à conclusão, com sucesso, de um curso ministrado por estabelecimento de ensino reconhecido pelo Estado. Ou seja, não obstante o estágio poder ser efectuado junto de uma entidade empresarial, com a prestação de algum trabalho no âmbito da própria formação, e podendo mesmo haver financiamento estatal, a verdade é que o investimento na formação do estagiário efectuado por quem o recebe – enquadrado num estágio curricular – tende a ser diminuído. Em regra trata-se de um estágio supervisionado, quer pela entidade que na sua organização recebe o estagiário, quer pela instituição de ensino onde o mesmo se encontra, implicando não raro a realização de relatórios ou de um trabalho escrito relativo aos conhecimentos adquiridos, mantendo o estagiário, na pendência do estágio curricular, a qualidade de aluno. O aluno torna-se assim, antes de mais, um observador 191 Além das medidas referidas, havia ainda duas outras. A primeira delas, a medida Inov-Social, foi criada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 112/2009, de 26 de Novembro, era destinada a promover a realização de estágios profissionais e a inserção anual de 1000 jovens quadros qualificados em instituições da economia social, tendo em vista apoiar o emprego jovem e a modernização e capacitação institucional daquelas entidades, ao nível do desenvolvimento de estratégias e competências, visando a melhoria da gestão, a garantia da eficiência e eficácia das decisões e o controle de qualidade dos processos organizacionais. O regulamento da medida Inov-Social constava da Portaria n.º 154/2010, de 11 de Março, alterada pelas Portarias n.os 285/2010, de 25 de Maio e 886/2010, de 10 de Setembro. Já a segunda e última medida, a medida Inov-Energia, foi criada pela Portaria n.º 154/2010, de 11 de Março, constando o respectivo regulamento do Despacho n.º 7384/2010, de 27 de Abril, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 81, de 27 de Abril de 2010, e alterado pelo Despacho n.º 13957/2010, de 3 de Setembro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 172, de 3 de Setembro de 2010. A medida Inov-Energia criava programas de estágio para licenciados nas áreas do ambiente, da protecção civil, das energias renováveis ou de outras que viessem a ser consideradas prioritárias, de acordo com o artigo 1.º da Portaria n.º 154/2010. Quer no Inov-Social, quer no Inov Energia, o estágio tinha a duração de 9 meses, recebendo o estagiário uma bolsa de estágio, que era financiada pelo Estado. Por força do artigo 22.º da Portaria n.º 92/2011, de 28 de Fevereiro, que como referido regula o Programa de Estágios Profissionais, quer a Portaria n.º 154/2010, quer o Despacho n.º 7384/2010, foram revogados. Não obstante, o artigo 21.º da Portaria n.º 92/2011 prevê agora que a criação e regulamentação de estágios no âmbito de medidas Inov são aprovadas por despacho do membro do Governo responsável pela área do emprego e da formação profissional. 110 crítico, a quem interessará por isso mais a avaliação da instituição de ensino (ainda que esta se possa fundamentar na apreciação da entidade que o recebe), do que propriamente a avaliação da organização que o recebe. O estágio curricular através das instituições de ensino é menos uma formação prática organizada pela entidade que recebe o estagiário – que poderá ter em vista munilo de conhecimentos de que a mesma organização venha a beneficiar enquanto situação preliminar à sua admissão como trabalhador – e mais um instrumento que permite testar os conhecimentos teóricos e as ferramentas técnicas adquiridas no sistema de ensino. Ainda assim, e como sucede no contrato de estágio, nada impede que a organização que aceite estágios curriculares venha a admitir o estagiário como seu trabalhador. 3.6.5 PERÍODO EXPERIMENTAL O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção. Esta é a noção prevista no n.º 1 do artigo 111.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Da noção de período experimental resulta desde logo que este instituto pressupõe a existência de um contrato de trabalho. A não ser que o mesmo tenha sido excluído pelas partes através de acordo escrito192, impõe a lei que no seu decurso, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho, cfr. n.º 2 do mesmo artigo 111.º do Código do Trabalho, visando-se pois uma avaliação real do desempenho do trabalhador. Este período temporal permite ainda caracterizar o vínculo laboral como tendo uma natureza precária, atendendo a que qualquer das partes, salvo acordo escrito em contrário193, pode cessá-lo sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização da contraparte, cfr. n.º 1 do artigo 114.º. 192 Cfr. n.º 3 do artigo 111.º do Código do Trabalho. O acordo escrito que exclui o período experimental poderá consubstanciar-se no próprio contrato de trabalho. Recorde-se que quanto ao contrato de trabalho sem termo vigora a liberdade de forma, cfr. artigo 219.º do Código Civil e artigo 110.º do Código do Trabalho, o que determina que o mesmo não tem de ser reduzido a escrito. Quando o for, poderá então conter uma cláusula contratual em sentido de excluír o período experimental. Não sendo o contrato reduzido a escrito, impõe-se que a vontade das partes na exclusão do período de prova se faça, sob pena de nulidade, através de acordo escrito. 193 Valem aqui as considerações tecidas na nota anterior, com as necessárias adaptações. 111 O período experimental é susceptível de se confundir com o contrato de estágio porquanto do seu regime resulta claro que poderá incluir, dentro de certos limites, formação. Com efeito, o n.º 1 do artigo 113.º do Código do Trabalho estabelece que o período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo acção de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período. Ou seja, por efeito desta norma, o início da prestação de trabalho pode ser ocupado com a formação que o empregador entenda necessária ministrar ao trabalhador, designadamente para a prossecução do trabalho, sendo que em tais situações a formação deve ser abrangida pelo período experimental. Por decorrência do n.º 2 do artigo 111.º do Código do Trabalho a formação não poderá pôr em causa a finalidade do instituto do período experimental, permitir que ambas as partes, empregador e trabalhador, possam apreciar o interesse na subsistência do contrato de trabalho. Terá sido por esta razão que o legislador estabeleceu um limite à duração da acção de formação que se deva achar incluída na duração do período experimental, a qual só incluirá até metade da duração do período experimental, ainda que a formação tenha uma duração superior ao próprio período experimental. Casos há, contudo, em que a duração da formação do trabalhador se mostra mais longa do que o período de tempo correspondente a metade da duração do período experimental, excedendo assim o limite referido no n.º 1 do artigo 113.º do Código do Trabalho. Nessas situações, o período experimental deve suspender-se a partir do momento em que ultrapasse metade da duração do período experimental, para retomar a sua contagem logo que cesse a formação ministrada ao trabalhador194. O período experimental é distinto do contrato de estágio, não devendo com ele ser confundido. Desde logo o mesmo pressupõe a celebração prévia de um contrato de trabalho, para a prestação de trabalho subordinado, o que o diferencia do contrato de estágio, onde aquele que receberá a formação não tem a qualidade de trabalhador. Acresce que, os fins prosseguidos pelo período experimental são distintos dos fins visados pelo contrato de estágio. No primeiro, e como referido, visa-se apreciar o interesse na manutenção da relação de trabalho, enquanto que no segundo pretende-se conceder formação prática em contexto de trabalho. Em comum têm apenas a formação proporcionada, embora no período experimental semelhante formação se apresente 194 Neste sentido, vide Tatiana Guerra de Almeida, Do período experimental no contrato de trabalho, Almedina, Fevereiro de 2007, página 140 e 141. 112 como uma faculdade, não sendo obrigatória, enquanto que no contrato de estágio a formação constitui o seu objecto, não podendo haver aquele sem que haja efectiva formação. Sem prejuízo do que se acha referido, nada veda que no contrato de estágio seja aprazado um período experimental ou de experiência195, com vista a permitir a apreciação efectiva da correspondência entre o negócio jurídico celebrado e as finalidades visadas pelas partes. Com efeito, a existência de períodos de prova não é exclusiva da relação de trabalho subordinado, encontrando-se ainda noutros institutos jurídicos196, sendo também de admitir no contrato de estágio, ao abrigo da liberdade contratual prevista no n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil. Nos termos do n.º 6 do artigo 112.º do Código do Trabalho, a antiguidade do trabalhador conta-se desde o início do período experimental. A antiguidade “é a qualidade correspondente à duração da situação jurídica laboral”, Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Livraria Almedina, 1991, página 675 e seguintes, e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de Junho de 2005, processo 10307/2004-4, sumários em www.dgsi.pt. Compreende-se, assim, que a duração do período experimental importe para efeitos de cálculo da antiguidade. Já havendo contrato de trabalho durante aquele período, é a duração daquele contrato que interessa para a antiguidade. Não são despiciendos os efeitos da antiguidade no contrato de trabalho. Esta releva, de acordo com o previsto no Código do Trabalho (diploma onde se inserem sistematicamente os preceitos que se referem seguidamente) sobretudo em matéria de duração do período de férias, cfr. n.os 1 e 4 do artigo 239.º, para o direito do trabalhador a auferir diuturnidades197 – desde que previstas em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho198, por contrato de trabalho, ou correspondam a um uso – para os 195 Assim, embora referindo-se ao contrato de aprendizagem regulado no Decreto-Lei n.º 205/96, de 25 de Outubro (diploma entretanto revogado com a entrada em vigor da Portaria n.º 1497/2008, de 19 de Dezembro), vide Tatiana Guerra de Almeida, Do período experimental no contrato de trabalho, Almedina, Fevereiro de 2007, página 51. 196 Como na segunda modalidade de venda a contento, cfr. artigo 924.º do Código Civil, em que há a celebração de um contrato, podendo, embora apenas uma das partes, o comprador, fazer cessá-lo por resolução, beneficiando também de uma ampla margem de discricionariedade. 197 Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 262.º do Código do Trabalho, entende-se por diuturnidade a prestação de natureza retributiva a que o trabalhador tenha direito com fundamento na antiguidade. 198 Nos termos dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 2.º do Código do Trabalho, constituem instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho a convenção colectiva (que pode ser um contrato colectivo, acordo 113 prazos de aviso prévio da decisão de despedimento colectivo, cfr. n.º 1 do artigo 363.º, e respectiva compensação, cfr. n.os 1 e 3 do artigo 366.º, na ordem de critérios que o empregador deve observar no despedimento por extinção de posto de trabalho, cfr. n.º 2 do artigo 368.º, para os prazos de aviso prévio da decisão de despedimento por extinção de posto de trabalho, cfr. n.º 3 do artigo 371.º e respectiva compensação, cfr. artigo 372.º, para os prazos de aviso prévio da decisão de despedimento por inadaptação, cfr. n.º 2 do artigo 378.º e respectiva compensação, cfr. artigo 379.º, para a indemnização em substituição de reintegração a pedido do trabalhador no caso de ilicitude do despedimento, cfr. n.os 1 e 3 do artigo 391.º, para a indemnização em substituição de reintegração a pedido do empregador no caso de ilicitude do despedimento, cfr. n.º 3 do artigo 392.º, para a indemnização devida ao trabalhador em caso de resolução por este com justa causa do contrato de trabalho n.os 1 e 2 do artigo 396.º, e para o prazo de aviso prévio que o trabalhador deve observar na denúncia do contrato de trabalho, cfr. n.º 1 do artigo 400.º. Não é assim no contrato de estágio. Neste contrato não há lugar à contagem de antiguidade, independentemente de posteriormente à sua cessação vir a ser celebrado um contrato de trabalho ou não. Não sendo de qualificar como sendo de trabalho a formação recebida pelo estagiário, o tempo de duração de contrato de estágio não deverá ser tido em conta para aferir da antiguidade de trabalhador cuja prestação do trabalho foi precedida da celebração de contrato de estágio, não contando por isso no seu cômputo. 3.6.6 A FORMAÇÃO CONTÍNUA Por fim, cabe fazer uma breve distinção do contrato de estágio da formação contínua dos trabalhadores. Entre os vários deveres do empregador encontra-se o dever de contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação, colectivo, ou um acordo de empresa), o acordo de adesão, a decisão arbitral, a portaria de extensão, e a portaria de condições de trabalho. 114 cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 127.º do Código do Trabalho 199. A formação profissional constitui desde logo uma incumbência do Estado, assim se estabelecendo no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, prevendo-se nesta norma programática que compete ao Estado garantir o acesso dos cidadãos à formação profissional, permitindo a todos a aquisição e a permanente actualização dos conhecimentos e competências, desde a entrada na vida activa. Na ausência de uma definição de formação profissional, e atento o conteúdo daquela norma programática pode entender-se a formação profissional como a formação que visa a aquisição e a permanente actualização dos conhecimentos e competências susceptíveis de serem utilizados no exercício de uma actividade profissional. A formação profissional que há-de ser proporcionada pelo empregador tem por objectivo assegurar a formação contínua dos trabalhadores da empresa, cfr. alínea b) do artigo 130.º do Código do Trabalho. No âmbito desta formação contínua, o empregador tem, por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 131.º do Código do Trabalho, o dever de assegurar a cada trabalhador o direito individual à formação, através de um número mínimo anual de horas de formação, mediante acções desenvolvidas na empresa, ou a concessão de tempo para frequência de formação por iniciativa do trabalhador. Procurando assegurar uma formação contínua efectiva, o legislador determinou no n.º 2 do artigo 131.º do Código do Trabalho que o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano200 201 , direitos estes que 199 Por contraposição ao dever do empregador de contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, proporcionando-lhe formação profissional, o trabalhador tem o dever de participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador, cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho. 200 Nos termos do n.º 4 do artigo 131.º do Código do Trabalho, as horas de dispensa de trabalho para frequência de aulas e de faltas para prestação de provas de avaliação, ao abrigo do regime de trabalhadorestudante, cfr. artigo 89.º e seguintes do Código do Trabalho, são contabilizadas para o cômputo das trinta e cinco horas de formação contínua em cada ano, ou, no caso de trabalhador contratado a termo por período igual ou superior a três meses, para o cálculo do número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano. 201 A preocupação em tornar a formação contínua uma realidade na prática empresarial portuguesa é patente no conteúdo normativo dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 132.º do Código do Trabalho, de acordo com os quais o mínimo de horas anuais de formação que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador. Este crédito de horas para formação é referido ao período normal de trabalho, confere direito a retribuição e conta como tempo de serviço efectivo. Para que o trabalhador possa utilizar o crédito de horas para a frequência de acções de formação é suficiente mera comunicação ao empregador, com a antecedência mínima de dez dias. A formação por iniciativa do trabalhador tem 115 se não forem cumpridos fazem incorrer o empregador na prática de uma contraordenação grave, cfr. n.º 10 do mesmo artigo. Semelhante cominação tem o empregador que não assegure, em cada ano, formação contínua a pelo menos 10% do total de trabalhadores da empresa, cfr. n.os 5 e 10 do artigo 131.º do Código do Trabalho. Quanto ao seu conteúdo, a área de formação contínua é determinada por acordo entre o empregador e o trabalhador ou, não havendo acordo, pelo empregador, caso em que deve coincidir ou ser afim com a actividade prestada pelo trabalhador, cfr. n.º 1 do artigo 133.º do Código do Trabalho. A formação contínua pode ser desenvolvida pelo empregador, por entidade formadora certificada para o efeito, ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente, e dá lugar à emissão de certificado e a registo na Caderneta Individual de Competências nos termos do regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações. Não sendo o estagiário trabalhador, não tem este direito à formação contínua, a qual pressupõe a vigência de um contrato de trabalho. Também as finalidades do contrato de estágio não se devem confundir com as da formação contínua. No primeiro, visa-se munir o estagiário das competências para vir a desenvolver uma actividade profissional, seja para se introduzir pela primeira vez na vida activa, seja para regressar a esta última em área em que não tenha desenvolvido as suas aptidões, enquanto que na formação contínua pretende-se promover o desenvolvimento e a adequação da qualificação do trabalhador, tendo em vista melhorar a sua empregabilidade. Por outro lado, não há no contrato de estágio a imposição de um número mínimo anual de horas de formação. Verificando-se a coexistência de trabalhadores e estagiários, estes últimos não entram para o cômputo dos 10% do total de trabalhadores da empresa que em cada ano deve receber formação. Em princípio, a formação obtida pelo estagiário, por força da celebração de um contrato de estágio, também não dá lugar à emissão de certificado e a registo na Caderneta Individual de Competências, nos termos do regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações, estabelecido no Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de Dezembro. Em comum, partilha o contrato de estágio com a formação contínua o facto de a área de formação ser determinada por acordo entre aqueles que são parte no respectivo contudo alguns limites quanto à respectiva área, impondo-se no n.º 2 do artigo 133.º que não obstante poder ser escolhida pelo trabalhador, deve ter correspondência com a actividade prestada ou respeitar a tecnologias de informação e comunicação, segurança e saúde no trabalho, ou língua estrangeira. 116 contrato – entidade que concede o estágio e estagiário no contrato de estágio, e empregador e trabalhador no contrato de trabalho – e o facto de poder ser desenvolvida por quem tem os meios para ministrar a formação – entidade que concede o estágio no contrato de estágio, e empregador no contrato de trabalho. 117 4. O CONTRATO DE ESTÁGIO NO DIREITO COMPARADO A consagração de contratos que visam a formação é frequente nos ordenamentos jurídicos, quer intra-europeus, quer fora do próprio espaço europeu. A economia do presente estudo impõe, contudo, que se restrinja a análise dos ordenamentos jurídicos estrangeiros àqueles que usualmente são apontados como sendo os mais próximos da ordem jurídica portuguesa: o ordenamento jurídico espanhol, o francês e o germânico. Em Espanha, o Estatuto de los Trabajadores202 admite os contratos formativos, contratos de formação, no seu no artigo 11. 203 , preceito este que se encontra sistematicamente inserido na Secção 4ª, “Modalidades do contrato de trabalho”, do Capítulo I, Disposições gerais, do Título I, Da relação individual de trabalho. Nos termos do artigo 11. do Estatuto de los Trabajadores, são dois os tipos de contratos de formação: o contrato para la formación 204 (contrato para a formação), e o contrato en 202 O Estatuto de los Trabajadores foi aprovado pela Ley 8/1980, de 10 de Março, e publicado no Boletín Oficial del Estado em 14 de Março de 1980, tendo entrado em vigor, nos termos da sua disposição final nona, no dia seguinte ao da sua publicação naquele jornal oficial, ou seja, 15 de Março de 1980. 203 O artigo 11. do Estatuto de los Trabajadores teve já várias redacções, a última das quais resulta da Ley 35/2010, de 17 de Setembro, publicada no Boletín Oficial del Estado de18 de Setembro de 2010. O preceito em causa é regulamentado pelo Real Decreto 488/98, de 27 de Março, publicado no Boletín Oficial del Estado de 9 de Abril. 204 O contrato para la formación pode ser celebrado com trabalhadores que tenham mais de 16 anos de idade e menos de 21 (excepcionalmente com menos de vinte anos, até 31 Dezembro de 2011), a quem falte a qualificação ou certificação profissional exigida para celebrar um contrato de estágio. O limite máximo de idade será 24 anos quando se frequente um ciclo de formação profissional de nível intermediário. Quando o contrato for celebrado com desempregados que sejam admitidos como estudantes nos programas Escuelas Taller, Casas de Oficio e Talleres de Empleo, a idade limite do trabalhador com o qual pode ser celebrado um contrato para la formación é a estabelecida no programa correspondente. Já não é aplicável qualquer limite máximo de idade quando o contrato para la formación for celebrado com pessoas com deficiência. O contrato para la formación deve ser reduzido a escrito, dele constando expressamente o ofício ou o nível profissional objecto de aprendizagem, o tempo dedicado à formação e à sua distribuição horária, a duração do contrato e o nome e qualificação profissional da pessoa designada como tutor. Quanto à duração, no contrato para la formación esta não pode ser inferior a seis meses nem superior a dois anos, excepto quando a convenção colectiva fixe uma duração diferente, sendo que em nenhum caso poderá exceder três anos ou quatro anos, quando celebrado com pessoas com deficiência. Admite-se a prorrogação do contrato para la formación, podendo este ser prorrogado até duas vezes, com uma duração mínima de seis meses. No caso de se ter completado a duração máxima do contrato para la formación, o trabalhador não pode ser contratado nesta modalidade de contrato pela mesma ou por empresa diferente. Outra das faculdades concedidas aos contraentes é fixarem um período experimental o que, quando suceder, não pode ser superior a dois meses. Estabelecem-se ainda limites mínimos à formação, procurando assegurar que esta é efectivamente prestada, prevendo-se que o tempo dedicado à formação teórica não deve ser inferior a 15% da jornada de trabalho máxima prevista em convenção colectiva ou, na sua falta, da jornada de trabalho máxima legal. O contrato para la formación é sempre remunerado, sendo a retribuição do trabalhador aquela que for fixada na convenção colectiva, durante o primeiro ano do contrato, sem que, na falta desta, possa ser inferior ao salário mínimo, em proporção ao tempo trabalhado. Durante o segundo ano será a fixada na convenção colectiva sem que, em 118 práticas (contrato de estágio). Quer num, quer noutro contrato, a relação é de trabalho subordinado, sendo estes contratos uma modalidade do contrato de trabalho. Antonio Martín Valverde define estes contratos de formação como aqueles cujo objectivo é a colocação em prática de conhecimentos anteriormente adquiridos, ou, a conhecer, aprender uma arte ou profissão, ou uma actividade profissional específica, a fim de inserir os jovens no mercado de trabalho205. Quanto à natureza jurídica do contrato de formação, contém situações de aprendizagem com o objectivo de assegurar o emprego dos jovens, tanto daqueles a quem falta qualificação profissional, como dos que são inexperientes profissionalmente. No mesmo sentido, salienta Manuel Carlos Palomeque López: “trata-se de figuras contratuais, os contratos designados para a formação e de estágio, antes denominados de estágio e de aprendizagem, que visam a empregabilidade dos jovens, tanto daqueles que apresentam carências formativas e de certificação profissional, para garantir-lhes a aquisição de formação teórico-prática, como daqueles que, tendo-a adquirido, precisam de uma adaptação prática através da experiência profissional.” 206. O contrato en práticas (contrato de estágio) só pode celebrar-se com quem tiver um diploma universitário ou um título de formação profissional de grau médio ou superior, ou ainda um diploma oficialmente reconhecido como equivalente, de acordo com as leis que regem o sistema de ensino ou de certificação profissional. Outro caso algum, possa ser inferior ao salário mínimo, independentemente do tempo dedicado à formação teórica. No final do contrato, o empregador deve entregar ao trabalhador um certificado da formação teórica e prática adquirida. Além disso, o trabalhador poderá solicitar à autoridade pública competente a emissão do certificado profissional correspondente. Há um limite para o número de formandos que podem ser contratados, em função do tamanho da empresa e do disposto na convenção colectiva. Em matéria de segurança social, o trabalhador contratado nesta modalidade de contrato de trabalho beneficia de protecção, que compreende todas as contingências, situações protegidas e prestações, incluindo o desemprego. Tem também direito à cobertura do Fundo de Garantia Salarial. Refira-se ainda que a legislação espanhola estabelece o dever de comunicação da celebração do contrato para la formación ao Servicio Público de Empleo, nos dez dias seguintes à sua conclusão, assim como as prorrogações do mesmo. Caso o trabalhador continue na empresa após o final do contrato, não poderá convencionar-se um novo período experimental, computando-se a duração do contrato para efeitos de antiguidade. 205 “son aquéllos contratos de que tiene como fin la puesta en práctica de conocimientos adquiridos con anterioridad o bien el conocer, aprender un arte u oficio, o bien una actividad profesional determinada, con el objeto de insertar a jóvenes en la actividad laboral”, Antonio Martín Valverde, Fermín RodríguezSañudo Gutiérrez, Joaquín García Murcia, Derecho del Trabajo, 16ª edição, Editorial, Tecnos, 2007, Páginas 524 e 525. 206 “se trata de figuras contractuales, los llamados contratos de prácticas y para la formación y antes en prácticas y de aprendizaje que persiguen que la inserción laboral de los jóvenes, tanto de los que presentan carencias formativas y de titulación, para garantizarles la adquisición de la formación teóricopráctica, como aquellos que habiéndola adquirido precisan de una adaptación práctica a través de la experiencia profesional”, Manuel Carlos Palomeque López e Manuel Álvarez de la Rosa, Derecho del Trabajo, 15ª edição, Editorial Universitaria Ramón Areces, Madrid, Espanha, 2007, páginas 587 e 588. 119 requisito ainda relativo ao contraente trabalhador, é que não tenham decorrido mais de cinco anos após a conclusão dos estudos, ou sete, quando o contrato for celebrado com um trabalhador com deficiência. O contrato en práticas é obrigatoriamente reduzido a escrito, dele devendo contar expressamente informação relativa ao diploma ou ao título do trabalhador, o posto de trabalho a desempenhar durante o estágio, e a duração do contrato. Esta última não pode ser inferior a seis meses nem superior a dois anos. Dentro dos limites temporais fixados para a duração do contrato de estágio, admite-se a sua prorrogação, até a um máximo de duas vezes, pese embora que cada prorrogação tenha de ter uma duração mínima de seis meses. As partes podem acordar na vigência de um período experimental, o qual varia consoante a habilitação do trabalhador. Não pode o período experimental exceder um mês, no caso de contratos de estágio celebrados com trabalhadores com título de grau médio ou com certificado profissional de nível 1 ou 2, não podendo ultrapassar os dois meses no caso de trabalhadores com título de grau superior ou certificado profissional de nível 3, podendo a convenção colectiva dispor diferentemente. Caso o trabalhador continue na empresa após a cessação do contrato, não poderá convencionar-se um novo período experimental, computando-se a duração do contrato de estágio para efeitos de antiguidade. Em Espanha, o contrato de estágio é remunerado, sendo a retribuição do estagiário, que tem naquele ordenamento jurídico a qualidade de trabalhador, fixada na convenção colectiva, sem que, na sua falta, possa ser inferior a 60% ou 75% da retribuição fixada na convenção colectiva para um trabalhador que ocupe o mesmo posto de trabalho ou equivalente, durante o primeiro ou segundo ano do contrato, respectivamente. Em caso algum a retribuição pode ser inferior a um salário mínimo, sendo que no caso dos trabalhadores a tempo parcial, a retribuição é reduzida, de acordo com as horas de actividade acordadas. Quando o contrato de estágio cessar, o empregador deverá emitir para o trabalhador um certificado comprovativo da duração do estágio, o posto ou postos de trabalho ocupados e as principais tarefas realizadas em cada um deles. Procurando obstar à utilização fraudulenta do contrato de estágio, a legislação espanhola determina que nenhum trabalhador pode ser contratado ao abrigo de um contrato de estágio, na mesma ou em outra empresa, por mais de dois anos, com fundamento na mesma habilitação. Semelhante finalidade terá tido o legislador espanhol, que estabeleceu ainda que não pode ser acordado um contrato de estágio com fundamento num certificado profissional 120 obtido como resultado de um contrato para a formação (contrato para la formación) celebrado anteriormente com a mesma empresa. Nos dez dias seguintes à celebração do contrato de estágio, bem como quando se verifique uma prorrogação do mesmo, o empregador tem o dever de comunicar tal facto ao Servicio Público de Empleo, o que pode fazer através do website daquele serviço. O ordenamento jurídico francês admite os estágios que permitam colocar em prática os conhecimentos no meio profissional e facilitar a transição do ensino superior para a empresa. Contudo, faz depender estes estágios do estagiário ter ainda a qualidade de estudante, devendo encontrar-se matriculado em instituição de ensino superior. Com efeito, a Loi (Lei) n.º 2006-396 de 31 de Março de 2006, designada pour l’égalité des chances207 (Igualdade de Oportunidades), alterada pela Loi n.º 2009-1437, de 24 de Novembro de 2009, reformou o sistema de recepção de estagiários nas empresas. Nos termos do artigo 9.º da Loi n.º 2006-396 de 31 de Março de 2006, aos estágios em empresa não são aplicáveis nem as disposições do artigo L. 211-1 do Code du Travail (Código do Trabalho), nem da formação profissional contínua, tal como é definida pelo livro IX do mesmo código, sendo objecto de um acordo entre o estagiário, a empresa de acolhimento e o estabelecimento de ensino, nos termos definidos por decreto. Estes estágios são integrados num curso pedagógico, de acordo com as modalidades fixadas por decreto. Presentemente, os cursos pedagógicos encontram-se estabelecidos no Décret (Decreto) n.º 2010-956 de 25 de Agosto de 2010. Ainda nos termos do mesmo artigo 9.º da Loi n.º 2006-396 de 31 de Março de 2006, quando a duração do estágio for superior a dois meses consecutivos, deve ser remunerado, podendo o valor ser fixado por convenção colectiva ou, na sua falta, por decreto. Aquela remuneração não tem o carácter de um salário, no sentido do artigo L. 140-2 do Code du Travail. Abrangidos pela Loi n.º 2006-396 de 31 de Março de 2006, são todos os estágios, obrigatórios ou não, excepto os estágios de formação profissional contínua, tal como definidos na sexta parte (Livro III) do código do trabalho francês, e os estágios ou as sequências de observação na empresa realizadas por jovens com menos de 16 anos que sejam abrangidos pelo artigo L. 4153-1 do Code du Travail e pelos artigos D. 331-1 e seguintes do Code de l’Éducation (Código da Educação). Assim, situações de contratação de estagiários directamente pela empresa, não têm em França enquadramento jurídico, não havendo igualmente ainda uma tomada de 207 A aprovação deste diploma em França terá sido fortemente influenciada pelos graves tumultos estudantis que em Março de 2006 ocorreram naquele país. 121 posição da jurisprudência em sentido de admitir o contrato de estágio celebrado directamente entre empresa e estagiário. O risco de semelhante contratação se fazer é do contrato ser qualificado como sendo de trabalho e não de estágio. No ordenamento jurídico alemão não existe uma legislação específica que regulamenta o contrato de estágio208. Não obstante, este tem vindo a ser admitido, como o demonstram algumas decisões judiciais. O Tribunal do Trabalho Federal da Alemanha (Bundesarbeitsgericht), em 13 de Março de 2003, 6 AZR 564/01, definiu o estagiário (Praktikant) como: “Aquele que, por um período temporário, e para adquirir conhecimentos e experiencia prática numa determinada profissão ou formação (que não constitua uma formação sistemática), o faça num quadro de uma formação geral, para efeitos de admissão ao ensino superior ou profissão, para um exame ou outros fins”. Numa decisão do Tribunal do Trabalho de Frankfurt, de 20 de Fevereiro de 2001, 5 Ca 2426/00, foi decidido que o estágio que antecedeu uma formação profissional deve ser contabilizado no período experimental. Neste ordenamento, debatem-se os tribunais com a distinção entre as situações de estágio e as situações laborais. O Tribunal do Trabalho de Berlim entendeu, em 8 de Janeiro de 2003, 36 Ca 19390/02, que constitui um abuso do mercado laboral, por parte das entidades empregadoras, os casos em que estagiários desempenham funções típicas de trabalhadores. Mais entendeu este Tribunal que existe um vínculo laboral e não um estágio, quando em primeiro lugar não estiver a aquisição de conhecimentos práticos e experiência mas sim o desempenho de funções laborais. De acordo ainda com esta decisão, se as partes acordaram que as funções do estagiário não seriam remuneradas, então verifica-se uma disparidade entre o desempenho e a recompensa, nos termos do § 208 Já se encontra regulada no ordenamento jurídico alemão a formação profissional, através da Berufsbildungsgesetz (BBiG). Trata-se de legislação que visa o ensino de competências profissionais, conhecimentos e habilidades, que constituirá uma alternativa ao sistema de ensino. Esta lei aplica-se, nos termos do § 3, à formação profissional, desde que não seja efectuada em escolas profissionais, onde vigora legislação escolar dos diferentes Estados federais. A BBiG já não é aplicável à formação profissional realizada em cursos de qualificação profissional ou equivalentes nas universidades. A aprendizagem regulada na BBiG não deve ser superior a três anos, ou durar menos de dois, de acordo com o previsto em § 5. Nos termos do § 10, quem empregar pessoas para a formação profissional, deverá celebrar com os aprendizes um contrato de formação profissional ou contrato de aprendizagem (Berufsausbildungsvertrag), ao qual é aplicável, em princípio, a legislação laboral. O contrato é reduzido a escrito, de acordo com § 11 , dele devendo constar, entre outros elementos, o tipo de formação, conteúdos e espaço temporal (calendarização da formação), bem como os objectivos da formação profissional, nomeadamente a actividade profissional a exercer pelo aprendiz; o início e duração da formação; a duração do tempo diário de formação; a duração do período experimental; a remuneração; a duração das férias e as circunstâncias em que o contrato pode ser denunciado. De acordo com o § 17, os responsáveis pela formação devem garantir aos aprendizes uma remuneração adequada. Esta deve ser ajustada à idade dos aprendizes de modo a que, com a evolução da sua formação profissional, esta seja aumentada, pelo menos, anualmente. 122 138 do Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) (Código Civil alemão), e consequentemente, o empregador deverá pagar o salário de mercado209. 209 Noutras decisões judiciais, entendendo-se que a relação é de trabalho e não de estágio, têm os tribunais alemães feito aplicar disposições do Bürgerliches Gesetzbuch (BGB), do Bundesurlaubsgesetz (BUrlG) (legislação sobre férias), e do Arbeitszeitgesetz (ArbZG) (legislação sobre o tempo de trabalho). Em fase de semelhante aplicação, deve o “estagiário” usufruir de um mínimo de 24 dias de férias, caso o contrato tenha uma duração de, pelo menos, 6 meses. Sendo a duração do contrato inferior, o direito a férias será de 2 dias por cada mês de duração do contrato. De acordo com o Arbeitszeitgesetz (ArbZG), o período diário de trabalho não pode exceder as oito horas. Pode ser prolongado até dez horas se no período de seis meses ou em 24 semanas a média das oito horas diárias não for ultrapassada (§ 3), devendo observar um período de descanso de, pelo menos, 11 horas entre jornadas de trabalho (§ 5). 123 5. PERSPECTIVAS DE EVOLUÇÃO Em 1 de Junho de 2011 foi finalmente regulamentado o contrato de estágio, com a publicação do Decreto-Lei n.º 66/2011. Este diploma apresenta dois méritos indiscutíveis: teve origem no acordo tripartido para um novo sistema das relações laborais, das políticas de emprego, e da protecção social, celebrado entre o Governo e a maioria dos parceiros com assento na Comissão Permanente de Concertação Social, em 25 de Junho de 2008, e, independentemente de algumas críticas que lhe possam ser dirigidas, vem satisfazer uma necessidade de regulamentação que há muito se impunha. Há, contudo neste Decreto-Lei alguns aspectos que podem futuramente ser melhorados, eventualmente numa revisão a algumas das soluções adoptadas. Certos de que a legislação portuguesa se caracteriza por alguma instabilidade, que nada de benéfico comporta, a verdade é que, tendo em conta a experiência que vier a granjear-se pela aplicação do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, depois de decorrido um período de tempo suficiente para a adquirir, poder-se-á equacionar uma revisão das suas disposições, embora sem alterar significativamente a sua estrutura. Entre as soluções configuráveis, conta-se a restrição à contratação de estagiários por parte de entidades relativamente às quais se tenha comprovado o incumprimento da legislação laboral. Semelhante restrição teria a virtude de procurar garantir a efectividade da formação ao estagiário, permitindo o recurso ao contrato de estágio apenas por entidades que venham cumprindo o disposto na Lei. Para tanto, deverá estabelecer-se que constitui requisito atinente à pessoa singular ou colectiva que pretenda conceder o estágio, não ter sido sancionada pelo incumprimento da legislação de trabalho durante determinado período de tempo – por exemplo nos três anos civis anteriores ao da data de celebração do contrato de estágio. Importante é também limitar-se o período de tempo dentro do qual é possível celebrar um contrato de estágio, à semelhança do que sucede no ordenamento jurídico espanhol, que apenas permite a sua celebração dentro dos cinco anos seguintes à conclusão dos estudos, aproximando os conhecimentos obtidos em resultado dos estudos com a formação prática, que visa completar e aperfeiçoar as competências adquiridas por efeito daqueles estudos. De modo a obstar a situações abusivas, poderá uma eventual revisão do DecretoLei n.º 66/2011 vir a considerar que é incluída no cômputo da duração máxima do 124 contrato de estágio a duração de contratos de estágio celebrados entre o mesmo estagiário e sociedades que com a entidade que conceder o estágio se encontrem em relação de domínio, ou de grupo, ou mantenham estruturas organizativas comuns. E poder-se-á ainda, se se pretender procurar evitar utilizações do contrato de estágio que ocultem verdadeiros contratos de trabalho sob a forma do primeiro deste contratos, limitar-se o número de estagiários que poderão ser admitidos, determinando-se, por exemplo, que nenhuma entidade poderá aceitar estagiários em número superior aos trabalhadores que nela exerçam a profissão que constitui o objecto da formação. Equacionável mostra-se, ainda, que o legislador afaste a possibilidade da entidade que concede o estágio procurar compensar os gastos que tenha com a remuneração do estagiário, proibindo àquela entidade que cobre ao estagiário, directa ou indirectamente, quaisquer importâncias em numerário ou espécie, proibindo-lhe igualmente que possa obrigar o estagiário a adquirir bens ou serviços a ela própria, ou a pessoa por ela indicada. Uma relação de bom entendimento, confiança e interesse mútuos, constitui pressuposto indispensável ao êxito da formação, sendo que semelhante relacionamento só se mostrará possível se houver uma possibilidade reconhecida às partes de, com alguma amplitude, porem termo a um contrato que não desejem manter. Deverá por isso admitir-se uma flexibilização das causas de cessação do contrato de estágio, em ordem até a impulsionar a contratação de estagiários. Este efeito conseguir-se-á, se forem admitidas várias modalidades de cessação do contrato de estágio. Entre estas deverá figurar: a caducidade – que operará uma vez atingido o termo da duração do contrato, ou sempre que se verifique uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de alguma das partes – a revogação – através de comum acordo das partes – a denúncia – ou seja, uma manifestação de vontade de uma das partes, dirigida à outra, que visa pôr termo ao contrato, não carecendo a declaração de qualquer justificação – e a resolução – quando ocorram situações graves, que permitam que, quer o estagiário, quer a entidade que concede o estágio, obstem à continuidade da relação aprazada, sem que tenham de respeitar um pré-aviso. Presentemente, e como referido, o legislador entendeu no Decreto-Lei n.º 66/2011, permitir a cessação do contrato de estágio apenas por caducidade, por acordo das partes e por resolução por alguma delas210. 210 Diferentemente, o projecto de decreto-lei que antecedeu o Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, sujeito a discussão pública, só admitia a cessação do contrato por caducidade, acordo das partes, e por denúncia de alguma delas, cfr. n.º 1 do artigo 9.º do projecto. 125 Atenta a finalidade do contrato, a formação para a inserção ou reconversão do estagiário para a vida activa, deve este conseguir atestar, junto de futuros empregadores, os conhecimentos obtidos na pendência do contrato celebrado. Este fim conseguir-se-á facilmente se for imposto àquele que concedeu o estágio que, no final deste último, verificando-se a cessação do contrato que o permitiu, deve entregar ao estagiário um certificado que comprove a sua execução. 126 6. CONCLUSÃO Da análise empreendida, cremos serem inegáveis as vantagens do contrato de estágio, não só para aqueles que nele são partes como, no limite, para a própria ordem social. Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, vinham avultando as dificuldades na concretização da figura do contrato de estágio, dificuldades essas profundamente influenciadas por opções político-legislativas, fundamentais no domínio laboral. É notória a desatenção a que este contrato parece ter sido votado por parte da doutrina, que coloca a tónica ora no contrato de trabalho, preferindo reconduzilo, a este último, ora no contrato de aprendizagem, em detrimento de procurar fixar com precisão as balizas em que o contrato de estágio se há-de poder materializar. É expectável, contudo, que a regulamentação recente do contrato de estágio venha conferir-lhe um maior tratamento jurisprudencial e doutrinal. A reflexão fundamental, é pois, que à luz da Lei o contrato de estágio é admitido, sendo este uma realidade distinta do contrato de trabalho e do contrato de aprendizagem. Quanto ao contrato de aprendizagem, com as imperfeições de que qualquer juízo redutor padece, por procurar ser sintetizador, dir-se-á que, embora tenha em comum com o estágio ensinar conhecimentos específicos, pressupõe a ausência de habilitação ou de certificação profissional, sendo a natureza do contrato de aprendizagem uma capacitação para um ofício, ou para uma arte, enquanto que o contrato de estágio, subentendendo uma certificação obtida em momento anterior, visa a formação para o trabalho. Já quanto ao contrato de trabalho, a verdade é que este se revela, em muitas situações, insuficiente para satisfazer não só as necessidades do mercado de trabalho, como também as dos que no contrato de estágio são partes. Com efeito, a rigidez das regras que permitem a cessação do contrato de trabalho, conjugadas com necessidades de períodos formativos longos, mostram que o contrato de trabalho nem sempre é a figura jurídica adequada. Na ponderação dos interesses em causa, privilegiar-se a admissibilidade de um período delimitado de formação prática em contexto de trabalho é, até, um meio efectivo de assegurar desígnios constitucionais como a segurança no emprego. Profissionais dotados de habilitados, convenientemente preparados através de 127 formações efectivas que lhes permitam granjear alguma experiência profissional são protegidos pelos empregadores, contando-se entre aqueles que, primeiramente, as empresas pretendem reter. Os estágios, financiados pelo Estado ou remunerados ou não por entidades privadas, académicos ou de formação profissional, bem como a formação em contexto de trabalho, mesmo com a concessão de bolsas de estágio, não configuram uma relação de trabalho, entendimento este que já foi sufragado pela jurisprudência. Trata-se antes de uma situação laboral preliminar, como entende Menezes Cordeiro, que após a sua cessação poderá então originar um contrato de trabalho211. E independentemente do contrato de estágio ser celebrado directamente entre uma entidade interessada em o conceder (uma empresa, por exemplo) e uma pessoa que possa beneficiar de uma formação prática em contexto de trabalho – o estagiário –, ponto assente é que o estágio não vise preencher lugares de trabalhadores subordinados, encapotando uma relação de trabalho. Neste sentido, o contrato de estágio assume uma natureza transitória, opondo-se à natureza duradoura do contrato de trabalho. Mas mais: no contrato de estágio há um dever de materializar a formação, no sentido de ao estagiário ser permitido dela retirar os ensinamentos necessários a vir posteriormente a desenvolver uma profissão, com subordinação jurídica ou com autonomia. O que releva é que seja assegurada uma formação efectiva, concretizada em contexto prático de trabalho. Realidade inultrapassável em sociedades cada vez mais especializadas é a necessidade de formação inicial e mesmo contínua, sendo na primeira daquela que o contrato de estágio assume especial relevância. Pela sua importância deve ser protegido, cabendo ao Estado a fiscalização concreta da sua correcta utilização. Neste contexto, é de enaltecer a regulamentação realizada pelo legislador a um contrato admitido pela jurisprudência e incentivado pela realidade social, económica e financeira da actualidade, e que tem pelo menos o efeito de permitir pôr fim a algumas dúvidas de aplicação do contrato de estágio. E entre essas dúvidas encontram-se, porventura, duas das mais prementes: a duração do contrato, e a duração do período das actividades de formação prática em contexto de trabalho. É que a tão necessária reforma do sistema de justiça português, combatendo o elevado número de processos pendentes nos tribunais nacionais, sem restringir o acesso à própria justiça, faz-se também, se não 211 Manual de Direito do Trabalho, Livraria Almedina, 1991, páginas 574 e 575. 128 primordialmente, pela clarificação das regras e comandos a que todos os cidadãos se acham submetidos. Afastar possíveis dúvidas de interpretação e aplicação das regras jurídicas que norteiam a sociedade é prevenir acções judiciais desnecessárias, com as demais consequências para aqueles que nelas intervêm. 129 7. 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O CONTRATO DE ESTÁGIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO Página 18 PORTUGUÊS Página 27 3.1 NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA Página 28 3.2 NO CÓDIGO DO TRABALHO Página 48 3.3 O DECRETO-LEI N.º 66/2011 Página 64 3.4 NA JURISPRUDÊNCIA Página 88 3.5 CARACTERÍSTICAS Página 93 3.5.1 CONTRATO BILATERAL Página 94 3.5.2 CONTRATO OBRIGACIONAL Página 95 3.5.3 CONTRATO INTER VIVOS Página 95 3.5.4 CONTRATO ONEROSO Página 95 3.5.5 CONTRATO SINALAGMÁTICO Página 96 3.5.6 CONTRATO NOMINADO Página 96 3.5.7 CONTRATO FORMAL Página 97 3.5.8 CONTRATO TÍPICO Página 97 3.5.9 CONTRATO INTUITU PERSONAE Página 98 3.5.10 CONTRATO DE EXECUÇÂO CONTINUADA Página 98 3.6 Página 98 DISTINÇÃO DE FIGURAS PRÓXIMAS 3.6.1 O CONTRATO DE APRENDIZAGEM Página 99 3.6.2 ESTÁGIOS PROFISSIONAIS Página 102 3.6.3 OS PROGRAMAS INOV Página 107 3.6.4 ESTÁGIOS CURRICULARES Página 110 137 3.6.5 PERÍODO EXPERIMENTAL Página 111 3.6.6 A FORMAÇÃO CONTÍNUA Página 114 4. O CONTRATO DE ESTÁGIO NO DIREITO COMPARADO Página 118 5. PERSPECTIVAS DE EVOLUÇÃO Página 124 6. CONCLUSÃO Página 127 7. BIBLIOGRAFIA Página 130 8. ÍNDICE Página 137 138