CAPÍTULO Geraldo Magela de Almeida Cançado Gustavo César Sant’Ana Aurinete Daienn Borges do Val Juliano Lino Ferreira 8 7 Arquivo: EPAMIG Sul de Minas - FEMF Marcadores moleculares de DNA e suas aplicações na caracterização, identificação e melhoramento genético da oliveira Marcadores moleculares de DNA e suas aplicações na caracterização, identificação e melhoramento genético da oliveira Geraldo Magela de Almeida Cançado Gustavo César Sant’Ana Aurinete Daienn Borges do Val Juliano Lino Ferreira INTRODUÇÃO Os marcadores moleculares de DNA são técnicas da Biotecnologia Moderna de uso corriqueiro em diferentes áreas da pesquisa científica com humanos, animais, vegetais e microrganismos. Seu potencial para desvendar os segredos contidos na molécula de DNA desperta o interesse em pesquisadores, não só da área de genética, mas também de inúmeros outros campos do conhecimento. A molécula de DNA é a grande responsável pela construção do indivíduo, auxiliada pelo ambiente que molda sua forma final e catalisa sua constante evolução. Com a oliveira, espécie que acompanha a humanidade desde seus primórdios, não poderia ser diferente. A aplicação dos marcadores moleculares nessa espécie é fascinante e possibilita o conhecimento de sua origem e de sua história, seu processo de migração entre os diferentes continentes e, para o futuro, permite lapidar e proteger suas qualidades e aprimorar sua capacidade de produção. Neste capítulo, serão abordadas as principais aplicações dos marcadores moleculares na oliveira e sua importância para o melhoramento dessa cultura, com destaque para os resultados que vêm sendo conquistados pela equipe do Laboratório de Biotecnologia Vegetal da EPAMIG Sul de Minas - Fazenda Experimental de Caldas (FECD), na análise e caracterização da diversidade genética do Banco Ativo de Germoplasma da Oliveira mantido por esta Empresa. IMPORTÂNCIA DA UTILIZAÇÃO DE MARCADORES MOLECULARES DE DNA A oliveira vem sendo cultivada há milhares de anos e a prática da propagação vegetativa favoreceu a dispersão de muitas variedades para diversas regiões do mundo. Como consequência, algumas de suas variedades possuem vários sinônimos (diferentes nomes para a mesma variedade) e vários homônimos (diferentes variedades com o mesmo nome). A presença de sinônimos, homônimos e variedades sem denominação são problemas reais encontrados em coleções de oliveira existentes no mundo. Desse modo, a identificação acurada dos acessos é um requisito básico para o correto manejo e uso racional do germoplasma de oliveira por melhoristas. A identificação e a caracterização dos acessos de oliveira são também de 228 Cançado, G.M. de A. et al. considerável interesse para os viveiristas, agricultores, empresas ligadas à cadeia do azeite e da azeitona e curadores dos Bancos de Germoplasma, uma vez que a qualidade e a quantidade da produção são determinadas pela variedade cultivada. A espécie Olea europaea é altamente variável em termos de conteúdo de óleo, tamanho de fruto e resistência/tolerância em relação a estresses bióticos e abióticos (BARTOLINI et al., 1998). No caso específico do germoplasma brasileiro de oliveira, a falta de conhecimento sobre a diversidade genética existente tem constituído um entrave à utilização e integração de outras formas de conservação de germoplasma (por exemplo, in vitro), além de dificultar a produção e o gerenciamento das informações demandadas pelos usuários, principalmente os melhoristas de plantas. A partir da década de 1960, métodos com base na detecção de polimorfismos genéticos por meio do padrão eletroforético de isoenzimas foram utilizados em análises de diversidade genética, uma vez que tais enzimas são codificadas por diferentes alelos em um ou mais locos gênicos. Entretanto, a expressão das enzimas pode ser muito influenciada pelas condições ambientais e pelo estádio de desenvolvimento das plantas. Consequentemente, apenas sistemas enzimáticos que não apresentavam variações em diferentes condições ambientais e fisiológicas podiam ser utilizados como marcadores adequados, o que reduzia o número de marcadores disponíveis, restringindo o grau de polimorfismo possível de ser detectado por análise de isoenzimas. Posteriormente, novas técnicas com base na detecção de polimorfismos nas sequências de DNA foram desenvolvidas e amplamente utilizadas com a finalidade de detecção de polimorfismos genéticos. As tecnologias de análise molecular da variabilidade do DNA permitem determinar pontos de referência nos cromossomos, tecnicamente denominados “marcadores moleculares” (BORÉM; CAIXETA, 2008). O desenvolvimento e a utilização de marcadores moleculares têm contribuído muito para o avanço da pesquisa genética, permitindo a detecção de polimorfismo de DNA. Pelo fato de os marcadores apresentarem um padrão Mendeliano de herança, estes são passíveis de utilização em diferentes áreas da genética e do melhoramento de plantas, tais como estudos populacionais, evolução, estruturação e análise sintênica. Essas técnicas apresentam várias vantagens em relação àquelas Marcadores moleculares de DNA ... com base nos caracteres morfológicos e nas isoenzimas, como a exclusão de interferências ambientais, possibilidade de realização em qualquer estádio de desenvolvimento da planta, utilização de qualquer tecido ou órgão vegetal, necessidade de pequenas amostras de tecido para realização da análise, além de ser um método não destrutivo. No caso específico da oliveira, os marcadores moleculares são utilizados para caracterizar e melhorar essa espécie há mais de duas décadas, demonstrando ser uma ferramenta extremamente eficiente e com diversas aplicações, tais como genotipagem, estudos de pedigree, identificação de locos de caracteres quantitativos – quantitative trait loci (QTLs), seleção assistida por marcadores (SAM), escolha de genitores, mapeamento genético e identificação de sinônimos e homônimos. O marcador molecular do tipo polimorfismo do comprimento de fragmentos de restrição – restriction fragment lenght polimorphism (RFLP) – foi um dos pioneiros em explorar o polimorfismo genético diretamente na molécula de DNA. Sucintamente, é uma técnica que se baseia na clivagem do DNA genômico em sequências previamente conhecidas que, por sua vez, geram fragmentos de DNA que podem ser separados por eletroforese e comparados no que diz respeito ao tamanho do fragmento. A variação no tamanho do fragmento é a base do polimorfismo desse marcador. A grande vantagem dos marcadores RFLP é a sua ampla distribuição no genoma, o que possibilita a construção de mapas de frequência de recombinação genética, clonagem posicional de genes, além de outras características desejáveis para utilização no melhoramento de plantas, como a capacidade para discriminar indivíduos homozigotos e heterozigotos. Em oliveira, os marcadores RFLP foram descritos na criação de mapas de ligação gênica (LA ROSA et al., 2003). Entretanto, por causa de algumas desvantagens desse método, tais como complexidade operacional da técnica, utilização de material radioativo e elevada quantidade de DNA genômico, necessário para realização das análises, associado ao surgimento de outras classes de marcadores moleculares mais eficientes, seu uso tem sido desestimulado. Com o surgimento da reação em cadeia da polimerase – polymerase chain reaction (PCR) – novos marcadores foram desenvolvidos e alguns destes têm sido empregados com bastante frequência na cultura da oliveira. 229 230 Cançado, G.M. de A. et al. O polimorfismo de DNA amplificado ao acaso – random amplified polymorphic DNA (RAPD) – é um exemplo de marcador que se baseia na amplificação do DNA pela PCR. O RAPD é considerado uma técnica de fácil e rápida execução, além de ter um baixo custo, quando comparado a outros marcadores moleculares. Outra grande vantagem é o fato de poder ser aplicado em qualquer organismo vivo sem que se tenha qualquer conhecimento prévio do seu material genético. Na década de 1990, o RAPD foi um dos principais marcadores utilizados para caracterização e estudos filogenéticos em oliveira. No entanto, seu uso também tem sido substituído por técnicas mais modernas e estáveis, pois o RAPD, por suas peculiaridades, possui baixa reprodutibilidade entre laboratórios diferentes. Além disso, esse marcador não permite a diferenciação entre indivíduos homozigotos e heterozigotos, o que reduz seu poder de distinção de genótipos (BORÉM; CAIXETA, 2008). Já o polimorfismo de comprimento de fragmentos amplificados – amplified fragment length polymorphism (AFLP) – é um marcador molecular que combina a clivagem do DNA genômico em regiões de sequência conhecida, à semelhança do que se realiza no RFLP, com a amplificação do DNA proporcionada pela PCR. Uma característica importante desse marcador é sua capacidade de acessar simultânea e aleatoriamente muitas regiões diferentes no genoma a ser estudado, aumentando o poder de detecção do polimorfismo genético, além de dispensar qualquer conhecimento prévio da constituição do genoma a ser estudado. Marcadores AFLPs têm sido utilizados com sucesso para a caracterização molecular e estudos de diversidade genética em oliveira em diversos países (STRIKIC et al., 2010; ERCISLI; BARUT; IPEK, 2009; OWEN et al., 2005). Marcadores do tipo microssatélites ou repetições de sequências simples – simple sequence repeats (SSR) – atualmente podem ser considerados como os marcadores mais utilizados no mundo para estudos genéticos na espécie da oliveira. Isso se deve, principalmente, a sua simplicidade de execução e ao elevado grau de polimorfismo genético capaz de detectar. Suas propriedades permitem seu uso em mapeamento genômico, estudo de filogenias, reconstrução de genealogias, caracterização de germoplasmas e populações, análises de diversidade genética e identificação de variedades (DNA fingerprinting), sendo bastante útil para o melhoramento dessa espécie. Marcadores moleculares de DNA ... Os microssatélites são pequenas sequências do genoma, os quais contêm de um a seis nucleotídeos repetidos em série e com tamanhos variados. Esse tipo de sequência tem sido detectado nos genomas de todos os organismos eucariotos analisados até o presente momento. Sua distribuição ao acaso e frequente no genoma, tornam esse marcador ideal para detecção de polimorfismo genético em espécies cultivadas como a oliveira. Os microssatélites também são marcadores que se baseiam na PCR do DNA e caracterizam-se por ser codominantes, ou seja, diferenciam indivíduos homozigotos e heterozigotos, além de identificar vários alelos simultaneamente (multialélicos). O conteúdo informativo é relativamente alto, uma vez que essas sequências repetitivas apresentam altas taxas de evolução molecular. Em oliveira existem inúmeros exemplos de seu uso para diversas finalidades (POLJUHA et al., 2008; MOOKERJEE et al., 2005; PASQUALONE et al., 2004). A técnica conhecida como sequências internas simples repetidas – inter simple sequence repeat (ISSR) – tem-se destacado como uma alternativa eficiente para a caracterização de genomas complexos, o que permite a detecção de polimorfismos em regiões flanqueadas por DNA microssatélite, sem a necessidade de isolar e sequenciar fragmentos específicos de DNA. A detecção de elevado grau de polimorfismo, alta reprodutibilidade, custo relativamente baixo e necessidade de pequenas quantidades de DNA são algumas das vantagens da técnica de ISSR (ZIETKIEWICZ; RAFALSKI; LABUDA, 1994). Pelo seu elevado polimorfismo, os marcadores ISSR têmse mostrado muito eficientes para a diferenciação entre clones da mesma variedade de oliveira (ESSADKI et al., 2006; TERZOPOULOS et al., 2005). Com o advento e a disseminação das técnicas de sequenciamento em larga escala do genoma, uma nova classe de marcador foi desenvolvida com base na sequência do DNA, diferentemente dos demais marcadores que se fundamentam no tamanho do fragmento de DNA. Essa nova classe de marcador é denominada polimorfismo de um único nucleotídeo – singlenucleotide polymorphism (SNP) – os SNPs possibilitam a detecção de mutações e polimorfismos com base na posição de um único nucleotídeo, sendo fontes abundantes de variação molecular. Recentemente, os SNPs foram utilizados com sucesso para diferenciar variedades de oliveira e na identificação de sinônimos, desvendando problemas de terminologia errônea (REALE et al., 2006). No entanto, por causa de seu elevado custo, sua utilização ainda é limitada a poucos centros de pesquisa. 231 232 Cançado, G.M. de A. et al. MARCADORES MOLECULARES NA CULTURA DA OLIVEIRA Identificação de variedades – DNA fingerprinting Para o sucesso da olivicultura, é fundamental a utilização de plantas e mudas certificadas geneticamente, ou seja, que correspondam fidedignamente à variedade que se pretende cultivar, pois a qualidade e a produtividade são intrínsecas do potencial genético de cada variedade. Existe grande diversidade entre as inúmeras variedades comerciais de oliveira disponíveis em todo o mundo, que podem diferir significativamente entre si em relação a diversas características, tais como teor e qualidade do óleo, tamanho do fruto, tamanho da semente e resistência/tolerância a estresses bióticos e abióticos. Portanto, a identificação acurada de variedades de oliveira é fundamental para otimização e utilização consciente do germoplasma de oliveira. A utilização de perfis moleculares em associação com descritores morfológicos já vem sendo empregada pelos melhoristas de planta, para a proteção comercial de cultivares, incluindo a oliveira. Em consequência da grande diversidade genética observada para as variedades cultivadas de oliveira, aos erros ocorridos na denominação dos genótipos em localidades diferentes (sinonímia e homonímia), o grande número de coleções de germoplasma mantido em diferentes países e a possibilidade de fecundação cruzada entre variedades, torna a cultura da oliveira um modelo ideal para a aplicação das técnicas de identificação e caracterização por marcadores moleculares. A identificação de acessos ou variedades de oliveira é tradicionalmente realizada por meio da análise e comparação de caracteres morfológicos e agronômicos das plantas. Entretanto, esse método apresenta uma série de restrições em relação à sua aplicabilidade. Em oliveira, limita-se apenas às plantas completamente desenvolvidas, adultas e, preferencialmente, em fase de florescimento ou frutificação, uma vez que muitos dos aspectos morfológicos levados em consideração durante a identificação, só podem ser observados nessa fase do desenvolvimento ou da reprodução. Como a oliveira demanda de três a cinco anos para iniciar a produção de frutos, o emprego desse método é desvantajoso para os programas de melhoramento e para o manejo em pomares comerciais. Marcadores moleculares de DNA ... Em adição, os fenótipos das plantas podem ser significativamente alterados pelas condições ambientais e pelo seu estado nutricional e sanitário (HANNACHI et al., 2008), podendo levar a erros durante a identificação ou classificação de uma variedade. Outra dificuldade é o número excessivo de variedades de oliveira disponíveis, superior a 2 mil, sendo que muitas são comercialmente utilizadas em vários locais do mundo, o que aumenta a chance de misturas e denominações errôneas. Por isso, mesmo que as plantas estejam em excelentes condições, é extremamente difícil diferenciar todas as variedades com base apenas em caracteres morfológicos. Para superar as limitações da identificação com base em características morfológicas, a utilização de diversos tipos de marcadores moleculares vem sendo proposta por vários grupos de pesquisa como forma eficiente para identificação de variedades de oliveira. Por ser realizado em fases juvenis do desenvolvimento da planta, aliado à necessidade de pequenas quantidades de material vegetal, e por ser um método não destrutivo, torna os marcadores moleculares uma técnica muito atraente. No entanto, a grande vantagem desses marcadores está no seu elevado poder de identificação, alicerçado diretamente na sequência de nucleotídeos da fita de DNA, o que elimina qualquer chance de interferências externas, provocadas por variações ambientais e estado nutricional e fitossanitário da planta a ser analisada. Os marcadores moleculares, com base na PCR, como RAPD, ISSR e microssatélites, têm sido os mais utilizados com a finalidade de identificação varietal em oliveira. Isto deve-se, principalmente, à necessidade de quantidades mínimas de DNA, simplicidade da infraestrutura laboratorial e ao custo relativamente baixo, quando comparado a outras técnicas. Esses marcadores possuem a capacidade de gerar uma assinatura genética (DNA fingerprinting), o que possibilita a diferenciação entre as variedades de oliveira. O AFLP, considerado como técnica de custo médio e de maior complexidade, também tem sido bastante utilizado para a mesma finalidade em oliveira. O desenvolvimento de marcadores com base no sequenciamento da fita de DNA, tais como os SNPs, também se mostraram eficientes para a identificação de variedades ou acessos de oliveira (REALE et al., 2006; HAKIM et al., 2010). No momento, essa classe de marcadores moleculares 233 234 Cançado, G.M. de A. et al. ainda é muito pouco aplicada na cultura da oliveira, o que deve mudar nos próximos anos, por causa da redução do custo e aumento da velocidade de sequenciamento automático do DNA, em consequência do surgimento de novas tecnologias (SOUSA et al., 2009). Os marcadores microssatélites são os mais utilizados para a identificação de variedades de oliveira na atualidade. Apresentam alta reprodutibilidade, o que possibilita a troca de informações, a construção de bancos de dados e a padronização de resultados entre diferentes laboratórios e grupos de pesquisa. Caso haja a necessidade de comprovar ou descobrir a identidade genética de determinada variedade de oliveira, sendo esta muda ou planta adulta, basta uma amostra de tecido foliar para extrair o DNA, realizar a PCR com os marcadores microssatélites apropriados e comparar os perfis alélicos obtidos com aqueles disponíveis nos bancos de dados. Algumas pesquisas mostraram que poucos marcadores microssatélites foram suficientes para distinguir individualmente mais de 100 genótipos de oliveira (MUZZALUPO et al., 2008; SARRI et al., 2006). Esses autores sugerem que é essencial a escolha de um conjunto de marcadores microssatélites em número suficiente e com características adequadas para otimizar a detecção de polimorfismo genético entre as variedades a serem analisadas. Recentemente, Baldoni et al. (2009) examinaram 37 marcadores microssatélites num conjunto de 21 variedades de oliveira. As análises foram realizadas, independentemente, em quatro laboratórios diferentes, com o objetivo de padronizar a metodologia de identificação entre estes. Cada marcador foi avaliado em relação à reprodutibilidade, ao poder discriminante e ao número de alelos amplificados. Os marcadores pré-selecionados foram, então, utilizados para a identificação de um conjunto de 77 variedades de oliveiras provenientes de diferentes origens geográficas. Como resultado desse estudo, foi indicado um grupo de 11 marcadores microssatélites a serem utilizados como padrões para a identificação de variedades de oliveira e para a geração de um banco de dados universal de perfis alélicos para essa espécie. Já os marcadores ISSR e AFLP, ao contrário dos microssatélites, são multilocos e altamente polimórficos, gerando padrões de bandas complexos e de difícil interpretação. No entanto, pela ampla cobertura do genoma, podem detectar diferenças genéticas, mesmo entre variantes de um mesmo Marcadores moleculares de DNA ... indivíduo. Por isso, os marcadores ISSR e AFLP são mais indicados para a caracterização de clones originados de uma mesma variedade. O surgimento de variações intravarietais pode ser atribuído principalmente à ocorrência de polinização cruzada entre populações diferentes associadas à propagação por semente (CONTENTO et al., 2002) e, mais raramente, pelas mutações somáticas espontâneas (ZULINI; FABRO; PETERLUNGER, 2005), sendo as técnicas descritas anteriormente indicadas para a sua avaliação. Estudo da diversidade genética A diversidade genética é a variação que existe entre os indivíduos em termos de combinação do DNA. Refere-se à variação na composição da informação genética ou unidades hereditárias (genes) contidas em todas as espécies vivas. Esta diversidade compreende não apenas as espécies como tal, mas também as populações de indivíduos de uma mesma espécie, as quais compartilham características semelhantes. A diversidade genética é fundamental para a manutenção da vida e para a evolução das espécies, pois quanto mais heterogênea for uma população na sua constituição genética, mais eficiente será na resposta às ameaças, tais como ataques de doenças e pragas e na tolerância às condições inóspitas do ambiente. Para ilustrar este tópico, serão abordados resultados e dados gerados durante a caracterização genética de 60 acessos de oliveira do Banco de Germoplasma da EPAMIG Sul de Minas, localizado na cidade de Maria da Fé, em Minas Gerais. O objetivo foi mensurar a diversidade genética por meio de marcadores microssatélites, detectando possíveis sinonímias e homonímias, além de agrupar as diferentes variedades em grupos heteróticos, maximizando, assim, a capacidade combinatória de cruzamentos durante o processo de melhoramento desta espécie para as condições brasileiras. A provável origem geográfica dos acessos estudados está apresentada na Figura 1. Todas as análises moleculares foram realizadas no Laboratório de Biotecnologia Vegetal da EPAMIG Sul de Minas, localizado na cidade de Caldas, Minas Gerais. Foram escolhidos quatro marcadores microssatélites comprovadamente polimórficos, para a espécie da oliveira (CARRIERO et al., 2002; CIPRIANI et al., 2002) e descritos no Quadro 1. Os produtos da PCR foram separados por eletroforese em gel de acrilamida de alta resolução e corados com nitrato de prata (Fig. 2). 235 236 Cançado, G.M. de A. et al. Figura 1 - Origem geográfica dos acessos de oliveira pertencentes ao Banco Ativo de Germoplasma da EPAMIG Sul de Minas NOTA: (1) Manzanilla clone 393; (2) Picual; (3) Cornicabra; (4) Arbequina; (5) Manzanilla; (6) Mission; (7) Tafahi; (8) Koroneike; (9) Koroneiki clone 023; (10) Grappolo clone 550; (11) Grappolo clone 575; (12) Coratina; (13) Leccino; (14) Grappolo clone 561; (15) Ascolano clone 315; (16) Grappolo 541; (17) Ascolano USA; (18) Santa Catalina; (19) Frantoio; (20) Barnea; (21) Alto D’oro; (22) Chemballi clone 003; (23) Chemballi clone 017; (24) Zalmati clone 010; (25) Meneciki clone 004; (26) Epamig acesso 025; (27) Epamig acesso 012; (28) Epamig acesso 080; (29) Epamig acesso 113; (30) Grosse Aberkan clone 399; (31) Epamig acesso JB1; (32) Epamig acesso JB2; (33) Epamig acesso Maria da Fé; (34) Negroa; (35) Rodapes clone 398; (36) Salomé clone 488; (37) Saiali Magloub; (38) Galega; (39) Empeltre; (40) Arauco; (41) Gordal Sevillana; (42) Pendolino; (43) Ascolano clone 322; (44) Halhali; (45) Manzanilla Israeli; (46) Zalmati clone 020; (47) Lechin de Sevilla; (48) Manzanilla Rein; (49) Ascolano clone 323; (50) Tafahi clone 390; (51) Arbosana; (52) Megaritiki; (53) Memecick clone 004; (54) Zalmati; (55) Koroneiki clone 007; (56) Troubologo; (57) Queslati clone 035; (58) Conservollia; (59) Cerignola; (60) Penafiel. QUADRO 1 - Iniciadores de microssatélites utilizados na análise de 60 acessos de oliveira da EPAMIG Sul de Minas Marcador Direção Sequência Fonte GAPU 101 Direto Reverso CATGAAAGGAGGGGGACATA GGCACTTGTTGTGCAGATTG Carriero et al. (2002) GAPU 11 e 17 Direto Reverso CGCGTTACCATACCTTAGCC TTGAATCTGACGTGGATGGA Carriero et al. (2002) UDO 99-009 Direto Reverso TTGATTTCACATTGCTGACCA CATAGGGAAGAGCTGCAAGG Cipriani et al. (2002) UDO 99-019 Direto Reverso TCCCTTGTAGCCTCGTCTTG GGCCTGATCATCGATACCTC Cipriani et al. (2002) 237 Marcadores moleculares de DNA ... A B Figura 2 - Genotipagem de 60 acessos do germoplasma de oliveira da EPAMIG Sul de Minas, utilizando marcadores microssatélites NOTA: A - Cubas de eletroforese vertical em funcionamento; B - Gel de acrilamida de alta resolução, após coloração com nitrato de prata demonstrando perfis alélicos obtidos para os acessos de oliveira. EPAMIG Sul de Minas - Fazenda Experimental de Caldas - Laboratório de Biotecnologia Vegetal, 2010. A análise Bayesiana dos dados permitiu a identificação de três grupos principais para os 60 acessos de oliveira (Gráfico 1). Cada cor do Gráfico 1 representa um dos três grupos. A escala relativa no eixo vertical mede o coeficiente de identidade de cada indivíduo a determinado grupo, ou seja, quanto maior a magnitude para uma cor, maior o coeficiente de identidade do indivíduo dentro do grupo em questão. O eixo horizontal alinha os 60 acessos testados em relação a sua proximidade genética (número de cada acesso foi omitido do Gráfico 1). Os resultados apontaram uma excelente estruturação para os acessos avaliados, indicado pela predominância de apenas uma única coloração em cada um dos três grupos formados. Os dados estatísticos descritivos mostram as particularidades obtidas para cada marcador microssatélite utilizado (Quadro 2). Observou-se uma média de 5,5 alelos por marcador microssatélite e de acordo com dados gerados; 44 perfis alélicos únicos foram obtidos para os 60 indivíduos analisados. Isso indica que os dados obtidos foram robustos e efetivos na diferenciação dos genótipos, o que permitiu, inclusive, a identificação de sinonímias e erros de denominação de variedades, provavelmente ocorridos durante a introdução e a disseminação do material propagativo no Brasil. Esse estudo está sendo ampliado com a incorporação de mais dados de marcadores microssatélites, para confirmar com o máximo de precisão possível, os resultados obtidos para a caracterização genética dos acessos avaliados. 238 Cançado, G.M. de A. et al. 1,00 0,80 0,60 0,40 0,20 0,00 Gráfico 1 - Análise Bayesiana de 60 acessos de oliveira do germoplasma da EPAMIG Sul de Minas NOTA: Análise gerada pelo software Structure versão 2.3.1 (PRITCHARD; STEPHENS, DONNELLY, 2000) indicando a existência de três grupos distintos. EPAMIG Sul de Minas - Fazenda Experimental de Caldas - Laboratório de Biotecnologia Vegetal, 2010. QUADRO 2 - Sumário das estatísticas descritivas dos marcadores microssatélites utilizados na análise de 60 acessos de oliveira do germoplasma da EPAMIG Sul de Minas Número Frequência do alelo Diversidade Marcador PIC de alelos mais comum gênica GAPU 101 9 0,2414 0,8334 0,8121 GAPU 11 e 17 4 0,3000 0,7429 0,6950 UDO 99-009 5 0,6167 0,5611 0,5149 UDO 99-019 4 0,8917 0,1976 0,1860 0,5124 0,5838 0,5520 Média 5,5 NOTA: PIC - Polymorphism Information Content (conteúdo de informação polimórfica). Analisando as principais coordenadas no Gráfico 2, observa-se que, para os genótipos analisados, a dispersão propiciou a formação de três grupos distintos. Estes grupos são concordantes com os grupos obtidos pela análise Bayesiana, demonstrando a concordância entre resultados obtidos com metodologias distintas, o que é desejável nesse tipo de abordagem. Com o conhecimento prévio da dispersão dos acessos, o melhorista de oliveira pode escolher com mais precisão e exatidão as combinações genotípicas que potencializam os ganhos genéticos, priorizando, assim, os cruzamentos entre genitores mais distantes, o que aumenta a exploração da variabilidade genética e, consequentemente, as chances de sucesso na obtenção de genótipos superiores. 239 Coordenada 2 Marcadores moleculares de DNA ... Coordenada 1 Gráfico 2 - Agrupamento dos 60 acessos de oliveira do germoplasma da EPAMIG Sul de Minas NOTA: Agrupamento gerado pelo software GeneAlex versão 6 (PEAKALL; SMOUSE; GENALEX, 2006) indicando a existência de três grupos distintos. EPAMIG Sul de Minas - Fazenda Experimental de Caldas - Laboratório de Biotecnologia Vegetal, 2010. Já o dendograma unrooted (sem raiz) obtido pelo método do vizinho mais próximo, que considera a classificação fenética dos acessos analisados, gerou quatro ramos distintos e independentes, conforme ilustrado na Figura 3. Dos quatro ramos fenéticos obtidos, dois grupos (azul e verde) são concordantes com as análises de agrupamento (Gráfico 2), enquanto que os outros dois grupos (vermelho e preto) são subdivisões do grupo vermelho obtido na análise Bayseana (Gráfico 1). Novamente a observância de concordância entre os diferentes métodos aplicados valida a eficiência do uso dos marcadores microssatélites na caracterização desses genótipos. Nota-se, claramente, que esse conjunto de análises, utilizando diferentes métodos, só foi possível graças ao conjunto de dados gerados pelos marcadores moleculares, que, por sua vez, permitiram a caracterização e o agrupamento preciso dos acessos de oliveira do germoplasma da EPAMIG Sul de Minas. Esse conhecimento, gerado a partir de dados moleculares, portanto, sem a interferência ambiental ou de outros fatores de difícil controle e mensuração, permite conhecer com precisão a diversidade e o potencial genético para cada acesso de oliveira analisado. Conhecimento 240 Cançado, G.M. de A. et al. esse que, associado às informações agronômicas e ao fenótipo de cada indivíduo, permite ao melhorista identificar e agrupar os acessos de maior interesse comercial dentro da coleção (core collections) e potencializar os cruzamentos. Em adição, os marcadores moleculares são ferramentas úteis para curadores de bancos de germoplasma, pois permitem monitorar com grande exatidão erros de denominação e misturas de genótipos. Figura 3 - Dendograma da análise fenética (distância genética) de 60 acessos de oliveira do germoplasma da EPAMIG Sul de Minas NOTA: Gerado pelo método do vizinho mais próximo indicando a existência de quatro ramos principais. EPAMIG Sul de Minas - Fazenda Experimental de Caldas - Laboratório de Biotecnologia Vegetal, 2010. Avaliação da polinização cruzada As plantas são divididas em autógamas, alógamas e mistas ou intermediárias, de acordo com a forma de reprodução sexual e o sistema reprodutivo que possuem. Essa informação é imprescindível para a condução Marcadores moleculares de DNA ... de um programa de melhoramento genético, uma vez que os métodos adotados para esse fim são diferentes e específicos, dependendo da forma de reprodução. Entretanto, a identificação do modo de reprodução sexual, assim como o conhecimento sobre a compatibilidade entre cultivares, não é importante apenas para os programas de melhoramento, mas também para obter informação fundamental para a instalação e manejo de pomares, influenciando significativamente na sua capacidade produtiva. A oliveira é considerada uma planta alógama, embora alguns estudos indiquem que essa condição depende da cultivar e do ambiente. Segundo Besnard et al. (2007), a oliveira é uma espécie diploide (2n = 46), cuja polinização ocorre principalmente pelo vento (eólica) e suas sementes são dispersas por aves, animais e pelo homem. Cuevas e Polito (2004) classificaram a oliveira como andromonoica, ou seja, apresenta flores perfeitas (hermafroditas) e flores masculinas numa mesma inflorescência. Segundo Doveri, O’Sullivan e Lee (2006), embora a oliveira apresente flores hermafroditas, algumas cultivares são consideradas macho-estéril e outras apresentam apenas flores estaminadas. Cuevas e Polito (2004) também observaram que, durante a autopolinização, os tubos polínicos não foram capazes de crescer por meio do pistilo e atingir o óvulo para que ocorra fecundação, mas que os tubos polínicos resultantes da polinização cruzada cresceram e atingiram o óvulo, indicando um sistema de autoincompatibilidade em oliveira. Estudos da compatibilidade entre cultivares de oliveira, feitos por meio da doação de pólen, também levam a resultados contraditórios, provavelmente por causa de diferentes ambientes nos quais os trabalhos foram feitos ou por causa da dificuldade de identificação da cultivar (MOOKERJEE et al., 2005). Além disso, esses autores consideram que a resposta da planta doadora de pólen também pode variar de acordo com as condições ambientais. O uso de marcadores moleculares pode ser uma ferramenta de grande potencial em estudos sobre a forma de fecundação, autocompatibilidade e de polinização cruzada para a cultura da oliveira, pois permite rastrear o fluxo de grãos de pólen em populações de plantas. Já em programas de melhoramento com polinização cruzada não direcionada, os marcadores moleculares podem auxiliar no estudo da paternidade. Nesses trabalhos, identifica-se a contribuição dos alelos maternos no genótipo do embrião e, em 241 242 Cançado, G.M. de A. et al. seguida, compara os demais alelos com os genótipos das plantas doadoras de pólen (MOOKERJEE et al., 2005). Estes mesmos autores, após analisarem a paternidade por meio do uso de oito marcadores do tipo microssatélite, enfatizaram a eficiência da metodologia para determinar a frequência e a porcentagem da contribuição de doadores de pólen na fecundação de plantas-matrizes em um pomar misto de oliveira. Observaram que, para as 13 cultivares avaliadas, raramente constatou-se autofecundação. Diaz et al. (2006) estudaram a autoincompatibilidade testando sementes obtidas de plantas-matrizes das cultivares Picual e Arbequina. Para tanto, utilizaram quatro marcadores microssatélites, e concluíram que essas cultivares são autoincompatíveis. Rallo, Dorado e Martin (2000) também utilizaram marcadores microssatélites para confirmar a segregação mendeliana em uma população de oliveira proveniente do cruzamento entre as cultivares Leccino e Dolce Agogia. Já Guerin e Sedgley (2007) utilizaram marcadores microssatélites para estudar a polinização cruzada e a autopolinização em oliveiras cultivadas em dois locais distintos. Os resultados obtidos confirmam a ocorrência da autoincompatibilidade e da incompatibilidade cruzada para essa espécie. A utilização de marcadores moleculares para identificação de cultivares de oliveira compatíveis, rastreabilidade da paternidade, otimização da escolha de plantas doadoras de pólen e, logicamente, assistência aos programas de melhoramento, pode ser uma grande aliada, por causa das peculiaridades observadas para a reprodução sexual entre as diferentes cultivares de oliveira. Mapeamento genético e conhecimento do genoma Mapas genéticos de ligação e recombinação com base em dados gerados por marcadores moleculares são ferramentas essenciais para a pesquisa genética e para o melhoramento de muitas espécies. Os mapas podem auxiliar na análise e seleção de características complexas e no estudo individual de genes que participam e controlam a expressão de características poligênicas (TANKSLEY, 1993). Pelo fato de a oliveira ter um período de juvenilidade longo, marcadores moleculares associados a QTLs e utilizados para seleção assistida (SAM) são de grande utilidade em programas de melhoramento, visto que plantas jovens podem ser precocemente selecionadas para características de importância agronômica, Marcadores moleculares de DNA ... reduzindo o número de genótipos candidatos a ser avaliado até a fase adulta ou produtiva. Consequentemente, o uso de marcadores moleculares permite a redução no tempo e nos custos para manutenção das plantas no campo durante a obtenção de novas variedades. Wu et al. (2004) produziram mapas de ligação genética para variedades de oliveira, utilizando marcadores microssatélites, RAPD, SSR e sequência caracterizada de região amplificada – sequence characterized amplified region (SCAR). Mapearam 23 e 27 grupos de ligação nas variedades de oliveira Kalamata e Frantoio, respectivamente. Segundo esses autores, os grupos de ligação genética identificados podem ser o ponto de partida para a compreensão da estrutura, evolução e função do genoma da oliveira. Além disso, o mapeamento de marcadores moleculares responsáveis por caracteres morfológicos é de grande importância para a otimização na escolha de genitores e na redução do tempo necessário para desenvolvimento de uma nova variedade. Com o advento de novas tecnologias de sequenciamento automático do DNA, as quais reduzem o tempo necessário e o custo envolvido (SOUSA; CARNEIRO; CARNEIRO, 2009), já é possível conhecer o genoma de organismos vivos em detalhes. Com a informação gerada pelo sequenciamento completo dos genomas é possível identificar o conjunto de genes responsável pelo fenótipo do organismo, assim como os fatores que controlam sua expressão. A sintenia, ramo da genética que estuda a conservação na ordem e no número de genes em cromossomos de diferentes organismos, permite estabelecer uma relação evolutiva entre diferentes espécies e determinar com precisão seu grau de parentesco e o momento em que se divergiram geneticamente durante a evolução. Para o melhoramento de plantas, as aplicações práticas advindas do conhecimento do genoma são inúmeras e, a cada dia, novas oportunidades são vislumbradas pelos cientistas que trabalham na área da Biotecnologia. Dentre essas oportunidades, uma de grande impacto é o descobrimento de genes de interesse para serem utilizados na transformação genética de plantas, possibilitando a criação de plantas transgênicas mais eficientes e com potencial para geração de produtos de melhor qualidade. O uso de plantas transgênicas é uma realidade para a agricultura mundial, incluindo o Brasil que já ocupa a segunda posição como maior produtor mundial de transgênicos, atrás apenas dos Estados Unidos (JAMES, 2009). 243 244 Cançado, G.M. de A. et al. O genoma de oliveira difere bastante de outros genomas de grande tamanho, já caracterizados até o momento. Avaliações preliminares indicam uma baixa porcentagem de elementos transponíveis e um grande número de sequências repetidas que parecem ser responsáveis pelo grande tamanho do genoma da oliveira – 1.400 a 1.500 mega pares de bases (Mpb). O significado desses resultados na biologia e o comportamento da oliveira ainda são uma incógnita para a ciência. Cabe aos pesquisadores decifrarem os segredos ocultos nessa complexa combinação de nucleotídeos. Portanto, a oliveira é uma espécie que se pode beneficiar bastante com o emprego de tecnologias focadas no DNA, criando possibilidades para aperfeiçoar sua resistência e tolerância a estresses bióticos e abióticos, assim como, elevando sua produtividade e melhorando a qualidade do seu principal produto: o azeite. Rastreabilidade do azeite de oliva O azeite é o produto mais nobre produzido pela oliveira. Os azeites extravirgem e virgem são obtidos mecanicamente pela prensagem ou centrifugação do fruto da oliveira, depois de transformado em pasta de azeitonas, em condições térmicas, que não produzam alteração do óleo, e que não tenha sido submetido a outros tratamentos além da lavagem, decantação e filtração (ANVISA, 2005). As características do azeite de oliva são influenciadas por diversos fatores ambientais e nutricionais, mas a aptidão da variedade de oliveira é considerada como um dos principais determinantes da sua qualidade. Portanto, a rastreabilidade do produto, desde a produção no campo até sua distribuição ao mercado consumidor final, é considerada como técnica de boa prática, pois possibilita o monitoramento da autenticidade e a identificação da origem de um produto, mesmo que este tenha passado por alguma transformação ou processamento. No caso do azeite de oliva, a rastreabilidade agrega mais valor ao produto, assim como o certifica quanto à origem e aos parâmetros de segurança alimentar. A utilização de cultivares de oliveira com pouca aptidão para produção de óleo pode prejudicar a qualidade final do azeite. A prática da adição de óleos vegetais de menor custo durante o processo de produção ou de engarrafamento do azeite também compromete sua qualidade. No caso de misturas, as análises químicas são suficientes para aferir a autenticidade do produto. No entanto, quando o objetivo é identificar os azeites de diferentes Marcadores moleculares de DNA ... cultivares, é necessário investigar a presença do DNA genômico de cultivares polinizadoras e de mistura varietal. Os métodos químicos e os caracteres morfoagronômicos não são suficientes para a identificação de misturas de variedade na composição do azeite, uma vez que o fenótipo e a composição química são fortemente influenciados pelas condições ambientais. Nesses casos, os marcadores moleculares podem ser utilizados, já que apresentaram elevado polimorfismo. Além disso, são capazes de diferenciar plantas morfologicamente semelhantes mas geneticamente distintas, são independentes de fatores bióticos e abióticos aos quais as plantas estão submetidas e são reproduzíveis, rápidos e acurados. Diversos marcadores estão sendo utilizados para a identificação de azeite de oliva e estes podem ser considerados uma importante ferramenta para garantir a qualidade do produto final disponibilizado para o consumidor. Alba et al. (2009) utilizaram marcadores microssatélites para avaliar a qualidade e origem de azeites italianos, produzidos a partir de sete cultivares certificadas de oliveira. Para tanto, compararam o DNA extraído de folhas e do azeite de frutos da mesma planta. Doveri, O’Sullivan e Lee (2006) também utilizaram marcadores microssatélites, marcadores SCAR e SNP para verificar a presença do DNA da planta doadora de pólen durante o processo de produção de azeites, a partir de plantas da cultivar Leccino. Pasqualone et al. (2007) avaliaram a eficiência de marcadores microssatélites na identificação e avaliação da qualidade do azeite produzido na Itália, utilizando uma mistura de diferentes amostras produzidas a partir de frutos de cinco cultivares. Também na Itália, Muzzalupo, Pellegrino e Perri (2007), ao usarem marcadores microssatélites, estudaram azeites monovarietais obtidos de frutos com e sem caroço, diferentes condições de extração de DNA e variações na amplificação, com comparações dos resultados obtidos, a partir do DNA extraído do azeite e de folhas da mesma cultivar. Apesar da importância e da aplicabilidade da técnica de marcadores moleculares na agroindústria da oliveira, alguns trabalhos relatam gargalos que podem diminuir a sua eficiência. Dentre estes, o elevado nível de degradação do DNA genômico, o que reduz sua qualidade e concentração, dificultando sua amplificação e visualização em géis. Consequentemente, a disponibilidade de uma metodologia eficiente para extração de DNA a partir do azeite de oliva é indispensável para a incorporação da técnica à 245 246 Cançado, G.M. de A. et al. rotina do processo de análise de qualidade. Há também a necessidade de padronização internacional das metodologias de amostragem e de análise, além da criação de uma rede de laboratórios de referência para aferição de resultados. CONSIDERAÇÕES FINAIS A oliveira é uma espécie ainda pouco cultivada no Brasil, no entanto, seu crescimento tem sido considerável na última década, principalmente pelo estímulo gerado pelas informações e resultados da pesquisa em diferentes condições de clima e de solo encontradas no Brasil. Acreditase que, em breve, o País poderá deixar de ser um importador dos produtos da oliveira para se tornar um exportador. No entanto, ainda não existem cultivos comerciais desta espécie com variedades desenvolvidas e adaptadas especificamente para as condições brasileiras. Dessa forma, a qualidade e o potencial produtivo da olivicultura nacional ainda se encontram abaixo de um patamar considerado ótimo para o ambiente brasileiro. A incorporação de técnicas modernas, precisas e confiáveis no processo de melhoramento da oliveira, tais como os marcadores moleculares apresentados neste capítulo serão ferramentas imprescindíveis e de grande importância para acelerar a expansão da olivicultura no Brasil. Adicionalmente, o potencial dos marcadores moleculares para a identificação genética de variedades será um grande aliado na proteção de novas cultivares, identificação de misturas e contaminações e no combate a fraudes. AGRADECIMENTO À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Finep, Embrapa, Capes e CNPq pelo o apoio financeiro e bolsas concedidas. REFERÊNCIAS ALBA, V. et al. Microsatellite markers to identify specific alleles in DNA extracted from monovarietal virgin olive oils. European Food Research and Technology, v.229, n.3, p.375-382, July 2009. Marcadores moleculares de DNA ... ANVISA. Resolução RDC no 270, de 22 de Setembro de 2005. Aprova o Regulamento Técnico para óleos vegetais, gorduras vegetais e creme vegetal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 23 set. 2005. Seção1, p.372. Disponível em: <http://www.puntofocal.gov.ar/ notific_otros_miembros/bra171a1_t.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2010 BALDONI, L. et al. A consensus list of microsatellite markers for olive genotyping. Molecular Breeding, v.24, n.3, p.213-231, Oct. 2009. BARTOLINI, G. et al. Olive germplasm: cultivars and world-wide collections. Rome: FAO, 1998. p.462. BESNARD, G. et al. On the origin of the invasive olives (Olea europaea L., Oleaceae). Heredity, v.99, n.6, p.608-619, Dec. 2007. BORÉM, A.; CAIXETA, E.T. Marcadores moleculares. 2.ed. Viçosa, MG: UFV, 2008. v.1, 532p. CARRIERO, F. et al. Identification of simple sequence repeats (SSRs) in olive (Olea europaea L.). Theoretical and Applied Genetics, v.104, n.2/3, p.301-307, Feb. 2002. CIPRIANI, G. et al. Microsatellite markers isolated in olive (Olea europaea L.) are suitable for individual fingerprinting and reveal polymorphism within ancient cultivars. Theoretical and Applied Genetics, v.104, n.2/3, p.223-228, Feb. 2002. CONTENTO, A. et al. Diversity of Olea genotypes and the origin of cultivated olives. Theoretical and Applied Genetics, v.104, n.8, p.1229-1238, June 2002. CUEVAS, J.; POLITO, V. S. The role of staminate flowers in the breeding system of Olea europaea (Oleaceae): an andromonoecious, wind-pollinated taxon. Annals of Botany, v.93, n.5, p.547-553, May 2004. DIAZ, A. et al. Self-incompatibility of ‘Arbequina’ and ‘Picual’ olive assessed by SSR markers. Journal American Society for Horticultural Science, v.131, n.2, p.250-255, Mar. 2006. DOVERI, S.; O´SULLIVAN, D. M.; LEE, D. Non-concordance between genetic profiles of olive oil and fruit: a cautionary note to the use of DNA markers for provenance testing. Journal of Agricultural Food Chemistry, v.54, n.24, p.92219226, Nov. 2006. ERCISLI, S.; BARUT, E.; IPEK, A. Molecular characterization of olive cultivars using amplified fragment length polymorphism markers. Genetics and Molecular Research, v.8, n.2, p.414-419, 2009. 247 248 Cançado, G.M. de A. et al. ESSADKI, M. et al. ISSR variation in olive-tree cultivars from Morocco and other western countries of the Mediterranean Basin. Genetic Resources and Crop Evolution, v.53, n.3, p.475-482, May 2006. GUERIN, J.; SEDGLEY, M. Cross-pollination in olive cultivars. Kingston, Autrália: Rural Industries Research and Development Corporation, 2007. 51p. (RIRDC. Publication, 07/169). HAKIM, I.R. et al. Discovery and potential of SNP markers in characterization of Tunisian olive germplasm. Diversity, v.2, n.1, p.17-27, Jan. 2010. HANNACHI, H. et al. Differences between native and introduced olive cultivars as revealed by morphology of drupes, oil composition and SSR polymorphisms: a case study in Tunisia. Scientia Horticulturae, v.116, n.3, p.280-290, May 2008. JAMES, C. Global status of commercialized biotech/GM crops: 2009. Ithaca, NY: The Internacional Service of the Acquisition of Agri-Biotech Aplications, 2009. (ISAAA. Brief. 41). LA ROSA, R. de et al. A first linkage map of olive (Olea europaea L.) cultivars using RAPD, AFLP, RFLP and SSR markers. Theoretical and Applied Genetics, v.106, n.7, p.1273-1282, May 2003. MOOKERJEE, S. et al. Paternity analysis using microsatellite markers to identify pollen donors in an olive grove. Theoretical and Applied Genetics, v.111, n.6, p.1174-1182, Oct. 2005. MUZZALUPO, I.; PELLEGRINO, M.; PERRI, E. Detection of DNA in virgin olive oils extracted from destoned fruits. European Food Research and Technology, v.224, n.4, p.469-475, Feb. 2007. ________. et al. Molecular characterization of Italian olive cultivars by microsatellite markers. Advances in Horticultural Science, v.22, n.2, p.142-148, Feb. 2008. OWEN, C.A. et al. AFLP reveals structural details of genetic diversity within cultivated olive germplasm from the Eastern Mediterranean. Theoretical and Applied Genetics, v.110, n.7, p.1169-1176, May 2005. PASQUALONE, A. et al. Effectiveness of microsatellite DNA markers in checking the identity of protected designation of origin extra virgin olive oil. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v.55, n.10, p.3857-3862, Apr. 2007. ________. et al. Identification of virgin olive oil from different cultivars by analysis of DNA microsatellites. Journal of Agricultural Food Chemistry, v.52, n.5, p.1068-1071, Feb. 2004. Marcadores moleculares de DNA ... PEAKALL, R.; SMOUSE, P.E. GENALEX 6: genetic analysis in excel - population genetic software for teaching and research. Molecular Ecology Notes, v.6, n.1, p.288-295, Mar. 2006. POLJUHA, D. et al. DNA fingerprinting of olive varieties in Istria (Croatia) by microsatellite markers. Scientia Horticulturae, v.115, p.223-230, 2008. PRITCHARD, J.K.; STEPHENS, M.; DONNELLY, P. Inference of population structure using multilocus genotype data. Genetics, v.155, n.2, p.945-959, June 2000. RALLO, P.; DORADO, G.; MARTIN, A. Application of microsatellite markers in olive breeding. Acta Horticulturae, v.586, p.60-62, 2000. REALE, S. et al. SNP-based markers for discriminating olive (Olea europaea L.) cultivars. Genome, v.49, p.1193-1205, 2006. SARRI, V. et al. Microsatellite markers are powerful tools for discriminating among olive cultivars and assigning them to geographically defined populations. Genome, v.49, p.1606-1615, 2006. SOUSA, S.M. de; CARNEIRO, A.A.; CARNEIRO, N.P. Decifrando o genoma em grande escala. Informe Agropecuário. Biotecnologia, Belo Horizonte, v.30, n.253, p.76-84, nov./dez. 2009. STRIKIC, F. et al. Genetic variation within the olive (Olea europaea L.) cultivar Oblica detected using amplified fragment length polymorphism (AFLP) markers. African Journal of Biotechnology, v.9, n.20, p.2880-2883, May 2010. TANKSLEY, S.D. Mapping polygenes. Annual Review of Genetics, v.27, p.205233, 1993. TERZOPOULOS, P. J. et al. Identification of Olea europaea L. cultivars using inter-simple sequence repeat markers. Scientia Horticulturae, n.105, n.1, p.45-51, May 2005. WU, S.B.; COLLINS, G.; SEDGLEY, M. A molecular linkage map of olive (Olea europala L.) based on RAPD, microsatelite, and SCAR markers. Genome, v.47, n.1, p.26-35, 2004. ZIETKIEWICZ, E.; RAFALSKI, A.; LABUDA, D. Genome fingerprinting by simple sequence repeat (SSR): anchored polymerase chain reaction amplification. Genomics, v.20, n.2, p.176-183, Mar. 1994. ZULINI, L.; FABRO, E.; PETERLUNGER, E. Characterisation of the grapevine cultivar Picolit by means of morphological descriptors and molecular markers. Vitis, v.44, p.35-38, 2005. 249