CAPÍTULO
Geraldo Magela de Almeida Cançado
Gustavo César Sant’Ana
Aurinete Daienn Borges do Val
Juliano Lino Ferreira
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Arquivo: EPAMIG Sul de Minas - FEMF
Marcadores moleculares de DNA e suas
aplicações na caracterização, identificação e
melhoramento genético da oliveira
Marcadores moleculares de DNA e suas
aplicações na caracterização, identificação e
melhoramento genético da oliveira
Geraldo Magela de Almeida Cançado
Gustavo César Sant’Ana
Aurinete Daienn Borges do Val
Juliano Lino Ferreira
INTRODUÇÃO
Os marcadores moleculares de DNA são técnicas da Biotecnologia
Moderna de uso corriqueiro em diferentes áreas da pesquisa científica
com humanos, animais, vegetais e microrganismos. Seu potencial para
desvendar os segredos contidos na molécula de DNA desperta o interesse em
pesquisadores, não só da área de genética, mas também de inúmeros outros
campos do conhecimento. A molécula de DNA é a grande responsável pela
construção do indivíduo, auxiliada pelo ambiente que molda sua forma final
e catalisa sua constante evolução. Com a oliveira, espécie que acompanha a
humanidade desde seus primórdios, não poderia ser diferente. A aplicação
dos marcadores moleculares nessa espécie é fascinante e possibilita o
conhecimento de sua origem e de sua história, seu processo de migração
entre os diferentes continentes e, para o futuro, permite lapidar e proteger
suas qualidades e aprimorar sua capacidade de produção.
Neste capítulo, serão abordadas as principais aplicações dos
marcadores moleculares na oliveira e sua importância para o melhoramento
dessa cultura, com destaque para os resultados que vêm sendo conquistados
pela equipe do Laboratório de Biotecnologia Vegetal da EPAMIG Sul de
Minas - Fazenda Experimental de Caldas (FECD), na análise e caracterização
da diversidade genética do Banco Ativo de Germoplasma da Oliveira
mantido por esta Empresa.
IMPORTÂNCIA DA UTILIZAÇÃO DE MARCADORES
MOLECULARES DE DNA
A oliveira vem sendo cultivada há milhares de anos e a prática da
propagação vegetativa favoreceu a dispersão de muitas variedades para
diversas regiões do mundo. Como consequência, algumas de suas variedades
possuem vários sinônimos (diferentes nomes para a mesma variedade) e
vários homônimos (diferentes variedades com o mesmo nome). A presença
de sinônimos, homônimos e variedades sem denominação são problemas
reais encontrados em coleções de oliveira existentes no mundo. Desse
modo, a identificação acurada dos acessos é um requisito básico para o
correto manejo e uso racional do germoplasma de oliveira por melhoristas.
A identificação e a caracterização dos acessos de oliveira são também de
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Cançado, G.M. de A. et al.
considerável interesse para os viveiristas, agricultores, empresas ligadas à
cadeia do azeite e da azeitona e curadores dos Bancos de Germoplasma,
uma vez que a qualidade e a quantidade da produção são determinadas pela
variedade cultivada.
A espécie Olea europaea é altamente variável em termos de conteúdo de
óleo, tamanho de fruto e resistência/tolerância em relação a estresses bióticos
e abióticos (BARTOLINI et al., 1998). No caso específico do germoplasma
brasileiro de oliveira, a falta de conhecimento sobre a diversidade genética
existente tem constituído um entrave à utilização e integração de outras
formas de conservação de germoplasma (por exemplo, in vitro), além de
dificultar a produção e o gerenciamento das informações demandadas pelos
usuários, principalmente os melhoristas de plantas.
A partir da década de 1960, métodos com base na detecção de
polimorfismos genéticos por meio do padrão eletroforético de isoenzimas
foram utilizados em análises de diversidade genética, uma vez que tais
enzimas são codificadas por diferentes alelos em um ou mais locos gênicos.
Entretanto, a expressão das enzimas pode ser muito influenciada pelas
condições ambientais e pelo estádio de desenvolvimento das plantas.
Consequentemente, apenas sistemas enzimáticos que não apresentavam
variações em diferentes condições ambientais e fisiológicas podiam
ser utilizados como marcadores adequados, o que reduzia o número de
marcadores disponíveis, restringindo o grau de polimorfismo possível de ser
detectado por análise de isoenzimas.
Posteriormente, novas técnicas com base na detecção de polimorfismos
nas sequências de DNA foram desenvolvidas e amplamente utilizadas com
a finalidade de detecção de polimorfismos genéticos. As tecnologias de
análise molecular da variabilidade do DNA permitem determinar pontos
de referência nos cromossomos, tecnicamente denominados “marcadores
moleculares” (BORÉM; CAIXETA, 2008). O desenvolvimento e a utilização
de marcadores moleculares têm contribuído muito para o avanço da pesquisa
genética, permitindo a detecção de polimorfismo de DNA. Pelo fato de os
marcadores apresentarem um padrão Mendeliano de herança, estes são
passíveis de utilização em diferentes áreas da genética e do melhoramento
de plantas, tais como estudos populacionais, evolução, estruturação e análise
sintênica. Essas técnicas apresentam várias vantagens em relação àquelas
Marcadores moleculares de DNA ...
com base nos caracteres morfológicos e nas isoenzimas, como a exclusão de
interferências ambientais, possibilidade de realização em qualquer estádio de
desenvolvimento da planta, utilização de qualquer tecido ou órgão vegetal,
necessidade de pequenas amostras de tecido para realização da análise, além
de ser um método não destrutivo.
No caso específico da oliveira, os marcadores moleculares são
utilizados para caracterizar e melhorar essa espécie há mais de duas décadas,
demonstrando ser uma ferramenta extremamente eficiente e com diversas
aplicações, tais como genotipagem, estudos de pedigree, identificação de
locos de caracteres quantitativos – quantitative trait loci (QTLs), seleção
assistida por marcadores (SAM), escolha de genitores, mapeamento genético
e identificação de sinônimos e homônimos.
O marcador molecular do tipo polimorfismo do comprimento de
fragmentos de restrição – restriction fragment lenght polimorphism (RFLP) –
foi um dos pioneiros em explorar o polimorfismo genético diretamente na
molécula de DNA. Sucintamente, é uma técnica que se baseia na clivagem
do DNA genômico em sequências previamente conhecidas que, por sua
vez, geram fragmentos de DNA que podem ser separados por eletroforese
e comparados no que diz respeito ao tamanho do fragmento. A variação no
tamanho do fragmento é a base do polimorfismo desse marcador. A grande
vantagem dos marcadores RFLP é a sua ampla distribuição no genoma, o que
possibilita a construção de mapas de frequência de recombinação genética,
clonagem posicional de genes, além de outras características desejáveis para
utilização no melhoramento de plantas, como a capacidade para discriminar
indivíduos homozigotos e heterozigotos.
Em oliveira, os marcadores RFLP foram descritos na criação de
mapas de ligação gênica (LA ROSA et al., 2003). Entretanto, por causa de
algumas desvantagens desse método, tais como complexidade operacional
da técnica, utilização de material radioativo e elevada quantidade de DNA
genômico, necessário para realização das análises, associado ao surgimento
de outras classes de marcadores moleculares mais eficientes, seu uso tem
sido desestimulado.
Com o surgimento da reação em cadeia da polimerase – polymerase
chain reaction (PCR) – novos marcadores foram desenvolvidos e alguns
destes têm sido empregados com bastante frequência na cultura da oliveira.
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Cançado, G.M. de A. et al.
O polimorfismo de DNA amplificado ao acaso – random amplified
polymorphic DNA (RAPD) – é um exemplo de marcador que se baseia na
amplificação do DNA pela PCR.
O RAPD é considerado uma técnica de fácil e rápida execução, além
de ter um baixo custo, quando comparado a outros marcadores moleculares.
Outra grande vantagem é o fato de poder ser aplicado em qualquer organismo
vivo sem que se tenha qualquer conhecimento prévio do seu material
genético.
Na década de 1990, o RAPD foi um dos principais marcadores
utilizados para caracterização e estudos filogenéticos em oliveira. No entanto,
seu uso também tem sido substituído por técnicas mais modernas e estáveis,
pois o RAPD, por suas peculiaridades, possui baixa reprodutibilidade
entre laboratórios diferentes. Além disso, esse marcador não permite a
diferenciação entre indivíduos homozigotos e heterozigotos, o que reduz seu
poder de distinção de genótipos (BORÉM; CAIXETA, 2008).
Já o polimorfismo de comprimento de fragmentos amplificados –
amplified fragment length polymorphism (AFLP) – é um marcador molecular
que combina a clivagem do DNA genômico em regiões de sequência
conhecida, à semelhança do que se realiza no RFLP, com a amplificação
do DNA proporcionada pela PCR. Uma característica importante desse
marcador é sua capacidade de acessar simultânea e aleatoriamente muitas
regiões diferentes no genoma a ser estudado, aumentando o poder de detecção
do polimorfismo genético, além de dispensar qualquer conhecimento
prévio da constituição do genoma a ser estudado. Marcadores AFLPs têm
sido utilizados com sucesso para a caracterização molecular e estudos de
diversidade genética em oliveira em diversos países (STRIKIC et al., 2010;
ERCISLI; BARUT; IPEK, 2009; OWEN et al., 2005).
Marcadores do tipo microssatélites ou repetições de sequências
simples – simple sequence repeats (SSR) – atualmente podem ser considerados
como os marcadores mais utilizados no mundo para estudos genéticos na
espécie da oliveira. Isso se deve, principalmente, a sua simplicidade de
execução e ao elevado grau de polimorfismo genético capaz de detectar.
Suas propriedades permitem seu uso em mapeamento genômico, estudo de
filogenias, reconstrução de genealogias, caracterização de germoplasmas e
populações, análises de diversidade genética e identificação de variedades
(DNA fingerprinting), sendo bastante útil para o melhoramento dessa espécie.
Marcadores moleculares de DNA ...
Os microssatélites são pequenas sequências do genoma, os quais
contêm de um a seis nucleotídeos repetidos em série e com tamanhos
variados. Esse tipo de sequência tem sido detectado nos genomas de todos os
organismos eucariotos analisados até o presente momento. Sua distribuição
ao acaso e frequente no genoma, tornam esse marcador ideal para detecção
de polimorfismo genético em espécies cultivadas como a oliveira.
Os microssatélites também são marcadores que se baseiam na PCR
do DNA e caracterizam-se por ser codominantes, ou seja, diferenciam
indivíduos homozigotos e heterozigotos, além de identificar vários alelos
simultaneamente (multialélicos). O conteúdo informativo é relativamente
alto, uma vez que essas sequências repetitivas apresentam altas taxas de
evolução molecular. Em oliveira existem inúmeros exemplos de seu uso
para diversas finalidades (POLJUHA et al., 2008; MOOKERJEE et al.,
2005; PASQUALONE et al., 2004).
A técnica conhecida como sequências internas simples repetidas – inter
simple sequence repeat (ISSR) – tem-se destacado como uma alternativa
eficiente para a caracterização de genomas complexos, o que permite a
detecção de polimorfismos em regiões flanqueadas por DNA microssatélite,
sem a necessidade de isolar e sequenciar fragmentos específicos de DNA.
A detecção de elevado grau de polimorfismo, alta reprodutibilidade, custo
relativamente baixo e necessidade de pequenas quantidades de DNA são
algumas das vantagens da técnica de ISSR (ZIETKIEWICZ; RAFALSKI;
LABUDA, 1994). Pelo seu elevado polimorfismo, os marcadores ISSR têmse mostrado muito eficientes para a diferenciação entre clones da mesma
variedade de oliveira (ESSADKI et al., 2006; TERZOPOULOS et al., 2005).
Com o advento e a disseminação das técnicas de sequenciamento em
larga escala do genoma, uma nova classe de marcador foi desenvolvida com
base na sequência do DNA, diferentemente dos demais marcadores que
se fundamentam no tamanho do fragmento de DNA. Essa nova classe de
marcador é denominada polimorfismo de um único nucleotídeo – singlenucleotide polymorphism (SNP) – os SNPs possibilitam a detecção de
mutações e polimorfismos com base na posição de um único nucleotídeo,
sendo fontes abundantes de variação molecular. Recentemente, os SNPs
foram utilizados com sucesso para diferenciar variedades de oliveira e
na identificação de sinônimos, desvendando problemas de terminologia
errônea (REALE et al., 2006). No entanto, por causa de seu elevado custo,
sua utilização ainda é limitada a poucos centros de pesquisa.
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Cançado, G.M. de A. et al.
MARCADORES MOLECULARES NA CULTURA DA OLIVEIRA
Identificação de variedades – DNA fingerprinting
Para o sucesso da olivicultura, é fundamental a utilização de
plantas e mudas certificadas geneticamente, ou seja, que correspondam
fidedignamente à variedade que se pretende cultivar, pois a qualidade e a
produtividade são intrínsecas do potencial genético de cada variedade.
Existe grande diversidade entre as inúmeras variedades comerciais de
oliveira disponíveis em todo o mundo, que podem diferir significativamente
entre si em relação a diversas características, tais como teor e qualidade
do óleo, tamanho do fruto, tamanho da semente e resistência/tolerância a
estresses bióticos e abióticos. Portanto, a identificação acurada de variedades
de oliveira é fundamental para otimização e utilização consciente do
germoplasma de oliveira. A utilização de perfis moleculares em associação
com descritores morfológicos já vem sendo empregada pelos melhoristas de
planta, para a proteção comercial de cultivares, incluindo a oliveira.
Em consequência da grande diversidade genética observada para as
variedades cultivadas de oliveira, aos erros ocorridos na denominação dos
genótipos em localidades diferentes (sinonímia e homonímia), o grande
número de coleções de germoplasma mantido em diferentes países e a
possibilidade de fecundação cruzada entre variedades, torna a cultura da
oliveira um modelo ideal para a aplicação das técnicas de identificação e
caracterização por marcadores moleculares.
A identificação de acessos ou variedades de oliveira é tradicionalmente
realizada por meio da análise e comparação de caracteres morfológicos e
agronômicos das plantas. Entretanto, esse método apresenta uma série de
restrições em relação à sua aplicabilidade. Em oliveira, limita-se apenas
às plantas completamente desenvolvidas, adultas e, preferencialmente, em
fase de florescimento ou frutificação, uma vez que muitos dos aspectos
morfológicos levados em consideração durante a identificação, só podem
ser observados nessa fase do desenvolvimento ou da reprodução. Como a
oliveira demanda de três a cinco anos para iniciar a produção de frutos, o
emprego desse método é desvantajoso para os programas de melhoramento
e para o manejo em pomares comerciais.
Marcadores moleculares de DNA ...
Em adição, os fenótipos das plantas podem ser significativamente
alterados pelas condições ambientais e pelo seu estado nutricional e sanitário
(HANNACHI et al., 2008), podendo levar a erros durante a identificação
ou classificação de uma variedade. Outra dificuldade é o número excessivo
de variedades de oliveira disponíveis, superior a 2 mil, sendo que muitas
são comercialmente utilizadas em vários locais do mundo, o que aumenta a
chance de misturas e denominações errôneas. Por isso, mesmo que as plantas
estejam em excelentes condições, é extremamente difícil diferenciar todas
as variedades com base apenas em caracteres morfológicos. Para superar
as limitações da identificação com base em características morfológicas, a
utilização de diversos tipos de marcadores moleculares vem sendo proposta
por vários grupos de pesquisa como forma eficiente para identificação de
variedades de oliveira.
Por ser realizado em fases juvenis do desenvolvimento da planta,
aliado à necessidade de pequenas quantidades de material vegetal, e por ser
um método não destrutivo, torna os marcadores moleculares uma técnica
muito atraente. No entanto, a grande vantagem desses marcadores está no
seu elevado poder de identificação, alicerçado diretamente na sequência de
nucleotídeos da fita de DNA, o que elimina qualquer chance de interferências
externas, provocadas por variações ambientais e estado nutricional e
fitossanitário da planta a ser analisada.
Os marcadores moleculares, com base na PCR, como RAPD, ISSR e
microssatélites, têm sido os mais utilizados com a finalidade de identificação
varietal em oliveira. Isto deve-se, principalmente, à necessidade de
quantidades mínimas de DNA, simplicidade da infraestrutura laboratorial
e ao custo relativamente baixo, quando comparado a outras técnicas. Esses
marcadores possuem a capacidade de gerar uma assinatura genética (DNA
fingerprinting), o que possibilita a diferenciação entre as variedades de
oliveira. O AFLP, considerado como técnica de custo médio e de maior
complexidade, também tem sido bastante utilizado para a mesma finalidade
em oliveira.
O desenvolvimento de marcadores com base no sequenciamento da
fita de DNA, tais como os SNPs, também se mostraram eficientes para a
identificação de variedades ou acessos de oliveira (REALE et al., 2006;
HAKIM et al., 2010). No momento, essa classe de marcadores moleculares
233
234
Cançado, G.M. de A. et al.
ainda é muito pouco aplicada na cultura da oliveira, o que deve mudar nos
próximos anos, por causa da redução do custo e aumento da velocidade de
sequenciamento automático do DNA, em consequência do surgimento de
novas tecnologias (SOUSA et al., 2009).
Os marcadores microssatélites são os mais utilizados para a
identificação de variedades de oliveira na atualidade. Apresentam alta
reprodutibilidade, o que possibilita a troca de informações, a construção de
bancos de dados e a padronização de resultados entre diferentes laboratórios
e grupos de pesquisa. Caso haja a necessidade de comprovar ou descobrir a
identidade genética de determinada variedade de oliveira, sendo esta muda
ou planta adulta, basta uma amostra de tecido foliar para extrair o DNA,
realizar a PCR com os marcadores microssatélites apropriados e comparar
os perfis alélicos obtidos com aqueles disponíveis nos bancos de dados.
Algumas pesquisas mostraram que poucos marcadores microssatélites
foram suficientes para distinguir individualmente mais de 100 genótipos
de oliveira (MUZZALUPO et al., 2008; SARRI et al., 2006). Esses
autores sugerem que é essencial a escolha de um conjunto de marcadores
microssatélites em número suficiente e com características adequadas para
otimizar a detecção de polimorfismo genético entre as variedades a serem
analisadas. Recentemente, Baldoni et al. (2009) examinaram 37 marcadores
microssatélites num conjunto de 21 variedades de oliveira. As análises foram
realizadas, independentemente, em quatro laboratórios diferentes, com
o objetivo de padronizar a metodologia de identificação entre estes. Cada
marcador foi avaliado em relação à reprodutibilidade, ao poder discriminante
e ao número de alelos amplificados. Os marcadores pré-selecionados foram,
então, utilizados para a identificação de um conjunto de 77 variedades de
oliveiras provenientes de diferentes origens geográficas. Como resultado
desse estudo, foi indicado um grupo de 11 marcadores microssatélites a
serem utilizados como padrões para a identificação de variedades de oliveira
e para a geração de um banco de dados universal de perfis alélicos para essa
espécie.
Já os marcadores ISSR e AFLP, ao contrário dos microssatélites, são
multilocos e altamente polimórficos, gerando padrões de bandas complexos
e de difícil interpretação. No entanto, pela ampla cobertura do genoma,
podem detectar diferenças genéticas, mesmo entre variantes de um mesmo
Marcadores moleculares de DNA ...
indivíduo. Por isso, os marcadores ISSR e AFLP são mais indicados para a
caracterização de clones originados de uma mesma variedade. O surgimento
de variações intravarietais pode ser atribuído principalmente à ocorrência
de polinização cruzada entre populações diferentes associadas à propagação
por semente (CONTENTO et al., 2002) e, mais raramente, pelas mutações
somáticas espontâneas (ZULINI; FABRO; PETERLUNGER, 2005), sendo
as técnicas descritas anteriormente indicadas para a sua avaliação.
Estudo da diversidade genética
A diversidade genética é a variação que existe entre os indivíduos em
termos de combinação do DNA. Refere-se à variação na composição da
informação genética ou unidades hereditárias (genes) contidas em todas as
espécies vivas. Esta diversidade compreende não apenas as espécies como
tal, mas também as populações de indivíduos de uma mesma espécie, as
quais compartilham características semelhantes. A diversidade genética é
fundamental para a manutenção da vida e para a evolução das espécies, pois
quanto mais heterogênea for uma população na sua constituição genética,
mais eficiente será na resposta às ameaças, tais como ataques de doenças e
pragas e na tolerância às condições inóspitas do ambiente.
Para ilustrar este tópico, serão abordados resultados e dados gerados
durante a caracterização genética de 60 acessos de oliveira do Banco de
Germoplasma da EPAMIG Sul de Minas, localizado na cidade de Maria
da Fé, em Minas Gerais. O objetivo foi mensurar a diversidade genética
por meio de marcadores microssatélites, detectando possíveis sinonímias e
homonímias, além de agrupar as diferentes variedades em grupos heteróticos,
maximizando, assim, a capacidade combinatória de cruzamentos durante o
processo de melhoramento desta espécie para as condições brasileiras.
A provável origem geográfica dos acessos estudados está apresentada
na Figura 1. Todas as análises moleculares foram realizadas no Laboratório
de Biotecnologia Vegetal da EPAMIG Sul de Minas, localizado na cidade de
Caldas, Minas Gerais. Foram escolhidos quatro marcadores microssatélites
comprovadamente polimórficos, para a espécie da oliveira (CARRIERO et
al., 2002; CIPRIANI et al., 2002) e descritos no Quadro 1. Os produtos da
PCR foram separados por eletroforese em gel de acrilamida de alta resolução e
corados com nitrato de prata (Fig. 2).
235
236
Cançado, G.M. de A. et al.
Figura 1 - Origem geográfica dos acessos de oliveira pertencentes ao Banco Ativo de
Germoplasma da EPAMIG Sul de Minas
NOTA: (1) Manzanilla clone 393; (2) Picual; (3) Cornicabra; (4) Arbequina; (5) Manzanilla;
(6) Mission; (7) Tafahi; (8) Koroneike; (9) Koroneiki clone 023; (10) Grappolo
clone 550; (11) Grappolo clone 575; (12) Coratina; (13) Leccino; (14) Grappolo
clone 561; (15) Ascolano clone 315; (16) Grappolo 541; (17) Ascolano USA;
(18) Santa Catalina; (19) Frantoio; (20) Barnea; (21) Alto D’oro; (22) Chemballi
clone 003; (23) Chemballi clone 017; (24) Zalmati clone 010; (25) Meneciki clone
004; (26) Epamig acesso 025; (27) Epamig acesso 012; (28) Epamig acesso 080;
(29) Epamig acesso 113; (30) Grosse Aberkan clone 399; (31) Epamig acesso JB1;
(32) Epamig acesso JB2; (33) Epamig acesso Maria da Fé; (34) Negroa; (35) Rodapes
clone 398; (36) Salomé clone 488; (37) Saiali Magloub; (38) Galega; (39) Empeltre;
(40) Arauco; (41) Gordal Sevillana; (42) Pendolino; (43) Ascolano clone 322; (44) Halhali;
(45) Manzanilla Israeli; (46) Zalmati clone 020; (47) Lechin de Sevilla; (48) Manzanilla
Rein; (49) Ascolano clone 323; (50) Tafahi clone 390; (51) Arbosana; (52) Megaritiki;
(53) Memecick clone 004; (54) Zalmati; (55) Koroneiki clone 007; (56) Troubologo;
(57) Queslati clone 035; (58) Conservollia; (59) Cerignola; (60) Penafiel.
QUADRO 1 - Iniciadores de microssatélites utilizados na análise de 60 acessos de oliveira
da EPAMIG Sul de Minas
Marcador
Direção
Sequência
Fonte
GAPU 101
Direto
Reverso
CATGAAAGGAGGGGGACATA
GGCACTTGTTGTGCAGATTG
Carriero et al. (2002)
GAPU 11 e 17
Direto
Reverso
CGCGTTACCATACCTTAGCC
TTGAATCTGACGTGGATGGA
Carriero et al. (2002)
UDO 99-009
Direto
Reverso
TTGATTTCACATTGCTGACCA
CATAGGGAAGAGCTGCAAGG
Cipriani et al. (2002)
UDO 99-019
Direto
Reverso
TCCCTTGTAGCCTCGTCTTG
GGCCTGATCATCGATACCTC
Cipriani et al. (2002)
237
Marcadores moleculares de DNA ...
A
B
Figura 2 - Genotipagem de 60 acessos do germoplasma de oliveira da EPAMIG Sul de
Minas, utilizando marcadores microssatélites
NOTA: A - Cubas de eletroforese vertical em funcionamento; B - Gel de acrilamida de alta
resolução, após coloração com nitrato de prata demonstrando perfis alélicos obtidos
para os acessos de oliveira.
EPAMIG Sul de Minas - Fazenda Experimental de Caldas - Laboratório de
Biotecnologia Vegetal, 2010.
A análise Bayesiana dos dados permitiu a identificação de três grupos
principais para os 60 acessos de oliveira (Gráfico 1). Cada cor do Gráfico 1
representa um dos três grupos. A escala relativa no eixo vertical mede o
coeficiente de identidade de cada indivíduo a determinado grupo, ou seja,
quanto maior a magnitude para uma cor, maior o coeficiente de identidade
do indivíduo dentro do grupo em questão. O eixo horizontal alinha os 60
acessos testados em relação a sua proximidade genética (número de cada
acesso foi omitido do Gráfico 1). Os resultados apontaram uma excelente
estruturação para os acessos avaliados, indicado pela predominância de
apenas uma única coloração em cada um dos três grupos formados.
Os dados estatísticos descritivos mostram as particularidades obtidas
para cada marcador microssatélite utilizado (Quadro 2). Observou-se uma
média de 5,5 alelos por marcador microssatélite e de acordo com dados
gerados; 44 perfis alélicos únicos foram obtidos para os 60 indivíduos
analisados. Isso indica que os dados obtidos foram robustos e efetivos na
diferenciação dos genótipos, o que permitiu, inclusive, a identificação de
sinonímias e erros de denominação de variedades, provavelmente ocorridos
durante a introdução e a disseminação do material propagativo no Brasil. Esse
estudo está sendo ampliado com a incorporação de mais dados de marcadores
microssatélites, para confirmar com o máximo de precisão possível, os
resultados obtidos para a caracterização genética dos acessos avaliados.
238
Cançado, G.M. de A. et al.
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
Gráfico 1 - Análise Bayesiana de 60 acessos de oliveira do germoplasma da EPAMIG Sul
de Minas
NOTA: Análise gerada pelo software Structure versão 2.3.1 (PRITCHARD; STEPHENS,
DONNELLY, 2000) indicando a existência de três grupos distintos.
EPAMIG Sul de Minas - Fazenda Experimental de Caldas - Laboratório de
Biotecnologia Vegetal, 2010.
QUADRO 2 - Sumário das estatísticas descritivas dos marcadores microssatélites utilizados
na análise de 60 acessos de oliveira do germoplasma da EPAMIG Sul de
Minas
Número
Frequência do alelo
Diversidade
Marcador
PIC
de alelos
mais comum
gênica
GAPU 101
9
0,2414
0,8334
0,8121
GAPU 11 e 17
4
0,3000
0,7429
0,6950
UDO 99-009
5
0,6167
0,5611
0,5149
UDO 99-019
4
0,8917
0,1976
0,1860
0,5124
0,5838
0,5520
Média
5,5
NOTA: PIC - Polymorphism Information Content (conteúdo de informação polimórfica).
Analisando as principais coordenadas no Gráfico 2, observa-se que,
para os genótipos analisados, a dispersão propiciou a formação de três
grupos distintos. Estes grupos são concordantes com os grupos obtidos pela
análise Bayesiana, demonstrando a concordância entre resultados obtidos
com metodologias distintas, o que é desejável nesse tipo de abordagem. Com
o conhecimento prévio da dispersão dos acessos, o melhorista de oliveira
pode escolher com mais precisão e exatidão as combinações genotípicas
que potencializam os ganhos genéticos, priorizando, assim, os cruzamentos
entre genitores mais distantes, o que aumenta a exploração da variabilidade
genética e, consequentemente, as chances de sucesso na obtenção de
genótipos superiores.
239
Coordenada 2
Marcadores moleculares de DNA ...
Coordenada 1
Gráfico 2 - Agrupamento dos 60 acessos de oliveira do germoplasma da EPAMIG Sul de
Minas
NOTA: Agrupamento gerado pelo software GeneAlex versão 6 (PEAKALL; SMOUSE;
GENALEX, 2006) indicando a existência de três grupos distintos.
EPAMIG Sul de Minas - Fazenda Experimental de Caldas - Laboratório de
Biotecnologia Vegetal, 2010.
Já o dendograma unrooted (sem raiz) obtido pelo método do vizinho
mais próximo, que considera a classificação fenética dos acessos analisados,
gerou quatro ramos distintos e independentes, conforme ilustrado na
Figura 3. Dos quatro ramos fenéticos obtidos, dois grupos (azul e verde)
são concordantes com as análises de agrupamento (Gráfico 2), enquanto
que os outros dois grupos (vermelho e preto) são subdivisões do grupo
vermelho obtido na análise Bayseana (Gráfico 1). Novamente a observância
de concordância entre os diferentes métodos aplicados valida a eficiência do
uso dos marcadores microssatélites na caracterização desses genótipos.
Nota-se, claramente, que esse conjunto de análises, utilizando
diferentes métodos, só foi possível graças ao conjunto de dados gerados pelos
marcadores moleculares, que, por sua vez, permitiram a caracterização e o
agrupamento preciso dos acessos de oliveira do germoplasma da EPAMIG
Sul de Minas. Esse conhecimento, gerado a partir de dados moleculares,
portanto, sem a interferência ambiental ou de outros fatores de difícil
controle e mensuração, permite conhecer com precisão a diversidade e o
potencial genético para cada acesso de oliveira analisado. Conhecimento
240
Cançado, G.M. de A. et al.
esse que, associado às informações agronômicas e ao fenótipo de cada
indivíduo, permite ao melhorista identificar e agrupar os acessos de maior
interesse comercial dentro da coleção (core collections) e potencializar os
cruzamentos. Em adição, os marcadores moleculares são ferramentas úteis
para curadores de bancos de germoplasma, pois permitem monitorar com
grande exatidão erros de denominação e misturas de genótipos.
Figura 3 - Dendograma da análise fenética (distância genética) de 60 acessos de oliveira do
germoplasma da EPAMIG Sul de Minas
NOTA: Gerado pelo método do vizinho mais próximo indicando a existência de quatro
ramos principais.
EPAMIG Sul de Minas - Fazenda Experimental de Caldas - Laboratório de
Biotecnologia Vegetal, 2010.
Avaliação da polinização cruzada
As plantas são divididas em autógamas, alógamas e mistas ou
intermediárias, de acordo com a forma de reprodução sexual e o sistema
reprodutivo que possuem. Essa informação é imprescindível para a condução
Marcadores moleculares de DNA ...
de um programa de melhoramento genético, uma vez que os métodos
adotados para esse fim são diferentes e específicos, dependendo da forma
de reprodução. Entretanto, a identificação do modo de reprodução sexual,
assim como o conhecimento sobre a compatibilidade entre cultivares, não
é importante apenas para os programas de melhoramento, mas também
para obter informação fundamental para a instalação e manejo de pomares,
influenciando significativamente na sua capacidade produtiva.
A oliveira é considerada uma planta alógama, embora alguns estudos
indiquem que essa condição depende da cultivar e do ambiente. Segundo
Besnard et al. (2007), a oliveira é uma espécie diploide (2n = 46), cuja
polinização ocorre principalmente pelo vento (eólica) e suas sementes
são dispersas por aves, animais e pelo homem. Cuevas e Polito (2004)
classificaram a oliveira como andromonoica, ou seja, apresenta flores
perfeitas (hermafroditas) e flores masculinas numa mesma inflorescência.
Segundo Doveri, O’Sullivan e Lee (2006), embora a oliveira apresente
flores hermafroditas, algumas cultivares são consideradas macho-estéril
e outras apresentam apenas flores estaminadas. Cuevas e Polito (2004)
também observaram que, durante a autopolinização, os tubos polínicos não
foram capazes de crescer por meio do pistilo e atingir o óvulo para que
ocorra fecundação, mas que os tubos polínicos resultantes da polinização
cruzada cresceram e atingiram o óvulo, indicando um sistema de
autoincompatibilidade em oliveira.
Estudos da compatibilidade entre cultivares de oliveira, feitos por
meio da doação de pólen, também levam a resultados contraditórios,
provavelmente por causa de diferentes ambientes nos quais os trabalhos
foram feitos ou por causa da dificuldade de identificação da cultivar
(MOOKERJEE et al., 2005). Além disso, esses autores consideram que a
resposta da planta doadora de pólen também pode variar de acordo com as
condições ambientais.
O uso de marcadores moleculares pode ser uma ferramenta de grande
potencial em estudos sobre a forma de fecundação, autocompatibilidade
e de polinização cruzada para a cultura da oliveira, pois permite rastrear
o fluxo de grãos de pólen em populações de plantas. Já em programas de
melhoramento com polinização cruzada não direcionada, os marcadores
moleculares podem auxiliar no estudo da paternidade. Nesses trabalhos,
identifica-se a contribuição dos alelos maternos no genótipo do embrião e, em
241
242
Cançado, G.M. de A. et al.
seguida, compara os demais alelos com os genótipos das plantas doadoras de
pólen (MOOKERJEE et al., 2005). Estes mesmos autores, após analisarem
a paternidade por meio do uso de oito marcadores do tipo microssatélite,
enfatizaram a eficiência da metodologia para determinar a frequência
e a porcentagem da contribuição de doadores de pólen na fecundação de
plantas-matrizes em um pomar misto de oliveira. Observaram que, para as
13 cultivares avaliadas, raramente constatou-se autofecundação.
Diaz et al. (2006) estudaram a autoincompatibilidade testando
sementes obtidas de plantas-matrizes das cultivares Picual e Arbequina.
Para tanto, utilizaram quatro marcadores microssatélites, e concluíram
que essas cultivares são autoincompatíveis. Rallo, Dorado e Martin (2000)
também utilizaram marcadores microssatélites para confirmar a segregação
mendeliana em uma população de oliveira proveniente do cruzamento
entre as cultivares Leccino e Dolce Agogia. Já Guerin e Sedgley (2007)
utilizaram marcadores microssatélites para estudar a polinização cruzada
e a autopolinização em oliveiras cultivadas em dois locais distintos. Os
resultados obtidos confirmam a ocorrência da autoincompatibilidade e da
incompatibilidade cruzada para essa espécie.
A utilização de marcadores moleculares para identificação de cultivares
de oliveira compatíveis, rastreabilidade da paternidade, otimização da escolha
de plantas doadoras de pólen e, logicamente, assistência aos programas de
melhoramento, pode ser uma grande aliada, por causa das peculiaridades
observadas para a reprodução sexual entre as diferentes cultivares de oliveira.
Mapeamento genético e conhecimento do genoma
Mapas genéticos de ligação e recombinação com base em dados
gerados por marcadores moleculares são ferramentas essenciais para a
pesquisa genética e para o melhoramento de muitas espécies. Os mapas
podem auxiliar na análise e seleção de características complexas e no
estudo individual de genes que participam e controlam a expressão de
características poligênicas (TANKSLEY, 1993). Pelo fato de a oliveira
ter um período de juvenilidade longo, marcadores moleculares associados
a QTLs e utilizados para seleção assistida (SAM) são de grande utilidade
em programas de melhoramento, visto que plantas jovens podem ser
precocemente selecionadas para características de importância agronômica,
Marcadores moleculares de DNA ...
reduzindo o número de genótipos candidatos a ser avaliado até a fase adulta
ou produtiva. Consequentemente, o uso de marcadores moleculares permite
a redução no tempo e nos custos para manutenção das plantas no campo
durante a obtenção de novas variedades.
Wu et al. (2004) produziram mapas de ligação genética para variedades
de oliveira, utilizando marcadores microssatélites, RAPD, SSR e sequência
caracterizada de região amplificada – sequence characterized amplified
region (SCAR). Mapearam 23 e 27 grupos de ligação nas variedades de
oliveira Kalamata e Frantoio, respectivamente. Segundo esses autores, os
grupos de ligação genética identificados podem ser o ponto de partida para
a compreensão da estrutura, evolução e função do genoma da oliveira. Além
disso, o mapeamento de marcadores moleculares responsáveis por caracteres
morfológicos é de grande importância para a otimização na escolha de
genitores e na redução do tempo necessário para desenvolvimento de uma
nova variedade.
Com o advento de novas tecnologias de sequenciamento automático
do DNA, as quais reduzem o tempo necessário e o custo envolvido
(SOUSA; CARNEIRO; CARNEIRO, 2009), já é possível conhecer o
genoma de organismos vivos em detalhes. Com a informação gerada pelo
sequenciamento completo dos genomas é possível identificar o conjunto
de genes responsável pelo fenótipo do organismo, assim como os fatores
que controlam sua expressão. A sintenia, ramo da genética que estuda a
conservação na ordem e no número de genes em cromossomos de diferentes
organismos, permite estabelecer uma relação evolutiva entre diferentes
espécies e determinar com precisão seu grau de parentesco e o momento em
que se divergiram geneticamente durante a evolução. Para o melhoramento
de plantas, as aplicações práticas advindas do conhecimento do genoma são
inúmeras e, a cada dia, novas oportunidades são vislumbradas pelos cientistas
que trabalham na área da Biotecnologia. Dentre essas oportunidades, uma
de grande impacto é o descobrimento de genes de interesse para serem
utilizados na transformação genética de plantas, possibilitando a criação de
plantas transgênicas mais eficientes e com potencial para geração de produtos
de melhor qualidade. O uso de plantas transgênicas é uma realidade para
a agricultura mundial, incluindo o Brasil que já ocupa a segunda posição
como maior produtor mundial de transgênicos, atrás apenas dos Estados
Unidos (JAMES, 2009).
243
244
Cançado, G.M. de A. et al.
O genoma de oliveira difere bastante de outros genomas de grande
tamanho, já caracterizados até o momento. Avaliações preliminares indicam
uma baixa porcentagem de elementos transponíveis e um grande número de
sequências repetidas que parecem ser responsáveis pelo grande tamanho do
genoma da oliveira – 1.400 a 1.500 mega pares de bases (Mpb). O significado
desses resultados na biologia e o comportamento da oliveira ainda são uma
incógnita para a ciência. Cabe aos pesquisadores decifrarem os segredos
ocultos nessa complexa combinação de nucleotídeos. Portanto, a oliveira é
uma espécie que se pode beneficiar bastante com o emprego de tecnologias
focadas no DNA, criando possibilidades para aperfeiçoar sua resistência
e tolerância a estresses bióticos e abióticos, assim como, elevando sua
produtividade e melhorando a qualidade do seu principal produto: o azeite.
Rastreabilidade do azeite de oliva
O azeite é o produto mais nobre produzido pela oliveira. Os azeites
extravirgem e virgem são obtidos mecanicamente pela prensagem ou
centrifugação do fruto da oliveira, depois de transformado em pasta de
azeitonas, em condições térmicas, que não produzam alteração do óleo,
e que não tenha sido submetido a outros tratamentos além da lavagem,
decantação e filtração (ANVISA, 2005). As características do azeite de
oliva são influenciadas por diversos fatores ambientais e nutricionais, mas
a aptidão da variedade de oliveira é considerada como um dos principais
determinantes da sua qualidade. Portanto, a rastreabilidade do produto, desde
a produção no campo até sua distribuição ao mercado consumidor final, é
considerada como técnica de boa prática, pois possibilita o monitoramento
da autenticidade e a identificação da origem de um produto, mesmo que este
tenha passado por alguma transformação ou processamento. No caso do
azeite de oliva, a rastreabilidade agrega mais valor ao produto, assim como
o certifica quanto à origem e aos parâmetros de segurança alimentar.
A utilização de cultivares de oliveira com pouca aptidão para produção
de óleo pode prejudicar a qualidade final do azeite. A prática da adição
de óleos vegetais de menor custo durante o processo de produção ou de
engarrafamento do azeite também compromete sua qualidade. No caso de
misturas, as análises químicas são suficientes para aferir a autenticidade do
produto. No entanto, quando o objetivo é identificar os azeites de diferentes
Marcadores moleculares de DNA ...
cultivares, é necessário investigar a presença do DNA genômico de cultivares
polinizadoras e de mistura varietal. Os métodos químicos e os caracteres
morfoagronômicos não são suficientes para a identificação de misturas de
variedade na composição do azeite, uma vez que o fenótipo e a composição
química são fortemente influenciados pelas condições ambientais.
Nesses casos, os marcadores moleculares podem ser utilizados, já que
apresentaram elevado polimorfismo. Além disso, são capazes de diferenciar
plantas morfologicamente semelhantes mas geneticamente distintas, são
independentes de fatores bióticos e abióticos aos quais as plantas estão
submetidas e são reproduzíveis, rápidos e acurados. Diversos marcadores
estão sendo utilizados para a identificação de azeite de oliva e estes podem
ser considerados uma importante ferramenta para garantir a qualidade do
produto final disponibilizado para o consumidor.
Alba et al. (2009) utilizaram marcadores microssatélites para avaliar a
qualidade e origem de azeites italianos, produzidos a partir de sete cultivares
certificadas de oliveira. Para tanto, compararam o DNA extraído de folhas
e do azeite de frutos da mesma planta. Doveri, O’Sullivan e Lee (2006)
também utilizaram marcadores microssatélites, marcadores SCAR e SNP
para verificar a presença do DNA da planta doadora de pólen durante o
processo de produção de azeites, a partir de plantas da cultivar Leccino.
Pasqualone et al. (2007) avaliaram a eficiência de marcadores microssatélites
na identificação e avaliação da qualidade do azeite produzido na Itália,
utilizando uma mistura de diferentes amostras produzidas a partir de frutos
de cinco cultivares. Também na Itália, Muzzalupo, Pellegrino e Perri (2007),
ao usarem marcadores microssatélites, estudaram azeites monovarietais
obtidos de frutos com e sem caroço, diferentes condições de extração de
DNA e variações na amplificação, com comparações dos resultados obtidos,
a partir do DNA extraído do azeite e de folhas da mesma cultivar.
Apesar da importância e da aplicabilidade da técnica de marcadores
moleculares na agroindústria da oliveira, alguns trabalhos relatam gargalos
que podem diminuir a sua eficiência. Dentre estes, o elevado nível de
degradação do DNA genômico, o que reduz sua qualidade e concentração,
dificultando sua amplificação e visualização em géis. Consequentemente,
a disponibilidade de uma metodologia eficiente para extração de DNA a
partir do azeite de oliva é indispensável para a incorporação da técnica à
245
246
Cançado, G.M. de A. et al.
rotina do processo de análise de qualidade. Há também a necessidade de
padronização internacional das metodologias de amostragem e de análise,
além da criação de uma rede de laboratórios de referência para aferição de
resultados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A oliveira é uma espécie ainda pouco cultivada no Brasil, no entanto,
seu crescimento tem sido considerável na última década, principalmente
pelo estímulo gerado pelas informações e resultados da pesquisa em
diferentes condições de clima e de solo encontradas no Brasil. Acreditase que, em breve, o País poderá deixar de ser um importador dos produtos
da oliveira para se tornar um exportador. No entanto, ainda não existem
cultivos comerciais desta espécie com variedades desenvolvidas e adaptadas
especificamente para as condições brasileiras.
Dessa forma, a qualidade e o potencial produtivo da olivicultura
nacional ainda se encontram abaixo de um patamar considerado ótimo para
o ambiente brasileiro. A incorporação de técnicas modernas, precisas e
confiáveis no processo de melhoramento da oliveira, tais como os marcadores
moleculares apresentados neste capítulo serão ferramentas imprescindíveis
e de grande importância para acelerar a expansão da olivicultura no Brasil.
Adicionalmente, o potencial dos marcadores moleculares para a identificação
genética de variedades será um grande aliado na proteção de novas cultivares,
identificação de misturas e contaminações e no combate a fraudes.
AGRADECIMENTO
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG), Finep, Embrapa, Capes e CNPq pelo o apoio financeiro e
bolsas concedidas.
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Marcadores moleculares de DNA e suas aplicações