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Artigo publicado nos Anais do V Simpósio de Ciências Aplicadas da
FAIT, outubro, 2008, Itapeva, SP.
FAZENDA PILÃO D’ÀGUA DA VELHA FAXINA: PROPOSTA DE
GESTÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO
MARQUES, Silvia Corrêa. Mestre em História Social (FFFLCH-USP), doutoranda em Arqueologia
pelo MAE-USP.
Docente – Faculdade de Ciência Sociais Agrárias de Itapeva FAIT.
MANZATO, Fabiana. Mestre em Turismo (UCS-RS), doutoranda em Arqueologia pelo MAE-USP.
Resumo
Este artigo baseia-se no trabalho elaborado em 2007 para a disciplina Gestão do Patrimônio
Arqueológico, ministrada em nível de pós-graduação pelo Prof. Dr. José Luiz de Morais, referente ao
programa do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Assim, trata – se de
uma proposta de gestão do patrimônio arqueológico para a Fazenda Pilão d’Àgua localizada no
município de Itapeva, Estado de São Paulo. As ações, critérios e valores que fazem parte do universo
do conhecimento acadêmico especializado, muitas vezes, é externo ao habitante local, bem como ao
poder público municipal. Por outro lado, ao criar áreas de tensão, esse debate pode vir a sensibilizar
a comunidade em torno da importância da preservação da fazenda, um sítio arqueológico de valor
histórico riquíssimo, testemunho dos períodos colonial, imperial e republicano. O local passou a fazer
parte do poder público municipal desde 2003, entretanto, são evidentes os processos de destruição e
uso inapropriado desse patrimônio específico.
Palavras chaves: gestão do patrimônio arqueológico; sítio arqueológico; história de Itapeva;
tropeirismo.
Tema central: Gestão do patrimônio cultural.
Abstract
This article is based on the work elaborated in 2007 for the discipline Archaeological Heritage
Management, administered in level of post- graduation by Prof. José Luiz de Morais Dr., regarding the
program of the Archeology and Ethnology Museum of the University of São Paulo. Thus, it is a
proposal of archaeological patrimony management for Pilão d’Água Farm located in Itapeva, State of
São Paulo. The actions, criterions and values that are part of the universe of the specialized
academic knowledge are, many times, external to the local inhabitant, as well as the municipal
government. On the other hand, upon creating areas of tension, this debate can sensitize the
community around the importance of the preservation of the farm, a very rich historical worthy
archaeological site, testimony of the republican, imperial, and colonial periods. The site has become
part of the municipal government since 2003, however, the processes of destruction are evident and
misuse of that specific heritage.
Keywords: Archaeological Heritage Management;
“Tropeirismo” (cattle drive’s way). .
Main topic: Cultural Heritage Management.
Archaeological
Site;
History
of
Itapeva;
Introdução
A cidade de Itapeva localiza-se a 300 km da capital de São Paulo.
Atualmente, tem cerca de 80 mil habitantes e sua origem histórica está diretamente
relacionada ao tropeirismo que durante dois séculos foi responsável pela abertura e
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alargamento das rotas terrestres, pela comunicação e pelo transporte de cargas para
as regiões longínquas do Brasil, originando um inigualável patrimônio cultural até o
momento da decadência desta atividade após a implantação da estrada de ferro no
Brasil, em 1893 (Manzato, 2003).
A vila de Faxina (posteriormente Itapeva), fundada oficialmente em 20 de
setembro de 1769 por Antonio Furquim Pedroso, foi um local estratégico na longa
rota do comércio interno de animais que se deslocavam da região de Viamão, no
extremo Sul da Colônia, para Sorocaba. Esse trajeto era composto por várias
paragens e vilas, como Itapeva, local das muitas fazendas de invernagens para o
gado vacum, cavalar e, principalmente, para o muar.
Na Estrada Geral, os animais se deslocavam junto a tropeiros, camaradas,
libertos e escravos, do Sul e dos Campos Gerais de Curitiba, para as feiras de
Sorocaba, que perduraram de 1750 até a segunda metade do século XIX, segundo
Marques (2001). Quanto ao destino dos animais, as regiões consumidoras,
destacavam – se: Minas Gerais, Baixada Fluminense, Vale do Paraíba e o Oeste
Paulista. No lombo dos muares, chegavam ao litoral os produtos a serem
exportados: o ouro, o açúcar e o café (Straforini, 2001).
Um registro sobre a Vila de Itapeva e sua pecuária ocorreu no início do ano
de 1820, quando o viajante e naturalista francês Saint-Hilaire (1976, p.277) passou
pelo local:
Itapeva fornece grande quantidade de gado bovino à cidade do Rio de Janeiro,
mas parece que a maior parte das fazendas da região, as quais de resto são em
pequeno número, pertencem a homens ricos que nas mesmas não residem, e
que contrariamente aos fazendeiros de Minas Gerais, despendem suas rendas
alhures.
Maria Thereza S. Petrone (1976), a partir das correspondências e livros de
Antonio da Silva Prado, o Barão de Iguape, reconstituiu aspectos fundamentais do
Ciclo do Tropeirismo e mostrou como a riqueza de vilas como Itapeva escoou para
Sorocaba e São Paulo, para as mãos dos negociantes de animais e arrematadores
de impostos. Nesse contexto, Itapeva se desenvolveu como uma grande área de
invernagem de animais, ou engorda, principalmente do muar no século XIX.
Portanto, nas fazendas de Itapeva, como a Pilão d’Água, o aluguel de pastagens,
além de se constituir como a atividade econômica predominante, portanto, lucrativa,
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utilizou o trabalho escravo no trato com os animais, no trabalho doméstico e nas
lavouras de milho ( Marques, 2001).
A atividade agropecuária da fazenda em estudo manteve-se até o século XX,
principalmente nas primeiras décadas, com o cultivo do algodão e da suinocultura,
cuja produção de banha era destinada à cidade de São Paulo. Nesse sentido, a
produção da fazenda passou a acompanhar os ciclos econômicos de caráter
regional, sendo as mercadorias transportadas por trem, pois nas terras da fazenda já
se fazia presente os trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana.
Assim, de acordo com Manzato (2003), dentre os legados da cultura tropeira,
“estão as ‘tralhas’, ou seja, utensílios utilizados no cotidiano pelos tropeiros, tais
como, trempe (fogão), trajes, panelas, etc, assim como àquelas ‘tralhas’ utilizadas
pelas mulas de carga, como as bruacas (bolsas de couro próprias pra carregar o que
não podia molhar), os jacás (cestos trançados em bambu), entre outros”.
Outro marco na história de Itapeva deve-se ao fato de que a cidade, durante a
Revolta Constitucionalista de 1932, também denominada Revolução de 32, ficou
entre as duas cidades que sofreram enfrentamentos constantes: Itararé e a pequena
Buri. Itapeva não participou diretamente do combate, mas forneceu, pelo menos, 55
combatentes. Estas observações relacionadas anteriormente permitem delimitar a
relevância da localidade de Itapeva e por isso merece destaque para o
desenvolvimento de estudos arqueológicos voltados para estes eventos históricos (e
também aos possíveis pré-históricos).
Assim após estas considerações inicias, destaca-se que a elaboração deste
artigo teve como finalidade apresentar uma proposta de trabalho que visasse
atender as exigências da disciplina de Gestão do Patrimônio Arqueológico,
ministrada pelo Prof. Dr. José Luiz de Morais, no Programa de Pós-Graduação em
Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo,
elaborando desta forma, uma proposta de gestão do patrimônio arqueológico.
Objetivo
- Elaborar uma proposta de gestão do patrimônio arqueológico para a
Fazenda Pilão d’Àgua da Velha Faxina, em Itapeva, no interior do Estado de São
Paulo.
Objetivos Específicos
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1. Realizar pesquisas documentais e orais sobre a ocupação histórica da
localidade;
2. Realizar ações de levantamento, prospecção e resgate arqueológico,
visando avaliar a existência de possíveis ocupações além da atual (histórica);
3. Analisar e interpretar as normas legais administrativas, políticas e
econômicas atribuídas ao gerenciamento do patrimônio arqueológico;
4. Propor ações de curto, médio e longo prazo para a gestão do patrimônio
arqueológico;
5. Estabelecer parceria entre MAE/USP, pesquisadores locais (arqueólogos,
historiadores, entre outros), Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapeva,
Prefeitura Municipal de Itapeva e Centro de Tradições Tropeiras Juvenal Gaúcho;
6. Propor um aproveitamento alternativo para o Casarão, ou seja, transformálo em museu ou Casa de Cultura para que o mesmo seja um espaço de lazer e
conhecimento para a população residente e demais visitantes;
7. Criar um espaço destinado ao patrimônio arqueológico de forma a mantêlos em seu local de origem bem como favorecer o repatriamento de acervos que
estão alojados no município de Piraju e no MAE;
8. Informar a comunidade dos resultados da investigação arqueológica em
linguagem adequada (Arqueologia Pública);
9. Facilitar a participação da comunidade residente na gestão do seu
patrimônio arqueológico através da capacitação da mão-de-obra para atuarem como
monitores, auxiliares nas escavações, entre outros (Arqueologia Pública);
10. Promover e proteger o patrimônio através de procedimentos científicos, da
aplicação de normas legislativas que incidem sobre o patrimônio arqueológico e da
participação da população residente (educação patrimonial);
11. Reconstrução de Cenários de Ocupação Humana (objetos arqueológicos
musealizados) em eixos temáticos: Pré-História, Cultura Tropeira e Revolução de 32.
A Fazenda Pilão d’Àgua da Velha Faxina
A Fazenda Pilão d’Água está situada no município de Itapeva, região
sudoeste do Estado de São Paulo, em área limítrofe urbano rural, à margem da
Rodovia Francisco Alves Negrão (SP – 258), entre Capão Bonito e Itararé, este
distante 2 km da divisa com o Estado do Paraná.
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Figura 1: A Casa Grande ou “Casarão” e a rampa frontal no presente. Foto: Silvio Araújo 2002.
A fazenda com suas invernadas e potreiros, teve vários proprietários. No final
do século XIX, pertenceu à senhora Fortunata Maria de Camargo, sendo
posteriormente adquirida por seu genro o Coronel Donato de Camargo Melo1. Já na
década de 20 do século passado, a propriedade passou para Adelino Rolim. Hans
Henrich Rudof Braren, imigrante alemão, tornou-se proprietário a partir de 1944.
O local passou por várias desapropriações, sendo uma delas para a
construção do campo de aviação, outra para a construção do Centro Comunitário e
Recreativo Bento Alves Natel, na década de 70 do século passado. Entretanto, esta
antiga área de lazer, por questões de ordem política local, foi abandonada no
passado, estando hoje comprometida pelo assoreamento e poluição. Em 2003, o
Município adquiriu 74 alqueires incluindo a sede para construir ali uma escola de
Educação Ambiental, uma parte desses 74 alqueires foi doada para a UNESP de
Itapeva. Dos 960 alqueires, hoje restam aproximadamente 80 alqueires, de acordo
com Oliveira, Arruda e Morita (2006).
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Inventário de Fortunata Maria de Camargo (1894). Cartório do 1º Ofício de Itapeva. Levantamento feito pela
historiadora Sílvia Corrêa Marques.
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Figura 2: Prédio identificado como Senzala. Substituição do madeiramento antigo (lavrado no
machado), por caibros de eucalipto roliço. Foto: Sílvia Marques, novembro de 2007.
Figura 3: Planta da Senzala. Desenho de Nilton de Jesus, 2007.
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Com o crescimento da cidade, o entorno da fazenda vem se transformando.
No início da estrada de terra que dá acesso à fazenda, foi construída uma ampla
entrada da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva (FAIT), próxima a
ela está o Grêmio Recreativo dos Policiais Militares e, após a entrada da fazenda,
localiza–se o bairro Santa Maria, chamado por muitos de “favela”, além da sede
esportiva do Sindicato dos Papeleiros, de chácaras e do lixão municipal. O
loteamento Colina dos Pinheiros, é formado por pequenas chácaras (em torno de
2.000 à 4.000 m²) contíguas às terras da fazenda ( abrangendo também o Recanto
Bento Alves Natel, área de lazer onde está localizada a represa que abastece a
cidade). Na verdade, todo o conjunto é conhecido popularmente como Pilão d´Água.
Em 2006, o poder municipal iniciou ações de limpeza e de recuperação da área da
represa.
A pesquisa arqueológica realizada por Araújo (2006) revelou nesta fazenda
muitas estruturas de pedras e uma ruína de um antigo monjolo que aproveitaria o
desnível da queda d´água da cachoeira do Ribeirão Fundo. Foi esta estrutura que
possivelmente deu nome à fazenda. Nesta mesma pesquisa, o autor identificou
edifícios e estruturas de pedras do local e constatou, pelo menos, cinco diferentes
técnicas construtivas, descritas a seguir:
edificação em taipa de pilão e vigas lavradas a machado do Casarão e antiga
Senzala; a segunda técnica é composta por estruturas de pedras encaixadas
umas sobre as outras, identificadas como “muros dos escravos”; a terceira
técnica observada é composta por estruturas de pedras encaixadas umas sobre
as outras, com a utilização de argamassa de saibro, com ou sem mistura de
cacos cerâmicos e entre elas, as escadas, as muretas das rampas que
circundam o Casarão, uma parede inclinada que, segundo antigos moradores da
fazenda, trata –se da senzala. Estas três primeiras técnicas construtivas fazem
referência aos períodos do Brasil Colônia e Império. A quarta técnica construtiva
é composta por casas, barracões e um terreiro de tijolo à vista, utilizado
possivelmente para secar cereais, inclusive uma estação de recebimento de
energia elétrica que remonta ao início do século XX, quando a energia elétrica
chegou em Itapeva. Alguns desses edifícios contam com reboque de argamassa
de saibro, outros apresentam alicerces de pedras sobrepostas, típico da segunda
técnica construtiva citada. A quinta e última técnica construtiva é composta por
8
edifícios complementares ou estruturas sobrepostas do Casarão e Senzala
(ARAÚJO, 2006)
Orser (1992, p.84-86) adverte que a maior parte dos sítios arqueológicos
históricos foram ocupados por curtos períodos de tempo tendo como conseqüência a
pouca probabilidade de acúmulo de camadas ou formação de micro-estratos. Outro
problema indicado é a destruição das evidências de ocupação de povos anteriores
por técnicas de construção dos povos históricos mais recentes.
Na fazenda foram identificados três núcleos de solos antropogênicos (terra
preta) no conjunto Casarão/Senzala. Um quarto núcleo foi recentemente alterado
com ações de terraplanagem para a construção de piquetes para cavalos. Parte da
fazenda estava sendo utilizada por um grupo identificado como Associação de
Tropeiros, grupo representante da tradição tropeira de Itapeva.
Figura 4: Terraplanagem próxima ao muro de pedras, desrespeito a Portaria do IPHAN
230/2002. Foto Sílvio Araújo, novembro de 2006.
A fazenda Pilão d’Água, apesar de não ser reconhecida oficialmente pelos
órgãos competentes, ainda preserva na arquitetura da Casa Grande, nos muros de
pedras construídos pelos escravos, estrutura característica dos “currais em taipa” do
Sul do Brasil, além da senzala com terreiro fronteiro, da antiga capela e de outras
9
estruturas em pedra sobrepostas ainda por serem estudadas, características
importantes de um bem patrimonial de interesse histórico e arqueológico.
Pela abordagem da paisagem ou do entorno de ambientação de sítios e
locais de interesse arqueológico, a localização geográfica da fazenda merece uma
atenção maior. Considerando uma área mais extensa, encontram-se duas
edificações de interesse futuro para a arqueologia: a ponte ainda em uso da antiga
Estrada de Ferro Sorocabana sobre o córrego do Aranha e o antigo matadouro
municipal desativado. Ambos localizados nas imediações da entrada da cidade, na
Avenida José Ermírio de Moraes, que se encontra em obras para futura duplicação.
A ação das máquinas fez surgir na paisagem a imponente ponte de ferro.
Atualmente, esta fazenda tem forte representatividade para a comunidade de
Jaó, remanescente de quilombo de Itapeva, porque nas lembranças dos mais velhos
aparece a ligação entre o casal fundador do quilombo e a fazenda. Esta fazenda
teria sido o local de saída de Joaquim e Josepha nos anos posteriores à abolição
para a formação do Jaó, hoje um bairro rural distante aproximadamente 15
quilômetros tanto da fazenda como do município. Dessa forma, na fazenda Pilão
d´Água, além dos vestígios arqueológicos, está a memória viva da escravidão no
município (Marques, 2001).
Além disso, a Associação da Comunidade Negra de Itapeva e Região está
preocupada
com
o
tombamento
de
documentos
e
sítios
detentores
de
reminiscências da história e cultura afro–brasileira de Itapeva, pois, alguns leigos
estão identificando o lugar como uma espécie de antigo galpão, numa tentativa de
apagar a memória da escravidão em Itapeva, reafirmando a negação da importância
dos africanos e seus descendentes na formação histórico–cultural do município.
Portanto, são questões que se entrelaçam com a construção da identidade afrodescendente e com ações que favoreçam a promoção da igualdade racial a nível
local.
Dessa forma, a arqueologia poderá contribuir através da análise da cultura
material, juntamente com as fontes históricas para o reencontro dos diversos atores
sociais, as estruturas, a funcionalidade da fazenda nos seus diversos períodos
econômicos. E ainda contribuir para a busca de respostas quanto às divisões
internas e a proximidade da Senzala com a Casa Grande, que podem constituir sim
um forte indício material da existência de famílias escravas na fazenda, portanto da
capacidade dos cativos em criar uma sociabilidade própria assentada em relações
10
de parentesco tal como os novos estudos sobre a escravidão brasileira têm
demonstrado nas últimas décadas (SLENES, 1996).
Assim, outros estudos acerca da escravidão em regiões pertencentes ao
Tropeirismo, mostram tanto a presença predominante de escravos crioulos (nativos)
como a forte presença das famílias no cativeiro, revelando os espaços de
negociação no contexto da vigência da escravidão. Como, por exemplo, os estudos
de Gutiérrez (1988) referente ao circuito econômico do Paraná, eixo fundamental no
extenso comércio interno de animais, região que estava entre as áreas de criação e
invernagens na rota terrestre dos animais rumo à comercialização em Sorocaba. A
partir dela, a rota ramificava – se em vários caminhos com destino às regiões de São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Pesquisando os Maços de População no
Arquivo do Estado, Sílvia Marques identificou muitas fazendas de invernagens de
Itapeva com famílias escravas em seus plantéis.
Gestão do Patrimônio e Arqueologia Pública
Elaborar uma proposta de gestão do patrimônio arqueológico é uma tarefa
complexa e dinâmica, pois ao ser formulada deve ser repensada constantemente,
além de concordar com as leis que competem à União, Estados e Municípios.
Pardi (2002, p.20) define a gestão do patrimônio arqueológico como:
um conjunto de estudos, análises, reflexões e ações que buscam equacionar
informações sobre os bens culturais, os parceiros envolvidos (comunidade,
cientistas, autoridades, mídia...), as estruturas (física e administrativa) e as
questões econômicas inerentes, visando a otimizar o uso e o retorno à atual
geração, a valorização e difusão, bem como a preservação dos sítios ou blocos
testemunhos, do acervo gerado, da documentação e do conhecimento produzido
para as gerações futuras.
Planejar e executar uma proposta para gestão do patrimônio visa
potencializar os aspectos positivos que envolvem este bem e ao mesmo tempo
propõe-se a “minimizar ou mesmo evitar que aspectos negativos, como por exemplo,
a degradação e depredação” incidam sobre ele (Manzato, 2007).
De acordo com Manzato (2006) a ”fragilidade dos sítios e de seus respectivos
vestígios gera nos arqueólogos e representantes do poder público a insegurança em
11
disponibilizá-los a comunidade residente ou para o público em geral”. Essa situação
por vezes constitui-se pela desinformação e desconhecimento de uma proposta de
gestão para áreas arqueológicas e que infelizmente, “conduz ao emprego de uma
política que tende a preservar os sítios e seus respectivos vestígios no sentido
estrito da palavra, ou seja, deixando-os fechados, longe do olhar do público”.
O resultado disso, obviamente, tende a ser negativo para ambas as partes,
porque transforma o sítio detentor do patrimônio arqueológico numa localidade
onerosa para o município e predisposto a deteriora-se, além de não desempenhar a
utilidade social para a população, contribuindo para que os mesmos sejam
depredados e até saqueados.
Sendo o patrimônio arqueológico, um bem protegido legalmente, faz com que
a atenção às normas legais vigentes, conste como item prioritário no processo de
gestão, dado que seu descumprimento estará sujeito a sanções penais.
Dentre as normas vigentes legais deve-se atentar para: a Carta de Lausanne
de 1990, a Constituição Federal de 1988, especialmente nos Artigos 20, 23 e 216,
os quais definem e normatizam a salvaguarda do patrimônio arqueológico, ao
Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 que organiza a proteção do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a Lei Federal nº 3.924, de 26 de julho de
1961 que dispõe sobre os monumentos arqueológicos pré-históricos e históricos, ao
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama nº. 001/86), em 23/06/1986 que faz
referencia à proteção do patrimônio ambiental, mas que também aborda o
patrimônio arqueológico, a Portaria SPHAN/07/88 que trata dos procedimentos e
desenvolvimento de pesquisas de campo e escavações arqueológicas, Portaria
IPHAN 230/2002 e 28/2003 que considerando a necessidade de compatibilizar as
fases de obtenção de licenças ambientais em urgência com os estudos preventivos
de arqueologia.
De acordo com Morais, “entendido com bem difuso, o patrimônio arqueológico
será de uso comum ao povo brasileiro”, e destaca que:
A União, sua gestora, fixará as regras para sua melhor fruição, mediante a
consolidação da estrutura híbrida que garanta a participação direta da sociedade.
Há que considerar, porém que, resguardadas as prerrogativas de inserção
nacional, o segmento social mais interessado na sua fruição é a comunidade
local que detém o patrimônio em seu território. Assim cabe ao poder público
12
federal, com o apoio dos poderes estaduais e em parceria com os profissionais
arqueólogos, esclarecer seus propósitos junto à comunidade e ao poder público
local
em
linguagem
adequada,
estimulando
a
inclusão
social
pelo
reconhecimento e valorização dos bens arqueológicos, em ações de educação
patrimonial (2006, p.194).
Esta afirmação traduz que além do conhecimento das normas vigentes, outro
item relevante na gestão do patrimônio concerne a Arqueologia Pública, ou seja, a
inclusão da comunidade residente nas ações que envolvem seu patrimônio e o
desenvolvimento da responsabilidade social da disciplina, porque segundo RobrahnGonzález (2006, p. 64) agora se entende que “não é mais possível que a
Arqueologia continue voltada ao desenvolvimento de um ser abstrato chamado
ciência, colecionador insaciável de novas teorias, novas descobertas”.
Esse processo de reconstrução da Arqueologia teve início na década de
1980, e evidenciou as preocupações com as dimensões sociais desta área
(FUNARI, 2004/2005). Anteriormente a Arqueologia “esteve preocupada com os
vestígios materiais das sociedades que estavam nos fundamentos dos modernos
estados nacionais, em particular, a Grécia Antiga e o mundo romano, seguido pelas
civilizações médio-orientais (Egito, Mesopotâmia)", segundo Funari (2003). Durante
muitos anos o foco desta área manteve-se em torno do patrimônio material das elites
porque “as culturas ‘primitivas’ não eram consideradas dignas de interesse
científico”. Além disso, a divulgação das pesquisas arqueológicas ocorria
exclusivamente em meio acadêmico, mantendo um “distanciamento da comunidade,
do ensino não universitário e do público em geral” (CALI, 2002, p.112).
Portanto, acredita-se que a gestão do patrimônio arqueológico é uma etapa
que demanda tempo e é primordial para conflitar e estabelecer os limites entre as
ações requeridas e aquelas que são possíveis de execução. Estas ações são
delineadas a partir daquelas habilidades específicas aos arqueólogos (levantamento,
cadastramento, prospecção, escavação, registros físico, geração de acervo, entre
outros), seguindo-se a este, a inclusão do processo de socialização do patrimônio
por meio da participação da comunidade residente em atividades diretas no sítio e
através da visitação pública, estabelecidos através da elaboração de diagnósticos e
prognósticos, macro e micro-ambiental, da fazenda respondendo as normas legais
que incidem sobre o bem.
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Considerações Finais
O presente texto teve por objetivo levantar algumas questões delicadas que
giram em torno dos temas de preservação, proteção e gestão do patrimônio cultural,
em especial o arqueológico. As ações, critérios e valores fazem parte do universo do
conhecimento acadêmico especializado que, muitas vezes, é externo ao habitante
local, bem como ao poder público municipal.
Por outro lado, a Constituição de 1988, artigo 30, delega aos municípios a
prerrogativa de zelar pelos interesses locais. Ao cria áreas de tensão, o debate
sobre a preservação do Patrimônio Arqueológico, parte significativa do Patrimônio
Cultural brasileiro mas que permanece desconhecido do grande público, pode vir a
sensibilizar moradores e políticos em torno da preservação das identidades, da
memória local, das raízes culturais e sociais do município de Itapeva.
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fazenda pilão d`àgua da velha faxina: proposta de gestão do