1 Artigo publicado nos Anais do V Simpósio de Ciências Aplicadas da FAIT, outubro, 2008, Itapeva, SP. FAZENDA PILÃO D’ÀGUA DA VELHA FAXINA: PROPOSTA DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO MARQUES, Silvia Corrêa. Mestre em História Social (FFFLCH-USP), doutoranda em Arqueologia pelo MAE-USP. Docente – Faculdade de Ciência Sociais Agrárias de Itapeva FAIT. MANZATO, Fabiana. Mestre em Turismo (UCS-RS), doutoranda em Arqueologia pelo MAE-USP. Resumo Este artigo baseia-se no trabalho elaborado em 2007 para a disciplina Gestão do Patrimônio Arqueológico, ministrada em nível de pós-graduação pelo Prof. Dr. José Luiz de Morais, referente ao programa do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Assim, trata – se de uma proposta de gestão do patrimônio arqueológico para a Fazenda Pilão d’Àgua localizada no município de Itapeva, Estado de São Paulo. As ações, critérios e valores que fazem parte do universo do conhecimento acadêmico especializado, muitas vezes, é externo ao habitante local, bem como ao poder público municipal. Por outro lado, ao criar áreas de tensão, esse debate pode vir a sensibilizar a comunidade em torno da importância da preservação da fazenda, um sítio arqueológico de valor histórico riquíssimo, testemunho dos períodos colonial, imperial e republicano. O local passou a fazer parte do poder público municipal desde 2003, entretanto, são evidentes os processos de destruição e uso inapropriado desse patrimônio específico. Palavras chaves: gestão do patrimônio arqueológico; sítio arqueológico; história de Itapeva; tropeirismo. Tema central: Gestão do patrimônio cultural. Abstract This article is based on the work elaborated in 2007 for the discipline Archaeological Heritage Management, administered in level of post- graduation by Prof. José Luiz de Morais Dr., regarding the program of the Archeology and Ethnology Museum of the University of São Paulo. Thus, it is a proposal of archaeological patrimony management for Pilão d’Água Farm located in Itapeva, State of São Paulo. The actions, criterions and values that are part of the universe of the specialized academic knowledge are, many times, external to the local inhabitant, as well as the municipal government. On the other hand, upon creating areas of tension, this debate can sensitize the community around the importance of the preservation of the farm, a very rich historical worthy archaeological site, testimony of the republican, imperial, and colonial periods. The site has become part of the municipal government since 2003, however, the processes of destruction are evident and misuse of that specific heritage. Keywords: Archaeological Heritage Management; “Tropeirismo” (cattle drive’s way). . Main topic: Cultural Heritage Management. Archaeological Site; History of Itapeva; Introdução A cidade de Itapeva localiza-se a 300 km da capital de São Paulo. Atualmente, tem cerca de 80 mil habitantes e sua origem histórica está diretamente relacionada ao tropeirismo que durante dois séculos foi responsável pela abertura e 2 alargamento das rotas terrestres, pela comunicação e pelo transporte de cargas para as regiões longínquas do Brasil, originando um inigualável patrimônio cultural até o momento da decadência desta atividade após a implantação da estrada de ferro no Brasil, em 1893 (Manzato, 2003). A vila de Faxina (posteriormente Itapeva), fundada oficialmente em 20 de setembro de 1769 por Antonio Furquim Pedroso, foi um local estratégico na longa rota do comércio interno de animais que se deslocavam da região de Viamão, no extremo Sul da Colônia, para Sorocaba. Esse trajeto era composto por várias paragens e vilas, como Itapeva, local das muitas fazendas de invernagens para o gado vacum, cavalar e, principalmente, para o muar. Na Estrada Geral, os animais se deslocavam junto a tropeiros, camaradas, libertos e escravos, do Sul e dos Campos Gerais de Curitiba, para as feiras de Sorocaba, que perduraram de 1750 até a segunda metade do século XIX, segundo Marques (2001). Quanto ao destino dos animais, as regiões consumidoras, destacavam – se: Minas Gerais, Baixada Fluminense, Vale do Paraíba e o Oeste Paulista. No lombo dos muares, chegavam ao litoral os produtos a serem exportados: o ouro, o açúcar e o café (Straforini, 2001). Um registro sobre a Vila de Itapeva e sua pecuária ocorreu no início do ano de 1820, quando o viajante e naturalista francês Saint-Hilaire (1976, p.277) passou pelo local: Itapeva fornece grande quantidade de gado bovino à cidade do Rio de Janeiro, mas parece que a maior parte das fazendas da região, as quais de resto são em pequeno número, pertencem a homens ricos que nas mesmas não residem, e que contrariamente aos fazendeiros de Minas Gerais, despendem suas rendas alhures. Maria Thereza S. Petrone (1976), a partir das correspondências e livros de Antonio da Silva Prado, o Barão de Iguape, reconstituiu aspectos fundamentais do Ciclo do Tropeirismo e mostrou como a riqueza de vilas como Itapeva escoou para Sorocaba e São Paulo, para as mãos dos negociantes de animais e arrematadores de impostos. Nesse contexto, Itapeva se desenvolveu como uma grande área de invernagem de animais, ou engorda, principalmente do muar no século XIX. Portanto, nas fazendas de Itapeva, como a Pilão d’Água, o aluguel de pastagens, além de se constituir como a atividade econômica predominante, portanto, lucrativa, 3 utilizou o trabalho escravo no trato com os animais, no trabalho doméstico e nas lavouras de milho ( Marques, 2001). A atividade agropecuária da fazenda em estudo manteve-se até o século XX, principalmente nas primeiras décadas, com o cultivo do algodão e da suinocultura, cuja produção de banha era destinada à cidade de São Paulo. Nesse sentido, a produção da fazenda passou a acompanhar os ciclos econômicos de caráter regional, sendo as mercadorias transportadas por trem, pois nas terras da fazenda já se fazia presente os trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana. Assim, de acordo com Manzato (2003), dentre os legados da cultura tropeira, “estão as ‘tralhas’, ou seja, utensílios utilizados no cotidiano pelos tropeiros, tais como, trempe (fogão), trajes, panelas, etc, assim como àquelas ‘tralhas’ utilizadas pelas mulas de carga, como as bruacas (bolsas de couro próprias pra carregar o que não podia molhar), os jacás (cestos trançados em bambu), entre outros”. Outro marco na história de Itapeva deve-se ao fato de que a cidade, durante a Revolta Constitucionalista de 1932, também denominada Revolução de 32, ficou entre as duas cidades que sofreram enfrentamentos constantes: Itararé e a pequena Buri. Itapeva não participou diretamente do combate, mas forneceu, pelo menos, 55 combatentes. Estas observações relacionadas anteriormente permitem delimitar a relevância da localidade de Itapeva e por isso merece destaque para o desenvolvimento de estudos arqueológicos voltados para estes eventos históricos (e também aos possíveis pré-históricos). Assim após estas considerações inicias, destaca-se que a elaboração deste artigo teve como finalidade apresentar uma proposta de trabalho que visasse atender as exigências da disciplina de Gestão do Patrimônio Arqueológico, ministrada pelo Prof. Dr. José Luiz de Morais, no Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, elaborando desta forma, uma proposta de gestão do patrimônio arqueológico. Objetivo - Elaborar uma proposta de gestão do patrimônio arqueológico para a Fazenda Pilão d’Àgua da Velha Faxina, em Itapeva, no interior do Estado de São Paulo. Objetivos Específicos 4 1. Realizar pesquisas documentais e orais sobre a ocupação histórica da localidade; 2. Realizar ações de levantamento, prospecção e resgate arqueológico, visando avaliar a existência de possíveis ocupações além da atual (histórica); 3. Analisar e interpretar as normas legais administrativas, políticas e econômicas atribuídas ao gerenciamento do patrimônio arqueológico; 4. Propor ações de curto, médio e longo prazo para a gestão do patrimônio arqueológico; 5. Estabelecer parceria entre MAE/USP, pesquisadores locais (arqueólogos, historiadores, entre outros), Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapeva, Prefeitura Municipal de Itapeva e Centro de Tradições Tropeiras Juvenal Gaúcho; 6. Propor um aproveitamento alternativo para o Casarão, ou seja, transformálo em museu ou Casa de Cultura para que o mesmo seja um espaço de lazer e conhecimento para a população residente e demais visitantes; 7. Criar um espaço destinado ao patrimônio arqueológico de forma a mantêlos em seu local de origem bem como favorecer o repatriamento de acervos que estão alojados no município de Piraju e no MAE; 8. Informar a comunidade dos resultados da investigação arqueológica em linguagem adequada (Arqueologia Pública); 9. Facilitar a participação da comunidade residente na gestão do seu patrimônio arqueológico através da capacitação da mão-de-obra para atuarem como monitores, auxiliares nas escavações, entre outros (Arqueologia Pública); 10. Promover e proteger o patrimônio através de procedimentos científicos, da aplicação de normas legislativas que incidem sobre o patrimônio arqueológico e da participação da população residente (educação patrimonial); 11. Reconstrução de Cenários de Ocupação Humana (objetos arqueológicos musealizados) em eixos temáticos: Pré-História, Cultura Tropeira e Revolução de 32. A Fazenda Pilão d’Àgua da Velha Faxina A Fazenda Pilão d’Água está situada no município de Itapeva, região sudoeste do Estado de São Paulo, em área limítrofe urbano rural, à margem da Rodovia Francisco Alves Negrão (SP – 258), entre Capão Bonito e Itararé, este distante 2 km da divisa com o Estado do Paraná. 5 Figura 1: A Casa Grande ou “Casarão” e a rampa frontal no presente. Foto: Silvio Araújo 2002. A fazenda com suas invernadas e potreiros, teve vários proprietários. No final do século XIX, pertenceu à senhora Fortunata Maria de Camargo, sendo posteriormente adquirida por seu genro o Coronel Donato de Camargo Melo1. Já na década de 20 do século passado, a propriedade passou para Adelino Rolim. Hans Henrich Rudof Braren, imigrante alemão, tornou-se proprietário a partir de 1944. O local passou por várias desapropriações, sendo uma delas para a construção do campo de aviação, outra para a construção do Centro Comunitário e Recreativo Bento Alves Natel, na década de 70 do século passado. Entretanto, esta antiga área de lazer, por questões de ordem política local, foi abandonada no passado, estando hoje comprometida pelo assoreamento e poluição. Em 2003, o Município adquiriu 74 alqueires incluindo a sede para construir ali uma escola de Educação Ambiental, uma parte desses 74 alqueires foi doada para a UNESP de Itapeva. Dos 960 alqueires, hoje restam aproximadamente 80 alqueires, de acordo com Oliveira, Arruda e Morita (2006). 1 Inventário de Fortunata Maria de Camargo (1894). Cartório do 1º Ofício de Itapeva. Levantamento feito pela historiadora Sílvia Corrêa Marques. 6 Figura 2: Prédio identificado como Senzala. Substituição do madeiramento antigo (lavrado no machado), por caibros de eucalipto roliço. Foto: Sílvia Marques, novembro de 2007. Figura 3: Planta da Senzala. Desenho de Nilton de Jesus, 2007. 7 Com o crescimento da cidade, o entorno da fazenda vem se transformando. No início da estrada de terra que dá acesso à fazenda, foi construída uma ampla entrada da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva (FAIT), próxima a ela está o Grêmio Recreativo dos Policiais Militares e, após a entrada da fazenda, localiza–se o bairro Santa Maria, chamado por muitos de “favela”, além da sede esportiva do Sindicato dos Papeleiros, de chácaras e do lixão municipal. O loteamento Colina dos Pinheiros, é formado por pequenas chácaras (em torno de 2.000 à 4.000 m²) contíguas às terras da fazenda ( abrangendo também o Recanto Bento Alves Natel, área de lazer onde está localizada a represa que abastece a cidade). Na verdade, todo o conjunto é conhecido popularmente como Pilão d´Água. Em 2006, o poder municipal iniciou ações de limpeza e de recuperação da área da represa. A pesquisa arqueológica realizada por Araújo (2006) revelou nesta fazenda muitas estruturas de pedras e uma ruína de um antigo monjolo que aproveitaria o desnível da queda d´água da cachoeira do Ribeirão Fundo. Foi esta estrutura que possivelmente deu nome à fazenda. Nesta mesma pesquisa, o autor identificou edifícios e estruturas de pedras do local e constatou, pelo menos, cinco diferentes técnicas construtivas, descritas a seguir: edificação em taipa de pilão e vigas lavradas a machado do Casarão e antiga Senzala; a segunda técnica é composta por estruturas de pedras encaixadas umas sobre as outras, identificadas como “muros dos escravos”; a terceira técnica observada é composta por estruturas de pedras encaixadas umas sobre as outras, com a utilização de argamassa de saibro, com ou sem mistura de cacos cerâmicos e entre elas, as escadas, as muretas das rampas que circundam o Casarão, uma parede inclinada que, segundo antigos moradores da fazenda, trata –se da senzala. Estas três primeiras técnicas construtivas fazem referência aos períodos do Brasil Colônia e Império. A quarta técnica construtiva é composta por casas, barracões e um terreiro de tijolo à vista, utilizado possivelmente para secar cereais, inclusive uma estação de recebimento de energia elétrica que remonta ao início do século XX, quando a energia elétrica chegou em Itapeva. Alguns desses edifícios contam com reboque de argamassa de saibro, outros apresentam alicerces de pedras sobrepostas, típico da segunda técnica construtiva citada. A quinta e última técnica construtiva é composta por 8 edifícios complementares ou estruturas sobrepostas do Casarão e Senzala (ARAÚJO, 2006) Orser (1992, p.84-86) adverte que a maior parte dos sítios arqueológicos históricos foram ocupados por curtos períodos de tempo tendo como conseqüência a pouca probabilidade de acúmulo de camadas ou formação de micro-estratos. Outro problema indicado é a destruição das evidências de ocupação de povos anteriores por técnicas de construção dos povos históricos mais recentes. Na fazenda foram identificados três núcleos de solos antropogênicos (terra preta) no conjunto Casarão/Senzala. Um quarto núcleo foi recentemente alterado com ações de terraplanagem para a construção de piquetes para cavalos. Parte da fazenda estava sendo utilizada por um grupo identificado como Associação de Tropeiros, grupo representante da tradição tropeira de Itapeva. Figura 4: Terraplanagem próxima ao muro de pedras, desrespeito a Portaria do IPHAN 230/2002. Foto Sílvio Araújo, novembro de 2006. A fazenda Pilão d’Água, apesar de não ser reconhecida oficialmente pelos órgãos competentes, ainda preserva na arquitetura da Casa Grande, nos muros de pedras construídos pelos escravos, estrutura característica dos “currais em taipa” do Sul do Brasil, além da senzala com terreiro fronteiro, da antiga capela e de outras 9 estruturas em pedra sobrepostas ainda por serem estudadas, características importantes de um bem patrimonial de interesse histórico e arqueológico. Pela abordagem da paisagem ou do entorno de ambientação de sítios e locais de interesse arqueológico, a localização geográfica da fazenda merece uma atenção maior. Considerando uma área mais extensa, encontram-se duas edificações de interesse futuro para a arqueologia: a ponte ainda em uso da antiga Estrada de Ferro Sorocabana sobre o córrego do Aranha e o antigo matadouro municipal desativado. Ambos localizados nas imediações da entrada da cidade, na Avenida José Ermírio de Moraes, que se encontra em obras para futura duplicação. A ação das máquinas fez surgir na paisagem a imponente ponte de ferro. Atualmente, esta fazenda tem forte representatividade para a comunidade de Jaó, remanescente de quilombo de Itapeva, porque nas lembranças dos mais velhos aparece a ligação entre o casal fundador do quilombo e a fazenda. Esta fazenda teria sido o local de saída de Joaquim e Josepha nos anos posteriores à abolição para a formação do Jaó, hoje um bairro rural distante aproximadamente 15 quilômetros tanto da fazenda como do município. Dessa forma, na fazenda Pilão d´Água, além dos vestígios arqueológicos, está a memória viva da escravidão no município (Marques, 2001). Além disso, a Associação da Comunidade Negra de Itapeva e Região está preocupada com o tombamento de documentos e sítios detentores de reminiscências da história e cultura afro–brasileira de Itapeva, pois, alguns leigos estão identificando o lugar como uma espécie de antigo galpão, numa tentativa de apagar a memória da escravidão em Itapeva, reafirmando a negação da importância dos africanos e seus descendentes na formação histórico–cultural do município. Portanto, são questões que se entrelaçam com a construção da identidade afrodescendente e com ações que favoreçam a promoção da igualdade racial a nível local. Dessa forma, a arqueologia poderá contribuir através da análise da cultura material, juntamente com as fontes históricas para o reencontro dos diversos atores sociais, as estruturas, a funcionalidade da fazenda nos seus diversos períodos econômicos. E ainda contribuir para a busca de respostas quanto às divisões internas e a proximidade da Senzala com a Casa Grande, que podem constituir sim um forte indício material da existência de famílias escravas na fazenda, portanto da capacidade dos cativos em criar uma sociabilidade própria assentada em relações 10 de parentesco tal como os novos estudos sobre a escravidão brasileira têm demonstrado nas últimas décadas (SLENES, 1996). Assim, outros estudos acerca da escravidão em regiões pertencentes ao Tropeirismo, mostram tanto a presença predominante de escravos crioulos (nativos) como a forte presença das famílias no cativeiro, revelando os espaços de negociação no contexto da vigência da escravidão. Como, por exemplo, os estudos de Gutiérrez (1988) referente ao circuito econômico do Paraná, eixo fundamental no extenso comércio interno de animais, região que estava entre as áreas de criação e invernagens na rota terrestre dos animais rumo à comercialização em Sorocaba. A partir dela, a rota ramificava – se em vários caminhos com destino às regiões de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Pesquisando os Maços de População no Arquivo do Estado, Sílvia Marques identificou muitas fazendas de invernagens de Itapeva com famílias escravas em seus plantéis. Gestão do Patrimônio e Arqueologia Pública Elaborar uma proposta de gestão do patrimônio arqueológico é uma tarefa complexa e dinâmica, pois ao ser formulada deve ser repensada constantemente, além de concordar com as leis que competem à União, Estados e Municípios. Pardi (2002, p.20) define a gestão do patrimônio arqueológico como: um conjunto de estudos, análises, reflexões e ações que buscam equacionar informações sobre os bens culturais, os parceiros envolvidos (comunidade, cientistas, autoridades, mídia...), as estruturas (física e administrativa) e as questões econômicas inerentes, visando a otimizar o uso e o retorno à atual geração, a valorização e difusão, bem como a preservação dos sítios ou blocos testemunhos, do acervo gerado, da documentação e do conhecimento produzido para as gerações futuras. Planejar e executar uma proposta para gestão do patrimônio visa potencializar os aspectos positivos que envolvem este bem e ao mesmo tempo propõe-se a “minimizar ou mesmo evitar que aspectos negativos, como por exemplo, a degradação e depredação” incidam sobre ele (Manzato, 2007). De acordo com Manzato (2006) a ”fragilidade dos sítios e de seus respectivos vestígios gera nos arqueólogos e representantes do poder público a insegurança em 11 disponibilizá-los a comunidade residente ou para o público em geral”. Essa situação por vezes constitui-se pela desinformação e desconhecimento de uma proposta de gestão para áreas arqueológicas e que infelizmente, “conduz ao emprego de uma política que tende a preservar os sítios e seus respectivos vestígios no sentido estrito da palavra, ou seja, deixando-os fechados, longe do olhar do público”. O resultado disso, obviamente, tende a ser negativo para ambas as partes, porque transforma o sítio detentor do patrimônio arqueológico numa localidade onerosa para o município e predisposto a deteriora-se, além de não desempenhar a utilidade social para a população, contribuindo para que os mesmos sejam depredados e até saqueados. Sendo o patrimônio arqueológico, um bem protegido legalmente, faz com que a atenção às normas legais vigentes, conste como item prioritário no processo de gestão, dado que seu descumprimento estará sujeito a sanções penais. Dentre as normas vigentes legais deve-se atentar para: a Carta de Lausanne de 1990, a Constituição Federal de 1988, especialmente nos Artigos 20, 23 e 216, os quais definem e normatizam a salvaguarda do patrimônio arqueológico, ao Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 que organiza a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a Lei Federal nº 3.924, de 26 de julho de 1961 que dispõe sobre os monumentos arqueológicos pré-históricos e históricos, ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama nº. 001/86), em 23/06/1986 que faz referencia à proteção do patrimônio ambiental, mas que também aborda o patrimônio arqueológico, a Portaria SPHAN/07/88 que trata dos procedimentos e desenvolvimento de pesquisas de campo e escavações arqueológicas, Portaria IPHAN 230/2002 e 28/2003 que considerando a necessidade de compatibilizar as fases de obtenção de licenças ambientais em urgência com os estudos preventivos de arqueologia. De acordo com Morais, “entendido com bem difuso, o patrimônio arqueológico será de uso comum ao povo brasileiro”, e destaca que: A União, sua gestora, fixará as regras para sua melhor fruição, mediante a consolidação da estrutura híbrida que garanta a participação direta da sociedade. Há que considerar, porém que, resguardadas as prerrogativas de inserção nacional, o segmento social mais interessado na sua fruição é a comunidade local que detém o patrimônio em seu território. Assim cabe ao poder público 12 federal, com o apoio dos poderes estaduais e em parceria com os profissionais arqueólogos, esclarecer seus propósitos junto à comunidade e ao poder público local em linguagem adequada, estimulando a inclusão social pelo reconhecimento e valorização dos bens arqueológicos, em ações de educação patrimonial (2006, p.194). Esta afirmação traduz que além do conhecimento das normas vigentes, outro item relevante na gestão do patrimônio concerne a Arqueologia Pública, ou seja, a inclusão da comunidade residente nas ações que envolvem seu patrimônio e o desenvolvimento da responsabilidade social da disciplina, porque segundo RobrahnGonzález (2006, p. 64) agora se entende que “não é mais possível que a Arqueologia continue voltada ao desenvolvimento de um ser abstrato chamado ciência, colecionador insaciável de novas teorias, novas descobertas”. Esse processo de reconstrução da Arqueologia teve início na década de 1980, e evidenciou as preocupações com as dimensões sociais desta área (FUNARI, 2004/2005). Anteriormente a Arqueologia “esteve preocupada com os vestígios materiais das sociedades que estavam nos fundamentos dos modernos estados nacionais, em particular, a Grécia Antiga e o mundo romano, seguido pelas civilizações médio-orientais (Egito, Mesopotâmia)", segundo Funari (2003). Durante muitos anos o foco desta área manteve-se em torno do patrimônio material das elites porque “as culturas ‘primitivas’ não eram consideradas dignas de interesse científico”. Além disso, a divulgação das pesquisas arqueológicas ocorria exclusivamente em meio acadêmico, mantendo um “distanciamento da comunidade, do ensino não universitário e do público em geral” (CALI, 2002, p.112). Portanto, acredita-se que a gestão do patrimônio arqueológico é uma etapa que demanda tempo e é primordial para conflitar e estabelecer os limites entre as ações requeridas e aquelas que são possíveis de execução. Estas ações são delineadas a partir daquelas habilidades específicas aos arqueólogos (levantamento, cadastramento, prospecção, escavação, registros físico, geração de acervo, entre outros), seguindo-se a este, a inclusão do processo de socialização do patrimônio por meio da participação da comunidade residente em atividades diretas no sítio e através da visitação pública, estabelecidos através da elaboração de diagnósticos e prognósticos, macro e micro-ambiental, da fazenda respondendo as normas legais que incidem sobre o bem. 13 Considerações Finais O presente texto teve por objetivo levantar algumas questões delicadas que giram em torno dos temas de preservação, proteção e gestão do patrimônio cultural, em especial o arqueológico. As ações, critérios e valores fazem parte do universo do conhecimento acadêmico especializado que, muitas vezes, é externo ao habitante local, bem como ao poder público municipal. Por outro lado, a Constituição de 1988, artigo 30, delega aos municípios a prerrogativa de zelar pelos interesses locais. Ao cria áreas de tensão, o debate sobre a preservação do Patrimônio Arqueológico, parte significativa do Patrimônio Cultural brasileiro mas que permanece desconhecido do grande público, pode vir a sensibilizar moradores e políticos em torno da preservação das identidades, da memória local, das raízes culturais e sociais do município de Itapeva. Bibliografia ARAÚJO, S. A. C. Arqueologia de Itapeva/ SP: Contribuição à formação de políticas públicas para a gestão patrimonial. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, 2006. CALI, P. História da Cultura brasileira e fontes arqueológicas. Fronteiras: Revista de História. Campo Grande, Mato Grosso: Editora UFMS, v.6, n.11, jan/jun, 2002. FUNARI, P. P. Os avanços da arqueologia histórica no Brasil, um balanço. Disponível em: http://www.comciencia.br. 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