O HOMEM, O BREJO E A CANA: UMA ANÁLISE DOS IMPACTOS DA PRODUÇÃO
AÇUCAREIRA NA ESTRUTURA SOCIAL DO NORTE FLUMINENSE
Luana de Souza Trindade1, Rafael de Souza Dias2, Inês Aguiar de Freitas n
1
UERJ/Instituto de Geografia, [email protected]
UERJ/Programa de Pós-Graduação em Geografia, [email protected]
n
UERJ/Programa de Pós-Graduação em Geografia, [email protected]
2
Resumo- Este trabalho analisa o impacto da produção canavieira na estrutura social do Norte Fluminense,
especificamente o município de Campos dos Goytacazes. O objetivo principal é analisar a trajetória da cana
nesta região sob a perspectiva da história ambiental. Aqui, leva-se em conta que ao longo de todo o período
colonial brasileiro a produção do açúcar sofreu algumas alterações, porém, mantendo intactos três traços
característicos: o cultivo em latifúndios, a base essencialmente monocultora e o uso de força de trabalho
compulsório para o seu desenvolvimento. Conclui-se que a inserção dos engenhos à vapor, associada com
a chegada das ferrovias, trouxe o progresso ao interior do estado, impactando diretamente o cotidiano e a
estrutura social campista e fluminense. A modernização da produção, no entanto, não se deu de forma
homogênea no espaço do Norte Fluminense, concentrando suas atividades em Campos, com os demais
municípios como periféricos no sistema de produção. Desse modo, Campos dos Goytacazes se consolidou
como a cidade central na região, com o surgimento de uma aristocracia agrária poderosa devido à atividade
açucareira e que influenciava grandemente nas decisões políticas da região, ampliando a sua centralidade.
Palavras-chave: Cana-de-açúcar; Campos; Alberto Lamego; História Ambiental
Área do Conhecimento: Ciências Humanas; Geografia
Introdução
O presente trabalho, em andamento, analisa o
impacto da produção canavieira na estrutura social
na região Norte do estado do Rio de Janeiro,
especificamente o município de Campos dos
Goytacazes, alvo de estudos de Alberto Ribeiro
Lamego em sua obra O Homem e o Brejo (1945),
a qual a partir desta surgiu o interesse em
pesquisar sobre as mudanças socioeconômicas
ocorridas neste município.
O recorte temporal a ser analisado corresponde
ao período de 1800 a 1840, levando em conta que
por todo o período colonial brasileiro a produção
do açúcar modificou-se algumas vezes, mantendo,
porém, intactos seus três traços característicos:
cultivada
em
latifúndios,
essencialmente
monocultora e uso de força de trabalho
compulsório para o seu desenvolvimento. Desta
forma, surge em Campos primeiramente um
modelo de produção canavieira diferente do resto
do país, se desenvolvendo nesse município um
modelo monocultor baseado na pequena
propriedade e no uso de mão-de-obra livre, onde o
próprio dono da propriedade junto com sua família
realizava todo o processo de produção do açúcar,
desde seu plantio até seu refino.
O trabalho tem como objetivo principal analisar
o ciclo da cana-de-açúcar a partir de uma
perspectiva socioambiental. Pretende-se aqui
engendrar uma releitura da obra de Alberto
Lamego à luz das ideias da História Ambiental,
recuperando o autor como fonte para a Geografia
Histórica fluminense.
Metodologia
Partindo-se deste objetivo principal, citamos
como objetivos específicos: reunir e catalogar
manuscritos referentes à produção açucareira
fluminense no século XIX; Analisar a estrutura
socioeconômica relacionada ao plantio de cana
entre os anos de 1800 e 1920 em Campos dos
Goytacazes; Identificar os impactos econômicos,
sociais e ambientais na região causados pela
mudança na estrutura produtiva, que passou dos
engenhos movidos por tração animal aos
engenhos movidos a vapor; Compreender a
importância deste período para a história
econômica e social do Rio de Janeiro.
Nosso trabalho, dados seus objetivos e
características - um trabalho conceitual, que se
fundamenta essencialmente em uma discussão
teórico-metodológica e no estudo da obra de um
importante autor - apoia-se em uma grande
análise bibliográfica, ou seja, é essencialmente,
um trabalho de gabinete.
XVII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XIII Encontro Latino Americano de PósGraduação e III Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba
1
Resultados
A primeira etapa tratava do levantamento de
arquivos e textos publicados no século XIX. Estas
publicações foram identificadas e catalogadas de
acordo com a sua importância para os estudos
imediatos e futuros. Parte destes textos foi
encontrada em formato impresso na biblioteca do
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de
São Paulo. Por serem obras raras – algumas em
avançado processo de decomposição, que não
podem ser copiadas ou fotografadas -, foram
necessários alguns dias de trabalho de campo
para consultá-las. Outra parte dos arquivos foi
encontrada em formato digital, gentilmente
cedidos pela biblioteca municipal de Campos. São
publicações antigas, que relatam o olhar da
sociedade fluminense sobre os costumes,
comportamentos (com relação aos escravos, aos
índios, ao trabalho, etc) e também sobre a
natureza.
Dentre as obras mais importantes encontradas,
encontram-se:
- os manuais agrícolas, de café e açúcar, com
o mais antigo datando de 1840;
- um exemplar digital de A Terra Fluminense,
de 1898, de autoria de Coelho Neto e Olavo Bilac;
- A Crise Comercial no Brasil, também em
formato digital, publicado em 1864;
- Mapas estatísticos de produção de açúcar;
- A obra de Antonio Muniz de Souza, intitulada
Viagens e Observações de um Brasileiro, que
apresenta o relato deste viajante pela região de
Campos nos anos de 1827 a 1829. Trata-se de
uma obra rica em detalhes sobre as
transformações sociais e ambientais que ocorriam
naquela época na região Norte Fluminense.
Discussão
Campos dos Goytacazes é um município
localizado na região norte fluminense. Com cerca
de 472.300 habitantes distribuídos em 4.026,696
Km², possui o 19º maior PIB do país e ocupa o 55º
lugar no índice de desenvolvimento humano no
estado do Rio de Janeiro1.
No entanto, ao longo de sua história, o
município sofreu profundas alterações no que se
refere à configuração territorial, social, econômica
e ambiental. Uma demonstração destas mudanças
pode ser observada nos mapas a seguir, que
apresentam dois momentos distintos:
Fig.1. Mapa indicando a configuração espacial do
município de Campos em 1840 (autora: Luana
Trindade)
Fig. 2. Atual configuração espacial do município de
Campos (Fonte: IBGE)
Como é
possível
observar,
a
área
correspondente ao município de Campos em
meados do século XIX praticamente corresponde
ao que seriam as regiões norte e noroeste
fluminense nos dias atuais. Esta região apresentase como foco principal desta pesquisa por
apresentar uma urbanização antiga, desenvolvida
partir do século XVII, devido principalmente ao
cultivo e ao refinamento da cana de açúcar, e
sendo uma região de grande importância
geográfica, pelo contato com Minas Gerais,
Espírito Santo e a metrópole, Rio de Janeiro.
1
Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística em 2012.
Lamego (1940) aborda em seus estudos que o
primeiro engenho de açúcar na região norte
XVII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XIII Encontro Latino Americano de PósGraduação e III Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba
2
fluminense somente surgiria no século XVII, com a
fundação do engenho de São Salvador, em 1650.
No entanto, sabe-se que a cultura da cana-deaçúcar apenas vingaria no século seguinte,
quando se dá o início da cultura da cana-deaçúcar na planície goitacá, sobrepujando a criação
de gado, empurrada para o interior da região e
“sertões” de São João da Barra (PARANHOS,
2006).
O particular modelo de cultivo de açúcar,
presente em Campos, ao longo do tempo sofreu
alguns impactos que serão refletidos na sua
estrutura social, principalmente depois da inserção
dos engenhos a vapor.
Na primeira metade do século XVII, o princípio
de sua ocupação se deu com um objetivo
específico, atribuindo para esse espaço a função
de instalar currais para suprir os senhores dos
engenhos da Guanabara com gado bovino para
transporte e moagem de cana. Porém, foi em
meados do século XVIII que se iniciou a
implantação da cana-de-açúcar, o que reforçaria
não apenas uma atividade econômica, mas traria
também um elemento que desempenharia papel
fundamental na organização socioeconômica na
região. Durante o século XIX, para a
modernização da produção foi inserido o uso do
engenho a vapor, que culminou na criação das
usinas no final do século, contribuindo para o
progresso da atividade canavieira (RODRIGUES,
1988).
O Norte fluminense mostra-se como ponto
principal desta pesquisa por apresentar uma
urbanização antiga, com seu desenvolvimento
feito, a partir do século XVII, devido principalmente
ao cultivo e ao refinamento da cana de açúcar, e
sendo uma região de grande importância
geográfica, estando em contato com Minas Gerais,
Espírito Santo e a metrópole, Rio de Janeiro.
Na primeira metade do século XVII, o princípio
de sua ocupação se deu com um objetivo
específico, atribuindo para esse espaço a função
de instalar currais para suprir os senhores dos
engenhos da Guanabara com gado bovino para
transporte e moagem de cana. Porém, foi em
meados do século XVIII que se iniciou a
implantação da cana-de-açúcar, o que viria a
iniciar não apenas uma atividade econômica, mas
também um elemento que desempenharia papel
fundamental na organização socioeconômica na
região. Durante o século XIX, para a
modernização da produção foi inserido o uso do
engenho a vapor, que culminou na criação das
usinas no final do século, contribuindo para o
progresso da atividade canavieira.
Essa característica particular do modelo de
cultivo de açúcar presente em Campos, ao longo
do tempo sofre alguns impactos que serão
refletidos na sua estrutura social, principalmente
depois da inserção dos engenhos à vapor.
Conclusão
A modernização da produção não se deu de
forma homogênea dentro do território norte
fluminense,
concentrando
suas
atividades
principalmente no município de Campos dos
Goytacazes, com os demais municípios como
periféricos no sistema de produção. Desse modo,
Campos dos Goytacazes se consolidou como a
cidade central na região, com o surgimento de
uma aristocracia agrária poderosa devido à
atividade
açucareira
e
que
influenciava
grandemente nas decisões políticas da região,
ampliando a centralidade de Campos. Com a
inauguração da ferrovia Campos-Macaé e a
construção de rodovias, Campos pôde expandir a
indústria açucareira e a cultura do café. Em 1974,
foi descoberto amplo lençol petrolífero na
plataforma continental da Bacia de Campos, o que
contribui significativamente, com pagamento de
royalties em sua receita municipal, modificando
sua base econômica e por consequência social
A pesquisa ainda em andamento, cujos
primeiros resultados ora apresentamos, tem sua
origem e raízes na obra de Lamego. Nossa
intenção está voltada para destacar, cada vez
mais, a riqueza da obra de um autor pouco lido /
estudado nos últimos tempos de nossa geografia e
que nos tem sido revelada a cada análise que dela
realizamos. Uma riqueza que nos tem permitido
trazer respostas bastante interessantes para
questões da geografia, do ponto de vista teóricometodológico, e que permitem, por sua vez, uma
prática mais e mais voltada para a complexidade
da vida contemporânea.
Assim é que, num trabalho de pesquisa de
caráter bastante acadêmico, que propomos que
seja engendrada uma leitura da obra completa de
Alberto Lamego, autor clássico da geografia
brasileira, desta vez, sob o interesse de um
importante tema da Geografia, especialmente
nestes últimos tempos: a Geografia Histórica.
Referências
- LAMEGO, A. R. O Homem e o Brejo. Rio de
Janeiro: IBGE, 1940.
- PARANHOS, P. São João da Barra, apogeu e
crise do porto do açúcar do norte fluminense.
Teresópolis: Revista da Cidade Gráfica e Editora
Ltda, 2000.
XVII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XIII Encontro Latino Americano de PósGraduação e III Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba
3
- RODRIGUES, H. S. Campos: Na taba dos
Goytacazes. Niterói: Imprensa Oficial, 1988.
XVII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XIII Encontro Latino Americano de PósGraduação e III Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba
4
Download

Geografia O HOMEM, O BREJO E A CANA UMA ANÁLISE