Outubro 2011
ARTIGO
Revista Adusp
Resistências, omissões
e vazios. Por que
“passou” a nova
carreira docente?
Adrián Pablo Fanjul
Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
e um dos representantes doutores na Congregação
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O Conselho Universitário (Co) da USP aprovou, na reunião de 5 de julho
de 2011, a regulamentação consolidada dos mecanismos de avaliação para
progressão horizontal na carreira docente, arrematando assim a reforma
implantada, na gestão Suely Vilela, pela resolução 5.529. A Reitoria
impôs a nova carreira por meio de manobras em votações “fatiadas” no
Co, sempre tumultuadas, e apesar de fortes manifestações desfavoráveis
oriundas de uma expressiva parcela da categoria. O autor deste artigo
procura oferecer explicações para a omissão de grande parte dos docentes,
que optaram pela “aceitação silenciosa e até dissimulada” da reforma
P
oucas semanas depois
de que o Co aprovara, na tumultuada sessão de março de 2009,
a resolução 5.529, que
estabeleceu os níveis
horizontais na carreira dos professores, começou a ser percebida uma
resistência em setores do corpo docente. Os motivos que levavam a
rejeitar essa resolução e suas conseqüências eram diversos e não necessariamente os mesmos para cada
grupo de colegas: o próprio estabelecimento de níveis horizontais,
o vazio que a resolução deixava a
respeito de como seria realizada a
avaliação para progressão, ou simplesmente o modo antidemocrático
e precipitado como ela tinha sido
aprovada, fator que foi decisivo para a oposição, inclusive, de alguns
colegas que não recusavam a progressão horizontal por si mesma.
Uma das expressões mais claras
dessa resistência foi um abaixo-assinado que solicitava a anulação da
resolução 5.529, petição embasada
na defesa da avaliação pública e
qualitativa, independente das instâncias centrais da Universidade,
bem como de procedimentos demo-
cráticos para uma discussão ampla
da carreira. Como um dos vários
colegas que assumimos, naquele
tempo, a tarefa de fazer circular esse abaixo-assinado pelas diferentes
unidades da USP, creio oportuno
refletir, tendo transcorrido algum
tempo, não apenas sobre a resistência, mas também sobre a silenciosa
não resistência que se evidenciou,
ao longo deste processo, em amplíssimos setores da USP.
Começo por lembrar que o abaixo-assinado se iniciou na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH), e que a partir
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de seus docentes chegou a outras
Pelos motivos que muitas vezes reforma da carreira? O primeiro
unidades. Atingiu um total de 615 têm explicado na imprensa colegas que deve ser constatado é que não
assinaturas, mas na FFLCH foram como Vladimir Safatle, do Depar- houve qualquer movimento nem
271, em torno de 55% do corpo do- tamento de Filosofia, desconfio dos manifestação de apoio. Durante
cente. A maioria numérica absoluta rankings universitários, mas é bom maio e junho de 2009, a infordessa unidade, uma das maiores que os que gostam deles saibam mação sobre a resolução 5.529 e
da USP, não apenas foi contrária, que em uma recente difusão da o abaixo-assinado que pedia sua
mas assinou publicamente contra “Top Universities”, nove cursos da anulação chegou a todas as unia decisão do Co. Por serem diver- USP aparecem entre os melhores dades. Se a reforma da carreira
sas, como já descrevemos, as razões do mundo. Deles, seis são da FFL- tivesse angariado a identificação
da não aceitação, confluíram nessa CH. Dois dos outros três (Física e de setores do corpo docente, o
ação setores que poucas vezes coin- Geociências) também correspon- crescimento e a sonoridade das
cidem na faculdade.
dem a centros onde houve bastante manifestações contrárias teriam
O que diferenciou a FFLCH rejeição às mudanças na carreira, dado lugar a réplicas, que não
de outras unidades em relação à
existiram. Como encarregado de
percepção da nova carreira? O
enviar o abaixo-assinado aos enDesconfio
fato de ela ter sido amplamendereços eletrônicos que vários
te discutida, não apenas na
colegas levantavam, um por
dos rankings
Congregação e nos departaum, nos sites das unidades,
universitários,
mas
é
bom
mentos, mas em um fórum
posso afirmar que, dos miinicialmente criado a tal
lhares que receberam o
que os que gostam deles saibam
efeito, e no qual houve
texto, muitos certamente
que
6
dos
melhores
cursos
do
mundo
participação e expressão
não assinaram, mas houde muitíssimos docentes
ve apenas duas respossão da FFLCH. Portanto, os motivos
que até aquele momento
tas com um comentário
da resistência à reforma da carreira
quase não se conheciam,
negativo, quantidade que
no dia-a-dia de uma uniteria sido bem maior se o
não residem em um suposto
dade que tem a dimensão
conjunto dos docentes, ou
receio a sermos avaliados
de várias universidades fedequanto menos alguns setores,
rais. Contra o que alguns podevissem a mudança de carreira
riam pensar, a partir dos mitos
como algo que os favorece.
que circulam na Universidade em
Apesar da propaganda perversa
relação aos docentes e pesquisarealizada por alguns dirigentes da
dores das ciências humanas, nada embora não na proporção dessa fa- Universidade, de que a reforma da
temos para temer nós, docentes culdade. Em conseqüência, os mo- carreira com níveis horizontais dida FFLCH, no que diz respeito a tivos da resistência não podem ser ferenciaria os docentes “bons” e vaavaliações, nem sequer no escopo procurados em um suposto receio liosos daqueles “acomodados” que
das econometrias das quais costu- a sermos avaliados, lembrando que, não quereriam produzir, ou dos que
mam gostar os que espalham pré- além do mais, constantemente nos- não teriam o medível talento dos
conceito sobre o modo artesanal so trabalho está sob avaliação.
“brilhantes”, vemos que nem sede produção de conhecimento. A
E o que podemos conjecturar quer o narcisismo que, em diferenFFLCH é a unidade que maior em torno da não oposição, do vi- tes medidas, atravessa nossa relação
quantidade de cursos de pós-gra- sível fato de que a maioria dos imaginária com a academia, parece
duação com notas 6 e 7 da Capes docentes da USP não acompa- ter ganhado voz. Não há uma cruconcentra na USP.
nhou a movimentação contrária à zada, nem também manifestações
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que reivindiquem uma avaliação assim “diferenciada”. Essa idéia pode
até fazer parte das que inspiraram
a reforma, mas parece longe de ser
uma convicção que desperte paixões ou quanto menos disposições
ativas nos docentes. Lembremos
que a votação no sistema Marte,
em 2010, por um modo ou outro
de avaliação, dava-se considerando
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a reforma como aprovada, e não
incluía qualquer possibilidade de
opinar a respeito dela.
Por onde passa, então, a aceitação silenciosa e até dissimulada?
Com o inevitável risco de errar,
mas a partir do que pude observar na inestimável experiência que
significaram estes dois anos, apontarei dois fatores que com certeza
coadunam-se com outros, que diversos colegas poderão visualizar
melhor do que eu.
Por uma parte, creio que a expectativa econômica tem um grande peso. Nem os mentores da reforma se enganam a respeito. Já no
tempo em que começaram a propôla no Co, em 2008, o discurso da
“excelência” foi sempre acompa-
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nhado por modulações de alicia- salarial. Mas acaso de contradições como a notícia do mês que desce
mento cuja expressão mais clara foi não somos feitos?
de um espaço estranho de decisões,
um “9% já!” que chegou a ouvir-se
Todos esses perfis têm algo em tem as mesmas raízes que a apatia
em certos âmbitos. E a partir da comum, e creio que ali está o se- que observamos, no cotidiano, em
atual gestão, já em 2010, medidas gundo fator que aparece como ne- relação já não digamos à construde populismo aristocrático, como o cessário para entender a passagem ção do coletivo, mas à participaaumento salarial diferenciado pa- silenciosa desta reforma do Esta- ção nos colegiados estatutários e na
ra docentes e a extensão do vale- tuto (sim, para esta carreira foi re- gestão institucional.
alimentação, têm feito com que formado nada menos que o EstaRetomando a lembrança das incresçam as expectativas de que a tuto da USP!) em relação aos seus tensas discussões na FFLCH sobre
melhora na retribuição ao traba- principais interessados. Nem aque- a carreira, é importante destacar
lho docente “desça” de um poder le que tem na Universidade apenas que nelas também intervinham cocentral que “nos reconhece” e “nos uma parte de sua vida profissional e legas favoráveis à existência de prodiferencia” de outros “menos imgressão horizontal. Mas esses coportantes” para a Universidade.
legas também fundamentavam sua
É claro que essas esperanças
postura em uma visão geral da UniNem
encontram base prévia em algo
versidade e em determinada comaquele que tem na
que tem ficado evidente, em
preensão de sua função que,
relação a este e a outros epise não compartilhamos pleUniversidade apenas uma
sódios dos últimos anos na
namente, sem dúvida recoparte da vida profissional e de sua
USP: a carência de qualnhecemos como resultado
quer percepção de coletida preocupação de quem
renda, nem quem a vê como mais uma
vo pelos docentes. Vários
sente que a coisa pública
agência
de
fomento
para
seu
trabalho
aspectos contribuem para
lhe diz respeito.
esse quase vazio. Há um
Para sintetizar, a falta
mononuclear, têm condições de pensar
importante setor de prode percepção da Universia
Universidade,
de
interrogar
fessores que não trabalha
dade como um espaço púapenas para a Universidade,
blico que requer sua atuação
seus possíveis papéis na
e nem mesmo principalmente
inclusive em itens não quantifisociedade
para ela. Há também os que precáveis, e que tem necessariamente
viamente a ingressar foram somenum papel e impacto na sociedade
te bolsistas, sem qualquer vínculo
favoreceram uma nova omissão do
empregatício no mercado nem no
corpo (será que esse termo ainda é
espaço público, e vêem sua atual si- de sua renda, nem quem a vê como viável?) docente, neste caso, em retuação como a de uma continuida- mais uma agência de fomento para lação a um assunto que o tem como
de na qual, agora, poderiam ganhar seu trabalho mononuclear têm con- objeto e poderia tê-lo como protauma “bolsa” adicional, por sinal, dições nem necessidade de pensar gonista. Não é casual que, pelo meuma bolsa mais fácil do que as ou- a Universidade, de envolver-se na nos nos últimos cinco anos, tenha
tras. E há os que simplesmente, por compreensão de seu funcionamen- sido sempre de outros setores da
insondáveis determinações ideoló- to, de questionar o sentido das de- comunidade, não docentes e estugicas, não suportam ver-se como as- cisões que nela se tomam, muito dantes, que surgiram as evidências
salariados e obliteram imaginaria- menos de interrogar seus possíveis de inquietação cidadã no que diz
mente esse aspecto de seu vínculo papéis na sociedade. A tímida ex- respeito à democracia na Univerà Universidade. Paradoxalmente, a pectativa de pequeno ganho em re- sidade, à sua autonomia e ao seu
expectativa na nova carreira, é, sim, lação a esta reforma, sua percepção caráter público.
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