APLICAÇÃO DE UMA DESCARGA DE CATODO OCO PLANO PARA PROCESSOS DE MATERIAIS DIELÉTRICOS Caio Marques Fontenele, Martha Priscilla Moraes, Homero S. Maciel, G. Petraconi Filho Instituto Tecnológico de Aeronáutica – Divisão de Ensino Fundamental RESUMO Atualmente muitas pesquisas vêm sendo realizadas no campo da física de plasmas frios, tanto na parte de conhecimentos básicos como na que se refere às aplicações. Neste trabalho propusemos verificar experimentalmente o comportamento de uma descarga de catodo oco plano a baixa pressão de gases reativos como oxigênio e de argônio sob o efeito de um campo magnético externo gerado por uma bobina de Helmholtz. O intuito foi verificar o efeito dos parâmetros de controle do processo como pressão, fluxo de gases, campo magnético e distância entre os eletrodos sobre os parâmetros de plasma formado entre dois eletrodos planos polarizados como catodo. Estes parâmetros foram otimizados para gerar a máxima densidade de plasma e energia média dos portadores de carga com o objetivo de influenciar satisfatoriamente a formação de camadas de materiais dielétricos (TiO2, TiO) na superfície dos eletrodos planos confeccionados em titânio. Os resultados desta pesquisa serviram para gerar um banco de dados dos parâmetros do processo neste reator com o objetivo de subsidiar pesquisas teóricas e experimentais mais avançadas desenvolvidas pelo grupo de plasma do ITA. ABSTRACT There are a lot of studies in theorical Physical cold plasmas and applications. In this work, we will verify experimentally the hollow plain cathode discharge behavior in low pressure of reactive gases as oxygen and argon and with effect of a extern magnectical field generated by a Helmholtz bobbin. The goal was verify the effect of the parameters process control, as pressure, gas flow, magnectical field and electrode distance, on the plasma parameters. This plasmas were formed between two electrodes working like cathode. This parameters were optimized to generate the maximum plasma density and average energy of the load carriers to influence the formation of layer of dielectric materials (TiO2, TiO) in the surface of the titanium’s plain electrodes. The results will be used to make a process parameters data bank in this reactor and these results will be useful to others studies of the ITA Plasma Team. 1. INTRODUÇÃO Caracterizamos uma descarga de catodo de acordo com o esquema mostrado na figura 1. Os catodos são placas de titânio de espessura de 0,5 mm. O anodo, por onde entra o gás (oxigênio, argônio), é um anodo oco cilíndrico de titânio posicionado a aproximadamente 5 cm das placas do catodo. Dada essa configuração, fixamos os valores de tensão de descarga (Vd) e pressão do gás (Pd) e variamos a distância (a) entre os catodos, de forma a se estudar a relação da corrente da descarga (Id) em função do produto pressão x distância entre os catodos (P a). Para cada valor desse produto determinamos os parâmetros de plasma (temperatura de elétrons, potencial de plasma e flutuante, comprimento de debye) inferidos de características de sondas simples e dupla de Langmuir. O objetivo desta primeira etapa foi determinar as condições de operação da descarga para fornecer máxima densidade de plasma e uniformidade da região de plasma formada entre as placas catódicas. Anodo (anel) O2 + - A Vd - a Catodo plano R V0 - + Figura 1. Diagrama do circuito elétrico para a descarga elétrica de catodo oco plano Nestas condições, e já na segunda etapa do projeto, foram processados e caracterizados filmes de óxido de titânio depositado sobre as placas do catodo. Os filmes foram caracterizados quanto a sua aderência, dureza, composição e natureza dielétrica em função da janela de processos utilizada (pressão do gás, fluxo, potência da descarga, temperatura do catodo e tempo de tratamento). 2. APARATO EXPERIMENTAL O aparato experimental da descarga de catodo oco plano está ilustrado na figura 2. A descarga apresenta uma região luminosa se estendendo do anodo (potencial da Terra) até o catodo plano feito de alumínio ou titânio coberto de Teflon. O anodo oco é feito de titânio coberto por um tubo de cerâmica. A câmara de vácuo de vidro foi primeiramente evacuada para uma pressão abaixo de 10-2 Pa. A descarga de catodo oco plano foi operada com argônio, nitrogênio e oxigênio para pressões entre (11 – 43) Pa. O gás flui através do anodo oco e é ionizado no processo antes dele atingir a câmara de vácuo. A voltagem catodo-anodo auto-sustentada (durante a operação) foi entre 450-900 V com uma corrente de descarga entre 10-800 mA. Utilizamos também um campo magnético, produzido por uma bobina de Helmholtz, é mantido uniforme entre as distâncias inter-catódicas e aplicado ao longo do eixo do tubo da descarga. O plasma gerado entre os catodos é caracterizado pela presença de impurezas, íons metálicos e íons gasosos, devido ao intenso íon sputtering do catodo. Uma quantidade relativamente alta de átomos do material do catodo no plasma é explicado pela alta energia cinética (1-10 eV) [7] dos átomos do sputtering e, conseqüentemente, baixa probabilidade de suas ionizações no volume do plasma. Esse efeito promove a contaminação das paredes da câmara e da sonda eletrostática. O efeito combinado do bombardeamento dos íons pela polarização da sonda com o potencial do catodo aumentado pela aplicação do campo magnético permite controlar a intensidade da incandescência da sonda para limpá-la. gas 5 4 4 2 1 3 (1000 V, 1A) 1 kΩ Y X (15V, 20 A) vacuum Figura 2. Aparato experimental da discarga de catodo oco plano. 1. Catodos. 2. Anodo oco cilíndrico. 3. Sonda eletrostática. 4. Bobina de Helmholtz. 5. Câmara de vácuo (Pyrex). Para o reator utilizado para o processo de deposição de oxido de titânio em placas de titânio, o princípio de geração da descarga é semelhante ao do reator utilizado para os estudos básicos sobre os efeitos de catodo oco. Neste caso, as bases do catodo, são discos de titânio móveis e podem ser aproximados para facilitar a busca pela distância ideal de operação, em função da pressão do gás, da potência da descarga e dos gases utilizados. Em um destes discos é adaptado o suporte do catodo, que permite, não somente movê-lo como também injetar os gases mais reativos como o Hidrogênio e Oxigênio diretamente na cavidade catódica. É utilizado um forno para avaliar o efeito da temperatura sobre o processo de ativação. Este forno permite a utilização de até cinco rampas de aquecimento com velocidade de no máximo 30 oC por minuto, podendo atingir temperaturas de até 1000 oC. 3. RESULTADOS Os resultados que mostram o efeito da pressão e da potência da descarga sobre a característica da descarga de catodo oco utilizando-se catodos de titânio são apresentados na figura 3: 35 135 470 V 570 V 670 V 770 V 870 V 25 20 105 Catodo: Titânio Argônio P=11 Pa B=0 15 10 470 V 570 V 670 V 770 V 870 V 120 Corrente de Descarga Id (mA) Corrente de Descarga Id (mA) 30 5 90 75 Catodo: Titânio Argônio P=40 Pa B=0 60 45 30 15 0 0 0,1 0,2 0,3 0,4 P.d (Pa.m) 0,5 0,6 0,7 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 P.d (Pa.m) Figura 3. Variação da corrente de descarga (Id) para diferentes valores de voltagem em função do produto da pressão pela distância intercatódica (P.d) para pressão de argônio de 11 Pa e 40 Pa, respectivamente, B=0 T. Mantendo-se a potência constante e reduzindo-se a distância intercatódica verifica-se um aumento acentuado da corrente. Porém é necessário que o produto P.d seja suficientemente grande para garantir que a descarga opere no regime de catodo oco. O aumento da pressão do gás provoca o aumento do número de colisões, intensificando os efeitos de catodo oco. Se a pressão for muita baixa é necessário aumentar a distância intercatódica. Por outro lado, se a distância entre os eletrodos for muito pequena é necessário aumentar a pressão. Esses efeitos estão associados com o conceito de caminho livre médio dos elétrons. Em baixas pressões, quando o caminho livre médio tem ordem de grandeza igual ou maior à distância intercatódica, os elétrons oscilam livremente entre os eletrodos, reduzindo abruptamente a corrente da descarga, como pode ser observado em todas as curvas da figura 2. Assim, existe um valor mínimo do produto Pd abaixo do qual extingue-se o regime de catodo oco de operação da descarga. Independentemente dos valores dos outros parâmetros do processo o aumento da voltagem sempre ocasiona um aumento na corrente, mas sua influência é mais acentuada para distâncias intercatódicas pequenas. O efeito do aumento da tensão da descarga ocasiona um aumento significativo da corrente da descarga deslocando o valor de pico da corrente para valores menores da distância intercatódica. Assim a tensão da descarga torna os efeitos de catodo oco mais pronunciados. Uma importante conseqüência do aumento da densidade de plasma é seu efeito sobre o comprimento de Debye que é uma espessura característica da bainha de plasma. Quanto maior a densidade de plasma menor é o comprimento de Debye e conseqüentemente menor a espessura da bainha de plasma, incluindo a bainha do catodo (região entre o plasma e catodo). Este efeito permite que a bainha catódica sustente campos elétricos maiores. Este campo elétrico realiza trabalho sobre os portadores de carga fornecendo energias mais elevadas. Estes processos, simultâneos, reforçam os efeitos de emissão secundária de elétrons (devido ao impacto de íons no catodo) e de pulverização de átomos do catodo (“sputtering”), contribuindo ainda mais para o aumento da densidade de plasma. Como a diminuição da espessura da bainha com o aumento da densidade, para a mesma distância intercatódica, o volume de plasma aumenta permitindo operar a descarga no regime de máxima densidade de corrente para distâncias ainda menores entre os catodos. Conseqüentemente, ocorre um aumento do volume de plasma entre os catodos tornando-o mais uniforme. O efeito do campo magnético sobre a característica da descarga de catodo oco pode ser observada a partir da figura 4. 1200 B=0 B=9 mT (3 A) B=18 mT(6A) B=27 mT(9A) Catodo: Titânio Argônio P=11 Pa (0,08 torr) Vd=770 V Corrente de Descarga Id (mA) 1000 800 600 400 200 0 0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 P.d (Pa.m) Figura 4. Variação da corrente de descarga (Id) para diferentes valores de campo magnético em função do produto da pressão pela distância intercatódica (P.d) para pressão do argônio 11 Pa, usando catodo plano de titânio. (Vd=770V) Uma vez que a pressão do gás é mantida fixa, o valor de pico da corrente, e conseqüentemente, de máxima densidade de plasma, ocorre para distância entre os eletrodos cada vez menores à medida que aumentamos o campo magnético e com significante aumento de magnitude da corrente. Assim, com o aumento do campo magnético é possível operar a descarga em seu regime ótimo empregando distâncias menores entre os catodos, o que permite obter uma maior densidade de corrente da descarga e densidade de plasma. A aplicação de um campo magnético ao longo do eixo, juntamente com campo elétrico, faz com que a trajetória dos elétrons aumente (descreverão trajetórias helicoidais) e a difusão de elétrons pela lateral diminua, reduzindo a perda de elétrons e mantendo a descarga com maior eficiência. O campo magnético intensifica os efeitos de catodo oco e seu efeito é equivalente ao aumento da pressão do gás. Esse aumento equivalente de pressão representa o fato dos elétrons poderem fazer mais colisões com o gás do que eles poderiam fazer na ausência de campo magnético. Então, quando se reduz gradualmente a distância intercatódica com pressão e potência constantes, o campo magnético provoca o crescimento da corrente da descarga e da densidade de plasma devido a intensificação dos processos colisionais de geração de portadores de carga. Para estes valores do produto Pd foi determinado, a partir das características de sondas simples e duplas de Langmuir, a curva da densidade de elétrons no plasma. B=0 -3 B= 9.0 x 10 T -2 B=2.7 x 10 T 1,2 16 -3 Densidade dos Elétrons, ne - ( 10 m ) 1,4 Nitrogênio Vd = 670 V P = 11 Pa 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0,4 0,5 0,6 0,7 P.d (Pa.m) 0,8 0,9 1,0 Figura 5. Efeito da distância intercatódica e do campo magnético na densidade dos elétrons. Foram realizadas a conformação dos eletrodos de titânio na forma retangular, e levantada a composição química elementar dos materiais depositados. Foi realizado o processo de formação de camadas de óxido de titânio nas condições ótimas de operação da descarga, ou seja máxima densidade e uniformidade de plasma, bem como a determinação da composição destas camadas. Foram realizadas a conformação dos eletrodos de titânio na forma retangular, e levantada a composição química elementar dos materiais depositados. Foram feitas deposição de óxido de titânio nas amostras de titânio com plasma de oxigênio à pressão de 0,5 torr variando a temperatura nos valores de 400ºC, 600ºC, 700ºC e 800ºC, durante 30 minutos de tratamento. A seguir foram realizadas análises de raio-x e podemos constatar nas figura abaixo a presença também do oxigênio na composição do filme depositado. Neste caso, as amostras foram previamente limpas pela exposição por 20 minutos em um plasma de Argônio a temperatura de 400 ºC. 400 °C 600 °C 700 Ti Ti 600 800 intensidade (u.a.) 500 intensidade (u.a.) 600 Ti 400 Ti Ti 200 TiO2 400 Ti 300 TiO2 200 Ti Ti 100 TiO2 0 TiO2 TiO2 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 ângulo de difração (°) Figura 9. Análise de raio-x feitas de amostra de titânio com deposição de óxido de titânio à temperatura de aquecimento de 400ºC 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 ângulo de difração (°) Figura 10 . Análise de raio-x feitas de amostra de titânio com deposição de óxido de titânio à temperatura de aquecimento de 600ºC 700 °C 800 700 1400 1200 intensidade (u.a.) 600 intensidade (u.a.) 800 °C TiO2 1600 TiO2 500 TiO2 Ti 400 300 200 100 TiO2 TiO2 TiO2 TiO 2 Ti Ti TiO2 1000 800 600 TiO2 400 Ti TiO2 200 TiO2 TiO2 TiO2 TiO2 0 0 -200 -100 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 ângulo de difração (°) Figura 11. Análise de raio-x feitas de amostra de titânio com deposição de óxido de titânio à temperatura de aquecimento de 700ºC 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 ângulo de difração (°) Figura 12. Análise de raio-x feitas de amostra de titânio com deposição de óxido de titânio à temperatura de aquecimento de 800ºC Podemos perceber, através das análises de raio-x, que com o aumento da temperatura de aquecimento do plasma, há uma maior deposição de dióxido de titânio (TiO2) nas amostras de titânio. Podemos observar também que não houve formação de TiO nas condições de operação da descarga. 4. CONCLUSÃO Na primeira etapa do trabalho, operamos o reator de plasma para a realização de estudos básicos sobre física de plasma e descargas elétricas, no sentido de avaliar os parâmetros do processo que influenciam no regime de operação da descarga de catodo oco plano. Estudando os efeitos dos parâmetros do processo nas características da descarga de catodo oco, concluímos que os valores de pressão, campo magnético, potência e distância intercatódica podem ser otimizados, melhorando a eficiência elétrica da descarga de catodo oco plano, ou seja, mantendo-a em regime de máxima densidade de plasma e uniformidade. Na caracterização do plasma, vimos que a técnica de sonda eletrostática (ou de Langmuir) oferece uma maneira relativamente simples de obtenção dos parâmetros de plasmas, quais sejam: a densidade dos elétrons, a temperatura de elétrons, o potencial de plasma, o potencial flutuante e o comprimento de Debye. Estes parâmetros foram avaliados para diferentes valores de potência da descarga, campo magnético e distância intercatódica. Foi realizado o processo de formação de camadas de óxido de titânio nas condições ótimas de operação da descarga, ou seja máxima densidade e uniformidade de plasma, bem como a determinação da composição destas camadas. Referências bibliográficas 1. von Engel, A.; “Ionized Gases”, 2a edição, Oxford University Press, Oxford, 1965. 2. Kolobov, V.I. and Tsendin, L. D.; Analitic model of hollow cathode effect; Plasma Sources Sci. Technology; 1996; p. 551-560 3. Roth, J.R.; “Industrial Plasma Engineering: principles”; volume 1; Institute of Physics, London; 1995. 4. Chapman, B.; “Glow Discharge Processes: sputtering and plasma etching”; John Wiley & Sons, New York, 1980. 5. Helmellmich, A.et al. Surface & Coatings Technoloy; 1998; p.1541, 98. 6. Hutchinson, I. H. Principles of Plasma Diagnostic; Cambridge: Cambridge University Press; 1984. 7. N. V. Garrilov, G. A. 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