ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental
IV - 004
DIMENSIONAMENTO DE HIDRÔMETROS E ANÁLISE DE
TRAÇO
Jorge Gomez Sanchez(1)
Engenheiro mecânico, atuou por dez anos como engenheiro de
desenvolvimento de produto e engenheiro de marketing na Schlumberger
Indústrias Ltda. Atualmente é pesquisador do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas (IPT) na área de medição de vazão de líquidos.
Endereço(1): Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo IPT - Av. Prof. Almeida Prado, 532 - Cidade Universitária - São Paulo SP - CEP: 05586-060 - Brasil - Tel: (011) 268-2211 r.756 (com.) (011) 816-0624 (resid.) - Fax: (011) 268-4110 - e-mail: [email protected].
RESUMO
O presente trabalho pretende dar uma visão crítica do problema de dimensionamento de
medidores de consumo de água (hidrômetros) através de uma análise dos métodos disponíveis,
sugerindo um procedimento melhor para dimensionamento do medidor ideal para uma
instalação. Com uma análise criteriosa do ponto de consumo pode-se ir além de apenas
consultar a controversa tabela “consumo máximo mensal” nos catálogos de fabricantes e
redimensionar posteriormente o medidor a partir da leitura mensal do mesmo (método da
“tentativa e erro”), que pode resultar em erros não só de subdimensionamento mas de
superdimensionamento que são normalmente desprezados e podem acarretar perdas
consideráveis de faturamento para as companhias distribuidoras.
Serão apresentadas também novas ferramentas análise do consumo previsto e das vazões de
pico de unidades consumidoras, através do levantamento de perfis de consumo (análise de
traço) e parametrização de consumidores-tipo, prática não disseminada no Brasil e cujos
resultados podem ser muito importantes não só no retorno econômico, mas também num maior
conhecimento sobre os consumidores finais, e por conseqüência na imagem da companhia
distribuidora.
PALAVRAS -CHAVE: Hidrômetros, Vazão, Dimensionamento, Instalações Prediais.
INTRODUÇÃO
A medição individual de consumo e cobrança por demanda é hoje considerado essencial para
um sistema de distribuição viável, não só pelas características de justiça social e possibilidade
de aplicação de políticas tarifárias restritivas de consumo, mas também como fonte importante
de informações operacionais que irão basear planos de expansão e restruturação de redes,
previsão de aumento de demanda e de manutenção preventiva. O controle de perdas, parte
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1925
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prioritária em um plano diretor de uma unidade distribuidora de água e exigência em solicitações
de recursos para financiar planos de saneamento e distribuição de água, se baseia no
cruzamento das informações de consumo com as de produção de água.
Para obtermos uma informação confiável da micromedição, é importante que o instrumento
utilizado para obter a informação, o hidrômetro, opere dentro das condições para que foi
construído, ou seja, que o mesmo esteja corretamente dimensionado.
Normalmente a preocupação dos responsáveis pela operação da micromedição está no
superdimensionamento do medidor, devido ao custo maior do medidor e da instalação e pela
tendência ao subfaturamento de vazões mais baixas, principalmente em instalações com caixas
d’água. Isso levou inclusive ao desenvolvimento de medidores de vazões nominais menores
como o monojato de 0,75m3/h , proposto pela SABESP na década de 80 e hoje generalizado
em muitas instalações no país.
O subdimensionamento do medidor, no entanto, é igualmente prejudicial, pois um medidor
sujeito freqüentemente a vazões acima daquela para qual foi projetado para suportar, termina
por sofrer danos e desgastes prematuros, podendo provocar um subfaturamento quiçá maior
que aquele que se queria evitar ao instalar um medidor menor. O advento de medidores cada
vez com melhor sensibilidade em baixas vazões permite hoje que esse problema seja encarado
de outra forma, não sendo mais necessário se sacrificar a vida útil do medidor escolhendo um
medidor de vazão nominal muito pequena apenas pelo temor do subfaturamento.
O dimensionamento correto de um hidrômetro para uma instalação baseia-se então em duas
informações principais: a característica e limitações do instrumento e a demanda de de água do
consumidor. A influência de outros fatores como pressão da linha, temperatura e condições de
instalação embora também importantes na seleção do tipo do medidor influenciam em menor
grau o dimensionamento do mesmo.
O HIDRÔMETRO CARACTERÍSTICAS DE OPERAÇÃO E LIMITAÇÕES
No Brasil a absoluta maioria das instalações micromedidas é provida de medidores tipo turbina
vertical, os conhecidos hidrômetros taquimétricos, especificados pela norma NBR 8193(1), e
previsto pela legislação metrológica em vigor(2).
O hidrômetro taquimétrico, tanto o tipo monojato quanto o multijato, é um instrumento
relativamente simples e bem conhecido, pois tem sido usado a mais de cem anos sem
modificações substanciais em seu princípio de funcionamento. Por possuir peças móveis, esse
instrumento tem limitações na vazão máxima, acima da qual a rotação excessiva da turbina pode
gerar danos, bem como a vazão mínima, abaixo da qual os atritos internos passam a afetar
sensivelmente o movimento do mecanismo.
Novas tecnologias de medição estática (sem a presença de peças móveis no escoamento e
virtualmente imunes a deterioração por subdimensionamento) já são extensivamente usadas
principalmente em tubulações de maior diâmetro, no entanto, até que essas tecnologias se
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1926
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tornem realidade prática, o dimensionamento de um sistema de medição em unidades
consumidoras deverá se basear nas características e limitações dos hidrômetros tradicionais.
Apesar de relacionar-se a leitura do hidrômetro com volume, ele é um instrumento que funciona
de modo contínuo com o tempo, ou seja, mede vazão, totalizando o volume através de um
sistema que integra o valor instantâneo de vazão detectado pela rotação da turbina com o
tempo e o apresenta na forma de um indicador em volume totalizado. O hidrômetro deve então
ser dimensionado pela vazão que passa por ele e não pelo volume totalizado, ou, em outras
palavras, o hidrômetro está corretamente dimensionado se a vazão a qual ele está sujeito não
supera a vazão máxima especificada (ou, por longos períodos a vazão nominal) independente
da quantidade totalizada de volume no período.
Além da vazão máxima de trabalho, é necessário conhecer a vazão mínima na qual prevê-se
que o sistema irá operar e que o medidor deverá registrar corretamente. Isto irá caracterizar a
classe de precisão (A, B ou C).
Outro fator que também deve se levar em conta é a perda de carga do medidor. Pelas normas e
regulamentações em vigor, o medidor não deve ultrapassar 0,1 MPa (cerca de 10 metros de
coluna de água) de perda de carga quando operando na vazão máxima, e, considerando-se
ainda que a perda de carga aumenta proporcionalmente ao quadrado da vazão, esse fator pode
levar à necessidade de instalação de medidores de diâmetros maiores, principalmente m locais
com pouca pressão disponível na rede.
AVALIAÇÃO DA VAZÃO DE
DEMANDA)
TRABALHO
(DIMENSIONAMENTO POR
A vazão de operação de um sistema de abastecimento de água pode ser estimada utilizando-se
os procedimentos tradicionais de dimensionamento de instalações prediais de água fria, como
os citados na norma NBR5626(3) e em livros e manuais usados por projetistas prediais(4).
Desconsiderando métodos empíricos baseados na experiência ou “bom senso”, a maior parte
dos métodos de dimensionamento de instalações prediais baseiam-se em procedimentos
estatísticos aplicados em paralelo com verificações experimentais que tipificam o consumidor e
o uso dos diversos aparelhos sanitários instalados na unidade consumidora medida.
A grande diferença entre dimensionar a linha de alimentação de uma instalação predial e
escolher um hidrômetro, está na escolha do fator de simultaneidade, pois ao contrário de
instalações prediais onde as vazões devem ser estimadas com folgas, no dimensionamento de
hidrômetros devemos procurar evitar que o instrumento trabalhe em vazões superiores à
máxima para que foi projetado.
Existem vários meios de se estimar a vazão de um sistema predial. Os métodos mais conhecidos
são o de Hunter, mais usado por americanos, e o método ABNT ou dos quadrados, citado na
NBR 5626 1.
1
A Norma NBR 5626 de instalações prediais de água fria está em revisão no presente momento,
sendo que o método e os coeficientes de simultaneidade estão sendo questionados podendo vir a
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Ambos os métodos podem ser adaptados ao dimensionamento de medidores por demanda,
adequando os coeficientes de simultaneidade a realidade da cultura de uso de água e às
características dos medidores disponíveis
Na tabela 1 apresentamos uma tabela aproximada de vazão de trabalho para alguns aparelhos
comuns em residências e comércio, retirada de catálogos de diversos fabricantes, tendo como
referência uma pressão disponível na entrada de 25 metros de coluna d’água (cerca de 35 psi).
Essa tabela servirá de base para exemplificarmos o dimensionamento de medidores utilizandose os dois métodos citados.
Tabela 1 : vazão máxima estimada para aparelhos de uso residencial / comercial e
pesos relativos aplicados a dimensionamento de hidrômetros.
APARELHOS UTILIZADOS
Bóia de caixa d’água
W.C. com caixa de descarga
W.C. com válvula de descarga
Torneira de jardim
Torneira comum
Bebedouro
Pias de cozinha
Pias de despejo
Máquinas de lavar
Tanque de lavar roupas
Lavatórios
Bidês
Banheira
Chuveiros
Mictórios com descarga
Mictórios com torneira
VAZÃO MÁXIMA DE
TRABALHO
(L / s)
(L / h)
0,27
970
0,15
540
1,90
6850
0,30
1080
0,15
540
0,10
360
0,25
900
0,35
1260
0,30
1080
0,30
1080
0,20
720
0,10
360
0,30
1080
0,20
720
0,50
1800
0,15
540
PESO
RELATIVO
ABNT
0,8
0,3
32
1,0
0,15
0,1
0,7
1,5
1,0
1,0
0,4
0,1
1,0
0,4
2,8
0,3
PESO
RELATIVO
AWWA
6
3
35
7
2
1
4
7
12
7
2
1
8
4
12
2
Método ABNT ou dos Quadrados
O método proposto, baseado no descrito na NBR5626 e revisado por Rocha (5) e Sanchez
(6), propõe dimensionar instalações prediais através de “pesos relativos” para cada aparelho,
conforme indicado na tabela 1. A estimativa da vazão de projeto, que seria equivalente à vazão
nominal do hidrômetro, se dá pela fórmula (I)
Q = 0,3 ? ? P
Onde,
Q = vazão estimada na seção considerada, em L/s;
?P = soma dos pesos relativos de todas as peças de utilização alimentadas pela tubulação considerada
0,3 = coeficiente de simultaneidade estimado, sobre o qual os “pesos realvos”são estimados
mudar na nova versão da Norma. O presente trabalho está baseado no método exposto na NBR
5672 versão de 1982.
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1928
(I)
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Por exemplo, para uma casa com uma caixa d’água, uma torneira de jardim e um tanque
alimentados diretamente pela rua e todos os outros equipamentos ligados à caixa d’água :
Q = 0,3 ? (0,8+1+1)= 0,50 L/s = 1800 L/h
E, para uma casa similar sem caixa d’água, com mais duas torneiras comuns, duas caixas de
descarga e uma máquina de lavar, tem-se:
Q = 0,3 ? (1+1+0,4+0,7+0,3+0,3+1)= 0,65 L/s = 2340 L/h
Em ambos os casos, um medidor de vazão máxima 3 m3/h seria adequado. Como o coeficiente
0,3 foi escolhido tendo em vista dimensionamento de tubulações, é razoável se admitir um
coeficiente um pouco maior para o caso de dimensionamento de medidores. Utilizando-se um
coeficiente 0,4, tem-se uma vazão máxima de operação estimada de 2400 L/h para o exemplo
de residência com caixa d’água e 3120 L/h para a residência hipotética sem caixa d’água e
neste caso, o medidor ideal seria um de vazão máxima 5 m3/h.
Deste exemplo, pode-se inferir porque os medidores de 3 m3/h são tão populares no Brasil,
onde a maioria das residências tem caixa d’água, enquanto que nos Estados Unidos, cujas
instalações não generalizaram o uso de reservatórios individuais, o medidor mais usado
apresenta uma vazão nominal de cerca de 4,5 m3/h.
Apesar de ser um método adequado para instalações residenciais de poucos pontos de
consumo, o método apresentado pode também se usado para dimensionar medidores em
instalações coletivas (prédios e conjuntos residenciais) e comerciais simples, tendo sempre o
cuidado de avaliar o coeficiente de simultaneidade utilizado, pois muitas vezes podem ocorrer
concentrações de demanda alta em algumas horas do dia, o que falseia os resultados do
método. Nestes casos, bem como para instalações industriais recomenda-se dimensionar o
medidor pela vazão máxima total estimada (soma dos diversos aparelhos de consumo) ou pelo
menos elevar-se consideravelmente o coeficiente.
As tabelas apresentadas são estimadas para pressão da linha de 25 metros de coluna d’água.
Caso a pressão de alimentação for maior, deve -se multiplicar um fator de correção (tabela 2)
em função da pressão estimada na linha.
Método AWWA
O método proposto pela AWWA em seu manual M 22(7), é um desenvolvimento do método
de Hunter aplicado a dimensionamento de hidrômetros. A exemplo do método ABNT, baseiase também em atribuir “pesos relativos” aos diversos aparelhos instalados em um consumidor,
sendo que, em vez de somar seus quadrados, os pesos devem ser somados e aplicados em
gráficos específicos para o tipo do consumidor analisado.
Como forma de simplificação, apresenta-se na figura 1 gráficos resumidos para consumidores
coletivos (condomínios/comerciais) e residenciais individuais (casas). Essa diferenciação permite
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1929
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uma aproximação melhor para casos onde o número de aparelhos consumidores são mais
intensivamente utilizados. Gráficos mais completos podem ser encontrados no próprio manual
M22 da AWWA e na bibliografia citada no mesmo.
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Figura 1: Demanda de pico prevista em função do peso relativo dos aparelhos instalados.
Vazão de pico prevista (m3/h)
30
25
20
Residencial
15
Comercial
10
5
0
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
peso relativo acumulado
Aplicando o método aos exemplos anteriores, para uma casa apenas com caixa d’água, torneira
de jardim e tanque alimentados diretamente pela rede, tem-se :
Aparelhos instalados
1 tanque
1 torneira de jardim
1 caixa d’água
Peso relativo (tabela 1)
7
7
6
20
Consultando o gráfico da figura 1, curva residencial, obtem-se uma vazão de pico de cerca de 2
m3/h, adequada a um medidor de vazão máxima 3 m3/h.
No caso do segundo exemplo (casa sem caixa d’água), teríamos:
Aparelhos instalados
1 tanque
1 torneira de jardim
2 torneiras comuns
2 caixas de descarga
1 máquina de lavar
peso relativo acumulado
Peso relativo (tabela 1)
7
7
4
6
12
36
Da curva da figura 1 para instalações residenciais, obtem-se uma vazão de pico levemente
superior a 2,5 m3/h, ou seja o medidor de 3 m3/h estaria dimensionado no limite, sendo mais
adequado aplicar um medidor de vazão máxima 5m3/h.
Apesar dos dois métodos não diferirem muito, pode-se observar que o método ABNT é mais
adequado para vazões mais baixas e uso com menos unidades instaladas, situação mais próxima
de instalações residenciais no Brasil, enquanto o método AWWA é mais adequado para
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1931
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instalações mais extensivas, como condomínios, escolas, shopping centers e residências maiores
sem reservatórios.
Correção pela Pressão
Como citado anteriormente, a correção pela pressão de entrada é importante, uma vez que
tanto o método ABNT, quanto o AWWA tem suas tabelas baseadas em uma pressão de rede
de 25 mca. A tabela 2 fornece fatores de correção para a vazão que devem ser multiplicados à
demanda prevista obtida, segundo proposto pela AWWA:
Tabela 2 - Fator multiplicativo de ajuste da demanda prevista em função da pressão da
rede.
Pressão da rede
(mca)
15
25
30
40
50
70
Fator de ajuste da pressão
0,75
1,0
1,1
1,3
1,45
1,75
Por exemplo, se no exemplo da casa com caixa d’água, dimensionada pelo método ABNT, a
pressão da rede na entrada da instalação fosse de 50 mca, deveríamos aplicar o fator 1,45 à
vazão obtida de 1800 l/h, obtendo-se 2600 l/h, ou seja, nesse caso o medidor de 3 m3/h estaria
no limite de dimensionamento para a instalação.
Algumas observações interessantes podem ser extraídas do dimensionamento por demanda
proposto, entre os quais destacam-se os seguintes :
?
O medidor de vazão nominal 0,75 m3/h deve ser evitado, uma vez que sua vazão máxima
pode ser facilmente superada com o simples uso da torneira de jardim em conjunto com a
caixa d’água;
?
A válvula de descarga, se não instalada sob caixa d’água, obriga a instalação de linhas e
medidores muito grandes (vazão máxima de 20m3/h, ou maiores);
?
O medidor mais adequado para apartamentos de porte médio seria um Qmax 5 m3/h, uma
vez que os mesmos não possuem caixa d’água individual e as pressões de trabalho são
muitas vezes elevadas;
?
Instalações em locais de pressões elevadas tendem a exigir mais dos hidrômetros, em locais
com pressões de trabalho acima de 40 mca, utilizam-se, via de regra, uma bitola acima do
hidrômetro que seria dimensionado para pressão base de 25 mca.
?
Um fator que pode levar ao erro e deve ser levado em conta no dimensionamento por
demanda são os aparelhos de consumo especial ligados diretamente à rede, como sistemas
de irrigação de jardins e abastecimento de piscinas. Nesses casos, deve-se tomar o cuidado
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adicional para que a vazão individual do equipamento não ultrapasse a vazão máxima do
medidor dimensionado.
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DIMENSIONAMENTO POR CONSUMO ESTIMADO
Por este método, o dimensionamento do medidor é estimado em função do consumo mensal ou
diário do consumidor. Apesar deste método não ser tão direto quanto o dimensionamento por
demanda (vazão) ele é muito utilizado por ser muito mais fácil se obter dados de consumo
(obtidos a partir da própria leitura periódica dos hidrômetros) do que informações confiáveis a
respeito das instalações internas de um cons umidor. É um método também recomendado por
alguns fabricantes de hidrômetros, na medida que permite avaliar pela leitura acumulada e
tempo de uso, se o medidor esteve sujeito a vazões maiores que as recomendadas.
Para aplicarmos o método, utilizamos as tabelas 3 e 4, a primeira obtida da NBR 5626/82 e a
segunda de catálogos de fabricantes de hidrômetros(8).
Tabela 3 - Consumo estimado de instalações em função da população.
Consumo estimado de instalações (litros/dia)
Residências
150 per capita
Casa populares ou rurais
120 per capita
Apartamentos
200 per capita
Alojamentos provisórios
80 per capita
Restaurantes e similares
25 por refeição
Hotéis (sem cozinha e lavanderia)
120 por hóspede
Escolas - Externatos
50 per capita
Cinemas e teatros
2 por lugar
Ambulatórios
25 per capita
Escritórios
50 per capita
Lavanderias
50 por Kg de roupa seca
Templos
2 por lugar
Orfanatos, asilos, berçários
150 per capita
Mercados
5 por m2 de área
Edifícios comerciais
50 per capita
Postos de serviços para automóveis
150 por veículo
Hospitais
150 por leito
Fabricas em geral (apenas consumo pessoal)
70 por operário
Tabela 4 - Tamanho do medidor em função do consumo estimado.
consumo
estimado
Hidrômetro adequado
(m3/mês)
(m3/dia)
(Qmax - m3/h)
0 - 90
0- 3
1,5
0 - 180
0-6
3,0
120 - 250
4- 8
5,0
210 - 350
6 - 12
7,0
300 - 540
9 - 18
10,0
430 - 900
14 - 30
20,0
750 - 1500
25 - 50
30,0
1200 - 4500)
40 - 120
30,0 - Woltmann2” 3
1800 - 7500
90 - 250
50,0 - Woltmann 2 ½”.
4500 - 13000
180 - 500
80,0 - Woltmann 3”
Foram considerados hidrômetros classe “B”, exceto o medidor 1,5 m3/h que é classe “A”.
Foi considerado consumo 0 para início de faixa dos medidores de 3 e 1,5 m3/h porque ambos tem
a mesma vazão mínima.
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1934
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A aplicação do método é simples, estima-se o consumo usando a tabela 3, indo-se em seguida
à tabela 4 para se eleger o medidor ideal. Tabelas mais completas e referidas a outros
parâmetros foram também apresentadas por Sanchez (9).
Por exemplo, para uma residência com 5 moradores: Consumo estimado 5 X 150 = 750
litros/dia, conclui-se da tabela 4 que pode-se usar um medidor de 1,5 ou 3 m3/h de vazão
máxima.
Para um edifício de 16 apartamentos, com 5 moradores por apartamento: 5 X 16 X 200 = 16
m3/dia, conclui-se da tabela 4 que pode-se utilizar um medidor de 10 m3/h ou 20 m3/h, ficando
a decisão final sobre o medidor a ser escolhido dependente da avaliação de outros parâmetros,
ou simplesmente da experiência do engenheiro responsável.
Embora possa ser um bom método para estimar reservatórios e servir de parâmetro para
prever vazamentos e fraudes potenciais, o dimensionamento por consumo pode gerar erros
grosseiros. Por exemplo, bastaria a residência cujo medidor foi dimensionado a pouco não
possuir caixa d’água, ou mesmo apenas o consumidor utilizar uma torneira de jardim, havendo
uma pressão de linha superior a 40mca, para que o medidor de 1,5m3/h de vazão máxima
originalmente dimensionado não seja adequado.
Para situações comerciais ou industrial o problema é ainda mais crítico: dependendo do
equipamento instalado e da intermitência de uso, pode ser impossível dimensionar o medidor
apenas pelo consumo.
Apesar disso, sendo os dados de consumo um dos parâmetros que se tem melhor controle em
um sistema de distribuição, seria muito conveniente que se pudesse relacionar esse consumo
com a vazão de operação e outras características do consumidor. Estudos demográficos
observam que a parametrização do consumo (relacionar o consumo com outros parâmetros
como vazão, área, população) é fortemente influenciada pela cultura da região e pelo
desenvolvimento de tecnologias novas que alteram hábitos e consumos. Um dos métodos mais
eficientes de se fazer isto é através da “análise de traço”.
LEVANTANDO O PERFIL DO CONSUMIDOR: ANÁLISE DE TRAÇO
Denomina-se “traço de vazão” a expressão gráfica, na forma de um traço contínuo, do
comportamento da vazão de entrada de um consumidor por períodos característicos de tempo
(horas, dias ou semanas) e épocas do ano. A análise desse “traço” e o cruzamento do mesmo
com outros parâmetros nos fornece informações importantes que podem basear um critério
particular de dimensionamento de medidores e linhas de abastecimento, mais adequados à
realidade do local.
O manual M22 da AWWA, apesar de ser algo antigo, nos mostra diversos perfis de consumo
de diversos “consumidores-tipo” como hospitais, hotéis, etc para regiões típicas dos EUA,
demonstrando haver grandes variações de vazões de operação do sistema difíceis de prever
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sem uma análise experimental, como , por exemplo devido a sistemas automáticos de irrigação
de jardins, variações climáticas, piscinas, etc.
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Os levantamentos apresentados no manual AWWA M22 são ainda rústicos e difíceis, na
medida que propõe a plotagem gráfica direta dos consumos em registradores rotativos de pena,
ligados a medidores tipo placa de orifício e transdutores de pressão. Hoje a existência de
coletores de dados automáticos, com memória para meses e possibilid ade de registrar pressão
em paralelo, extraindo o sinal diretamente do hidrômetro, são uma realidade acessível.
Levantamento de perfis para situações típicas americanas, com o uso desses coletores portáteis
(ou “data loggers”) foram apresentados por DeOreo (10).
Figura 2: Traço de vazão típico para aparelhos de banheiro.
Vazão
(L/h)
traço para
consumidor s/
reservatório
traço para
consumidor c/
reservatório
vazão de pico
1200
~2 min
900
área = volume
consumido
700L/h
600
~10L
volume consumido
~15 L
~45L
300
caixa de
descarga
6:00
6:05
pia do banheiro
(lav. de dentes)
banho
6:10
6:15
6:20
6:25
6:30
horário (h)
A figura 1 apresenta um exemplo de traço de vazão típico, coletado em um período onde
podem ser observados o comportamento devido ao uso de aparelhos sanitários em uma
residência hipotética, com e sem caixa d’água. Pode ser claramente observado o hábito do
consumidor : há um período onde foi acionada a caixa de descarga do WC, seguido por um
período em que caracteriza o usos de uma ducha por um período aproximado de 12 minutos,
seguido de um período em que se utiliza a pia, hipoteticamente para lavar os dentes. O período
todo levou cerca de meia hora, consumindo um total estimado de água de 70 L. Note que no
exemplo há um pico de vazão acima de 1200 L/h e que a pia trabalhou com vazão de pico de
cerca de 700 L/h.
Com a plotagem de um período maior (o período diário ou semanal caracterizaria melhor os
hábitos de uso) poderia ser determinado o consumo mensal estimado e as vazões de pico que
ocorreram. Fazendo o mesmo levantamento em consumidores similares que possam ser
caracterizados por outros parâmetros (área da residência, número de usuários, consumo de
energia, por exemplo) pode-se obter uma tabela paramétrica similar a tabela 3 e 4, que seriam
utilizadas para dimensionar os medidores para esses “consumidores-tipo”.
No caso do Brasil há uma característica específica do uso generalizado de reservatórios. Se a
residência com um banheiro do exemplo estivesse ligada a uma caixa d’água, o consumo de 70
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litros se espalharia ao longo dos trinta minutos, aparecendo no gráfico como uma linha menos
acentuada e com pico máximo de vazão da ordem da vazão máxima da bóia da caixa, na
pressão disponível (linha vermelha na figura 1). A área inferior a linha (o volume consumido)
seria igual, mas as vazões de pico seriam menores. Nesses casos na análise do traço seria mais
difícil identificar o uso de aparelhos sanitários, sendo identificáveis, porém os momentos em que
se utiliza água diretamente alimentada pela rede, em uma lavagem de carros, por exemplo.
Um trabalho mais completo de levantamento de perfil de consumo referente à região
metropolitana de São Paulo foi apresentado por Montenegro (11) no 13o Congresso Brasileiro
de Engenharia Sanitária em 1985. Naquela época o sistema de coleta e registro teve de ser
desenvolvido internamente no IPT(12) tendo de ser utilizados medidores volumétricos
americanos, mas os resultados já se mostravam importantes embora limitados a poucos pontos
consumidores e não se aprofundasse na parametrização dos resultados.
A análise de traço de vazão tem ainda uma utilidade muito grande em levantamento e
parametrização de consumidores comerciais e industriais, que como visto são muito difíceis de
avaliar pelos métodos de dimensionamento tradicionais, pois os parâmetros de relação são
questionáveis e mudam mais rapidamente com o desenvolvimento de novas tecnologias e
aparelhos que consomem água.
Atualmente o IPT está em fase final de negociação com a SABESP para execução de um plano
extensivo de levantamento de perfil de consumo em consumidores-tipo principalmente
comerciais e industriais, com o objetivo de levantar parâmetros que possam ser utilizados em
sistemas informatizados não só no dimensionamento de instalações e ampliações de redes, mas
também como forma de tentar caracterizar o consumo de cada tipo de consumidor e assim ter
mais ferramentas para gerenciamento de vazamentos e fraudes.
CONCLUSÕES
Do presente trabalho pode-se concluir que o dimensionamento de medidores é um fator
importante na qualidade da micromedição e que atualmente ainda é freqüentemente abordado
de modo muito empírico. O dimensionamento ideal de um hidrômetro deveria ser feito a partir
da avaliação da vazão de projeto da instalação, mas os métodos disponíveis ainda são limitados
pois se baseiam em métodos utilizados para dimensionamento de tubulações e linhas de
abastecimento, não levando em conta as características de desgaste e operação dos medidores
hoje disponíveis.
O dimensionamento por consumo, por outro lado, é ainda muito utilizado principalmente para
redimensionamento de pontos de consumo, pela praticidade e disponibilidade de informações
de consumo, mas pode acarretar erros grosseiros pois evita caracterizar as instalações do
consumidor que podem variar consideravelmente para um mesmo consumo.
19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental
1938
ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental
IV - 004
Um trabalho mais sistemático de levantamento de campo de perfis de consumo nas diversas
regiões e áreas metropolitanas do Brasil, poderia gerar uma base de dados nacional que permita
gerar procedimentos baseados em parâmetros mais consistentes, não só para dimensionamento
de medidores e linhas, mas também como forma de diagnóstico e apoio operacional. A relativa
limitação técnica existente há alguns anos hoje praticamente está superada com a
disponibilidade de coletores de dados cada vez mais acessíveis e completos, recomendando-se
que as companhias distribuidoras destinem uma parte de seus recursos mantendo programas
contínuos de avaliação de seus consumidores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGR ÁFICAS
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taquimétricos para água fria - Especificação, NBR 8193, 1992 (em revisão)
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INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA E QUALIDADE INDUSTRIAL,
Hidrômetros taquimétricos para água fria, Portaria n0 29 de 1994
3.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Instalações prediais de
água fria, NBR 5626, 1982 (em revisão)
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AZEVEDO NETTO, J. M. Manual de hidráulica, 6aed. 1973
5.
ROCHA, A. L. Métodos para estimativa de vazões em instalações prediais : uma
revisão critica, 13OCONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA,
Maceió, 1985
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SANCHEZ, J.G., CARVALHO, S.M. Hidrômetros: a importância do correto
dimensionamento II - Dimensionando hidrômetros por demanda. Saneamento e
municípios, n 54, p 2, mar/abr 96
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Meters, M22 Manual, 1975
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9.
SANCHEZ, J.G., CARVALHO,S.M. Hidrômetros: a importância do correto
dimensionamento III - Dimensionando hidrômetros por consumo. Saneamento e
municípios, n 56, p 2, mai/jun 96
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DeOREO,W.B., HEANEY,J.P., MAYER, P.W. Flow trace analysis to acess water
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11.
MONTENEGRO,H.F.M., DANTON, N. Algumas características do consumo
domiciliar na cidade de São Paulo, 13OCONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA
SANITÁRIA, Maceió, 1985
12.
MONTENEGRO,H.F.M, Instrumntação de hidrômetros para medição de vazão em
ligações residenciais, 9O CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA
SANITÁRIA, Fortaleza, 1981
19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental
1939
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dimensionamento de hidrômetros e análise