O FUTURO DA EDUCAÇÃO
EM PORTUGAL
TEMA 3
Jorge Gaspar
Natércio Afonso
Teresa Alves
Lisboa 2000
Sumário
1. AS PESSOAS
1.1. Evolução e repartição territorial da população residente em Portugal
5
1.2. Movimentos demográficos
6
1.3. Mudanças sociais e económicas
8
2. O ESPAÇO
11
2.1. Dinâmicas globais e regionais do espaço português
11
2.2. As grandes linhas da ocupação e organização do território
11
2.3. A Urbanização
13
3. O AMBIENTE
2
5
17
3.1. Os valores ecológicos
17
3.2. O ambiente escolar
19
4. EDUCAÇÃO E TERRITÓRIO
21
4.1. A sociedade educativa
21
4.2. A cidade da aprendizagem
23
4.3. O urbanismo escolar
24
4.4. Os transportes e a escola
24
4.5. Para um novo urbanismo
25
1.
AS PESSOAS
1.1. Evolução e repartição territorial da população residente em
Portugal
A população residente em Portugal em 1995 ultrapassava, segundo as estimativas do INE, os
9,9 milhões de habitantes. Nas últimas três décadas e meia terá crescido cerca de 1 milhão de
pessoas. Para 2025, as projecções do INE apontam para 10,4 milhões. As perspectivas da
DGOTDU para o Continente são menos optimistas: 9,3 milhões em 2011.
No que respeita à repartição territorial, consolidou-se ao longo dos últimos decénios a
tendência de concentração da população na faixa litoral. De 1960 a 1991, o conjunto das
NUTE III com dinâmicas positivas aumentaram cerca de 1,8 milhões de habitantes e passaram
a concentrar 71,6% da população. Este processo de litoralização foi, numa primeira fase, o
resultado da capacidade de atrair o êxodo rural, para mais recentemente se processar,
sobretudo, em função da vitalidade dos saldos naturais.
Em termos regionais, salienta-se o reforço do peso das áreas metropolitanas, que mantêm a
sua capacidade de atrair população proveniente de outras áreas do país, nomeadamente do
Interior Norte e Centro e do Alentejo, e passam a fixar também população vinda de África. A
região do Algarve, após o declínio dos anos 60, transformou-se também numa das áreas com
maior dinâmica populacional, graças ao desenvolvimento do turismo e do sector imobiliário.
Os anos 70,
70 que foram uma década de crescimento demográfico, caracterizaram-se ainda por
um processo de reorganização interna das regiões que se manifestou no crescimento
populacional dos aglomerados urbanos situados fora das áreas metropolitanas. No espaço de
pouco mais de um ano, entraram no país cerca de meio milhão de pessoas provenientes das
ex-colónias, parte das quais se foi fixar nos principais centros urbanos das áreas de
naturalidade. Esta população iria desempenhar um papel fundamental na dinamização da
economia e das sociedades locais, contribuindo de forma decisiva para o rejuvenescimento das
estruturas etárias, repondo uma certa vitalidade demográfica. Por outro lado, o declínio da
agricultura como actividade principal e/ou como fonte de rendimento, incentivou a migração
das áreas rurais para as vilas e cidades. Em consequência disto, a população do conjunto das
cidades médias, definidas pelo PROSIURB, cresceu quase 23% entre 1970 e 1981.
Nos anos 80,
80 a população residente estagnou; o retorno dos emigrantes não assumiu grande
dinâmica e o saldo migratório, de -3,3%, só muito ligeiramente foi superado pelo saldo natural,
de +3,6%. A emigração ganhou de novo relevância, mas foi assumindo contornos diferentes
dos do passado. Para além da multiplicação dos destinos e da diversificação dos perfis dos
emigrantes, cresceu a componente das migrações temporárias.
A tendência para a concentração no litoral manteve-se, mas a dinâmica das áreas
metropolitanas deveu-se já, sobretudo, ao saldo fisiológico. Por outro lado, a imagem atractiva
3
das áreas metropolitanas como áreas de grande potencial de emprego foi-se esbatendo. Em
apenas uma década, a cidade de Lisboa perdeu quase 18% da população e o Porto mais de
7%. A ausência de uma política de ordenamento do território levou a um crescimento do tipo
extensivo nas áreas metropolitanas, gerando processos de suburbanização residencial, ao
mesmo tempo que se acentuaram as carências.
Em contrapartida, e num contexto geral de estagnação da população, a capacidade atractiva
das cidades de média dimensão intensificou-se. Assim, durante a década de 80, estas cidades
cresceram 9,3%. A revitalização económica, a desconcentração administrativa e a expansão
dos serviços sociais, a par com o desenvolvimento dos equipamentos colectivos e a melhoria
das acessibilidades, foram determinantes para a requalificação destas cidades, conferindo-lhes
novas capacidades e potencialidades. Contudo, apesar de todo o dinamismo, as cidades
médias só concentravam 15% da população do país em 1991, contra mais de 37% nas áreas
metropolitanas.
Segundo os dados mais recentes do INE, os últimos anos foram marcados por uma certa
recuperação do saldo fisiológico, pois à estabilização das taxas de mortalidade decorrente do
aumento da longevidade, tem correspondido uma ligeira melhoria das taxas de natalidade. A
entrada na idade adulta do pequeno "baby-boom" que se seguiu a 1973 e das crianças que
regressaram de África nesse período, a par com a chegada de novos imigrantes, agora cada
vez mais acompanhados pelas famílias, contribuíram para o aumento do número de
nascimentos e para uma muito ligeira recuperação dos níveis da natalidade. Assim, e de
acordo com as estimativas do INE, entre 1991 e 1995, a população residente em Portugal
deverá ter crescido 0,7%.
1.2. Movimentos demográficos
A evolução da população mostra tendências - declínio da natalidade (1960- 24,1%0; 199511,1%0), estagnação da mortalidade (1960 - 10,7%0;1995-10,8%0), envelhecimento - que
têm vindo a acentuar-se nas últimas décadas, particularmente nas áreas mais rurais do interior
do país.
O índice de dependência juvenil tende a diminuir, o que significa um número cada vez mais
reduzido de jovens.
jovens Em 1995, por cada 100 indivíduos em idade activa (15-64 anos) já só
existiam 26 com menos de 15 anos. Esta relação assume os valores mais baixos, reflectindo
carência de jovens, nas Regiões de Lisboa e Vale do Tejo (23,0) e do Alentejo (23,8).
Ao mesmo tempo, o índice de envelhecimento assume valores cada vez mais
mais elevados.
elevados
No país, em 1995, por cada 100 jovens existiam já 83 idosos. Regionalmente, a situação
revela-se especialmente grave no Alentejo (137,3), no Algarve (110,3) e no Centro (107), onde
o número de idosos já superou o de jovens.
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A análise da evolução dos estratos etários reflecte, portanto, um fenómeno de duplo
envelhecimento, na base e no topo da pirâmide.
As projecções da população residente, realizadas pelo INE, contemplam um crescimento de
445 mil habitantes de 1995 a 2025, mas admitem também uma queda muito apreciável dos
grupos etários mais jovens neste período. Com ritmos variáveis de quinquénio para quinquénio,
a população com idades inferiores a 15 anos deverá diminuir, segundo as projecções, 129 mil
indivíduos. O grupo mais afectado pela recessão será, porém, o dos 15 aos 24 anos, com
perdas na ordem dos 400 mil indivíduos.
Comparativamente às perspectivas demográficas elaboradas na DGOTDU1, as projecções do
INE são mesmo assim expansionistas. Segundo aquele estudo e na hipótese mais optimista, a
população do Continente seria de 9,3 milhões em 2011, o que significa, em relação a 1991,
um declínio de -1,1%. A verificar-se este cenário, os grupos de população mais jovem seriam os
mais afectados pelo decréscimo, com taxas de -10% para o escalão inferior a 10 anos e de 31% para o de 10 a 19 anos, valores que corresponderiam, em conjunto, a uma quebra de
600 mil indivíduos.
O comportamento dos grupos etários da população potencialmente em "idade escolar" é
variável. Assim, em relação à população dos 5 aos 14 anos, prevê-se que em 2010, após um
ligeiro retrocesso, voltemos a ter uma população potencial semelhante à de 1995. Depois, de
2010 e até 2025, a tendência será para a regressão. Em termos de repartição regional não
ocorrerão grandes alterações, apenas um ligeiro reforço da importância de Lisboa e Vale do
Tejo, Algarve e Regiões Autónomas. Nos níveis de ensino associados a estes grupos etários, os
impactos mais significativos relacionar-se-ão com alguma flutuação dos quantitativos, num
contexto de diminuição relativa mais forte nas áreas de maior regressão populacional.
Em relação aos grupos etários dos 15-19 e 20-24 anos, a evolução será diferente. Assim, até
2010 haverá uma forte compressão dos efectivos, mas a partir daí o número tenderá a
aumentar. Nos níveis de ensino relativos a estes escalões etários e, apesar de nalguns casos já
se observar retrocesso, o número de alunos deverá continuar a subir, pois a cobertura da
população está ainda longe de ser completa.
Comparando os valores máximos e mínimos do potencial de população em idade escolar,
verifica-se que apesar da tendência para a diminuição, apenas nos escalões correspondentes
ao ensino obrigatório (5-9 e 10-14 anos) os quantitativos tenderão a estar abaixo do número
de alunos matriculados em 1993-94.
1
João Cardoso Lemos (1996), Atlas Demográfico. Caracterização e Perspectivas NUTE II e III. DGOTDU, Lisboa.
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1.3. Mudanças sociais e económicas
A crescente urbanização da população acarreta mudanças de atitude e valores, entre as quais
a assunção da escola como instrumento de progresso individual e colectivo. Os níveis de
escolaridade para o mesmo grupo etário são mais elevados nas áreas urbanas do que nas
rurais. Aliás, possibilitar aos filhos a continuação dos estudos foi uma das razões que levou
muitas pessoas a migrarem para os principais aglomerados. Assim, a pressão da procura sobre
os níveis de ensino mais elevados é um processo inerente às transformações decorrentes da
urbanização da população e tende a crescer com esta.
Dentro das mudanças sociais com impactos sobre o sistema de ensino, assume particular
destaque a alteração na estrutura
estrutura e na organização das famílias.
famílias As famílias tendem a ser
de menor dimensão e com menor o número de mulheres exclusivamente domésticas tende
também a diminuir. O número médio de pessoas por agregado familiar passou de 3,8 para
3,1, em 30 anos, representando hoje as famílias de grande dimensão menos de 7% do total. A
taxa de feminização da força de trabalho, por seu turno, cresceu nos últimos anos em todas as
regiões, de modo que, em 1997, 45% do emprego era já ocupado por mulheres. Conclui-se
assim da conjugação destas tendências que a procura do sistema educativo, nomeadamente no
que se refere aos grupos etários mais jovens, pode apresentar ainda algum potencial de
crescimento que compense ou atenue a tendência para a diminuição dos efectivos, isto não só
porque é cada vez menor o número de famílias pluri-geracionais, onde os mais velhos se
podem encarregar das crianças, mas também porque a entrada das mulheres no mercado de
trabalho se intensificou, obrigando a colocar, desde muito cedo, as crianças na escola. Dada a
escassez de equipamentos de educação pré-escolar, e não obstante o recuo dos grupos etários
destes níveis de ensino, será assim necessário reforçar a rede de oferta para responder a estas
novas procuras.
Outra das mudanças sociais mais evidentes dos últimos anos e que tenderá a reforçar-se é o
crescimento e a diversificação das minorias étnicas e culturais.
culturais O número de estrangeiros
com residência oficial em Portugal já ultrapassou os 200 mil. O sistema de ensino desempenha
um papel fundamental na superação dos problemas de exclusão/marginalização destes
grupos.
As minorias étnicas têm-se concentrado preferencialmente na Área Metropolitana de Lisboa,
mas estas são questões que a prazo se colocaram também com alguma acuidade noutras
regiões. A realização de obras como a barragem de Alqueva e o metropolitano de superfície no
Porto poderá significar uma mudança no padrão territorial de residência desta população.
Quanto à reestruturação produtiva,
produtiva sublinhe-se a crescente expressão das funções terciárias
e as suas consequências na procura de mão-de-obra qualificada. A qualificação deixou de ser
um problema do início de carreira, para se colocar ao longo de toda a vida activa, e até
mesmo após o seu termo. A emergência de novos saberes e a necessidade de um ajustamento
dinâmico e flexível entre a oferta e a procura de força de trabalho sugerem um sistema
educativo que tem de estar presente ao longo de toda a vida.
6
O actual sistema de requalificação da força de trabalho serve, sobretudo, os que já se
encontram devidamente enquadrados por sistemas de emprego e exclui, em grande parte, a
crescente massa de desempregados. A escola surge como uma das vias com capacidades mais
amplas - tem meios humanos e infra-estruturas em sub-utilização - para fazer face à
necessidade de reconversão das qualificações através da melhoria do nível médio de
instrução,
instrução ou por um ensino mais profissionalizante.
7
2.
O ESPAÇO
2.1. Dinâmicas globais e regionais do espaço português
A integração de Portugal nas Comunidades Europeias, em 1986, constituiu a principal
determinante da reestruturação do espaço português. Estas transformações na esfera
geopolítica e geoeconómica têm vindo a provocar profundas alterações na ocupação e
organização do território, com reflexos nos valores e comportamentos da população.
Consequentemente, transformaram-se as paisagens e modificaram-se as referências e as
identidades territoriais.
A União Europeia, através do seu processo de regionalização como resposta à globalização,
tem contribuído para a aproximação aos territórios e às populações. Ao objectivo da coesão
política e territorial junta-se cada vez mais o da coesão económica e social.
Portugal tem participado activamente nestes movimentos e diferentes análises evidenciam o
aprofundamento da integração do País na União Europeia.
Internamente e na sequência daqueles processos, as diferentes parcelas do País também se
aproximaram, em grande medida como consequência da melhoria das acessibilidades,
mormente nos domínios das rodovias e das telecomunicações.
Por outro lado, de uma maneira geral, constata-se que também se tem verificado uma melhoria
no acesso ao bem-estar e à qualidade de vida, em todos os segmentos regionais e subregionais
do País. As disparidades regionais, medidas através dos índices mais consensuais, têm vindo a
diminuir em Portugal, desde a entrada para as comunidades europeias.
Uma das consequências imediatas da integração na União Europeia foi a aproximação de
Espanha, que se manifesta nas mais diversas formas. No que respeita à organização do
território podemos dizer que essa aproximação alargou a litoralidade no território nacional (no
contexto da Península Ibérica, Portugal é uma faixa litoral), ao mesmo tempo que promoveu a
continentalização, não só pelo grande incremento das relações com o interior da Península
Ibérica, como também pelo privilégio dado aos transportes terrestres nas ligações com os
outros países da União Europeia.
Entretanto, a abolição da fronteira política entre os dois países ibéricos não trouxe significativas
transformações para as faixas fronteiriças, tendo os seus efeitos mais sensíveis nos sistemas
urbanos e nas áreas densamente ocupadas.
2.2. As grandes linhas da ocupação e organização do território
As duas tendências mais marcantes são a litoralização, do povoamento e da economia, e a
urbanização. Esta manifesta-se em todo o território, originando maior concentração relativa
8
(pequenos e médios centros urbanos) no interior, e a emergência, no litoral, de vários sistemas
urbanos locais caracterizados pela articulação de um certo número de pequenos e médios
centros urbanos com uma urbanização difusa, periurbana ou intersticial.
Alguns destes sistemas ultrapassam os 200.000 habitantes, considerando a população
residente num raio de 10 Kms em torno das cidades que os integram. Existem por outro lado
indícios de que a bipolarização do sistema urbano português pela áreas metropolitanas de
Lisboa e do Porto se poderá estar a esbater.
No interior2 configuram-se também já eixos e sistemas urbanos rurais que se aproximam do
limiar dos 100.000 habitantes, configurando “bacias de vida” com uma dimensão urbana que
já permite uma interacção importante, tanto no plano português, como ibérico. Por outro lado,
estas novas realidades urbanas têm efeito motor sobre as áreas rurais envolventes, que em
qualquer dos casos já evidenciam sinais de recuperação.
Em oposição a esta situação, alargam-se os vazios - humanos e ocupacionais - onde a gestão
do território é cada vez mais difícil, inclusive no que concerne à minimização dos riscos, dos
incêndios florestais às inundações e desabamentos.
Podem desenhar-se aqui dois cenários plausíveis, o que equivale a dizer que estamos num
momento em que ambas as escolhas são possíveis:
Cenário 1 –
Configuração de uma Região Metropolitana - Atlântica caracterizada pelo
policentrismo, mantendo-se Lisboa e Porto como as principais polarizações e
portas de abertura ao exterior. Esta faixa urbanizada, sendo bem apoiada em
sistemas rodoviários e ferroviários, tem tendência a prolongar-se para Norte do
Cávado, até ao Minho, articulando-se com o eixo Vigo - Santiago - La Coruña.
Idêntica configuração, embora de dimensões muito menores, está em
desenvolvimento no Algarve, sendo fundamental a sua articulação tanto com
Espanha (Huelva, Sevilha), como com o Alentejo e Lisboa.
Neste cenário dar-se-ia uma crescente articulação e integração do interior,
apoiadas na rede de centros urbanos de pequena e média dimensão.
Um tal modelo territorial implica a crescente interpenetração do espaço
português nos espaços Peninsular e Europeu.
Cenário 2 –
2
Bipolarização crescente da fachada Atlântica e inserções autónomas nos
espaços Peninsular e Europeu.
Este termo é muito relativo, pois como já vimos não faria muito sentido se o estivéssemos a aplicar ao conjunto da
Península Ibérica. Note-se que alguns dos centros ou eixos urbanos do interior estão hoje a mais ou menos 1 hora do
litoral: Vila Real, Régua, Lamego, Viseu, Tomar, Torre Novas, Abrantes, Évora, Beja, etc.
9
Segmentação e deriva do interior Peninsular e de espaços subregionais com polarizações
insuficientes e frágeis: Trás-os-Montes, Beira Interior, Alentejo Interior, Algarve.
2.3. A Urbanização
2.3.1. Conceito
A urbanização constitui um processo complexo que envolve vertentes humanas, sociais e
territoriais, traduzindo-se numa alteração do modo de vida, com a assunção de novos valores,
novos comportamentos, em que relevam novos tipos e formas de consumo, e a que vão
corresponder por seu turno novas formas de habitar. Estas corresponderam, ao longo da
multimilenária história urbana, a cidades, nas suas várias tipologias, decorrentes das
circunstâncias geográficas, históricas, culturais, sociais e económicas.
A urbanidade e o urbanismo tinham tradicionalmente a sua realização plena na cidade,
cidade
entidade autónoma, com identidade política própria, com formas bem definidas de articulação
com os territórios envolventes. Os citadinos desenvolviam actividades económicas, tipos de
consumo e partilhavam valores distintos dos rurais. Os consumos, em particular, sempre
constituíram uma face bem visível e marcadamente diferenciadora, o que, por certo, decorre da
sua característica maior: resultado de síntese. Os consumos de tempo e de espaço sempre
foram muito distintos entre rurais e urbanos.
O grande aumento das mobilidades, regionais e locais, proporcionado pelo automóvel
(sobretudo pelo automóvel individual), associado à alteração profunda na natureza do
trabalho, tanto o industrial, como o agrícola ou o dos serviços - que ganharam maior
autonomia relativamente ao tempo e ao espaço -, contribuíram para aproximar os modos de
vida das áreas urbanas e das áreas rurais. A esta transformação nos modos de vida
correspondem transformações na paisagem, começando a emergir novas formas de ocupação
do território - com evidentes afirmações de consumo predatório de espaço – que, sendo nos
seus conteúdos e formas visíveis marcadamente urbanos, não configuram cidades.
2.3.2. Novas formas de urbanização
A emigração de famílias completas do campo para a cidade tem um peso cada vez menor no
processo de urbanização em Portugal. A “fuga” não só tem uma expressão quantitativa menor,
como respeita fundamentalmente a jovens que concluíram a escolaridade. Muitas vezes o
movimento é de natureza pendular, embora com uma frequência superior à diária, semanal ou
quinzenal.
10
Assim, as cidades e áreas urbanas em geral, crescem fundamentalmente a partir do seu saldo
natural - que em geral é inferior nas áreas rurais, ao invés do que aconteceu até há três
décadas.
Temos ainda, a par deste, um tipo de urbanização que se dá sem movimentação do campo
para áreas urbanas, mas por transformação do modo de vida in situ.
situ Acontece nas áreas
rurais periurbanas, cuja expressão territorial e populacional se tem expandido bastante,
sobretudo na faixa litoral entre o Sado e o Cávado, com prolongamentos para o interior ao
longo dos principais eixos e também para o Norte, até ao Rio Minho.
Esta urbanização in situ atrai muitas vezes população das cidades próximas ou das áreas
urbanas industriais onde a qualidade de vida é pior. Tal acontece sempre que se dá uma
melhoria significativa na infraestruturação de base dessas áreas periurbanas.
A juntar a estas novas formas urbanas, há outras que são geradas nas cidades, “de dentro para
fora”, a partir das áreas consolidadas que muitas vezes entram em declínio, por abandono dos
habitantes ou das actividades económicas e, frequentemente, por abandono de ambos.
As novas formas urbanas que vão aparecendo na periferia, ou mesmo além, geralmente em
função da acessibilidade rodoviária, não constituem “cidades novas”, ou seja, espaços urbanos
integrados, mas apenas “pedaços” de urbanidade, resultado da segmentação social e funcional
da cidade.
2.3.3. Território e identificação - a crise de territorialidade
A rapidez com que se verificou o recente processo de urbanização e as transformações na
ocupação e organização do espaço, deram origem a novas configurações territoriais,
alterando-se muitas vezes o sentido e as formas de apropriação e identificação territorial por
parte das populações.
A territorialidade dos portugueses, muito forte ao nível local (cidade, município e freguesia),
tende a esbater-se nas áreas mais densamente urbanizadas e onde a polarização citadina está
mais enfraquecida. A urbanização difusa, assim como a expansão rápida dos centros urbanos
através de novos loteamentos, geram crises de identidade territorial, com consequências muito
negativas no plano da coesão social.
Também o carácter crescentemente difuso da acção dos agentes que intervêm no território,
assim como os conflitos frequentes entre diferentes organismos e instâncias da administração
pública (central, regional ou local), contribuem para o enfraquecimento da identificação entre
as populações e os territórios.
Se à escala do País, a abolição das fronteiras políticas europeias contribuiu de algum modo
para um amortecer da territorialidade ao nível nacional, tendo como contrapartida, espera-se,
11
a construção de um nível europeu de identificação territorial, ao contrário do que aconteceu
noutros países europeus, esse processo não foi acompanhado pelo reforço da territorialidade a
uma escala regional subnacional. A recente consulta aos portugueses sobre a criação de
Regiões Administrativas revelou acima de tudo um grande desinteresse pela existência desse
nível de territorialidade.
Nestas circunstâncias, é fundamental o reforço ou a reconstituição das territorialidades locais,
que remetem antes de mais para as aglomerações urbanas, do bairro à cidade, da vila aos
espaços de urbanização difusa. Esta questão remete antes de mais para a Escola e para o
ensino da Geografia. É fundamental que os alunos se identifiquem, a partir da Escola e do local
onde habitam, com vários níveis territoriais, através de um processo de apropriação que,
naturalmente, prosseguirá ao longo da vida, com a consolidação dos valores da urbanidade.
12
3.
O AMBIENTE
3.1. Os valores ecológicos
O crescimento da actividade económica implica uma permanente intensificação da acção
humana sobre a natureza, ao nível da exploração dos recursos naturais e da ocupação dos
espaços, numa lógica totalitária de crescente apropriação da Natureza pelos humanos,
potencializada pelo desenvolvimento tecnológico, o qual possibilita uma crescente capacidade
para intervir nos ecossistemas de forma a perturbar significativamente os seus equilíbrios. A
crescente consciência dos riscos que tal lógica pressupõe, em termos do esgotamento dos
recursos e da degradação dos espaços, tem conduzido à consolidação da noção de
"desenvolvimento sustentável" através da qual se procura conceptualizar uma nova visão do
crescimento económico e da promoção do bem-estar social. Tal noção procura compatibilizar
os processos de exploração dos recursos naturais com a manutenção do equilíbrio dos
ecossistemas de que os próprios humanos fazem parte, não só pela adopção de políticas
defensivas auto-limitadoras da capacidade de intervenção humana (protecção da natureza,
medidas contra a poluição) mas também pelo desenvolvimento de novas áreas de actividade
económica centradas na promoção da qualidade ambiental (mercado do ambiente: indústrias
"amigas do ambiente", agricultura "biológica", turismo "ecológico" etc.).
A afirmação da ideia de sustentabilidade como elemento estruturante de um modelo alternativo
pressupõe a proposição e consolidação de novos valores ecológicos, fundamento de uma
cultura centrada no respeito pelo território como bem colectivo, na prevalência do consumo
público sobre o privado e no combate a atitudes e práticas predatórias sobre os recursos
naturais. As transformações que daqui decorrem orientam-se para a promoção de uma estreita
e desejável cooperação territorial, ampliando as conquistas sociais e ambientais.
Da importância atribuída aos valores ecológicos desenvolve-se um novo conceito de cidadania,
mais abrangente, a cidadania ambiental. Esta noção procura justamente introduzir a dimensão
ecológica na esfera das interacções sociais e económicas, acentuando os valores que se
prendem com o respeito e os deveres para com o território. Mas o desenvolvimento e a
afirmação de uma cidadania ambiental não se restringe à tomada de consciência da
responsabilidade sobre os problemas gerados pela actividade humana no ambiente. Na
realidade, tal processo de consciencialização, pode ocorrer de modo mais ou menos
espontâneo, pela via da confrontação indirecta com problemas ambientais de índole global ou
de situações concretas no quotidiano da vida social. Estando a cidadania ambiental pouco
consolidada, tal confrontação origina geralmente atitudes reactivas e defensivas, onde a falta
de informação e o medo que lhe está associado se constituem como nódulos de confrontação
social de elevado potencial desagregador, de que o fenómeno NIMBY é o exemplo mais
conhecido. Efectivamente, o desenvolvimento de uma verdadeira cidadania ambiental implica
uma atitude pró-activa (e não reactiva e defensiva) centrada no conhecimento das situações e
dos riscos (no plano global e local), e virada para a mudança dos estilos de vida e das rotinas
quotidianas (re-avaliação da ideologia consumista, crítica do individualismo nas práticas de
consumo e na gestão dos recursos, recusa da mentalidade predatória, adopção de práticas
13
ecológicas centradas na reciclagem, na reutilização, na substituição, na gestão criteriosa da
energia, da água, dos mares).
A escola pode e deve desempenhar um papel decisivo na promoção dos valores constituintes
de uma verdadeira cidadania ambiental. Do ponto de vista da gestão do espaço urbano, e dos
valores que estão subjacentes à tomada de decisões dos promotores públicos e privados, a
escola pública deve ser utilizada como um elemento de referência para o desenvolvimento de
novas formas de urbanização que promovam a miscigenação social e cultural. Desta forma, a
escola poderá assumir uma nova centralidade num espaço urbano redimensionado em função
de novos valores que não privilegiem o transporte individual e a constituição de guetos (bairros
sociais, condomínios privados). Uma escola pública assim revalorizada e prestigiada em termos
da qualidade do serviço de educação que proporciona, e da sua implantação real e simbólica
no tecido social e urbano, deverá ser capaz de responder com sucesso às necessidades das
populações mais carenciadas, continuando ao mesmo tempo a constituir uma alternativa
credível para as classes médias.
Para além da sua centralidade simbólica e espacial, a escola poderá também constituir-se
como uma referência ecológica e ambiental, pela qualidade do espaço escolar em si mesmo.
Se a escola for entendida como um elemento estratégico na construção de uma nova cultura de
relação com a natureza, então os elementos fundamentais dessa cultura deverão estar
presentes no espaço escolar, não apenas em termos da concepção estética desse espaço, mas
também no que se refere à sua gestão quotidiana. Assim, a escola pública, a nível local, deve
constituir-se como um centro de referência em relação à efectiva concretização de práticas
inovadoras, em termos ecológicos.
Para além do seu papel simbólico e "exemplar", a escola pode e deve funcionar como um
centro de animação cívica ambiental, desenvolvendo uma acção dinamizadora na comunidade,
em colaboração com organizações públicas ou não governamentais da área da promoção
ambiental e de defesa dos valores ecológicos. No contexto da construção de uma nova relação
com o ambiente e, portanto, do desenvolvimento de uma cidadania ambiental, a escola pública
deverá ser capaz de promover nos alunos e na comunidade uma atitude de vigilância crítica em
relação a políticas e práticas antagónicas aos valores ecológicos, assumindo-se como referência
paradigmática face aos poderes institucionais ou fácticos que dominam os processos de
tomada de decisão.
Finalmente, os curricula escolares e as práticas pedagógicas deverão abrir-se à difusão dos
valores e das práticas de justiça ambiental, numa perspectiva de transversalidade e de
permanência, no pressuposto de que a construção de uma nova cultura ambiental, livre da
mentalidade predatória que marcou a história da humanidade, constitui um elemento central
para a sobrevivência do planeta e do próprio homem.
14
3.2. O ambiente escolar
As tendências de evolução do sistema educativo apontam para os seguintes desenvolvimentos:
(1) Manutenção ou eventual agravamento das pressões contraditórias sobre o desenvolvimento
do parque escolar; (2) Tendência para o reforço da componente de custódia no que diz respeito
à missão e à função social das organizações escolares; (3) Aumento da conflitualidade no
interior e na periferia das organizações escolares; (4) Aprofundamento e crescente visibilidade
do carácter contraditório da escola enquanto instituição social; (5) Desenvolvimento e
aprofundamento do antagonismo entre a massificação da escola secundária unificada e as
limitações de acesso ao ensino superior; (6) Aproximação entre o sistema educativo formal e a
formação profissional; (7) Pressões contraditórias sobre o currículo: saberes académicos e
relevância.
15
4.
EDUCAÇÃO E TERRITÓRIO
4.1. A sociedade educativa
O modelo de sociedade que a Europa construiu estende-se hoje a todo o planeta, num
processo de mundialização que, embora acentuando as interdependências, nos planos
económico, político e cultural, numa lógica de consolidação de um sistema global, não deixa de
intensificar as diferenças e as desigualdades, a proliferação de ferozes regionalismos e
nacionalismos, o crescimento da xenofobia e de práticas de limpeza étnica, assim como a
expansão dos fundamentalismos religiosos. Assim, o processo de globalização não se traduz
em homogeneização, nem em termos económicos (o fosso entre os países ricos e pobres não
cessa de crescer), nem em termos políticos (a democracia está longe de se ter enraizado em
muitas zonas do globo, e mostra sinais de fragilidade nos seus bastiões ocidentais), nem em
termos culturais (o hegemonismo anglo-saxónico coexiste com a intensificação dos
particularismos étnicos e linguísticos).
Na realidade, este modelo de sociedade revela sinais evidentes de bloqueamento tomando-se
necessário um novo paradigma que, recuperando os valores fundamentais da tradição
europeia (a liberdade, a igualdade e a fraternidade), viabilize uma nova dinâmica civilizacional.
A continuidade de uma lógica societal de feição individualista, consumista e predatória é
insustentável.
Numa perspectiva de superação deste bloqueamento, toma-se necessário renovar a utopia das
luzes, entendendo a expansão do conhecimento através da educação popular como um grande
veículo de consciencialização e emancipação colectiva. A educação pode surgir assim como o
instrumento privilegiado de um novo comunitarismo, que as novas tecnologias permitem que
seja concebido à escala global.
A nova sociedade educativa centrada na multiplicação de redes de informação e de
intervenção, permitirá pensar e agir simultaneamente ao nível global e ao nível local,
recuperando antigas cumplicidades e afinidades de vizinhança, agora "virtual", numa estratégia
em que os próprios factores da globalização são transformados em instrumentos de construção
do novo paradigma. Neste novo contexto, em que os lugares e os veículos da educação e da
formação se situam cada vez mais na complexa teia das redes tecidas pelos espaços e tempos
do trabalho e do lazer, e escola perdeu definitivamente o seu papel central em termos de
agência de transmissão de conhecimentos e de socialização.
A verificação desta realidade não pode deixar de ter consequências na forma como a escola se
estrutura e se relaciona com outras agências de socialização, porventura mais poderosas. No
passado, a escola pública estruturou-se como uma das três instituições centrais da socialização
e da promoção da coesão social, juntamente com a igreja e a família, em processos que
integravam holisticamente a aquisição do saber, do saber-fazer e de saber-ser, num todo
coerente, embora contraditório, que se estruturava na cultura dominante, nos seus artefactos e
na sua ideologia. Em muitas situações, a escola pública funcionou como um instrumento de
16
construção, reconstrução ou reforço do poder dos estados nacionais, constituindo-se como um
poderoso veículo de aculturação e controlo ideológico. Contudo, a massificação dos meios de
comunicação social, em especial a televisão, transformou-os em instrumentos de controlo social
muito mais poderosos e eficazes do que a instituição escolar, perdendo esta o seu papel
dominante enquanto aparelho do Estado ao serviço da integração social. Por outro lado, as
novas configurações de grande parte dos perfis profissionais pressupõem a necessidade de
conceptualizar a educação e a formação como um processo permanente, ao longo da vida,
intimamente associado às situações e contextos de trabalho, desvalorizando assim as
modalidades tradicionais de educação escolar, centradas no figurino transmissivo do ensino
colectivo.
Neste novo contexto, a escola situa-se agora numa relação de concorrência com outras
agências de educação, numa situação de horizontalidade em que precisa de conquistar e
defender o seu espaço e a sua especificidade. Na sociedade educativa, estruturada em redes
de educação e formação, a instituição escolar constitui apenas um nódulo entre outros, tendo
perdido a antiga legitimidade de reclamar o monopólio da função educativa. Assim, toma-se
necessário redefinir e valorizar novos papéis para a escola, adequados a esta nova situação, e
que correspondam a funções e objectivos que ela esteja em melhores condições de satisfazer,
em comparação com as outras agências da rede educativa. Um desses papéis, que continuará
a garantir à instituição escolar uma grande visibilidade e centralidade na vida social, é o da
função social de custódia e enquadramento das crianças e jovens. Tal papel é uma resposta a
necessidades sociais crescentes, decorrentes das transformações da instituição familiar, da
entrada massiva da mulher no mercado de trabalho, e da rotura das antigas solidariedades
familiares e de vizinhança.
Um segundo papel, não menos importante, sublinha a função da instituição escolar enquanto
produtora de sentidos, de centro de gestão da informação a que as crianças e jovens acedem
por intermédio de outras agências, no contexto das redes que constituem a sociedade
educativa. A escola deve portanto posicionar-se de uma forma aberta em relação a essas
outras agências que com ela concorrem, valorizando aquilo que lhe é próprio, ou seja, as suas
vantagens competitivas: a capacidade para reflectir criticamente sobre a informação massiva
disponibilizada pela concorrência; a possibilidade de comparar, aplicar, ligar conhecimento,
acção e reflexão; a capacidade de avaliar e construir valores; a competência para ajudar cada
jovem a construir o seu projecto de vida. Mais uma vez, este papel implica uma nova relação
da escola com a informação e o conhecimento. Do que se trata é da capacidade de ajudar o
aluno a gerir o seu próprio processo educativo, pelo que o paradigma transmissivo, ainda hoje
dominante, não tem lugar na escola da sociedade educativa do futuro.
Mas, por outro lado, nos meios locais, da unidade de vizinhança urbana aos pequenos
aglomerados rurais, a escola deve constituir um instrumento de valorização do meio e de
enraizamento de quadros qualificados.
É cada vez menor a associação das elites aos territórios, seja à escala local da aldeia ou da
freguesia, do concelho, da província, ou até à escala nacional.
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O padre, o professor e a personagem ilustre deixaram de ser a trilogia da elite aldeã. O padre
tem várias freguesias e contacta com os fregueses apenas numa escassa hora por semana,
fazendo dominicalmente o seu périplo de automóvel. O professor vive na vila ou cidade mais
próxima, não podendo já ser o exemplo para a juventude.
O mesmo se passa com os professores do ensino dos ciclos mais avançados e do secundário:
em muitas sedes de concelho com escolas C+S ou S, não reside qualquer dos professores, em
geral vivem na capital de distrito mais próxima.
A alteração desta tendência só se conseguirá através da articulação de políticas, da educação
ao ordenamento do território.
4.2. A cidade da aprendizagem
Na sociedade educativa as cidades encontrarão uma grande oportunidade de regeneração, de
se re-urbanizarem.
Grande número de cidades dos países industrializados perderam protagonismo,
desvalorizaram-se e tornaram-se tendencialmente insolentes, processo frequentemente
acompanhado por segregação social do espaço, crescimento da violência urbana, geração de
espaços hostis. Por vezes a saída tem sido a “museificação” ou a evolução para a componente
histórico-lúdica, a transformação da cidade em parque temático.
Ora as cidades podem agora apostar no ensino e na aprendizagem como eixo da sua
estratégia, o que de resto vai ao encontro do que também foi o seu papel ao longo de séculos.
As cidades da aprendizagem podem ainda funcionar como espelhos, exemplos para outras
cidades e para outros lugares, através de múltiplos papeis: motivando os cidadãos para a
aprendizagem, incentivando ao desenvolvimento económico e social, promovendo um visão
para a comunidade, reconhecendo o sucesso e a excelência da aprendizagem, dando
coerência a um conjunto de acções que noutras circunstâncias perderiam toda a eficácia.
A ideia da cidade de aprendizagem (learning city) remonta aos anos 70. Todavia, foi após a
conferência da OCDE, em Gotemburgo, 1992, que o conceito se difundiu.
A ideia-base nasceu da verificação de três factos no âmbito dos países da OCDE:
• as pessoas apreendem no seu ambiente imediato e 60% da população dos países da OCDE
viveu em cidades;
• a cidade pode providenciar uma estrutura que dá coerência a um conjunto fragmentado de
actividades de formação e de educação;
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• a cidade pode proporcionar um foco para a aprendizagem orientada pela comunidade,
bem como para as acções promovidas.
4.3. O urbanismo escolar
O Ordenamento do Território, o Planeamento Urbanístico e a arquitectura urbana podem
constituir oportunidades educativas e, ao mesmo tempo, situações de intensa participação
cívica, contribuindo para o renascimento da polis,
polis num processo de baixo para cima.
Os espaços escolares deverão ocupar posições centrais - físicas e simbólicas - no tecido urbano
e referências na imagem da cidade.
A arquitectura escolar deverá não só ser bem integrada na paisagem urbana, como constituir
elemento ordenador e de referência na leitura do bairro e da cidade.
Com a forma e a imagem deverão articular-se as funções. O município, a direcção escolar do
concelho ou da freguesia e as associações pertinentes, deverão realizar contratos para a gestão
de infra-estruturas e de equipamentos comuns.
Os espaços escolares deverão inserir-se ou articular-se, o mais possível, com outros espaços
cívicos, do jardim publico à biblioteca municipal, do parque desportivo ao centro cultural. Todos
estes elementos do espaço urbano serão devidamente cuidados - no enquadramento
paisagístico, na limpeza, na acessibilidade.
Os espaços escolares deverão, nos segmentos pertinentes, estar abertos mesmo fora dos dias e
das horas estritamente escolares, criando-se condições de apoio para que possam ser
usufruídos por diferentes estratos etários e com diferentes finalidades: formativas, educativas,
lúdicas, cívicas.
Deverão analisar-se, em cada situação concreta, as possíveis complementaridades, sinergias ou
antagonismos, entre os espaços de ensino e os espaços de consumo e de ambos com os
espaços religiosos.
Tudo isto implica um grande esforço nos diferentes níveis da administração no ensino superior e
na investigação, no sentido de desenvolver o urbanismo escolar.
escolar
4.4. Os transportes e a escola
É patente o peso crescente do transporte automóvel individual, relativamente a outros modos.
Este facto resulta de vários factores que se conjugam: a terciarização, as novas formas de
urbanismo (embora aqui exista uma interacção clara - o automóvel individual vai influenciar
essas novas formas), a qualidade e a quantidade das novas infraestruturas (rodovias, parques
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de estacionamento), o aumento de rendimento disponível, a imagem do automóvel individual
enquanto definidor de um estatuto social.
As áreas que mais sofrem com esta tendência são, por um lado, as áreas rurais e as áreas
urbanas de baixa densidade ocupadas por populações de baixas rendas. Por outro lado, os
transportes colectivos, mesmo quando são frequentes e de boa qualidade, continuam a perder
quota e são utilizados numa proporção crescente pelas populações mais desfavorecidas.
Assim, o transporte colectivo vai também deixando de desempenhar o papel de meio de
sociabilização e de aproximação entre classes, entre grupos etários e entre grupos étnicos. A
crescente oposição entre o transporte colectivo e individual, é também indutor da segregação
social e étnica.
Estes comportamentos nas áreas urbanas têm ainda como consequência uma intensificação de
veículos privados, que ao longo do dia repetem deslocações: casa-escola, escola-trabalho,
trabalho-escola, escola-casa, com evidentes disfunções no metabolismo urbano.
Note-se que a situação, embora menos dramática nas cidades de média e pequena dimensão,
não deixa de se manifestar, tendendo a piorar com a diminuição da oferta (e da procura) do
transporte colectivo.
Nas áreas rurais densas, em que geralmente coexistem actividades agro-pecuárias com
industriais e alguns tipos de serviços, há dificuldade em estabelecer itinerários eficazes para os
transportes públicos, que acabam por servir principalmente os grandes eixos; o automóvel
individual, a bicicleta (cada vez menos) e a motorizada, são alternativas. Nas áreas de baixa
densidade, onde praticamente desapareceram os transportes colectivos locais, o “transporte
escolar” constitui a única solução.
4.5. Para um novo urbanismo
Enquanto o urbanismo modernista tinha a provisão de serviços públicos como eixo ordenador,
numa perspectiva integracionista de espaços e de grupos sociais, o urbanismo pós-moderno
tem espaços de consumo como elementos centrais, numa lógica de segregação de usos e de
grupos sociais.
Em Portugal, no último meio século, existem exemplos destas abordagens mais óbvias nas
maiores áreas urbanas, mas também em cidades de pequena e média dimensão.
No que respeita aos estabelecimentos escolares, veja-se como a proeminência da “Escola” e do
“Liceu” tem recentemente vindo a ser substituída pelas instituições de ensino superior, público
ou privado e, mais do que instrumentos para projectar uma imagem política,
política apresentam-se
como instrumentos de marketing urbano,
urbano quando não apenas do marketing imobiliário.
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O ultimo grande projecto urbanístico levado a cabo em Portugal é a Parque Expo 98, que na
nova leitura representa um compromisso entre aquelas duas atitudes - a integração física
formal é patente, mas além da segregação social e de usos, destaca-se a prevalência dos
espaços de consumo.
Assim, não se afigura que a Parque Expo venha a constituir um novo paradigma urbanístico,
embora se possa vir a consolidar enquanto nova centralidade no sector oriental da cidade.
O urbanismo e as suas formas materiais são o resultado das afirmações sociais, embora, se no
espírito do tempo, também para antecipar (preparar o caminho) para as transformações
sociais.
Numa sociedade marcada pelo individualismo, pela valorização do sucesso material e
mediático, que se traduz quase sempre em consumos (quantidades e qualidades), é natural que
as novas urbanidades típicas do tempo pós-moderno se difundam e consolidem.
Num país como Portugal, onde a urbanização maciça se deu tardiamente e de forma
acelerada, a cidade tradicional não conseguiu ancorar esse fenómeno, originando-se
dinâmicas que por vezes se aproximam mais do novo urbanismo americano, do que do
Europeu.
Há que procurar com realismo caminhos de inserção da escola nas novas tendências do
urbanismo e, se possível, utilizá-la como elemento ordenador.
No que respeita às novas formas, cremos que se deveria explorar as potencialidades que
oferecem os novos espaços de consumo que, progressivamente, têm vindo a adquirir uma
maior dimensão cívica. Por isso já alguns serviços públicos procuram esses espaços e o mesmo
caminho já foi seguido por instituições religiosas. É possível beneficiar da
polarização/valorização dos espaços de consumo?
Outro caminho, aparentemente oposto, mas que pode ser complementar numa estratégia de
integração na nova cidade, é utilizar a “Escola” como instrumento de reabilitação/recuperação
dos centros históricos/tradicionais das nossas cidades. As sinergias seriam múltiplas,
recuperando-se tanto a imagem da “Escola” como a da “Cidade”.
O novo urbanismo terá de ser também o urbanismo da aprendizagem contínua. Ao longo da
vida é necessário dispor de instrumentos que estimulem e proporcionem a aquisição de
conhecimentos actualizados que permitam a valorização do cidadão e das comunidades.
Este urbanismo constituirá a via para a nova sociedade do bem-estar, ambiente de competição
acrescida e continuada entre pessoas e entre comunidades.
Este urbanismo da aprendizagem, que se pretende contínua, praticada ao longo da vida de
cada cidadão, terá um sustentáculo fundamental e eventualmente o seu primeiro motor na
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convergência tecnológica decorrente da integração das telecomunicações e das tecnologias da
informação. As auto-estradas da informação constituirão a infra-estrutura-chave para a
construção das cidades, vilas e lugares de aprendizagem. Por outro lado, vão permitir a
integração na Polis dos que residem fora de centros, dos que fazem parte do urbanismo difuso.
No entanto, as sedes desse urbanismo virtual não serão suficientes para suportarem o novo
urbanismo, o urbanismo da aprendizagem. Terão de ser complementadas por um
renascimento de espaços físicos, de contactos e trocas presenciais, promotores de vivências e de
solidariedades.
Programas como “A Escola Informada” ou “Cidades Digitais” têm um grande alcance no
desenvolvimento do urbanismo da aprendizagem, mas deverão ser complementadas por
acções no espaço vivido.
Os espaços do trabalho
trabalho, onde é fundamental uma nova atitude, de empregados e
empregadores, face à necessidade de ambos participarem na aprendizagem contínua. Por essa
via também se reforçarão as ligações entre as empresas e o território. A aprendizagem
pode/deve ser uma via para a regeneração económica e para a promoção social.
Os espaços de habitar,
habitar onde é necessário “sair” da casa para o quarteirão, para o lugar,
para a unidade de vizinhança. Encontrar novos/velhos espaços públicos, que são de
sociabilidade e de aprendizagem, um itinerário que deve levar sempre à Escola, enquanto
espaço público de referência urbanística.
Os espaços de lazer,
lazer que complementam e se articulam com os anteriores. A aprendizagem e
o lazer é o binómio-chave da origem da própria escola,
escola já com os gregos. Hoje esse binómio
tem ainda mais acuidade, através dos jogos, das viagens, dos consumos culturais, do puro ócio.
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O FUTURO DA EDUCAÇÃO EM PORTUGAL