Flávio Paiva
Angelo Abu
Angelo Abu nasceu em 1974, em Belo Horizonte (MG). Começou a ilustrar livros em
1995, no Festival de Inverno da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), realizado
em Ouro Preto (MG). Em 2000, formou-se em
Cinema de Animação na Escola de Belas Artes da UFMG.
Ilustrou mais de setenta livros, entre os
quais A Lenda do Preguiçoso e outras histórias, de Giba Pedroza, e Quanto mais eu rezo,
mais assombração aparece!, de Lenice Gomes, ambos publicados pela Cortez Editora.
Em 2010, foi o primeiro colocado no Concurso de Ilustração da Folha de S.Paulo, na
categoria Caricatura.
Flávio Paiva
Ciço nem desconfiava da
aventura que seria sua vida
quando teve a visão da copa
de um pé de juazeiro, na qual,
no lugar de juás, enxergou
muitos rostos de olhares
desesperançados.
Aceitou o chamado dos
desvalidos e, em nome de Deus,
enfrentou o papa, abençoou
Lampião e inventou uma cidade
fora do comum, tornando-se
mito da cultura insurgente
de um povo que pegou nas armas
e abraçou a fé para conquistar
o próprio destino.
Flávio Paiva nasceu em 1959, na cidade
de Independência, no sertão dos Inhamuns
(CE). Mudou-se para Fortaleza em 1976,
década em que iniciou sua participação em
ações culturais e de cidadania. É autor de livros e de ensaios sobre gestão compartilhada,
mobilização social, memória e infância. Seus
livros infantis e infantojuvenis, vários deles
editados pela Cortez, priorizam normalmente a relação da música com a literatura e são
adotados em escolas da rede pública e particular de ensino em todo o Brasil. Por seu
trabalho como jornalista, escritor e ativista
cultural, Flávio Paiva tem recebido diversas
manifestações de reconhecimento público, tais
como a condecoração do Conservatório Alberto
Nepomuceno, a Medalha Capistrano de Abreu
e o Título de Cidadão de Fortaleza.
www.flaviopaiva.com.br
CIÇO NA GUERRA DOS REBELDES
capa_padre_cico.indd 1
13/03/2014 14:44:17
P
or volta de 1865, o jornalista João Brígido chega com
Ciço ao Seminário da Prainha depois de uma viagem de mais
de um mês, montado a cavalo, desde a região do Cariri até a
capital, Fortaleza. Trazia uma recomendação do coronel Antônio Luís Alves Pequeno, grande comerciante e político da
cidade do Crato, para que o padre Chevalier, diretor do seminário, recebesse o estudante Ciço para ser padre.
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episódio 1
– Seja bem-vindo, Ciço – cumprimenta Chevalier.
– Ele é meio tímido, por isso está sempre calado – adianta-se
João Brígido para que padre Chevalier entenda a razão de Ciço
ter ficado em silêncio.
– O que você gosta de fazer? – insiste o diretor do seminário.
– Gosto de ficar à janela – responde Ciço, enquanto seus olhos
observam o jardim do pátio.
– Pois janela é o que não falta aqui no seminário, meu jovem.
Pode escolher uma e ficar olhando para a beleza do mar. Depois
conversaremos mais.
Ciço sobe a escada, entra em um quarto escuro e abre a janela. Tem de colocar a mão nos olhos para proteger a vista da
claridade. O impacto da luz vai passando, e ele consegue ver
lentamente as águas do Oceano Atlântico.
– Tanto mar! Tanto mar, meu Deus! Essa imensidão pode cegar a gente! – grita para si mesmo e fecha rapidamente a janela.
Senta no chão e começa a olhar a projeção das nuvens refletidas
em uma réstia de sol na parede do quarto. É como se ele estivesse dentro de uma câmera fotográfica. A experiência de ver o céu
azulado dentro de casa ele já trazia da vida no sertão.
Vira-se para a janela novamente e fica parado por um tempo
encarando as bordas de luz que a contornam, como se insistissem em entrar na escuridão e em troca oferecessem uma paisagem de mar.
– Está bem, luz, vamos fazer a troca: você entra no quarto e
eu vejo o oceano.
No instante que Ciço toca a janela para abrir, o que se abre é
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Da janela virada para o oceano
a porta atrás dele, criando uma atmosfera luminosa na qual se
projetam as sombras do padre Chevalier e de João Brígido.
– Está falando sozinho, Ciço? – pergunta João Brígido.
– Não, não, estava só rezando em voz alta – responde Ciço,
ainda um pouco assustado.
– E, então, viu o mar? – pergunta o padre Chevalier.
– Vi, sim, é muito bonito! – disfarça.
João Brígido despede-se do amigo e vai embora. O padre Chevalier coloca o braço nos ombros de Ciço, abre a janela, aponta
para o mar e diz que veio da França, um país que fica do outro
lado do oceano. E aproveita para dar as primeiras orientações
ao aprendiz:
– Ciço, para ser da nossa irmandade, é necessário fazer
alguns votos, principalmente, o de obediência. É muito importante também que você aprenda logo o latim para futuramente poder celebrar. A missa em latim destaca o sacerdote das
pessoas comuns e facilita a criação de confiança e respeito da
população.
O padre Chevalier não percebe, mas os olhos de Ciço estão
fechados, e, dentro da sua cabeça, como uma réstia de imaginação, ele se vê subindo em uma árvore frondosa, um pé de juazeiro, desviando-se de espinhos e colhendo seus frutos amarelinhos. Enquanto o padre fala e fala da hierarquia e da missão
da Igreja, Ciço descasca juá por juá, chupando a carne doce e
esbranquiçada até ficar só a semente. Lembra-se de que eram
aquelas cascas que sua mãe Joaquina, a dona Quinô, usava para
escovar os dentes e lavar o cabelo.
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Flávio Paiva
Angelo Abu
Angelo Abu nasceu em 1974, em Belo Horizonte (MG). Começou a ilustrar livros em
1995, no Festival de Inverno da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), realizado
em Ouro Preto (MG). Em 2000, formou-se em
Cinema de Animação na Escola de Belas Artes da UFMG.
Ilustrou mais de setenta livros, entre os
quais A Lenda do Preguiçoso e outras histórias, de Giba Pedroza, e Quanto mais eu rezo,
mais assombração aparece!, de Lenice Gomes, ambos publicados pela Cortez Editora.
Em 2010, foi o primeiro colocado no Concurso de Ilustração da Folha de S.Paulo, na
categoria Caricatura.
Flávio Paiva
Ciço nem desconfiava da
aventura que seria sua vida
quando teve a visão da copa
de um pé de juazeiro, na qual,
no lugar de juás, enxergou
muitos rostos de olhares
desesperançados.
Aceitou o chamado dos
desvalidos e, em nome de Deus,
enfrentou o papa, abençoou
Lampião e inventou uma cidade
fora do comum, tornando-se
mito da cultura insurgente
de um povo que pegou nas armas
e abraçou a fé para conquistar
o próprio destino.
Flávio Paiva nasceu em 1959, na cidade
de Independência, no sertão dos Inhamuns
(CE). Mudou-se para Fortaleza em 1976,
década em que iniciou sua participação em
ações culturais e de cidadania. É autor de livros e de ensaios sobre gestão compartilhada,
mobilização social, memória e infância. Seus
livros infantis e infantojuvenis, vários deles
editados pela Cortez, priorizam normalmente a relação da música com a literatura e são
adotados em escolas da rede pública e particular de ensino em todo o Brasil. Por seu
trabalho como jornalista, escritor e ativista
cultural, Flávio Paiva tem recebido diversas
manifestações de reconhecimento público, tais
como a condecoração do Conservatório Alberto
Nepomuceno, a Medalha Capistrano de Abreu
e o Título de Cidadão de Fortaleza.
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