LÁPIDE EPIGRÁFICA ROMANA VOLTA PARA VALENÇA Em 1812, por ocasião da demolição da igreja de Santa Maria de Cristelo, na extramuros da vila de Valença, encontrou o Doutor Mateus José de Almeida, 1 sob o altar-mor da mesma, uma lápide funerária cujos dizeres vieram a ser decifrados da forma seguinte: DIS MANIBVS ALLVQVIO. ANDERGI.F AETVRA E. ARQVI.F. MACRO.ALLVQVI.F.CL. VTIMONI.ALVQVI.F.C.VAL ENS.VET.LEG.VI.VIC.P.F.FAC.C Segundo o P. Fidel Fita e D. Aureliano Fernandez- Guerra, 2 que tiveram ocasião de vê-la fixada numa parede exterior, sob as arcadas dos antigos Paços do Concelho, trata-se de um” epitáfio latino de gente céltica” que pertenceu “ao sepulcro ou mesmo panteão de Aluquio, filho de Andergo; de Aitua, filha de Arquio; e de Macer, e de Clotimão, filho de Aluquio. Merece ter-se em conta a circunstância de não usarem pronome nem cognome de acordo com o costume romano, estes senhores contentes em recordarem apenas o nome paterno antiquíssimo espanhol, origem e fonte primordial de nossos apelidos castelhanos”. A construção do sepulcro é atribuída a Cláudio Valente, veterano da Legião VI vencedora, “piedosa e fiel” (Vitrix, pia, fidelis), “imperando Cláudio ou pouco depois”. 3 Ora, segundo Hübner, 4 Cláudio Valente era de Valença do Minho. Do mesmo modo que o soldado Lúcio Valério Silvano era dos arredores de Braga. A Legio VI, Victrix, foi constituída por César com soldados da Gália transalpina, formando a IV, em guarnição da Península Ibérica, como se verifica pelas moedas encontradas em Saragoça. Tinha centuriões espanhóis como o prova o monumento epigráfico dedicado a Aulo Octávio Migur por esses centuriões encontrado em Bracaciano, Itália. Estas legiões devem ter ficado em Espanha até à morte de Nero e aclamação de Galba, feito por esta legião que ficara então em Espanha com mais três cohortes e duas alas de auxiliares, força suficiente para manter o domínio. O aparecimento desta placa é uma indicação de que pelo menos um destacamento desta legião esteve na nossa terra em reparação da via militar romana 5 de Braga a Astorga (Via Quarta do XIX Itinerário de Antonino Pio de Caracala) que passava em Valença do Minho e de que apareceram, nesta região, três marcos miliários: um, dedicado a Maximino Maximi que apareceu na freguesia de S. Pedro da Torre a sustentar um telheiro de uma casa (foto nº.1), 6 e que deveria ter sido encontrado na área da freguesia de S. Miguel de Fontoura; um segundo, dedicado a Tibério Cláudio, marcando as XLII milhas, e que em 1680 fora encontrado no sítio de Arinhos, junto ao rio Minho, de onde veio, na mesma data, para a zona intramuros, para próximo do Paço do Concelho, para servir de pelourinho, onde ainda se encontra em perfeitas condições, (foto nº 2) e um terceiro, dedicado a César Augusto, marcando as XLIII milhas, e que apareceu em finais do séc. XIX na cidade de Braga, mais especificamente, nos jardins do Conselheiro Pimentel, às Carvalheiras, 1 que estaria no final da carraria, próximo da primitiva passagem do rio Minho, frente a S. Bartolomeu de Rebordães (antiga Tui) e cujo paradeiro agora se ignora. A leitura de Hübner é referida por José Augusto Vieira em “O Minho Pitoresco”. 7 O facto de esta lápide ter aparecido naquele local não pode deixar de colocar - nos uma questão interessante, visto que a igreja de Santa Maria de Cristelo fora originariamente edificada, por volta do séc. XIII, na zona intramuros, sendo contemporânea da primitiva igreja de Contrasta do couto, da invocação de S. Pedro, mandada edificar pelo Bispo de Tui, D. Pedro 1º (1188-1205). 8 Mais tarde, em finais do séc. XVII, é que, por virtude da construção da obra Coroa, foi transferida para a extramuros. Pelo que, ou a lápide acompanhou a transferência e foi escondida por alguém sob o altar-mor, ou já existia no terreno da nova implantação e foi topada durante a demolição e remoção dos alicerces… Como quer que seja, foi de seguida colocada na referida parede e durante muitos anos esteve exposta à curiosidade pública, embora parcialmente ocultada pela arcaria do edifício que, sabemos hoje, foi edificado pelo séc. XIII como moradia régia. Ali a observou um notário de Valença, Álvaro de Aguiar, que, em 1903, deu informação da sua existência ao Professor José Leite de Vasconcelos e ao arqueólogo Félix Alves Pereira, respectivamente Director e Conservador do Museu Etnológico, em Lisboa, que imediatamente se puseram em contacto com a Câmara Municipal, curiosamente presidida pelo General António Joaquim de Azevedo e Almeida, 9 descendente do dito achador da lápide, pedindo a cedência desta ao Museu Etnológico Português. Entendeu, porém, o Município que não deveria abrir mão de tal preciosidade, mas apenas pô-la à guarda do Museu, com respectiva guia de entrega, 9 até que estivessem criadas condições para que ela pudesse ser localmente exposta e preservada, facto que foi aceito, com o maior regozijo e interesse pela Direcção do Museu que na sua missiva (foto nº 3) fez questão de acentuar que a lápide “exposta no Museu ao lado de outros monumentos congéneres, adquire, por assim dizer, maior valor não só por servir de exemplo instructivo aos visitantes, demonstrando a consideração que se tributa aos objectos de significado archeologico, mas por se tornar mais proveitosa para o estudos dos especialistas”(…) 10 Ora é justamente este antiquíssimo documento, com cerca de dois mil anos, que, uma vez criadas as condições necessárias e suficientes para o seu acolhimento no Núcleo Museológico, e uma vez detectada a sua localização através da documentação existente no Arquivo Municipal, vai regressar ao seu local de origem, para natural orgulho dos valencianos e proveito dos estudiosos e dos muitos milhares de visitantes que anualmente franqueiam as Portas do Sol ou da Coroada. Será, sem dúvida, entre as demais peças, a nova jóia da Coroa… Alberto Pereira de Castro Notas: 1 – Advogado 2 – Recuerdo de un viaje a Santiago de Galicia, Madrid, Imprenta de Los Sres. Lezcano y Compª, Calle de La Santisima Trinidad, Num.5, 1880, Edición (facsimilar)Libreria Arenas, Coruña, 1993, p.15 2 3 – Id.p.15 4 – Arqueologia de Espanha, 97 – Epig. V, p.15 e C.L.L.II, 2374, 2465, Adenda, p.106 (Cfr. Cristóvão Ayres de Magalhães de Sepúlveda, História Orgânica e Política do Exército Português, Vol. I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1896, p.367 5 – P.Fidel Fita y Aureliano Fernandez - Guerra, O.c.p.15 6 -Casa do “senhor Guerra, próximo da igreja paroquial”, p.108 7 – Volume I, Edição (fac-similada) do Rotary Club de Valença, 1986,p.100 8 – António Matos Reis, O Foral de Valença, Edição da Câmara Municipal de Valença, 1996, p. 23 9 – AMV – F: Câmara Municipal, Livro das Sessões, Fls 205, Cª1.21.2.4 10 – AMV – F: Câmara Municipal, Correspondência recebida, Of nº250, do Museu Etnológico Português, de 29Maio1903 3