Culturas e Conhecimentos Disciplinares Fábula de uma Escola que catava ventos:Uma Metáfora sobre cultura e conhecimentos Disciplinares. Dagmar de M. S. Canella & Maria Luiza M. B.Oswald Esta é a história de uma escola que catava ventos porque queria gerar movimento. Transformar a energia das ventanias em movimentos criadores, misturando cores e formas, conferindo-lhes um sem fim de possibilidades de desdobramento, desterritorializando as fronteiras dos saberes, tão bem representadas nos desenhos escolares, cujos traços e tons reproduzem o mar, sem trazer a maresia e há coisas que se pode fazer pela metade, mas enfrentar o mar pede a nossa alma toda inteira (Mia Couto, 2006). Nessa escola, as cores ao se misturarem não desbotavam, mas traziam a riqueza multicor do arco-íris da vida. E a vida, a escola sabia, não se pauta pela ausência de cor das horas. Não há relógio que interrompa um azul em abuso de beleza (Manoel de Barros, 2001). E, assim, todas as cores podiam existir, co-existindo, sem coleira que as separasse umas das outras: o amarelo com vermelho dava laranja, azul com amarelo fazia verde e bastava uma ínfima gotinha de vermelho no azul que logo ele virava lilás. O preto com branco dava cinza, e também uma infinidade de tons mais claros ou mais escuros, dando visibilidade às sombras tão ricas em imagens nem sempre percebidas. E com as formas se dava a mesma coisa. Porque arquitetos que desenham portas-por onde, jamais portas-contra (João Cabral de Melo Neto, In: Fábula de um arquiteto) não se preocupam em ajustá-las a retângulos geometricamente perfeitos. Desgeometrizar as formas pode garantir que portas sejam dispostas como arcos que disparam flechas, como fazem os cupidos. E a asa da borboleta pode bailar entre ser triangular, quadrada e oval porque poesia é voar fora da asa (Manoel de Barros, 2001). Essa escola era, pois, intensamente colorida e mutante como um mosaico, porque seu cata-vento, desfincando cores e formas, reconfigurava também a rigidez das palavras, investindo-as dos tons da experiência. Lá, crianças e adultos podiam ser puxados por ventos e palavras, por isso entendia-se a alquimia dos saberes que levavam a criança a dizer Eu escuto a cor dos passarinhos (Manoel de Barros, 2001). Isso acontecia porque nessa escola viver nas nuvens significava tanto ser feliz, quanto inspirar-se na camaleonice das nuvens que, a cada olhada, não são mais as mesmas nem na cor, nem na forma, principalmente quando o vento sopra. Num momento são carneirinhos brancos como a neve, logo depois são dinossauros cinzentos, e depois homens barbudos e, depois montanhas imensas que, não mais que de repente, se transformam em bandos de golfinhos brincalhões. De assim em assim, a escola foi entendendo que até o ditado Quem semeia ventos, colhe tempestades pode ganhar novos sentidos. Quem tem medo de vento, pode viver na calmaria, mas isso significaria subtrairse à sublime inspiração da impermanência das nuvens e submeter-se às permanências estanques dos saberes disciplinares, cristalizados, que fixam, além das cores e das formas, os espaços e os tempos escolares. Essa fábula pode ter dois finais: no primeiro, todos viveram felizes para sempre já que a escola, entendendo que a ousadia do fazer é que abre o campo do possível, optou por continuar catando ventos. O segundo final não é tão promissor. Por medo de arriscar-se, a escola esqueceu que nas ações de seu passado estava sua imobilizador, potência. Optou delimitando suas por entregar-se dimensões a um espaciais saber/poder e temporais, estacionando em lugares que impediam as trocas de experiências. Neutralizou toda e qualquer possibilidade de significação de um tempo Aion, aprisionando o que poderia ser acontecimento, sacrificando-o a um tempo Cronos. Ao render-se a arrogância da tradição escolar, pagou um preço alto, mumificando seus saberes, não podendo mais sentir a intensidade dos movimentos das cores e das formas que imprimem novos tons aos saberes quando estes se misturam. O desafio de entrelaçar as culturas presentes na escola com seus conhecimentos disciplinares pode estar na tarefa de religar tempos e línguas tantas vezes fragmentados nos espaços escolares. Tarefa religiosa, já que em sua origem a palavra estava voltada ao desejo de religação. Religar esses fragmentos dispersos, proporcionando-lhes movimentos que lhes atribuam sentidos, pode significar a abertura essencial para outras línguas: aquelas das quais alunos e professores não aceitam mais ser despojados e aquelas, tão numerosas, que nos resta inventar (Gagnebin, 2005). Sobre o(a) autor(a): Dagmar de M. S. Canella & Maria Luiza M. B.Oswald: – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ; membro do Grupo de Pesquisa Infância, Juventude e Indústria Cultural: sociedade, cultura e mediações – imagem e produção de sentidos. – Profª da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ; Coordenadora do Grupo de Pesquisa Infância, Juventude e Indústria Cultural: sociedade, cultura e mediações – imagem e produção de sentidos; Integrante do Laboratório Educação & Imagem da Faculdade de Educação da UERJ. Referências bibliográficas (ou textuais): • BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 2001. • COUTO, Mia. O beijo da palavrinha. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2006. • GANEGBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobre linguagem, memória e história. Rio de Janeiro: Imago, 2005. • MELO NETO, João Cabral. Fábula de um Arquiteto. In: Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.