A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS COM O LIVRO DE FOLHAS SOLTAS: UMA EXPERIÊNCIA JUNTO A CRIANÇAS EM LEITOS HOSPITALARES ARAUJO, Ana Maria Cavalcante de - CUFSA [email protected] POLA, Camila Oshiro - CUFSA [email protected] GOUVÊA, Maria Elena de - CUFSA [email protected] ROSA, Ivete Pellegrino Rosa - CUFSA [email protected] Eixo Temático: Pedagogia Hospitalar Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo Contar histórias utilizando a literatura infantil tem se tornado uma das práticas mais exercidas na sala de aula regular e, o livro se torna um importante instrumento no processo de valorização da leitura, da escrita e do desenvolvimento infantil. Porém, mesmo com a valorização da leitura e do livro, percebe-se algumas lacunas na abordagem dos mesmos em algumas situações específicas. Neste trabalho consideramos a importância dos contos e das histórias para as crianças de um modo geral, entretanto, destacamos o valor da contação de histórias para as crianças doentes, em especial as oncológicas, apresentando uma experiência dentro dessa modalidade. Tal experiência consistiu na adaptação de um livro pertencente à literatura infantil que foi ampliado e suas páginas se tornaram soltas. O objetivo central foi o de melhor atender as crianças que estão acamadas em leito hospitalar ou se submetendo a procedimentos clínicos, embora também possa ser utilizado junto às crianças com subvisão. Como resultado, verificamos a facilitação da contação por meio de folhas soltas em cartazes ampliados e coloridos de acordo com o original e o esforço poupado pela criança para descobrir as figuras ou personagens da história. Adicionalmente, acreditamos que é um modo de valorizar e estimular habilidades que estão no momento prejudicadas, como ver e descobrir coisas, mesmo estando debilitada ou, às vezes, com a visão prejudicada decorrentes de seqüelas da doença ou por procedimentos médico-clínicos. Assim, a presença do livro infantil no ambiente hospitalar vem proporcionar oportunidade de a criança fantasiar, imaginar exercitando suas funções simbólicas que podem ser momentos agradáveis mesmo que o contexto seja adverso. Palavras-chave: Crianças hospitalizadas. Contação de história. Pedagogia hospitalar. 10294 Introdução A prática educativa no recinto hospitalar vem ganhando espaço nos últimos tempos, exigindo que o profissional esteja atento às diversas circunstâncias para poder oferecer um material significativo àquela criança que ele vai interagir pedagogicamente. O trabalho pedagógico pode ganhar diferentes formas de aplicação e de estratégias e são grandes os desafios do professor. Neste trabalho focalizaremos a modalidade de trabalho de contação de história. As crianças que têm a saúde debilitada já se encontram fragilizadas pela própria doença. Quando internadas a situação se agrava, pois ficam longe dos amigos, da família e da escola. A intervenção de profissionais da educação como o professor ou o psicopedagogo, seja através de projetos educacionais ou fazendo acompanhamento escolar, além de possibilitar a aprendizagem, pode atender algumas das necessidades afetivas como a atenção, a aceitação, o afeto e o toque. Segundo Fonseca (2003), "A dor, o medo, o mal-estar e a desconfiança são minimizados quando a criança tem a oportunidade de vivenciar a sala de aula do hospital". Contação de história em ambiente hospitalar O ato de contar histórias proporciona à criança um momento de relaxamento, de descontração e equilíbrio, promove o seu bem estar físico, emocional, intelectual e social, e cria condições favoráveis para que o seu sistema imunológico reaja, o que pode tornar sua recuperação mais fácil. Além disso, contar histórias em ambiente hospitalar tem um importante papel no que tange ao fazer pedagógico por vincular a criança às atividades escolares, uma vez que com freqüência essas crianças se afastam da escola. Segundo Abramovich (1994), “É através duma história que se pode descobrir outro lugar, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outra ética, outra ótica...”. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de 1998, orienta a utilização de histórias no processo educativo por se tratar de um poderoso instrumento de transformação e desenvolvimento da linguagem. 10295 “A leitura de histórias é um momento em que a criança pode conhecer a forma de viver, pensar, agir e o universo de valores, costumes e comportamentos de outras culturas situadas em outros tempos e lugares que não o seu. A partir daí ela pode estabelecer relações com a sua forma de pensar e o modo de ser do grupo social ao qual pertence (...)”. (Brasil, 1998, v. 3, p.143). A criança, ao ouvir histórias pode se identificar com um dos personagens, pode criar um símbolo e se colocar no lugar do outro. Esse movimento psíquico de transferir aspectos do objeto real ao objeto simbólico é muito importante ao desenvolvimento humano. Pode se constituir em elementos básicos ao desenvolvimento das funções simbólicas, tão importantes para a linguagem como para a aprendizagem de um modo geral. (Ilustração 1) Ilustração 1 – Momento da contação Fonte: Foto tirada em um dos leitos da Casa Ronald McDonald O objetivo deste trabalho é o de apresentar uma experiência de contação de histórias para as crianças internadas no Hospital público da região do Grande ABC Paulista, por meio de um livro adaptado e de folhas soltas. Na teoria psicanalítica as histórias, notadamente os contos de fadas, têm um lugar importante. Para Freud (1976) as fantasias decorrentes podem se relacionar ao desejo da criança modificar a realidade a qual não lhe é satisfatória. Entre os pontos “era uma vez” até “foram felizes para sempre” passando pelo terreno “de um lugar bem distante”, há falta de uma verdadeira noção de temporalidade porque a escuta se volta para o enredo, sempre mágico, segundo Bettelheim (1980), o conto representa a maior parte de nossos desejos, de nossas angústias e dos mecanismos gerais do funcionamento da nossa psique, por isso seu uso na educação de um modo geral revela-se precioso. Este trabalho apresenta uma experiência de contação de história para crianças oncológicas internas da Casa Ronald McDonalds do ABC e de em um Hospital Estadual da 10296 Região do Grande ABC. A atividade de Contação de Histórias representa uma continuidade da estimulação pedagógica dessas crianças que são acompanhadas no Ambulatório de Oncopediatria da Faculdade de Medicina do ABC. Desenvolvimento No atendimento hospitalar, muitas vezes a criança está em seu leito, possuindo uma movimentação limitada ou até uma subvisão, surgindo desta situação a necessidade de adaptar o livro de história convencional para o livro de folhas soltas (Ilustração 2), num tamanho adequado que, ao ser contado, não alterasse a acomodação do aluno/paciente. Ilustração 2 – O livro ampliado e de folhas soltas Fonte: Foto de algumas páginas do livro de folhas soltas Foi, então, o momento de criar, recortar, ampliar, modificar, ou melhor, montar um novo livro com, figuras coloridas, todo colado em folhas soltas de papel cartão colorido, com o cuidado especial de plastificá-lo para que se faça a higienização após cada utilização. A experiência descrita foi baseada no texto original do livro de Teresa Noronha, intitulado “Segunda sem preguiça” e ilustrado por Sandra Aymone, 2ª edição, Edições Loyola (s/d). Trata-se de uma história que envolve a noção de tempo. Os cartazes foram numerados no seu verso, de modo que podem ser depositados nos pés das camas do quarto, colocando-os em uma ordem seqüencial conforme o desenrolar da história (Ilustração 3). 10297 Ilustração 3 – O kit do livro ampliado Fonte: Foto do kit do livro de folhas soltas É comunicado aos alunos/pacientes que será chacoalhado um pompom ou tocado um sino a cada troca de folha, para que se atentem ao novo cenário (Ilustração 4). Ilustração 4 – Momento da troca de folhas Fonte: Foto tirada em um dos leitos da Casa Ronald McDonald A conversa é iniciada verificando se eles sabem qual é o dia da semana e se estão localizados no tempo. A partir disso são feitas perguntas de modo a se estimular um diálogo, uma troca, dando-se início à história. Ao final da vivência, diante do processo interativo estimulado, e da expectativa de que novos conhecimentos foram adquiridos, questiona-se qual o dia da semana que mais gostam, permitindo-se a exploração de muitas outras situações (Ilustração 5). 10298 Ilustração 5 – A contadora e a criança Fonte: Foto tirada em um dos leitos da Casa Ronald McDonald Conclusão O papel do professor é o de criar, de adaptar o material para as diferentes situações e essas considerações se aplicam às formas de contar histórias para as crianças. Quando se avalia que a ação pedagógica atinge seus objetivos e que se consegue satisfazer as necessidades da criança, o professor também se sente realizado e feliz, além de saber que momentos agradáveis foram vividos. O resultado obtido por tal prática foi satisfatório, pois, cada cartaz apresentado proporcionava um momento de novas surpresas. E ao final da história, sempre as crianças participantes pediam para que fosse contada a história outra vez. O fato de apresentar a história em folhas soltas num cartaz ampliado e colorido com as mesmas cores do original favoreceu a criança uma vez que não houve a necessidade de folhear o livro, ou de virá-lo para mostrar a figura à criança acamada. Um segundo ponto positivo da ampliação foi poupar-lhe o esforço para descobrir, num desenho reduzido, as figuras ou personagens da história contada. Finalmente, foi possível constatar que este é um modo de não tirar da criança, a ilusão de que é capaz de ver e de descobrir coisas, mesmo estando debilitada ou, às vezes, com a visão prejudicada pelos procedimentos médico-clínicos. Nesta adaptação foi possível enfatizar a noção de tempo, uma aprendizagem significativa sobre os dias da semana, uma vez que, na condição de hospitalizadas, as crianças podem perder essa noção. No caso específico dessas crianças, para o desenvolvimento de quaisquer atividades, se faz necessário levar em conta o seu estado físico, emocional, intelectual, ou melhor, é preciso senti-la. Faz-se necessária a descoberta de formas e momentos de intervir ou contar histórias, visto que deve ser observado o momento da criança, bem como o seu estado físico e emocional. Se a história for contada numa brinquedoteca, pode-se fazer um círculo, colocando cada cartaz à frente de cada criança, virado para baixo. Nesse caso a criança é que vira o 10299 cartaz no momento anunciado. No final pede-se também um desenho que represente o que aprenderam naquele momento. Na classe hospitalar, o trabalho pedagógico deve ser realizado proporcionando ao máximo a aquisição de conhecimentos para o aluno/paciente neste tempo de internação. Para isso, pode-se planejar a adaptação de uma história de forma a contemplar também o aprofundamento do conhecimento formal em alguma área do saber, além de apenas ouvir e interpretar histórias. Segundo Prieto (1997), “... contadores de histórias, fiquem sempre na lembrança daqueles que tiveram o grande prazer de ouvi-los.”, independente de onde estiverem. REFERÊNCIAS ABRAMOVICH, F. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1994. BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 3º v. 1998. FREUD, S. Escritores criativos e devaneios. In Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. FONSECA, E. S. Atendimento Escolar no Ambiente Hospitalar. São Paulo: Memnon, 2003. NORONHA, T. Segunda sem preguiça. São Paulo: Edições Loyola, sem data de publicação. PRIETO, H. Lá vem história outra vez. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997.