UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E ENSINO
DE PÓS-GRADUAÇÃO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS VIII
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
EM ECOLOGIA HUMANA E GESTÃO SOCIOAMBIENTAL
GLAIDE PEREIRA DA SILVA
CRIANÇAS NA TERRA:
A CAATINGA IMPRESSA NO IMAGINÁRIO INFANTIL
Representações Sociais e Mapas Mentais Infantis
sobre o Bioma Caatinga
Paulo Afonso - BA
PAULO AFONSO-BA
MARÇO / 2012
GLAIDE PEREIRA DA SILVA
CRIANÇAS NA TERRA:
A CAATINGA IMPRESSA NO IMAGINÁRIO INFANTIL
Representações Sociais e Mapas Mentais Infantis
sobre o Bioma Caatinga
Paulo Afonso - BA
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Ecologia Humana
e Gestão Socioambiental da UNEB - Universidade
do Estado da Bahia, Campus VIII, como requisito
final para a obtenção do título de mestra, sob a
orientação do Prof. Doutor Juracy Marques dos
Santos.
LINHA DE PESQUISA: Ecopedagogia
PAULO AFONSO – BA
MARÇO / 2012
Márcia Maria Feitosa Ferraz Moura – CRB/BA - 1609
Pereira-Silva, Glaide.
Crianças na terra: A caatinga impressa no imaginário
infantil. Representações sociais e mapas mentais infantis
sobre o bioma caatinga – Paulo Afonso/ BA.
/Glaide Pereira da Silva - Paulo Afonso: O Autor/
Universidade do Estado da Bahia – UNEB, 2012.
140f.: il. ; 30 cm.
Orientador: Juracy Marques dos Santos.
Dissertação (mestrado) – UNEB / Universidade do
Estado da Bahia/ Departamento de Educação, 2012.
Referências bibliográficas.
1. Ecologia Humana 2. Educação Planetária 3. Meio
Ambiente 4. Caatinga I. Santos, Juracy Marques dos
II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de
Educação III. Título
CDD –370.115
GLAIDE PEREIRA DA SILVA
CRIANÇAS NA TERRA:
A CAATINGA IMPRESSA NO IMAGINÁRIO INFANTIL
Representações Sociais e Mapas Mentais Infantis do Bioma Caatinga
Paulo Afonso - BA
BANCA EXAMINADORA
Juracy Marques dos Santos – Orientador
Doutor em Cultura e Sociedade
UNEB - Universidade do Estado da Bahia
Josemar da Silva Martins
Doutor em Educação
UNEB - Universidade do Estado da Bahia
Luiz Antonio Ferraro Júnior
Doutor em Desenvolvimento Sustentável
UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana
D
edico a construção deste pequeno tributo à Mãe Terra
e a umas tantas almas que descobri e reconheci nesta
encarnação, por mim tão queridas e amadas, e que,
juntas ou distantes, caminham, padecem, gozam
sobre o solo e sob as benesses de Gaia. Condenso-as, todinhas,
numa só: Elton Ivo Moura, amor ágape que transcendeu muitas
vidas, reencontrado no seio exuberante da floresta amazônica.
AGRADECIMENTOS
Mais uma vez, e sempre, toda minha reverência a Gaia, útero e berço
sagrados, matriz nutridora, alma mater!
Aos orixás, forças divinas da natureza, que aprendi a conhecer e respeitar!
A Regina Cely, Jailson Santana, Rosília, Luiza, Mãe Cícera e Reuber, que me
ajudaram a perceber que eu também sou esta energia e ela está ao meu dispor,
basta estender a mão e crer.
Ao meu pai, Lourival, e minha mãe, Nilde, portos terrenos!
A Flavinho e Paulinha, almas quais devo maior cuidado, por serem
complacentes perante uma mãe que age de maneira pouco convencional, nem por
isto lhes amando menos.
Aos amigos e amigas, antigos e/ou reencontrados, novos e/ou redescobertos:
Adelmo, Elis e Zé, Gabi, Joelma e Felipe, José Ricardo, Laura e Rafael, Luciana,
Rosângela, Stella Maris, Ticiano, Ulysses, Ed-Valda, Cecília. Também aos não aqui
citados, entretanto, com mesma intensidade, amados e amadas. Todos/as, pontos
de luz colocados pelo Universo, na trilha – não raras vezes, nebulosa – desta minha
encarnação.
Aos colaboradores/as desta pesquisa, construtores substanciais e coautores
nesta tarefa.
Às professoras-guerreiras Eliane Nogueira e Cleonice Vergne, por não nos
abandonarem à própria sorte e continuarem firmes na luta.
Por fim a Juracy Marques, espírito que me faz acreditar ser possível estar na
academia sem perder a conexão com o sagrado que há no Eu e no Outro, meu
referencial terreno de pesquisador de almas, com alma grandiosa.
Sara! Sara! Sara! Santa Sara tens minha devoção, por sentir me proteger nas
estradas, caminhos e des-caminhos de uma vida gitana, astrolábio que me aponta a
precisa direção, quando muitas vezes penso que já não tenho um rumo.
"Porém, no sistema de civilização védica,
considera-se o quanto a pessoa é avançada em auto-realização.
Ela pode viver numa cabana e tornar-se muito avançada em auto-realização.
Contudo, se ela desperdiça seu tempo transformando sua cabana num arranha-céu
então, toda sua vida está perdida.
A dita civilização moderna não passa de uma competição de cães.
O cão corre com quatro patas,
e as pessoas de hoje em dia estão correndo com quatro rodas.
Quem for sábio e perspicaz usará esta vida para adquirir
aquilo que deixou passar em inúmeras vidas anteriores
– a saber, compreensão do eu e compreensão de Deus.".
Sua Divina Graça A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupãda
RESUMO
A forma como nossas crianças compreendem natureza, ecologia, meio ambiente; a partir de quais
representações elaboram seus mapas mentais; se somos adultos comprometidos com a educação
das crianças, e por consequência, com o planeta e que tipo de ecologia estamos disseminando entre
estas mentalidades que estão nos primeiros tempos de existência, foram algumas das preocupações
que deram origem ao objeto desta dissertação. A problematização central diz respeito à forma como o
Bioma Caatinga tem sido representado e discutido nas propostas pedagógicas em algumas escolas
no Semiárido da região Nordeste do Brasil. Esta produção acadêmica teve a finalidade de realizar
uma análise sobre as representações sociais e os mapas mentais construídos por meninas e meninos
das Escolas de Ensino Fundamental I da rede pública municipal de Paulo Afonso – BA, em relação à
natureza, ou ainda ao bioma no qual vivem, a Caatinga. Também foi averiguado se nas ilustrações
dos/as participantes havia uma representação simbólica de elementos concernentes à corrente
teórica do Ecofeminino. Tratou-se de uma pesquisa qualiquantitativa que tomou por base a teoria das
representações sociais, tendo como categoria de análise os mapas mentais infantis simbolizados nos
desenhos produzidos pelas crianças. Os resultados indicaram que as representações infantis
atinentes ao bioma Caatinga trazem a marca de preconceitos e clichês, cujos habitantes do
Semiárido são portadores e propagadores, assim como ratifica que meninos e meninas fazem leituras
e se comportam de modo diferenciado em relação ao meio ambiente.
Palavras-chave: 1. Ecologia Humana 2. Educação Planetária 3. Meio Ambiente 4. Caatinga
ABSTRACT
The way our children understand nature, ecology, environment; from which representations draw their
mental maps; if we are adults committed to the education of children, and consequently, the planet
and what kind of ecology are spread between these attitudes that are in the early days of existence,
were some of the concerns that gave reason to the object of dissertation. The central problem
regarding how the Caatinga has been shown and discussed in the educational proposals in some
schools in the Semiarid Northeast of Brasil. This academic research was designed to perform an
analysis of social representations and mental maps constructed for girls and boys from Elementary
Public Schools in Paulo Afonso-BA, in relation to nature, or biome in which live, the Caatinga. We also
examined whether the illustrations/participants had a symbolic representation of elements pertaining to
the current theoretical Ecofeminine. This was a qualitative and quantitative research that was based
on the theory of social representations, and as an analytical category children maps symbolized in the
drawings produced by children. The results indicated that children´s representations relating to the
biome Caatinga bear the imprint of prejudices and clichés, whose inhabitants are carriers of the SemiArid and propagators, and confirms that boys and girls do readings and behave differently in relation
to the environment.
Keywords: 1. Human Ecology 2. Planet Education 3. Environment 4. Caatinga
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11
CAPÍTULO PRIMEIRO - DE ALGUNS TEÓRICOS E SUAS TEORIAS .............. 18
1.1 Pensando e Refletindo a Ecopedagogia ..................................................... 19
1.2 Sobre a Pedagogia da Terra ......................................................................... 22
1.3 Educação Ambiental ..................................................................................... 24
1.3.1 Alguns números sobre Educação Ambiental .......................................... 27
1.4 O Cuidado Ecofeminino................................................................................ 29
1.5 Ecologia da Alma .......................................................................................... 34
1.5.1 Ecologia e Complexidade .......................................................................... 39
1.5.2 Sobre a Auto-Poiésis ................................................................................. 44
1.6 A Teoria das Representações Sociais ........................................................ 46
1.7 Mapas Mentais ............................................................................................... 51
CAPÍTULO SEGUNDO - ECOLOGIA E EDUCAÇÃO ......................................... 54
2.1 Educação Ambiental. É Possível? ............................................................... 55
2.1.1 Sobre Educação, Ecologia e Educadores ................................................ 58
2.1.2 Sobre Educação, Ecologia e Crianças ..................................................... 61
CAPÍTULO TERCEIRO - PEDAGOGIA "CAATINGUEIRA" ............................... 66
3.1 Semiárido e Caatinga: um Mapa Breve ....................................................... 67
3.2 A Caatinga na Pedagogia do Semiárido...................................................... 74
CAPÍTULO QUARTO - CONCEBENDO A METODOLOGIA ............................... 80
4.1 Da Pesquisa com Representações Sociais e Mapas Mentais Infantis ..... 81
4.2 Tipo de Pesquisa ........................................................................................... 87
4.2.1 Psicologismo/Fenomenologia .................................................................. 87
4.3 Da Natureza ................................................................................................... 88
4.3.1 Pesquisa Qualitativa .................................................................................. 88
4.4 Dos Métodos.................................................................................................. 89
4.4.1 Da Ética ....................................................................................................... 89
4.4.2 Dos Riscos.................................................................................................. 90
4.5 Sobre as Ferramentas Utilizadas ................................................................. 90
4.5.1 O Desenho Infantil ..................................................................................... 92
4.6 Como se deu a Coleta os Dados .................................................................. 94
4.7 Participantes da Pesquisa: o Porquê das Escolhas .................................. 95
4.8 Tentando Entender os Mapas ...................................................................... 98
CAPÍTULO QUINTO - ANÁLISE DE DADOS ...................................................... 102
5.1 Tentando Captar Compreensões ................................................................. 103
5.2 Sobre Meninas, Meninos e Seus Desenhos ................................................ 104
5.2.1 Sobre os Seres Humanos e Correlatos .................................................... 108
5.2.2 Das Edificações .......................................................................................... 114
5.2.3 Sobre Estrelas, Sol, Lua, Nuvens, Chuva e Rios ..................................... 115
5.2.4 Sobre Árvores, Flores e Frutos ................................................................. 117
5.2.5 Fauna: Dos Mamíferos, Ovíparos e Insetos ............................................. 120
5.3 Ilustrando Probabilidades ............................................................................ 125
CAPÍTULO SEXTO - ALGUMAS IMPRESSÕES SOBRE O QUE SE IMPRIMIU
.............................................................................................................................. 132
6.1 Gente Grande, Meninas e Meninos: Do Que Não Está Impresso .............. 133
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 136
APÊNDICE............................................................................................................ 141
ANEXOS ............................................................................................................... 147
INTRODUÇÃO
Eu sou a árvore
Comovida e triste
Tu és a menina que meu tronco usou
Eu guardo sempre teu querido nome
E tu?
Que fizeste da minha flor?
1
CHICO BUARQUE
Em tempos de mudanças paradigmáticas, mais que sempre, percebe-se a grande
urgência de se modificar, transformar, muito mais investir numa nova visão e
percepção de mundo, lançando mão de referências contemporâneas, tais como
diversidade, alteridade, holismo, ecologia humana. As correntes sociointeracionistas
rezam que o meio influencia o homem e o homem influencia, transforma e modifica o
meio. Colocado este pressuposto, se compreende que uma das possíveis maneiras
de operar estas transformações sociais é se construindo um novo processo
educativo, onde a formação integral do ser seja uma premissa essencial, e não se
priorize apenas a educação acadêmica formal, sistemática e pré-estabelecida. Urge
e se faz premente buscar possibilidades criativas e inovadoras para a elaboração de
novas bases nesta tarefa tão humana que é a ação de educar.
George Snyders2 (1977), um dos teóricos da Pedagogia Progressista, lembra que a
educação institucionalizada está sempre a serviço de uma elite dominante, todavia,
é ainda, esta mesma educação que dá a condição dos cidadãos e cidadãs tomarem
pé e consciência de suas capacidades e subverterem os padrões estabelecidos.
1
Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido como Chico Buarque ou ainda Chico Buarque de Hollanda, é músico,
dramaturgo e escritor brasileiro.
2
George Snyders, professor honorário de Ciências da Educação da Universidade de Paris.
12
Comparando as LDB’s - Lei de Diretrizes e Bases, a Lei nº 4.024 de 20.12.61 e a Lei
nº 9.394 de 20.12.1996 – praticamente trinta e cinco anos de diferença entre ambas
– se constata que entre as duas leis, no que concerne à Educação Infantil, a
mudança promovida foi apenas na redação do texto. Partindo do pressuposto que a
educação institucionalizada é uma das vias sine qua non para uma possível
mudança na percepção do mundo e do próprio ser, todavia as leis que a regem
pouco se modificaram, pergunta-se: quais os rumos que poderão ter as crianças que
ora estão em formação em nossas escolas? Em quais medidas os processos
formativos educacionais das crianças interferem no destino da Terra?
A relação seres humanos/natureza é uma história de dominação ao longo da
presença humana na Terra. Os avanços tecnológicos alcançados, mormente nos
últimos cinquenta anos, não têm sido suficientes para resolver questões que dizem
respeito, muito mais que a provisão das necessidades básicas. Afinal, como diz a
música da banda Titãs3: "A gente não quer só comida, a gente quer bebida,
diversão, balé." Ficam assim, homens e mulheres, diante do paradoxo desta
contemporaneidade que, se em grande medida contribui para a qualidade de vida de
uma parte dos seres humanos, contraditoriamente, vem igualmente destruindo
recursos naturais imprescindíveis à sua sobrevivência.
É claro e pouco questionável que as pessoas desfrutam hoje de tecnologias que
garantem um estilo de vida bastante confortável – isto em se falando das camadas
"incluídas" socialmente. E seria uma avaliação simplista, não atribuir aos tempos
contemporâneos melhorias na qualidade de vida das sociedades. Resta delimitar
quais seriam os limites deste desenvolvimento desenfreado diante da problemática
socioambiental, tão emergente dos dias atuais. No atual estágio da humanidade,
será possível conciliar desenvolvimento e cuidado? O mundo ultramoderno tem seus
subprodutos indesejáveis: poluição ambiental, destruição da flora e da fauna e
desequilíbrios socioecológicos de toda ordem. A raça humana se vê impelida ao
progresso, ao consumo, mas ameaçada, sobretudo, por seus dejetos.
Somos indiscutivelmente uma civilização tecnológica. Isto quer dizer,
usamos o instrumento (techne) como forma primordial de relacionamento
com a natureza. Fazemos dela e de tudo que há nela instrumento para
nosso propósito de poder-dominação. [...] Desta forma se rompe a
3
Disponível em: <http://letras.terra.com.br/titas/91453/>. Acesso em: 01.11.2011.
13
solidariedade básica que nos une a tudo no cosmos e na Terra. O ser
humano se arroga uma posição de soberania como quem dispõe a seu belprazer das coisas que estão ao alcance de sua mão, de seu braço, de seu
olho, de seu desejo que é o instrumento. (BOFF, 2004, P. 103).
Poluentes tóxicos, persistentes e bioacumulativos são encontrados atualmente em
todo o planeta, desde países desenvolvidos - onde são produzidos em grande
escala - até países em desenvolvimento, para onde o lixo tóxico é frequentemente
exportado, lugares onde multinacionais abrem novas fábricas fugindo das fortes
medidas de controle das nações industrializadas. Isto resulta numa equação
perversa, ou seja: EXTRAÇÃO = EXPLORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS =
DESTRUIÇÃO DO PLANETA. O vídeo, A História das Coisas 4, nos chama a
atenção para o fato: "Cortamos as árvores; arrebentamos as montanhas para extrair
os metais; consumimos toda água; exterminamos os animais, estamos ficando sem
recursos naturais, estamos utilizando demasiado os materiais."
Secas na Amazônia, enchentes no Sul e Sudeste do Brasil, inundações no Nordeste,
expansão das desconhecidas e populares viroses, malária e dengue, derretimento
de geleiras próximas aos polos e diminuição do habitat de pinguins e ursos polares
são fenômenos cada vez mais presentes nos noticiários. Especialistas afirmam que
estas são manifestações das mudanças climáticas provocadas por alterações na
composição química da atmosfera planetária.
A indústria, a produção de energia e o transporte queimam quantidades gigantescas
de petróleo, carvão mineral e gás natural gerando anualmente bilhões de toneladas
de gás carbônico, que são lançadas à atmosfera, alterando o seu delicado equilíbrio.
Nos países pobres, crianças e adultos perecem sob o estigma da fome,
sobrevivendo abaixo da linha de pobreza, em total estado de miserabilidade. "Deste
modo, a natureza é subordinada ao homem; a mulher ao homem; o consumo à
produção; o local ao global, etc." (MIES E SHIVA, 1993, p. 14). Diante das
circunstâncias, se carece urgentemente buscar e encontrar soluções econômicas
que sejam ecologicamente viáveis.
4
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=ZpkxCpxKilI>. Acesso em: 30.jun.2010.
14
Embora, atualmente, o cuidado com o ambiente natural tenha se tornado
preocupação e reflexão mais presentes, a ação correspondente não tem a mesma
proporção. É desalentador constatar que, segundo estudiosos e cientistas, a
humanidade alcançou o patamar de esgotamento do sistema.
Para Capra (2005), formular políticas para um país sustentável significa introduzir
uma nova dimensão ética na política.
"Nossos líderes não só deixam de reconhecer como diferentes problemas
estão inter-relacionados; eles também se recusam a reconhecer como as
suas assim chamadas soluções afetam as futuras gerações. A partir do
ponto de vista sistêmico, as únicas soluções viáveis são as soluções
"sustentáveis"." (CAPRA, 1997, p. 24)
A ética ecológica é um padrão de comportamento que flui através da percepção de
que todos/as pertencemos à comunidade global da biosfera. Homens e mulheres
devem se comportar como os outros seres vivos: as plantas, os animais e os microorganismos que formam uma complexa rede viva, sem interferir na capacidade
surpreendente desta rede de sustentar a vida.
Há alguns caminhos que são probabilidades de se trilhar um novo percurso, e
quando se cogita a respeito, naturalmente, uma destas alternativas se torna
inequívoca – talvez uma das mais eficazes – a educação.
Contudo, o que parece despontar como a contribuição tendencial da educação face
à crise ambiental, é a criação de novas habilidades para uma intervenção humana
ecologicamente prudente na natureza, evitando ou minimizando a geração de riscos
e danos ambientais, causados por uma apreensão dicotômica, ao longo da saga
humana. Moscovici (2007, p. 32), comenta:
A maior parte das sociedades – e notoriamente as sociedades modernas –
formou-se contra [grifo do autor] a natureza, determinada a explorá-la e a
transformá-la pela violência. Uma violência no sentido estrito do termo, na
medida em que se pensa e age para dominá-la, combatê-la ou forçá-la.
Embora a perspectiva educativa biologizante esteja em forte sintonia com os demais
sistemas sociais, na medida em que promove ações sinérgicas 5 com a ciência,
5
si.ner.gi.a - sf (gr synérgeia) 3 Sociol Cooperação entre grupos ou pessoas que contribuem, inconscientemente, para
constituição ou manutenção de determinada ordem ecológica, em defesa dos interesses individuais. Disponível em: <
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=sinergia>.
Acesso
em:
02.Fev.2012.
15
tecnologia, economia, política e direito, a criação de novas habilidades humanas
ainda não se configura exatamente como a especificidade singular da educação. Se
do ponto de vista sinérgico entre os sistemas sociais, a contribuição da educação
ambiental para o enfrentamento da crise ambiental se situa na criação de cidadãos e
cidadãs, que em última instância possuem habilidades necessárias para uma
intervenção prudente no ambiente, isso quer dizer, provavelmente, que o sistema
educativo se encontra subordinado aos demais sistemas sociais que demandam um
novo perfil profissional no mercado ambiental, mas que não exigem reformulações
profundas no processo de produção do conhecimento, muito menos nas condições
sociais. Assim posto, fica compreendido que se continua vendo apenas uma parte
da questão, há uma fixação no micro, ao tempo em que se esquece que ele faz
parte do macro. James Lovelock (2006, p. 50), resume este comportamento com
muito domínio.
Passamos a nos preocupar tanto com o destino de uma árvore rara,
especialmente se ela produz um remédio que poderia curar o câncer, e com
animais e aves raros e bonitos, e a nos empolgar tanto com essas formas
de vida colecionáveis, que acabamos perdendo de vista a própria floresta.
Resgatar a ética ecológica, ou tão somente a ética – de acordo com Weil6 (1998), a
espontânea ou essencial –, imbuir todos os pares do anseio e necessidade em se
reconectarem com a mãe Terra na prática diária e permanente de uma real ecologia
humana, nos dias atuais é uma questão de sobrevivência, pois somos seres
integrais, diversos, mas também unos.
Para tanto, é preciso lutar contra as ditaduras impostas às nossas
necessidades, às nossas emoções e às nossas ações para recuperar o
homem rico em necessidades; aberto à alteridade, expondo seu corpo ao
outro, sem medo dessa exposição, para que desse encontro resulte um
terceiro plural. (SAWAIA, 1998, p. 108).
Quanto a Gaia7, quais ações e em quais preceitos e concepções se deve pautar
para lhe causar males menores? Até quando a Terra irá suportar os maus tratos e
desmandos sem uma reação brusca e violenta? A 3ª lei de Isaac Newton, também
chamada de Princípio da Ação e Reação, reza que, a toda ação corresponde uma
reação de igual intensidade, na mesma direção, em sentido contrário. Até o presente
6
Pierre Weil, doutor em Psicologia, fundador da Sociedade Brasileira de Psicoterapia de Grupo e Psicodrama, escritor fundador e vicepresidente da Universidade Holística Internacional de Paris, presidente da Fundação Cidade da Paz.
7
GAIA: “Hipótese formulada em 1999 por James Lovelock e Lynn Margulis, que considera a Terra um único e complexo organismo,
capaz de se auto-regular e se auto-organizar. De acordo com a hipótese (cujo nome é uma referência a Gaia, deusa grega da Terra),
os organismos vivos têm importante papel no equilíbrio climático da Terra: os elementos bióticos atuam na moderação do clima,
gerando condições físicas e químicas favoráveis para todas as formas de vida no planeta” (MOUSINHO, 2003, p. 353)
16
momento esta lei não foi revogada nem contestada. Se não é levado a sério este
princípio, probabilisticamente poucas pessoas, ou ninguém estará aqui para
presenciar os estertores finais, ou os grandes cataclismos originados pelo processo
de autorregulação do planeta, e eu prefiro acreditar na segunda hipótese. Este é o
futuro legado aos descendentes das criaturas que hoje habitam o planeta? Eles
sobreviverão? Estes são questionamentos que podem levar a uma reflexão mais
detida a respeito das práticas humanas.
A partir deste ponto se rememora o principal questionamento que norteará este
trabalho: Qual a percepção das crianças que estudam nas escolas municipais de
Paulo Afonso-BA, em relação à natureza, no Bioma Caatinga?
De acordo com algumas teorias da educação e correntes da Psicologia, a
personalidade infantil se molda nos primeiros anos da infância, portanto, uma
educação libertadora, livre de preconceitos, provavelmente encaminhará para uma
consciência ecológica mais ampla em cada educando/a, concomitantemente irá
colaborar para um arcabouço ecológico igualmente digno e cidadão, no coletivo.
Bateson (1986, p. 223) constata como nossos estabelecimentos de ensino
funcionam.
Funcionamos muito bem como uma escola técnica. Podemos pelo menos
ensinar os jovens a serem engenheiros, médicos e advogados. Podemos
conceder as habilidades que levam ao sucesso em ocupações cuja filosofia
de trabalho é novamente o mesmo velho pragmatismo dualístico, e isso é
muito. Talvez isso não seja a principal tarefa e função de uma grande
universidade (...).
Esta dissertação teve por finalidade analisar como crianças da Educação
Fundamental I, estudantes de escolas municipais de Paulo Afonso-BA, tem
construído as representações sociais e os mapas mentais em relação à natureza, ou
ainda ao bioma no qual vivem, outrossim, se tentou compreender as significações
dos mapas mentais infantis de crianças que vivem no Bioma Caatinga. O trabalho foi
uma alternativa construída para buscar entender como elas percebem o ambiente
onde vivem, verificando como se dá a compreensão de valores ético-ambientais por
estes educandos/as, e, avaliando se e como, a compreensão do meioambiente por
parte das meninas é diferenciada do entendimento dos meninos. O esforço para a
sistematização desta dissertação também foi um desejo de perceber se as questões
17
de gênero estão, ou não, em algum ponto, conectadas e imbricadas, desde a
infância, na concepção de mundo dos seres humanos.
Na mesma proporção os dados encontrados poderão se tornar um balizador, tanto
para os educadores/as como para todos os pares que fazem parte das escolas em
questão, na compreensão das representações sociais infantis de crianças que
moram no Bioma Caatinga, de como o universo feminino apreende, permeia e
constrói seus conceitos e sentimentos em relação ás questões ambientais. Também,
num processo dinâmico, tenciona sensibilizar para a elaboração de projetos
pedagógicos que priorizem a ecologia humana e a educação ambiental como
elementos primordiais e imprescindíveis na construção de uma relação salutar,
sustentável e harmoniosa entre os seres humanos e o planeta. Os resultados
importarão
a
todos
os
educadores
e
educadoras,
homens
e
mulheres,
independentemente da formação acadêmica que possuam, incitando-os/as a
refletirem e a considerar o respeito profundo, num convívio pacífico de uma relação
simbiótica com Gaia.
CAPÍTULO PRIMEIRO
DOS TEÓRICOS E TEORIAS DESTA DISSERTAÇÃO
Você é filho do universo,
irmão das estrelas e árvores,
você merece estar aqui e,
mesmo se você não pode perceber,
a terra e o universo vão cumprindo o seu destino".
ROBERT L. BELL
19
1.1 Pensando e Refletindo a Ecopedagogia
Somos cidadãos e cidadãs do mundo, um mundo sem fronteiras onde as diferenças
não são empecilhos para um convívio de respeito à alteridade!!!
Em dias hodiernos, vivenciados pela humanidade, esta aspiração parece ser um
sentimento muito forte, e todavia, apesar de se ansiar por um planeta assim, de
todos e todas, pleno de vida, não há, efetivamente, uma prática que ratifique este
anseio e, não raras vezes, parece que este ideal ainda se encontra no reino das
utopias.
Qual a compreensão que se tem pela expressão ”cidadão ou cidadã do mundo”? Ser
cidadãos/ãs do mundo implica dizer que todos fazem parte de uma mesma
comunidade global ou ainda que formam uma sociedade única, mundial. Gadotti
(1999, p. 22)8 concebe:
A noção de cidadania planetária (mundial) sustenta-se na visão unificadora
do planeta e de uma sociedade mundial. [...] A cidadania planetária supõe
o reconhecimento e a prática da planetariedade, isto é, tratar o planeta
como um ser vivo e inteligente [grifos do autor].
Ser um filho ou filha de Gaia, portanto cidadão/ã da Terra é reconhecer e tratar o
mundo como um ser vivo e inteligente, um sentir e viver em consonância com os
princípios de diversidade de todos os seres do globo, posto que estão todos/as
atados, unidos numa mesma rede, por uma malha sutil, que qualquer ato de um ser,
ou ainda, o que acontecer na rede afetará a todos, em maior ou menor amplitude,
não importando em qual parte do mundo se esteja.
Mesmo sentindo na pele ser desta maneira, a exploração e subjugação das classes
menos favorecidas por parte dos que possuem o controle do poder econômico é
cada dia mais evidente; possessão esta que, em nome de um ideal de consumo,
sobrepõe-se às necessidades e à dignidade humana. Infelizmente, o domínio sobre
a Terra acontece emparelhado com a transgressão.
8
GADOTTI, Moacir. In GUTIÉRREZ, Francisco e PRADO, Cruz. Ecopedagogia e cidadania planetária. São Paulo: Cortez,
1999. COLEÇÃO GUIA DA ESCOLA CIDADÂ – INSTITUTO PAULO FREIRE.
20
O item 2 da Carta da Ecopedagogia (1999) – Anexo A – lembra: A mudança do
paradigma
economicista
é
condição
necessária
para
estabelecer
um
desenvolvimento com justiça e equidade. Para ser sustentável, o desenvolvimento
precisa ser economicamente factível, ecologicamente apropriado, socialmente justo,
includente, culturalmente equitativo, respeitoso e sem discriminação. O bem-estar
não pode ser só social; deve ser também sócio-cósmico.
Atualmente, as preocupações com a sobrevivência do planeta fizeram
com que o controle da poluição parecesse aceitável e até imperativo,
perante os quadros vulgarizados das hordas famintas do mundo. O
que este empolamento dos números esconde é o diferente acesso
aos recursos e o desigual fardo ambiental que eles colocam sobre a
9
terra. (MIES E SHIVA, 1993, p. 115).
Um caminho viável para a resolução de muitas questões é o engajamento na busca
de uma transformação mundial que assegure às gerações posteriores e à
humanidade uma condição de vida pautada na igualdade e na justiça, onde todos e
todas serão incluídos e inseridos socialmente. Excepcionalmente, a raça humana se
tornou a maior predadora dela própria. “Rompemos o equilíbrio natural e, se não o
recuperarmos com urgência, devemos nos ater as suas consequências: estamos
jogando com a sobrevivência de nossa espécie.” (GUTIÉRREZ e PRADO 10, 1999, p.
31). Hoje a antropofagia mudou seus praticantes e métodos, contudo, continua
devorando suas vítimas, muitas vezes de forma traiçoeira, sub-reptícia e através de
estratagemas que torna a defesa quase impossível.
E eis que aqui se volve a um dos pontos que permeiam toda a construção deste
trabalho, a educação. Uma educação que priorize a edificação de um presente
prenunciador de um porvir melhor, uma educação – será que utópica? – que forme e
transforme todos os indivíduos em uma comunidade global, em uma coletividade
planetária. Uma formação que seja efetivamente capaz de transpor as limitações das
teorias se materializando numa prática viva e atuante.
Um educador/a planetário, que se preocupa com a formação de pessoas também
planetárias,
9
deve
estar
constantemente
atento
às
suas
construções
de
Vandana Shiva é doutora em física teórica, ecofeminista e ativista ambiental da Índia. Esta obra, Ecofeminismo, está traduzida
para o português de Portugal. As citações tem a tradução da autora. N. A.
10
Francisco Gutiérrez – Doutor em educação com especialização em Pedagogia da Comunicação e Mediação Pedagógica.
Diretor do Instituto Paulo Freire e consultor em educação e comunicação; Cruz Prado Rojas – Mestra em comunicação,
coordenou projetos de comunicação e educação popular.
21
conhecimento e metodologias, para que se transformem num agir concreto, perene e
natural, se refletindo na prática/aprendizado cotidianos.
A Ecopedagogia não é uma apologia à massificação ou a uniformização a uma única
cultura ou a uma única forma de pensamento, é uma via para que se leve em
consideração as culturas locais, é uma alternativa de se fazer descobrir e aprender a
conviver com as diversidades, em harmonia e tolerando as diferenças. Faz perceber
que só haverá vida sustentável no globo se houver definitivamente inclusão social.
A dimensão planetária da Ecopedagogia fundamenta-se na premissa que três
aspectos devem estar em equilíbrio: a ecologia natural, a social e a ecologia
humana, ou ainda, como afirma Guattari (1997), a ecologia ambiental, a ecologia
social e a ecologia mental. Então, para transformar o perfil de pessoas receptivas
num fator concreto para a construção de uma civilização planetária, Gutiérrez e
Prado (1999) sugerem dois aspectos básicos: a ecologia do eu e a ecologia
socioambiental.
[...] a capacidade de compreender e recriar o novo contexto sócioambiental pelo reconhecimento de suas causas e conseqüências; a
capacidade de relacionar a ecologia do eu com as exigências da nova
cidadania ambiental; a capacidade de sentir e expressar a vida e a
realidade tal qual e como deve ser sentida e vivida. (GUTIÉRREZ e
PRADO, 1999, p. 45)
Ainda resta uma retomada de consciência, consciência de nós próprios como parte
integrante de Gaia e, por conseguinte, a compreensão do inverso: Gaia é parte de
nós. Formamos todos e todas, pessoas e planeta, um complexo ecossistema, um
superorganismo vivo.
Não se deve esquecer que, quando Gaia é golpeada a raça humana também o é, e
quando se investe contra os humanos/as, companheiros nesta jornada cósmica,
também Gaia é agredida.
Se esta ação for localmente benéfica para o meio ambiente, ela então
poderá se difundir até que acabe resultando um altruísmo global. Gaia
sempre opera assim para atingir seu altruísmo. Não há previsão ou
planejamento envolvido. O inverso também é verdadeiro, e qualquer
espécie que afete o meio ambiente desfavoravelmente está sentenciada,
11
mas a vida continua. (LOVELOCK, 1986)
11
LOVELOCK, James E. Gaia: a terra viva. Disponível em: <http://hps.infolink.com.br/peco/nage_03.htm>. Acesso em
07.jun.2006.
22
A Ecopedagogia ratifica, ao tempo que rememora, que a Terra e nós, humanos e
humanas, somos um. Unos, porém indissociáveis. Individualidades, todavia
complementárias. Ela é o conjunto de pressupostos teóricos para uma cidadania
planetária, cujo objetivo é orientar ecologicamente homens e mulheres enquanto
seres vivos que compartilham com outras vidas a experiência vivencial na Terra, ao
tempo em que se constitui um movimento político e educativo que tem por finalidade
maior transformar positivamente nossas relações ecológicas: ambientais, sociais e
mentais. Talvez assim, de posse de nova orientação ecopedagógica, seja crível
alterar de maneira positiva as representações sociais até então incrustadas nos
adultos, que por sua vez, as repassam para as crianças.
1.2 Sobre a Pedagogia da Terra
Diversas produções relevantes nos levam a um dado contundente: a globalização,
ao invés do que sugere a terminologia, tem provocado – em grande escala – a cisão,
a fragmentação dos povos. Em nome do global o local é o mais sacrificado, as
maiores vítimas são sempre locais, principalmente as mulheres e as crianças. "Em
nome de objectivos comuns e globais, que de facto reconhecem que todos estamos
dependentes do mesmo planeta, proclamam, no entanto, o direito a explorar a
ecologia, as comunidades, as culturas locais, etc.". (MIES E SHIVA, 1993, p. 19)
Parte da degradação do globo é resultante dos conflitos sociais entre ricos e pobres,
sendo os últimos os mais atingidos por não possuírem meios que os protejam,
contudo, as pessoas e o mundo são unos não obstante suas individualidades, e não
se pode salvar um enquanto se condena o outro. A operação deve ser uma
proporção direta, um amplo projeto de resgate da Terra, ou seja, da própria
humanidade. Diferentemente do pensamento darwiniano, viver socialmente pode
não se resumir, não apenas a uma peleja ferrenha e inglória pela sobrevivência. A
cidadania planetária compreende, entre outras ações, a superação da desigualdade
e a abolição da cruel diferença econômica entre ricos e paupérrimos. A cidadania
planetária é formada e construída por cidadanias em menor instância, nem por isto
menos importantes, tais como a local e nacional. "Uma cidadania planetária é por
essência uma cidadania integral, portanto, uma cidadania ativa e plena não apenas
23
nos direitos sociais, políticos, culturais e institucionais, mas também econômicofinanceiro" [grifos do autor]. (GADOTTI, 2000, p. 159)
A cidadania planetária perpassa e transcende os limites das questões ambientais, é
uma conquista diária e permanente, condição a qual está atrelada a democracia – na
dimensão em que ela existe –, pois que dá a consciência que um ato nunca será um
fato isolado e que tudo importa e afeta a todos e todas.
A Pedagogia da Terra assim como a Ecopedagogia e outras categorias tais quais:
Planetaridade, Sustentabilidade, Virtualidade, Globalização e Transdisciplinaridade
(GADOTTI, 2000), são perspectivas atuais para uma educação do futuro que indica
e aponta o próprio sentido do que somos, de onde viemos e para onde vamos, ou
não, posto que do futuro se dispõe e ele será como nos aprouver e convier, sempre
levando em consideração a 3ª Lei de Newton, da Ação e Reação.
Pensando numa Pedagogia da Terra ou Ecopedagogia, naturalmente se remete a
uma educação para uma civilidade planetária. Segundo Gutiérrez e Prado (1999, p.
65), uma pedagogia voltada para esta comunidade global, deve estar voltada para o
desenvolvimento individual de uma aprendizagem com alvo bem definido, ou seja,
ampliar as próprias competências que são muitas, e dentre elas: sentir, intuir, vibrar
emocionalmente; relacionar e interligar-se, auto-organizar-se; buscar causas e
prever
consequências;
criticar,
avaliar,
sistematizar
e
tomar
decisões
e,
principalmente, pensar a totalidade holisticamente.
Quando orientamos o coração para aprender? Não apenas para conhecer
o mundo exterior e para, nele, atuar. Sobretudo para aprender a estar no
mundo, navegar o encontro e florescer como seres humanos. Para tomar
consciência do fio de ligação que conecta todos os nossos passos e todos
os eventos no qual habitamos. Como afirma o estadista, Václav Havel, a
educação, hoje, é a capacidade de perceber as conexões ocultas entre os
12
fenômenos. (CREMA, 2003)
E aqui, novamente se está perante o referencial que permeia quase toda pesquisa,
que está intrinsecamente em quase todos os parágrafos, tópicos, itens e contextos:
a educação. Obviamente ela não poderá resolver sozinha todos os desatinos ou por
fim às atrocidades cometidas neste planeta, porém “a educação, concebida não
12
CREMA, Roberto. A pedagogia do amor. Disponível em: <http://www.cuidardoser.com.br/a-pedagogia-do-amor.htm>
Acesso em 13.jul.04.
24
como escolarização, pode e deve ter um peso na luta pela sustentabilidade
econômica, política e social.” (GADOTTI, 2000, p. 87).
A ecopedagogia como movimento pedagógico é nova, em processo, portanto é
complexa e pode ser compreendida como um movimento social e político sujeito a
mudanças.
À revelia de pensamentos e correntes filosóficas, também além das terminologias –
mundialização, globalização – um fato é evidente: o problema não é o processo de
universalização, que possui aspectos positivo por sinal, mas a competição
descomedida. É uma luta entre competição e solidariedade, entre o poder
econômico e a ética, entre o consumo indiscriminado e a espiritualidade.
Não se trata de falar da espiritualidade como dedução de certas doutrinas,
dedução que podemos derivar ou não. Trata-se de captar a espiritualidade
como uma experiência global de re-ligação de todas as buscas, dos
encontros, das experiências de sentido, como aquele fio que une todas as
pérolas para formar um colar. (BOFF, 2004, p. 253).
A pedagogia da Terra é uma nova probabilidade, um esforço do ser planetário para o
exercício de uma cidadania da mesma relevância, ela é uma provocação ao
sentimento de pertencimento ao planeta azul, é um convite para vivenciar nossa
filiação cósmica. Então, quando empoderados desta posição interna de filhos e filhas
do cosmo, homens e mulheres se tornarão planetários e, certamente, as questões
ambientais poderão ser resolvidas por um viés mais ético, íntegro.
1.3 Educação Ambiental
A humanidade tende a uma desconexão com a Terra e suas culturas. Muitas das
comunidades e povos tradicionais que ainda resistem, tem sofrido represálias e
retaliações por impedirem o progresso e desenvolvimento necessários à maioria.
Através da informática, cibernética, manipulação genética, reprodução assistida, – e
tantas outras descobertas que podem fazer avançar muito mais – os seres humanos
não notam que se encaminham para uma região pouco conhecida por seu conjunto
de experiências.
25
Questões de grande importância, tais como, a conservação ambiental, ecologia de
ecossistemas e sustentabilidade, ainda não ocupam nas preocupações da
sociedade hodierna o espaço com a devida importância que merecem. Envolvidas
com as novas tecnologias e os cenários urbanos, envoltas no fascínio que estes
aspectos exercem, a população planetária se autoagride devastando o meio,
indiscriminadamente. Atravessa-se uma crise global, cujos pressupostos de uma
razão analítica, muitas vezes redutora e excludente, faz com que se percam valores
fundamentais à espécie, contudo este ir ao extremo, ‘descer até o fundo do poço’,
podem ser alavancas para uma retomada de consciência em direção a um novo
conceito de existência. Se não é possível evitar a destruição em pleno curso, talvez
seja provável se preparar para a tarefa de reconstruir. "Sobretudo, através de uma
nova educação, centrada na consciência da inteireza, que cuide e facilite a
atualização do potencial humano e o florescimento da inteligência integral, este
patrimônio tão descuidado de nossa ferida humanidade." (CREMA, 1995).
Apesar dos esforços empreendidos nos últimos quarenta anos, concretizados nas
formas inúmeras, tais como conferências, colóquios, seminários e muitas outras, os
sujeitos envolvidos não têm honrado os compromissos e acordos firmados,
comprometendo seriamente o potencial de vida no planeta. Há uma grande
discrepância entre teoria e prática, uma lacuna imensa entre o texto das leis e sua
eficaz aplicação. Minimizar a distância entre a lei e o exercício dela, requer medidas
efetivas, e uma destas medidas pode ser a de orientar as sociedades e populações
para uma postura comportamental que se leve a um modo de viver sustentável,
promovendo assim uma gestão responsável dos recursos da Terra, modificando o
nível da qualidade de vida no orbe terrestre e resguardando os interesses das
futuras gerações.
A educação ambiental deve fomentar e remeter a uma cultura de respeito e
valorização à diversidade e identidade do ser integral. Desde os meados da década
de 60 a educação ambiental é assunto em pauta, contudo o seu reconhecimento
internacional como uma perspectiva para a construção de uma sociedade
sustentável é delegado à Conferência de Estocolmo, em 1972, sendo a Conferência
de Tbilisi, em 1977 o marco que consolidou o PIEA – Programa Internacional de
Educação Ambiental.
26
No Brasil, a institucionalização da educação ambiental é deflagrada no ano de 1973,
com a criação da SEMA-Secretaria Especial do Meio Ambiente, criada no Poder
Executivo e atrelada ao Ministério do Meio Ambiente. Em 1981 foi a vez da
institucionalização da PNMA – Política Nacional de Educação Ambiental que
estabeleceu a obrigação de se incluir a educação ambiental em todos os níveis de
ensino, "incluindo a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para a
participação ativa na defesa de meio ambiente, evidenciando a capilaridade que se
desejava imprimir a essa prática pedagógica." (ProNEA, 2005, p.22).
O MMA-Ministério do Meio Ambiente – foi criado em 1992, e o IBAMA-Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis instituiu no mesmo
ano,
os
Núcleos
de
Educação
Ambiental
–
NEA,
em
todas
as
suas
superintendências estaduais. Ainda em 1992, no decorrer da Rio-92, foi produzida a
Carta Brasileira para Educação Ambiental admitindo que a educação ambiental é um
dos utensílios mais expressivos para tornar a sustentabilidade uma estratégia de
sobrevivência do globo e para elevar a qualidade da vida humana a um patamar
superior. Finalmente, depois de um longo tempo de discussões, em 1997, os PCN's
- Parâmetros Curriculares Nacionais foram aprovados pelo Conselho de Educação e
neles a ecologia humana veio inserida como tema transversal.
A Diretoria do Programa Nacional de Educação Ambiental – ProNEA – foi criada em
1999, e por fim, em 27 de abril do mesmo ano foi aprovada a Lei nº 9.795, que
dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental. Ela não faz acepção de
pessoas, nem distingue entre educação formal e informal, outrossim, é inclusiva
quando incita e convoca todos os cidadãos e a coletividade a fazerem parte de um
processo educativo onde todos têm o mesmo direito.
A lei nº 9.795 - de 27 de abril de 1999 (Anexo B), que dispõe sobre a educação
ambiental, no capítulo I, entende por educação ambiental:
[...] os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem
valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências
voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do
povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
27
Também a mesma lei contempla todos os segmentos da população, não importando
a formação que possuem, e quando da educação formal, também todas as séries,
desde a infância, são consideradas. As seções II e III do Capítulo II, anexo B tratam
destes aspectos, fazendo compreender que a educação ambiental é uma prática
ampla, geral e irrestrita. A lei entende que não se deve conceber uma educação
ambiental que não seja fundamentada por uma abordagem sistêmica, que não
agregue os diversos aspectos da problemática ambiental contemporânea, ainda que
a educação ambiental deve ter enfoque humanista, holístico, democrático e
participativo
1.3.1 Alguns números sobre Educação Ambiental
De acordo com Crespo (2003), o Brasil está entre os países tradicionalmente
democráticos, então a pesquisa de opinião é um instrumento usado naturalmente
para a formulação de políticas públicas, quanto consulta à população a respeito dos
mais diversos assuntos. Contudo, diferentemente de outros países, a exemplo do
Canadá, Inglaterra e França, entre outros, as pesquisas brasileiras na área de meio
ambiente só começaram a acontecer há apenas vinte anos, e de um modo muito
elementar.
Doutora Samyra Crespo13, autora de um dos principais trabalhos na área de meio
ambiente, intitulado: O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do
desenvolvimento sustentável, base de dados nesta temática no Brasil, através de
uma pesquisa séria e reveladora constatou:
Após dez anos de pesquisa, podemos dizer com segurança que o perfil do
brasileiro ambientalista, ou simpatizante, é o seguinte: ele é homem ou
mulher, tem entre 22 e 45 anos, possui alta escolaridade (superior
incompleto ou mais), mora em centros urbanos e vê televisão, seu principal
meio de informações sobre o assunto. Aliás, este é um dado a ser
considerado com atenção: 90% da população brasileira se informam sobre o
meio ambiente [...] através da televisão. (2003, p. 65).
Esta afirmação trás grande preocupação com as escolas, quando se compreende
que as pessoas se inteiram melhor das questões ambientais, muito mais, depois de
13
SAMYRA CRESPO – Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo, é pesquisadora titular do Departamento
de História da Ciência do Museu de Astronomia e Ciências Afins – Ministério de Ciências e Tecnologia e desde 1993 coordena
o Programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento do ISER – Instituto de Estudos da Religião.
28
ter cursado, pelo menos parte do 3º grau (Figura 1). Mais preocupante se torna este
dado sabendo-se que, segundo o censo 2006 do IBGE-Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, apesar do crescimento de estudantes com maior nível de
escolaridade, eles ainda representavam apenas 10,7% do total de estudantes
brasileiros. Ou seja, grande parte da população deste país não acessa este patamar
de informações e a condição de frequentar uma universidade.
Naturalmente que houve um avanço na aquisição destes informes a respeito do que
se passa com o planeta, e de acordo com os dados da pesquisa de Crespo (2003),
em 2003, 25% foram incapazes de identificar um problema ambiental. Segundo a
mesma autora, nos anos anteriores o índice era bem maior: “[...] em 1992, quase
metade da população (47%) não era capaz de identificar, espontaneamente (em
uma pergunta aberta), um problema ambiental na sua cidade ou no Brasil. Em 1997,
esse percentual baixou para36% [...]” Este número é alto e significa que um quarto
da população não é capaz sequer de perceber, na sua experiência cotidiana, um
problema ambiental. Ainda sobre a mesma questão, Crespo (2003) afirma que entre
os indivíduos que não conseguem identificar problemas ambientais, 35% estão
concentradas na região Nordeste. Este quadro se torna mais inquietante quando,
também através da mesma pesquisa, os dados indicam que os mais insensíveis e
ignorantes perante as questões ambientais são os que possuem baixo nível de
escolaridade.
Os cidadãos/ãs ainda não são muito instruídos, a educação ecológica é bem menor
que a ideal. Segundo estudiosos e observadores atentos, os padrões de consumo
no mundo estão mudando, “[...] não tanto por fatores ligados à ‘consciência
ambiental’, mas à expansão da ideia de que qualidade de vida implica hábitos mais
saudáveis.” (CRESPO 2003, p. 69).
Talvez nem tudo esteja perdido, posto que, mesmo com pouca velocidade, os
avanços acontecem. Ainda com base em Crespo (2003, p. 71): “Além disso, são
animadores os que declaram estar dispostos a ajudar com trabalho voluntário (64%
[dos entrevistados], predominando disposição entre os mais jovens) ou até com
contribuições em dinheiro...”. Todavia, a maior parte dos que se dispõe a colaborar
com dinheiro não o possui.
29
Figura 1 - Pessoas com Superior Completo
Diante do quadro atual, tomando como pressuposto uma educação de qualidade,
talvez se torne possível fazer despertar as consciências para uma nova ecologia
humana, onde o ser seja considerado essencialmente, integralmente, e compreenda
que não é necessário degradar, destruir o planeta para viver confortavelmente. Que
as gerações atuais compreendam que o futuro existirá se, e somente se, mudarem o
atual pensar e transformarem o agir em prol da edificação de um mundo
ecologicamente humano, ambientalmente sustentável e socialmente referenciado.
1.4 O Cuidado Ecofeminino
O mundo hoje discute as questões de gênero. Na saga da mulher ao longo da
história humana, talvez o sofisma mais bem construído, assaz persistente, foi a sua
30
classificação como ser inferior ao homem, suposição que aos poucos tem sido
abandonada por falta de fundamentações mais precisas e cientificamente plausíveis.
Vandana Shiva (1993), na obra Ecofeminismo, discorre sobre a estreita relação
entre as formas de dominação e exploração do gênero feminino e da natureza, posto
que ambas são fontes geradoras de vida.
Depois de um longo caminhar, têm acontecido situações e oportunidades para que
esta problemática seja discutida de maneira mais justa, aberta e claramente.
Seminários, congressos, simpósios, enfim existe a promoção de uma série de
eventos onde são postos à mesa problemas antes escondidos sob a mesma.
Não que tudo tenha se resolvido num piscar de olhos e não aconteçam mais
entraves neste aspecto, entretanto percebe-se um esforço contínuo na resolução de
alguns impasses aos quais não se podia sequer fazer alguma referência a respeito.
Um enfoque de gênero não se refere somente às medidas utilizadas para
incorporar a mulher no processo de desenvolvimento. Questiona, tal como
conceito de desenvolvimento sustentável, o fim e o conteúdo do
desenvolvimento, assinalando a necessidade de buscar novas políticas que
contribuam para a mudança das estruturas de desigualdade existentes e o
uso sustentável de meio ambiente. (CASTRO E ABRAMOVAY, 2005, p.38).
Homem versus Mulher! A antiga e tão contemporânea questão. Por que não Homem
e Mulher? As diferenças existem, entretanto, poderiam ser vividas sem dores ou
traumas. O respeito à alteridade e o ser integral são novos paradigmas para a
compreensão de muitas questões até então causadoras de grandes celeumas.
Esquecendo ou tentando ignorar sua dimensão essencial e divina, os homens e a as
mulheres se corromperam e romperam consigo próprios, construindo seus valores a
partir, apenas, de referenciais mecanicistas. Os resultados desta ruptura são
imensamente trágicos, tais como: a degradação ambiental, exacerbação da
violência, as guerras constantes, a exclusão perversa e desumana, a injustiça
crônica, a corrupção, entre outros são sinais evidentes de uma civilização que se
desconectou da alma, da consciência, da ética e do espírito.
Em se falando de mulher, à tona ressurgem adjetivos como: sentimento,
subjetividade, emoções. E o que seria amor, entre tantas terminologias
contemporâneas? Verbete tão desgastado por uma prática de desamor diário,
31
contudo, valor necessário, independentemente do gênero ao qual se sinta pertencer.
E aqui tomo como explicação para amor, o sinônimo de cuidado, zelo, carinho. “O
amor é um fenômeno cósmico e biológico. Ao chegar ao nível humano, ele se revela
como uma grande força de agregação, de simpatia, de solidariedade.” (BOFF, 1999,
p. 111).
Neste amor cósmico, universal está incluso o amor à natureza, e este amor implica
sensibilidade suficiente para captar o que o planeta carece, o que sente, por quais
situações passa e dos cuidados que necessita.
Para as mulheres do Terceiro Mundo que lutam pela conservação da sua
base de sobrevivência, [...] o divórcio entre o espiritual e o material, é
incompreensível para elas, o termo Terra-Mãe não precisa de ser colocado
entre aspas, porque elas consideram a Terra um ser vivo que garante a sua
própria sobrevivência e a das criaturas suas semelhantes. (MIES E SHIVA,
1993, p. 31).
Boff (2004), sobre a contribuição do Ecofeminismo, afirma que o tema da
complexidade, da interconexão de todas as coisas e da centralidade da vida evocam
a mulher. A mulher capta todos estes aspectos citados por instinto, de uma maneira
singular, posto que está ligada ao que mais complexo existe, a própria vida, sendo
sua geradora mais imediata.
É sabido que a mulher ficou na caverna, desta feita, cuidou da cria. O homem foi à
caça, à luta pela comida como provedor. Embora, disto discordem alguns autores.
Seria preconceituoso dizer, por exemplo, que a relação entre gênero e meio
ambiente se dá fundamentalmente porque as mulheres são mais sensíveis,
são mais cuidadosas com o meio ambiente e preocupam-se mais com os
afazeres domésticos [...] Esta abordagem reproduz a clássica relação entre
o pai provedor, criador da cultura e da civilização, e a mãe responsável pelo
cuidado dos filhos e da casa. (GADOTTI, 2005, p. 7).
Todavia, a luta feminina pode ter se dado contra as feras mais poderosas, os medos
e temores. Talvez por, também ter cuidado dos filhos, filhas e seus companheiros/as
– ainda fazem isto, mesmo sendo chefes de famílias e provedoras, (Figura 2) –
aprendeu a perceber sinais, sensações e sentimentos, que ao homem caçador não
foi possível. A mulher, ou o homem que é portador desta feminilidade e dela tem
consciência, possui em seu âmago a ética do cuidar e é através desta ética que a
mulher interage com o mundo e com o sagrado.
32
É principalmente a mulher, embora não exclusivamente, desempenhando os mais
diversos papéis, nos mais variados âmbitos da vida, que lida com a "arte e esta
técnica do complexo, que constituem, sabiamente, a técnica e a arte do próprio
processo evolucionário cosmogênico." (BOFF, 1999, p. 47)
Até os dias atuais não há alternativas para habitação que não o mundo, pois,
nenhum planeta do sistema solar se mostrou adequado à sobrevivência do seres
humanos – todos “hostis” – com exceção da Terra. Talvez tenham, todos e todas,
que frequentarem escolas nos moldes da criada por Fritijof Capra, onde
aprenderemos, alfabeticamente, a conviver com uma nova dimensão. Também, o
feminino pode ser uma atitude inspiradora para um convívio de integração e
harmonia com a natureza.
Figura 2 – Mulheres no Mercado de Trabalho
Fonte: IBGE 2009
Majoritariamente, a consciência feminina, num estado mais profundo, fundamenta-se
no conhecimento existencial que as mulheres têm do fato de que todas as formas de
vida são conectadas, de que a existência humana está sempre arraigada nos
33
processos cíclicos da natureza. Por isso, a consciência feminina tem por foco a
busca de satisfação nos relacionamentos e sentimentos que os permeiam, e não na
acumulação de bens materiais.
A
concepção holística do ser feminino conduz à compreensão de que isto deve
acontecer em todas as áreas do saber, posto que, daí se deriva novos valores,
transformando-os
14
"holocentrada" .
de
autoafirmativos
Ao
gênero
para
masculino,
integrativos,
Capra
(2003)
uma
compreensão
associa
atributos
autoafirmativos, tais quais: expansão, competição, dominação, além de outros.
A partir do arcabouço teórico de cientistas e pensadores como Capra, Boff, Morin,
Shiva, pode-se inferir que a mulher é inteira, aberta e receptiva ao que, num primeiro
momento não se explica através da lógica positivista. Não carrega em si o medo de
chorar por eventos que seus cinco sentidos não compreendem, não se importa por
emocionar-se diante do que foge à “inteligibilidade”. Boff (1999) entende que as
mulheres possuem uma conexão holística com a razão e o universo arquetípico do
inconsciente pessoal, coletivo e cósmico, e por isto, detêm a condição de melhor
superar as dicotomias estabelecidas pela cultura patriarcal e androcêntrica.
A masculinização da terra-mãe envolve a eliminação de todas as
associações da força ao feminino e à diversidade. A força e o poder são
definidos nas formas de identidade militarizada, enquanto a tolerância da
diversidade é definida como efeminada e fraca. [...] No entanto, está a
revelar-se que a liberalização e a modernização estão na base da ruptura
de todos os laços com a mãe-terra. A masculinização da terra-mãe resulta
no seu desaparecimento dos corações e das mentes das pessoas. (MIES E
SHIVA, 1993, p. 149).
Assim como Gaia, a mulher também é portadora e geradora da vida. Quem poderia
compreender melhor o significado real, na mais profunda acepção do termo, o que
seria ecologia humana? "É mérito do ecofeminismo ter articulado de forma crítica
[...] e de maneira construtiva o novo padrão de relacionamento para com a natureza
no horizonte de uma fraternidade/sororidade e sacralidade planetária e cósmica."
(BOFF, 1999, p.48).
Amar Gaia é algo mais complexo que a emissão de um jato verborrágico
inconsequente, ou ainda uma relação onde se busque apenas as vantagens, amar
14
Segundo Pierre Weil (1987), "uma pessoa Holocêntrica ou Holocentrada é, pois, um “ser humano” que busca restabelecer-se
como Ser, quer dizer, alguém que entrou numa via de desenvolvimento holístico."
34
Gaia é um dar-se sem querer em troca, muito mais do que ela já dá, é algo livre de
sentimentos dominadores, porque somos um, e se a ela a humanidade tenta
sobrepujar é à mesma humanidade que se está debelando. Amar o planeta é ter
para com ele, nosso próprio corpo, uma atitude amorosa que se refletirá no cosmo.
1.5 Ecologia da Alma
É um fato que a educação formal não ensina muito da natureza, do ser inteiro, de
entender as palavras, muito menos as ações dos sujeitos, de nós; compreender
motivos, emoções, enfim, a base subjetiva do agir e pensar. As relações sociais
também são de cunho cognitivo, têm carga afetiva, assim como os sentimentos são
representações sociais que expressam construções mais complexas. Os humanos,
as humanas, diferentemente da máquina, possuem a capacidade subjetiva de
modelar, remodelar, desconstruir, reerguer, o objeto a ser conhecido nas relações
interpessoais.
Para tentar compreender a ecologia profunda – ou da alma – de maneira sucinta, se
pode lançar mão da definição apresentada por Bateson (2006, p. 107): “En otras
palabras, la teoría del espíritu aquí presentada es "holística", y, como todo holismo
serio, tiene como premisa la diferenciación e interacción de las partes.”
Numa ecologia da alma, educar não é apenas o processo pelo qual uma pessoa
adquire conhecimentos gerais, sejam eles científicos, artísticos, técnicos ou
especializados, com o objetivo de desenvolver sua plena capacidade ou suas
aptidões, isto é instruir. Educar para a ecologia da alma, no sentido mais profundo
do termo, é orientar o homem e a mulher, é aperfeiçoá-los, é proporcionar condições
para que natural e livremente construam objetivos e se permitam por eles serem
guiados ao progresso e equilíbrio social, psíquico e espiritual da humanidade.
Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala
planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução
política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens
materiais e imateriais. Esta revolução deverá concernir, portanto, não só às
relações de forças visíveis em grande escala mas também aos domínios
moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo. (GUATTARI,
1997, p. 9)
35
Os países desenvolvidos se veem submersos cada vez mais em conflitos
provocados pelo desespero de populações assoladas pela fome, desemprego
crônico e outras pestes tais como a marginalização de seus jovens, velhos/as,
trabalhadores/as cujos salários são miseráveis, fazendo vivê-los abaixo da linha de
pobreza. No mundo sob as condições biossocioambientais atuais, a distância entre
progresso e desenvolvimento se torna cada vez maior em relação ao humano, à
natureza.
E assim há uma confrontação com os contrassensos, tão comuns aos seres
humanos: tecnologias e conhecimentos científicos capazes de resolverem questões
ecoambientais, contudo incapazes de resolverem demandas urgentes como a
mortalidade infantil nos países denominados de Terceiro Mundo. A humanidade é
detentora do conhecimento, todavia ainda não foi capaz de se empoderar deste
conhecimento para reverter sua hodierna condição de vida e a da Terra. O planeta
não voltará a ser como dantes, sobretudo levando em consideração as mudanças
causadas pela informática, robótica, genética e a globalização de todo este cabedal
de transformações. Sem fazer apologia a um retrocesso, o quadro se apresenta
irreversível, restando às pessoas reaprenderem e desenvolverem políticas
sustentáveis para o convívio com todos estes avanços, pois agora eles já fazem
parte intrínseca do processo.
No mundo das ideias, para que ocorram mudanças, necessário se faz entrar em
contato e se relacionar com outras fontes de ideias que serão originárias de sujeitos
diferentes, ou ainda se deparar com as próprias ideias em momentos diferenciados,
pois muito certamente elas terão mudado. Observando, avaliando, questionando
pensamentos e conceitos, próprios e também de outros indivíduos, se tem
resultados diversos num processo chamado vida, sendo assim, talvez, capazes de
mudar. Todavia, o ser humano encontra dificuldade para perceber, assimilar e
incorporar as mudanças, e esta dificuldade pode se dá pela gradação como estas
alterações acontecem. É notório depois de algum tempo, diante de uma análise
minuciosa, que alguns eventos e fenômenos naturais, por exemplo, sofreram
mudanças marcantes, entretanto, é como se os humanos se acostumassem a elas
por ocorrerem de forma gradual e continuamente; e sendo a memória apenas
imediata, a mesma não consegue abarcar as transformações emitidas por largos
36
períodos de tempo, ignorando desta feita todo o contexto que deu origem ao quadro
presente.
Análogamente, nos es muy difícil percibir câmbios en nuestras propias
relaciones sociales, em la ecología que nos rodea, etc. ¿Cuántas personas
se percatan de la asombrosa merma em el número de mariposas que
vuelan por nuestros jardines, o del número de pájaros? Estas cosas sufren
un cambio drástico, pero nos acostumbramos AL nuevo estado de cosas
antes de que nustros sentidos puedan decirnos que es nuevo. (BATESON,
2006, p. 110)
Gregory Bateson (2006) afirma ter uma preocupação: entender como o espírito e o
processo espiritual devem trabalhar necessariamente. Busca verificar se o fato do
espírito só conseguir receber informações de diferença dificulta a destreza em
distinguir entre uma mudança sutil e uma circunstância já estabelecida. Isto posto,
se pode formular as seguinte questões: As pessoas têm que ir à bancarrota para
perceber as mudanças ocasionadas por um comportamento equivocado em relação
ao planeta? Há de se chegar à derrocada final para compreender que se deve
mudar uma conduta perversa e que ela é revertida também contra os próprios
sujeitos/as causadores e disseminadores da destruição?
Em contrapartida há outra cogitação que pode ser feita. Diferentemente de outros
animais, homens e mulheres conseguem estabelecer a diferença entre dois
contextos. Contrariamente à fábula científica da rã, que permanece na panela com
água quente se a água for aquecida gradativamente, a humanidade tem
conhecimento que se continuar na “panela” será cremada, portanto possui o livre
arbítrio para pular fora e apagar o fogo, mudando o contexto antes que morra
“cozida”.
Mas, as mudanças são assombrosamente temidas. As pessoas não se dão conta ou
preferem ignorar que a vida acontece de maneira cíclica e não linearmente. Talvez o
pavor à ausência da lógica faça com que os sujeitos se agarrem com tanta força ao
vigente e aos arcaísmos. Bateson (2006, p. 139), diz que “[...] la historia del largo
coqueteo de la civilización con la idea de causa circular parecería estar conformada
por la fascinación parcial y el terror parcial, con el problema da la tipificación lógica."
Conclui que a lógica é um modelo deficiente de causa e efeito.
37
É natural inferir que o pensamento predominante na estrutura atomista, cartesiana
que perpassa o paradigma científico atual seja: tudo funciona separado de tudo,
inclusive os indivíduos, seus grupamentos e culturas. Diante desta catalepsia
cartesiana, se ver, se ouve, se incomoda, mas se termina movendo apenas em
direção a algo que sinalize o mínimo de mudanças, pois as drásticas e/ou definitivas
aterrorizam.
O medo da mudança assusta, e por isto, ou coisas e fatos se encaixam em crenças
e superstições ou naturalmente se abandona quaisquer possibilidades de ver algo
com outro olhar, sem sequer tentar compreender o que de original as situações
podem oferecer. Então, fica penoso alterar a ordem dos destinos se, só em pensar
na possível mudança do eu, tremem as bases do ego. “O conforto e desconforto
individuais [grifo do autor] tornam-se os únicos critérios de escolha da mudança
social...” (BATESON, 1986, p. 228).
O homem e a mulher – comprovadamente – são os únicos seres que possuem uma
“consciência criativa”, e conseguem pensar em termos de abstrações como a
beleza, a bondade, a esperança, e cultivar ideais de enobrecimento. Por meio de
seu sistema mental são capazes de propósito e de escolha através de suas
possibilidades autocorretivas.
Difícil se torna compreender o fato dos seres humanos serem portadores desta
capacidade singular – pensar – e continuar com práticas tão duvidosas. A despeito
de refletir e ponderar, continuam a agir com Gaia como se nunca nada a respeito
tivesse ocorrido. Sequer se dignam a imaginar o que com ela se passa, como se o
planeta fosse apenas um adendo, uma reles minudência. Assim como num jogo em
que se estabelecem as regras previamente, toda relação deve ser discutida entre os
envolvidos, e a humanidade não tem sido uma jogadora honesta, burlando num
crescendo, as regras e leis durante quase toda a sua existência na Terra.
É duro constatar, entretanto, que a humanidade não tem se mostrado muito
empenhada no desenvolvimento desta relação entre o sistema social e o mundo
natural. Diante do contexto atual de destruição, ao invés de se apropriar do
ecopensamento e tentar minorar as causas do aniquilamento planetário, as
38
sociedades se distanciam de sua origem primeira, tomando para si algo que não lhe
pertence, o destino do globo terrestre. Ao longo de sua jornada na face do planeta,
as sociedades foram apagando sua ligação com o natural, acontecendo uma perda
do foco, uma desvinculação gradativa com a inteireza cósmica e voltaram-se para
uma única parte envolvida no processo. O que poderia ser um simples vínculo
holístico na ecologia da alma se tornou um hiato diante das necessidades e
carências humanas. “Hoje, despejamos um pouco de história natural nas crianças
junto com um pouco de ‘arte’ de forma que elas esqueçam a natureza ecológica e a
estética de estarem vivas e cresçam para se tornarem bons homens de negócios”.
(BATESON, 1986, p. 150).
Ora, diante do exposto há de se convir que a humanidade deva vislumbrar novas
probabilidades, outros rumos; entrever meios alternativos no convívio equilibrado e
sustentável com o planeta. Firmeza e determinação são adjetivos que deveriam ser
utilizados para a resolução desse “calcanhar de Aquiles” contemporâneo e coletivo,
a degradação progressiva da Terra, causada por ímpetos de consumo conjugados a
uma visão religiosa, edênica, que incita a dispor de tudo da maneira que bem
aprouver – todos são proprietários designados por Deus –, originando daí os
arroubos de invencíveis “donos” de tudo, inclusive do planeta.
A reconstrução de uma nova humanidade pode ter como pressuposto um ideário
originado na antiga Grécia, promulgado há mais de dois mil anos: o conhecimento
profundo do próprio ser homem/mulher e não a “intelectualização” efetuadas em
instituições de ensino. Evidências e teorias ecoambientalistas e eco-humanas
apontam em uma mesma direção: o autoconhecimento do ser humano. Desta
maneira se poderá descobrir e divisar até que ponto os direitos são apenas da
humanidade; se deve compreender o que é peculiar, o que faz parte do orbe
terrestre e o que pertence a todos. Este achado provavelmente evidenciará e
ratificará que em instante algum se está dissociado do planeta; que unidades são
componentes
de
um
conjunto,
destarte
somos
individualidades
diversas
pertencentes a um macro-organismo vivo chamado Gaia.
Uma proposta para reflexão é tentar descobrir em qual época se dissociou de Gaia,
em qual época da história planetária se fez a opção por Tanatos em detrimento de
39
Eros15. Será que com o surgimento da ciência positivista também se deu início a
uma maior fragmentação dos indivíduos? Tantas especialidades que se perdeu a
transdisciplinaridade.
Para
compreender
o
mundo
se
optou,
e
se
fixou
pertinazmente, pelo axioma cartesiano que professa: não conseguiu entender,
divida. Se não conseguiu ainda, divida muito mais, até chegar à menor parte.
Compreender o mundo era tarefa tão difícil quanto montar um quebracabeça do tamanho do planeta. [...] A teoria de Gaia vê a biota e as rochas,
o ar e os oceanos como existência de uma entidade fortemente conjugada.
Sua evolução é um processo único, e não vários processos separados
estudados em diferentes prédios de universidades. (LOVELOCK, 1986).
Uma ecologia profunda, numa lógica contrária, sugere: se não entender uma
pequena parte amplie o foco, se ainda assim não conseguir, adicione todas as
partes e as mergulhe no contexto. E eis que a ecologia da mente convoca a
restabelecer o contato primordial e primitivo com a vida, com a mãe Terra e com os
iguais; concita a este reencontro com Eros, com a inteireza.
1.5.1 Ecologia e Complexidade
Todos, pessoas, bichos, plantas, terra e tudo que no planeta há, estão intrincados
numa dimensão tal que, com os conhecimentos dos quais se dispõem, é
inimaginável mensurar. Uma pequena parte da população planetária usufrui – os
pobres ou paupérrimos ficam à margem, apesar de pagarem um valor bem elevado
– das maiores benesses proporcionadas pelos avanços tecnológicos. Contudo, é
comum uma sensação de desconforto, posto que estes avanços e progressos
também trouxeram as desvantagens da degradação planetária, que de acordo com
as propriedades desta complexidade, a vida fará com que se colha seus frutos.
Quando se volta para a produção desenfreada e o aumento do capital, a economia
tradicional e os meios de produção renegam o custo ambiental que este
comportamento terá, fazendo crescer e precipitando a destruição indiscriminada do
ambiente do globo com tudo e todos/as que nele existem. Os indivíduos agem como
15
“TANATOS: Termo grego (a Morte) às vezes utilizados para designar as pulsões de morte, por simetria com o termo Eros.
EROS: Termo pelo qual os gregos designavam o amor e o deus Amor. Freud utiliza-o na sua última teoria das pulsões para
designar o conjunto das pulsões de vida em oposição às pulsões de morte.” Ambos os verbetes definidos por Jean Laplanche,
extraído do livro Vocabulário da Psicanálise: Laplanche e Pontalis, 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
40
se todos os atos da espécie humana estivessem acima de qualquer julgamento e os
atos de natureza material e concreta pudessem ser separados de outros fatos
imateriais, subjetivos, não influindo em acontecimentos futuros.
Mais do que uma crise ecológica, a problemática ambiental diz respeito a
um questionamento do pensamento e do entendimento, da ontologia e da
epistemologia pelas quais a civilização ocidental tem compreendido o ser,
os entes e as coisas; da ciência e da razão tecnológica pelas quais temos
dominado a natureza e economicizado o mundo moderno. (LEFF, 2002, p.
194).
Tradicionalmente estudiosos das ciências naturais lidam apenas com a matéria e
cientistas sociais exclusivamente com a estrutura social. As academias organizam
suas estruturas de tal forma que o currículo de um especialista em determinada área
de conhecimento não faz conexão com o outro, como se cada disciplina fosse
estanque e se resumisse a ela própria. O racionalismo científico, com elegante base
disciplinar, gerou o especialista, exótico sujeito que de quase-nada sabe quase-tudo.
(CREMA, 1995). A multi, interdisciplinaridade, ainda não são práticas generalizadas,
nem tão pouco compreendidas pelos seres humanos, criaturas vitimizadas da
desconexão natureza/humanidade.
Contudo, esta dissensão não é consonante com os novos paradigmas do milênio,
pois para a construção de uma humanidade ecologicamente sustentável e viável
carece que todos os entes pensantes – cientistas naturais, sociais e cidadãos/as
"comuns" – que compõem a vida do planeta, se agrupem num esforço conjunto e se
envolvam na manutenção da “teia da vida”16.
A complexidade ambiental inaugura uma nova reflexão sobre a natureza do
ser, do saber e do conhecer, sobre a hibridação de conhecimentos na
interdisciplinaridade e na transdisciplinaridade; sobre o diálogo de saberes e
a inserção da subjetividade, dos valores e dos interesses nas tomadas de
decisão e nas estratégias de apropriação da natureza. Mas questiona
também as formas pelas quais os valores permeiam o conhecimento do
mundo, abrindo um espaço para o encontro entre o racional e o moral, entre
a racionalidade formal e a racionalidade substantiva. (LEFF, 2002, p. 195).
O receio da ciência se envolver com os fenômenos subjetivos pode remontar o
paradigma cartesiano, quando Descartes cindiu mente e matéria. A partir da
interpretação deste enunciado positivista, o observador/a humano está dissociado do
do objeto de sua observação, enquanto a teoria quântica argumenta que o
16
CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1997.
41
observador/a influi invariavelmente na construção dos resultados, ou seja, não é
possível separar uma coisa da outra.
Por volta de cinquenta anos não precisos, algumas mudanças significantes têm
acontecido nas ciências ditas exatas. O espaço para o dualismo cartesiano entre
mente e matéria tem se tornado mais estreito. Apesar das negativas de alguns
adeptos, os paradigmas científicos vigentes até então estão sendo gradativamente
reavaliados e substituídos por uma visão de realidade em que a vida é o próprio
eixo. Ramos como a Química e a Biologia tem afirmado que a origem da vida na
Terra resultou de uma cadeia de acontecimentos químicos, “sujeitos ás leis da física
e da química e à dinâmica não-linear dos sistemas complexos”. (CAPRA, 2003, p.
34).
A crise ambiental, entendida como crise de civilização, não poderia
encontrar uma solução por meio da racionalidade teórica e instrumental que
constrói e destrói o mundo. Apreender a complexidade ambiental implica um
processo de desconstrução e reconstrução do pensamento; remete-nos às
suas origens, à compreensão de suas causas; implica considerar os “erros”
da história que se enraizaram em certezas sobre o mundo com falsos
fundamentos; descobrir e reavivar o ser da complexidade que foi
“esquecido” com o surgimento da cisão entre o ser e o ente (Platão), do
sujeito e do objeto (Descartes), para apreender o mundo coisificando-o,
objetivando-o, homogeinizando-o. (LEFF, 2002, p. 191-192).
A ecologia profunda e a visão sistêmica da vida são voltadas para os processos e
organização dos sistemas vivos, ou seja, leva em consideração todos os veios e
nuances que permeiam estes fenômenos, por mais sutis que sejam, entendem que
mente e consciência não são coisas, mas sim, processos. “A visão sistêmica da vida
[...] não era uma teoria coerente dos sistemas vivos, mas uma nova maneira de
pensar sobre a vida, que incluía novas percepções, uma nova linguagem e novos
conceitos.” (CAPRA, 2003, p. 15).
Aliada a esta visão sistêmica, cientistas e matemáticos desenvolveram uma nova
teoria que respalda a mesma: a teoria da complexidade – dinâmica não-linear. Ela é
composta por um conjunto de conceitos e métodos matemáticos que é usado para
descrever e analisar a complexidade dos sistemas vivos. Na ciência ortodoxa,
alguns/as membros se dispuseram a fazer o que antes era inimaginável,
concorrendo para a elaboração de novas considerações e técnicas e ampliando
substancialmente a compreensão dos fundamentos da vida.
42
A nova compreensão de o que é a vida – baseada nos conceitos da
dinâmica não linear – representa um divisor de águas conceitual. Pela
primeira vez na história, dispomos de uma linguagem eficaz para descrever
e analisar os sistemas complexos. (CAPRA, 2003, p. 16).
A teoria da complexidade entende que a vida é sistêmica e unificada, se
organizando em extensa e emaranhada rede, desde as redes metabólicas celulares
até redes maiores, assim como os complexos sistemas de comunicações das
sociedades humanas, e estas conexões são tão efetivas que perturbações de
grandes proporções podem detonar o estopim de múltiplos processos de
realimentação surgindo desta forma uma nova ordem. Também nos alerta a mesma
teoria que, estes pontos instáveis podem desencadear não uma transformação
inovadora, mas o mero colapso de estruturas vigentes.
Há outro paradigma que faz parte da teoria da complexidade, ainda não muito aceito
no meio científico: a subjetividade. Na sua compreensão, posto que todas as partes
compõem um todo maior e nenhuma partícula pode ser negligenciada na
compreensão da complexidade vital do planeta, a subjetividade não pode ficar de
fora, os fenômenos subjetivos devem compor qualquer ciência que se volte para a
cognição, não sendo necessário que se renuncie ao rigor científico.
A noção de ecossistema significa que o conjunto das interações entre
populações vivas no seio de uma determinada unidade geofísica constitui
uma unidade complexa de caráter organizador: um ecossistema. A
Ecologia, que tem um ecossistema como objeto de estudo, recorre a
múltiplas disciplinas físicas para apreender o biótopo e às disciplinas
biológicas [...]. Além disso, precisa recorrer às ciências humanas para
analisar as interações entre o mundo humano e a biosfera. Assim,
disciplinas extremamente distintas são associadas e orquestradas na
ciência ecológica. (MORIN, 2004, p. 28)
Uma ecologia complexa ou profunda – como se queira – será constituída por uma
associação das ciências naturais aliadas às ciências das subjetividades. Percebendo
atentamente o mundo em torno de nós, se contata que todas as partes e pessoas
estão integradas e compõem uma organização mais ampla, como um enorme e
infindo fractal.
Não só as moléculas da vida que temos em comum com o restante do
mundo vivente, mas também a nossa mente é encarnada, nossos conceitos
e metáforas estão profundamente inseridos nessa teia da vida, junto com o
nosso corpo e o nosso cérebro. Com efeito, nós fazemos parte de universo,
pertencemos ao universo e nele estamos em casa; e a percepção desse
pertencer, desse fazer parte, pode dar um profundo sentido à nossa vida.
(CAPRA, 2003, p. 82)
43
As pessoas são portadoras de todo o material necessário para a vida no planeta,
porém, ao mesmo tempo parecem separadas de tudo por causa dos conceitos,
consciência e cultura. É certo que nenhuma individualidade – apesar de carregar no
seu
âmago
uma
completude
–
consegue
viver
isoladamente.
Há
uma
interdependência entre os seres, portanto não é possível dissociar uma vida de
outra. ”Conhecer o ser humano não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele.”
(MORIN, 2004, p. 37).
Assim, o mundo é um imenso organismo vivo do qual todos os seres fazem parte e
dele carecem inteiro e saudável para continuarem vivendo, pois afinal, o corpo não
funciona apenas com o cérebro, ele não pode prescindir das microscópicas células.
De acordo com a hipótese Gaia – alguns cientistas já a compreendem como teoria –
de James Lovelock e Lynn Margulis, a evolução dos primeiros organismos vivos
processou-se juntamente com a transformação da superfície planetária, passou de
um ambiente inorgânico para uma biosfera autorreguladora.
Assim incidindo,
escreve Harold Morowitz17, “a vida é uma propriedade dos planetas, e não dos
organismos individuais.” (CAPRA, 2003, p. 23)
A complexidade nos conduz a um vivenciar cíclico, a saber: o desenvolvimento de
uma consciência humana e ética que se completa com o sentimento da maternidade
terrena para a vida e a proeminência desta vida para a humanidade.
A Terra não é soma de um planeta físico, de uma biosfera e da
humanidade. A Terra é a totalidade complexa físico-biológica-antropológica,
onde a vida é uma emergência da história da Terra, e o homem, uma
emergência da história da vida terrestre. [...] À maneira de um ponto de
holograma, trazemos, no âmago de nossa singularidade, não apenas toda a
humanidade, toda a vida, mas também quase todo o cosmo, incluso seu
mistério, que, sem dúvida, jaz no fundo da natureza humana. (MORIN,
2004. p. 40-41).
Enfim, a teoria da complexidade não prescinde de nenhum aspecto para a
construção de um planeta sustentável, seja ele físico, social, mental ou espiritual,
sabendo-se que todos eles estão enredados numa trama, cuja urdidura é
inextrincável. Puxando um fio se desordena toda a rede.
17
MOROWITZ, Harold. Beginnings of celular life. Yale University Press, 1992.
44
1.5.2 Sobre a Auto-Poiésis
Na busca de conhecimentos para uma melhor convivência com a Terra e maior
compreensão deste gigantesco e complexo organismo vivo que somos, têm surgido
algumas teorias interessantes que nos conduzem a um entendimento mais amplo a
respeito da origem e do ser humano.
A auto-poiésis, teoria científica dos biólogos chilenos, Humberto Maturana e
Francisco Varela18, induzem a uma reflexão que recupera a ideia de autorreferência,
aplicando-a a toda ciência. Refere-se principalmente às dinâmicas geradas num
sistema que conduzem à sua circularidade, autorreprodução, autossustentabilidade
ou autorreferencialidade. A auto-poiésis é nada mais que a autogeração das redes
vivas. O sistema autopoiético sofre mudanças estruturais contínuas, mas, em
paralelo mantém seu padrão de organização em rede. Estes componentes, por sua
vez, produzem e transformam uns aos outros de maneiras diversas e modo
continuado.
A mudança estrutural de autorrenovação reza que todo organismo vivo se renova
constantemente, todavia mesmo perante uma mudança cíclica permanente, o
organismo conserva sua identidade global, seu padrão de organização, enquanto
que a criação de novas estruturas não são cíclicas, mas seguem uma ordem de
desenvolvimento, acontecendo também de maneira continuada em face às
influências ambientais ou resultante de uma dinâmica interna do sistema.
A autopoiesis admite que os sistemas vivos se atrelam estruturalmente ao seu
ambiente através de interações recursivas, alterações que por sua vez deflagram
mudanças estruturais no sistema. Deve-se levar em consideração que os sistemas
vivos são autônomos, enquanto o ambiente meramente desencadeia as mudanças
estruturais; não as determina, muito menos as dirige.
Organismos vivos, por sua natureza, respondem às influências ambientais com
mudanças estruturais não previsíveis e independentes, e estas mudanças, em
18
MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco. A árvore da vida. A base biológica do entendimento humano. Campinas, SP:
Editorial Psy II, 1955.
45
consequência e naturalmente alteram seu comportamento futuro. Ou seja, um
sistema conectado ao meio através de um liame estrutural é um sistema que
aprende. Sucessivas mudanças estruturais provocadas pelo contato com o
ambiente, sendo estas mudanças seguidas de procedimentos tais como: adaptação,
aprendizado
e
desenvolvimento
também
continuados,
são
características
fundamentais de todos os seres vivos.
Diante do exposto podemos afirmar que no processo de interação com o ambiente
um organismo vivo se torna o resultado individual e peculiar de uma série de
mudanças estruturais, ou ainda, o acúmulo de todas as experiências anteriores que
por sua vez significa uma história excepcionalmente singular. “Assim, o
comportamento do organismo vivo é ao mesmo tempo determinado e livre” (CAPRA,
2003, p. 52). Portanto, por extensão também é correto entender que Gaia, como
macro-organismo vivo, é uma estrutura que comporta todos os registros das
estruturas de outros seres vivos, inclusive dos humanos/as.
Os sistemas vivos respondem de maneira independente, definem e decidem o que
percebem e aceitam como perturbações do ambiente onde se encontram. Isto
implica que, se os organismos vivos respondem às mudanças ambientais com
mudanças estruturais não programadas e autônomas, não se pode sequer supor
quais serão as reações de Gaia frente aos comportamentos pouco afáveis dos
organismos chamados seres humanos/as.
Grandes
cataclismos,
catástrofes
naturais,
são
muitas
vezes
respostas
desencadeadas pelo globo terreno, ás perturbações provocadas por meio das
criaturas vivas. Se as reações forem sempre proporcionais às ações, terão nada
mais nada menos que o tamanho das atitudes e/ou ações que as deflagraram, sejam
positivas, equilibradas ou negativas e insanas. Traduzindo em palavras simples, o
mundo que se constrói é um reflexo dos sistemas que o construíram, inclusive as
pessoas. “O fato é que, entre nós e o mundo existe, sempre, nós mesmos.”
(MAGALHÃES, 2005) 19.
19
José Luiz Quadros de Magalhães – Reitor da Escola Superior Dom Helder Câmara e diretor da Faculdade de Direito Izabela
Hendrix, em Belo Horizonte (MG), mestre e doutor em Direito Constitucional, coordenador da pós-graduação da Fundação
Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais, professor do Mestrado e Doutorado da PUC/MG, Centro Universitário
de Barra Mansa (RJ) e UFMG. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5897> Acesso em 18.out.2005.
46
Muito distante está a visão convencional, que acredita ser a Terra um meio material,
composto de elementos inertes, criada casualmente para habitação da espécie
humana e satisfazer suas necessidades, para seu usufruto e bel prazer, Gaia não é
o ambiente onde a vida se dá e desenvolve, ela é a vida.
1.6 A Teoria das Representações Sociais
Conhecimento do senso comum e formada em função da sucessão dos dias dos
indivíduos é a teoria da representação social. Sua abordagem é pertinente na
proporção em que se tenta fazer pontes e vinculações entre as construções
simbólicas e a realidade social dos sujeitos, sua visão epistemológica busca
compreender como esta realidade erige a leitura dos símbolos que preenchem o
cotidiano.
O conceito das representações sociais, designado por Émile Durkheim como
consciência coletiva e depois como representações coletivas, faz parte do
pensamento sociológico, como uma via para análise da realidade coletiva, posto que
era a expressão de conhecimentos, crenças e sentimentos do grupo social. Em sua
compreensão, Durkheim acreditava que podia se separar a existência dos fatos
sociais dos individuais, inclusive devendo se delegar a ciências distintas o estudo
das duas modalidades. Quanto aos fatos sociais, Horochovski (2004, p. 94)
interpreta Durkheim:
[Os fatos sociais] são exteriores às consciências individuais, existem nas
partes porque antes existem no todo. E é isso que os diferencia do objeto da
psicologia. Cabe à sociologia analisar os estados da consciência coletiva,
suas leis e representações, que são extremamente diferentes dos de
natureza individual, com os quais deve preocupar-se aquela ciência.
Por acreditar na distinção entre estas duas áreas do saber e, por conseguinte, no
pensamento que a sociedade não pode ser explicada através de suas consciências
individuais, Durkheim adota o conceito das representações coletivas. Para ele, a
representação social se refere às representações coletivas, como uma forma de
ideação social à qual se opõe a representação individual, e foi por ele aplicado em
relação a sociedades estáticas, tradicionais, estabelecidas, sem inovação. Observase ainda que "Durkheim concebia as leis da ideação social no jogo que se mantém
47
entre elas, abstendo-se de discutir os aspectos cognitivos da representação e sua
produção pelos grupos sociais." (ANADON e MACHADO, 2001, p. 10).
Sob a lente de uma visão sistêmica, podemos entender que uma compreensão dá
origem à outra, as concepções acontecem de forma cíclica, numa retroalimentação
constante. A obra de Émile Durkheim é reconhecida pela contribuição que deu à
Sociologia, a respeito das representações sociais, todavia neste trabalho se optou
por adotar as concepções destas representações em dias atuais.
Segundo Farias (2005), a maioria das produções desenvolvidas na área das
representações sociais nos últimos trinta anos têm como base a produção científica
pioneira desenvolvida por Serge Moscovici, representante da psicologia social que
“promove a substituição do termo coletivo por social e lhe amplia o significado: não
somente traduz [a representação social] como também produz conhecimentos”
(HOROCHOVSKI, 2004, p. 92); num trabalho publicado em 1978, cujo título original
da obra é La psychanalyse, son image et son public20.
Na obra de Moscovici existe uma preocupação com as mudanças e permanências
da vida social; tenta devassar o motivo das representações, das reações do grupo e
do indivíduo. Moscovici percebe as representações sociais:
[...] entidades “quase tangíveis”, presentes na realidade, que se manifestam
em palavras e expressões, em produções e consumo de objetos, em
relações sociais. Para ele, “correspondem, por um lado, à substância
simbólica que entra na elaboração e, por outro, à prática que produz a dita
substância, tal como a ciência ou os mitos correspondem a uma prática
científica e mítica”. (MOSCOVICI, 1978, p. 22).
Horochovski (2004, p. 99) dá continuidade à interpretação do pensamento de
Moscovici (1985), refletindo que as representações sociais na sociedade atual são
equivalentes aos mitos e crenças nas sociedades primitivas. Elas remetem-se,
portanto, à maneira que os homens pensam, agem, procuram compreender o
sentido de suas ações e pensamentos.
Seu estudo se focaliza na maneira pela qual os seres humanos tentam
captar e compreender as coisas que os circundam e resolver os ‘lugares
comuns’ e quebra-cabeças que envolvem seu nascimento, seus corpos,
suas humilhações, o céu que vêem, os humores de seu vizinho e o poder a
que se submetem.
20
MOSCOVICI, Serge. A representação social da psicanálise. RJ: Zahar, 1978.
48
Um pressuposto básico na psicologia social de Moscovici é que ela percebe as
representações como fenômeno que possui mobilidade e circularidade. Longe de ser
meramente um conceito a mais, as representações sociais são formas de
interpretação e comunicação ao tempo em que produzem e elaboram conhecimento
numa ordem permanente e dinâmica. Elas são um tipo de conhecimento
característico que formula comportamentos e constitui a comunicação entre os
indivíduos. “Esse conhecimento se nutre da ciência que, por sua vez, é apropriada
pelos sujeitos pertencentes a determinados grupos.” (FARIAS, 2005, p. 34)
Para Horochovski (2004), as representações sociais têm por objeto a transmutação
do que não se conhece em algo manifesto, o não familiar em algo íntimo. Fazer com
que algo estranho e intrigante se torne comum, próximo. “Esse processo
transformador é determinado pela linguagem, imagem e idéias compartilhadas por
um dado grupo.” (HOROCHOVSKI, 2004, p. 100).
Em virtude do exposto, compreende-se que a representação social deve ser
compartilhada e elaborada por um grupo determinado, posto que sua construção
acontece na relação entre os sujeitos e com objetos. Dá-se a desconstrução de uma
realidade singular e específica, porém que é compartilhada pela comunicação de
indivíduos em influência mútua com o outro. Ou seja, a representação social só
acontece com a presença de um objeto e um sujeito social, seja ele individual ou
coletivo, pertencente a um determinado grupo.
As pesquisas nos apontam pressupostos que podemos a partir deles reiterar o que
elabora Farias (2004, p.34).
[...] podemos dizer que a representação social, ao estudar a ação do
homem comum, expressa uma espécie de saber prático {grifo do autor] de
como os sujeitos sentem, assimilam, apreendem e interpretam o mundo,
inseridos no seu cotidiano, sendo, portanto produzidos coletivamente na
prática da sociedade e no decorrer da comunicação humana.
Alves-Mazzotti (2000) comenta que na teoria das representações sociais de
Moscovici elas não são meramente opiniões a respeito de algo ou as imagens de
alguma coisa, em verdade elas são hipóteses de um grupo sobre o real, elas são
sistemas que possuem uma lógica e linguagem peculiares, uma estrutura de
consequências baseada em valores e conceitos que determinam o campo das
49
comunicações presumíveis, dos valores e das ideias compartilhadas pelos grupos e
orientam, subsequentemente, os comportamentos desejáveis ou permitidos.
Tanto para Horochovski (2004) como para Alves-Mazzotti (2000), a teoria proposta
por Moscovici reconhece dois processos cognitivos fundamentais e imprescindíveis,
os quais ele chama de dois processos maiores, dialeticamente relacionados, que
atuam na formação das representações sociais promovendo a familiarização com o
desconhecido, então atemorizante: a ancoragem e a objetivação.
A ancoragem transfere o estranho para um referencial que possibilita sua
interpretação e comparação, classificando, gerando nomes e rótulos e, por
conseguinte,
representando.
Ela
consiste
em
aditar
elementos
cognitivos
estrangeiros aos conhecidos previamente. É a inserção orgânica de um
conhecimento em um elenco de crenças existentes, ou seja, a ancoragem permite
adicionar algo novo a alguma coisa que é antiga, para se conseguir interpreta-la e
assegurar a orientação do comportamento e das relações sociais.
A objetivação cria um cenário íntimo ao que antes se desconhecia, ela transforma
em algo tangível o que anteriormente existia apenas no mundo da imaginação.
Anadón e Machado (2001) assentem que para Moscovici a objetivação acontece em
três fases: construção seletiva, esquematização estruturante e naturalização, nesta
ordem.
Na primeira fase ou construção seletiva, os elementos de um grupo social
descontextualizam e selecionam o objeto diante do qual se encontram. Nesta
situação, as informações que circundantes sobre o objeto sofrem uma triagem em
função de condicionantes culturais e, sobretudo, de critérios normativos, de modo a
proporcionar uma imagem coerente e facilmente exprimível do objeto da
representação. (ALVES-MAZZOTTI, 2000).
Prosseguindo, na esquematização estruturante o grupo social partindo de elementos
retidos e apropriados, constroem o núcleo figurativo. Este núcleo, por sua vez,
possui intenso cunho existencial, envolvendo tanto o consciente quanto o
50
inconsciente, sendo ambos confrontados sob uma atmosfera de complexa
contradição.
Finalizando, a terceira e última fase, ou naturalização, ocorre quando os elementos
do pensamento são transpostos para a realidade, aí então, deixando de existir a
lacuna entre a representação e o objeto representado. Os elementos do núcleo
figurativo passam a ser concretos, sendo percebidos tanto em nos indivíduos quanto
nas pessoas que pertencem ao mesmo grupo social. "Dá-se então uma integração
dos elementos da ciência em uma realidade tida como de senso comum, realidade
esta que orienta as percepções, juízos e condutas a partir de uma realidade
socialmente construída." (ANADON e MACHADO, 2001, p. 23).
Jodelet (1990)21 apud Alves-Mazzotti (2000, p. 61), assim sintetiza:
[...] a interação dialética entre ancoragem e objetivação permite
compreender: (a) como a significação é conferida ao objeto representado;
(b) como a representação é utilizada como sistema de interpretação do
mundo social e instrumentaliza a conduta; e (c) como se dá sua integração
em um sistema de recepção, influenciando e sendo influenciada pelos
elementos que aí se encontram.
Em suma, as representações são um arquétipo de conhecimento formulado e
partilhado socialmente que “ajuda a apreender os acontecimentos da vida cotidiana,
a dominar o ambiente, a facilitar a comunicação de fatos e ideias e a nos situar
frente a pessoas e grupos, orientando e justificando nosso comportamento.” (AlvesMazzotti, 2000, p. 62).
Segundo Sá (1998), existe uma diversidade catalográfica de problemas ou
fenômenos sociais pesquisados. Contudo, para facilitar o entendimento dos
pesquisadores, ele agrupa os numerosos problemas analisados em sete temas
substantivos gerais, que de acordo com a perspectiva dele “parecem configurar
áreas mais consistentes de interesse dos pesquisadores: ciência, saúde,
desenvolvimento, educação, trabalho, comunidade e exclusão social.” Ou seja,
existem trabalhos produzidos praticamente em todos os campos que permeiam a
condição humana no planeta.
21
JODELET, Denise. Représentation sociale: phénomène, concept et théorie. In: MOSCOVICI, Serge. (Dir.). Psycologie
sociale. 2 ed. Paris, France: Presses Universitaires de France, 1990.
51
1.7 Mapas Mentais
Sucintamente, os mapas mentais são o resultado de uma relação inerente entre as
pessoas e o meio em que elas vivem.
Anadón e Machado (2001) asseveram que segundo Fischer (1964) 22, a origem do
estudo dos mapas mentais surgiu quando da introdução da ideia de comportamento
territorial, dos animais, cujo principal pesquisador foi Tolman (1948), produzindo a
obra de título Cognitive maps in rats and men (Mapas cognitivos em homens e
ratos) e sendo o primeiro a usar a expressão mapa cognitivo.
Os resultados das pesquisas em questão indicaram que o território, de acordo com a
sua densidade, tem uma influência expressiva sobre a conduta dos animais.
“Fazendo uma análise comparada, os pesquisadores concluíram que tanto os
animais como os homens possuem aquilo que se pode chamar de ‘instinto
territorial’.” (ANADÓN e MACHADO, 2001, p. 63-64). Há uma informação consensual
que Kevin Lynch foi o primeiro pesquisador a utilizar em seus estudos o mapa
mental como instrumento. O estudo de Lynch – A imagem da cidade23, que dizia
respeito a três cidades norte-americanas – desvenda como os habitantes
representavam mentalmente suas cidades.
Nos anos sessentas, Estados Unidos e França se voltaram com extremo interesse
para os estudos da psicologia do espaço ou do ambiente, mas depois,
gradativamente, este interesse foi se ampliando em várias direções, a exemplo da
geografia e urbanismo, entre outras.
Notadamente existem duas tendências na conceituação e concepção do que seja
mapa mental: uma adota a terminologia mapa cognitivo e a outra, a mais usual,
adota a expressão mapa mental.
22
TOLMAN, E. C. Cognitive maps in Rats and Man. Psychological Review, 4, 1948, p. 189-208. Cité dans FISCHER, G. -N.
Psycologie sociale de l’environnement. Saint-Laurent, Québec: Bo Pre; Toulouse: Privat. 1964, 240p.
23
LYNCH, Kevin. The image of the city. Cambridge: MIT Press. 1960, 194p.
52
Para uma definição breve e se constituir a diferença entre o que pensam as duas
tendências sobre mapa cognitivo e mapa mental, lemos em Anadón e Machado
(2001, p.65).
[...] de uma parte uma tendência que incorpora o nome mapa cognitivo, e
passa a conceber o mapa mental de forma restrita, evidenciando somente o
processo individual de construção do conhecimento [...] De outra parte há
uma tendência mais acentuada de utilização da expressão “mapa mental”
(mesmo que muitos utilizam também a expressão mapa cognitivo) pelos
pesquisadores que concebem a construção do conhecimento de uma forma
mais larga. Segundo estes pesquisadores as propriedades do homem como
ser social são sempre tocadas pela função e pelo valor do lugar no qual elas
produzem.
Comparando, uma tendência não nega a outra, naturalmente se complementam. A
segunda tendência trás um elemento a mais, a visão contemporânea e holística de
compreender dimensão cósmica da humanidade, posto que reconhece a interação
entre os seres humanos e o meio no qual estão inseridos.
Kurt Lewin foi um dos primeiros estudiosos, a abordar a interdependência entre o
homem e seu ambiente, reconhecendo que todos os comportamentos humanos são
resultados do meio, sendo o espaço vital o fundamento desta interação.
Fischer (1964)24 apud Anadón e Machado (2001, p. 66), argumenta que a partir da
teoria do espaço vital um novo quadro conceitual deveria ser construído, quando
esta teoria “não pensa mais o homem de forma abstrata e desenraizada, mas o
aborda como um ser encarnado em um meio [...] A experiência do mundo exterior é
marcada sempre por noções apreendidas no meio em que as pessoas vivem.”
Fischer traduziu de forma hodierna e holocêntrica a significação de espaço vital,
significado primeiro e que daria origem à construção do esquema conceitual do que
hoje se chama mapa mental.
Continuando a explicitação, ainda recorremos à compreensão de Fischer: “toda
situação é uma re-escrita simbólica do espaço, segundo a importância e o valor que
o indivíduo dá àquilo que o cerca”. (FISCHER, 1964 apud ANADÓN E MACHADO,
2001, p. 66-67). Então, entendemos os sujeitos usam os espaços não e tão somente
materialmente, mas criam um relacionamento imaginário que dotam os mesmos de
sentido próprio e singular, assim sendo, ao falar dos seus espaços, os indivíduos
24
FISCHER, G. -N. Psycologie sociale de l’environnement. Saint-Laurent, Québec: Bo Pre; Toulouse: Privat. 1964, 240p.
53
manifestam eles próprios, revelando que um espaço representado é a somatória de
processos cognitivos e subjetivos construído através de um mecanismo psicológico.
Sabendo deste quadro conceitual, a correlação entre ele e os mapas mentais pode
ser apreendida através da representação que os habitantes fazem de suas cidades,
porque o que torna uma cidade o que ela é, não são suas casas, edifícios, pontes
e/ou quaisquer outras formas concretas, ou mesmo a construção subjetiva de
apenas um cidadão/ã, porém as configurações coletivas dos lugares, que
acontecem “sob a interação de uma mesma realidade física, de uma cultura comum
e de uma natureza física idêntica”. (LYNCH apud ANADÓN e MACHADO, 2001, p.
68).
Sintetizando, poderemos dispor da definição de mapa mental em Anadón e
Machado (2001, p. 69).
O processo cognitivo pelo qual os indivíduos organizam e compreendem o
mundo que os cerca, codificando, estocando, memorizando e decodificando
as informações relativas às características de um ambiente.O mapa
cognitivo é o produto desse processo: é a imagem mental que preside a
maneira através da qual nós construímos nossa representação de um
ambiente dado. Sobre o conjunto dos espaços nos quais nós vivemos: casa,
escola, lojas, vias, disposições de ruas, se formam dos mapas mentais que
nos informa não sobre o espaço tal qual ele é, mas sobre a maneira que
nós cremos que ele é.
A pertinência dos mapas mentais é evidente quando os pesquisadores que discutem
a teoria não concebem a existência do sujeito num contexto isolado do ambiente,
contrariamente, só compreendem o sujeito numa relação direta e inseparável com o
meio onde vive, provido de um sentimento de pertencimento, pois afinal, o ser
humano se completa no outro e nas outras coisas que existem no mundo que ele
cria.
CAPÍTULO SEGUNDO
ECOLOGIA E EDUCAÇÃO
"Só em nós mesmos podemos mudar alguma coisa;
nos outros é uma tarefa quase impossível."
CARL GUSTAV JUNG
55
2.1 Educação Ambiental. É Possível?
É ponto de concordância entre diversos autores, pesquisadores e pensadores, que
os humanos/as sofrem a influência do meio desde a hora em que nascem e entram
em contato com o mundo que os rodeiam, por conseguinte com outros seres
humanos. As correntes sociointeracionistas afirmam que o ser é construído através
das interações sociais, assim acontecendo, o ambiente sócio-moral, através das
interações proporcionadas, oferece ambiência propícia de desenvolvimento social e
moral das crianças.
Desta feita, de alguma sorte e em algum grau, todos nós somos responsáveis, se
não pela educação – posto que educar é uma tarefa impossível sob a ótica
freudiana25 –, mas, por influenciar, conduzir ecologicamente nossas crianças.
Contudo, se não somos adultos/as conscientes ou sensíveis às questões
socioambientais, não temos condições para mostrar e/ou tentar fazer os outro/as
apreenderem fatos e situações que nós mesmos não conseguimos ver,
compreender, muito menos sentir.
O processo educativo não consiste em instruir ou ministrar conhecimentos prévios,
muito mais vale lembrar, ajudar a trazer para o nível consciente o que os indivíduos
já sabem, fazer com que coloquem em movimento e se empoderem dos arcabouços
cognitivos – com toda a sua complexidade e subjetividade – dos quais são
portadores, construídos desde os primeiros momentos de vida, em contato com o
meio. A questão capital, quanto ideal, no processo de educar, é que o educador/a
deveria ter consciência plena – sem perder o foco – do que ele está pretendendo
fazer lembrar, e tomando como premissa que ensinar é relembrar, o educador/a, ao
mesmo tempo em que desperta e facilita o processo de redescoberta aos seus
educandos/as, consecutivamente rememora e reflete sua prática educativa.
O verdadeiro aprender é um apreender muito notável, no qual aquele que
apreende, apreende apenas aquilo que, no fundo, já tem. O ensinar
corresponde a este aprender. Ensinar é um doar, um oferecer, mas no
ensinar não se oferece o aprendível; ao aluno é oferecida tão-somente a
indicação de tomar para si o que ele já tem. Quando o aluno adota
unicamente algo oferecido, ele não aprende. Chega a aprender quando
experimenta o que apreende como aquilo que ele mesmo já tem. Um
25
FREUD, Sigmund. Análise terminável e interminável. In: Edição Standart Brasileira das Obras Completas. Vol. 23. Rio de
Janeiro, RJ: Imago, 1976..
56
verdadeiro aprender ocorre somente ali onde o apreender aquilo que já se
tem constitui um dar-se a si mesmo e se experimenta como tal. Dessa
forma, ensinar não é outra coisa senão deixar aprender aos outros, quer
dizer,
induzir-se mutuamente a
aprender
[grifos do autor].
(HEIDEGGER26 apud LEFF, 2002, p.226).
De maneira genérica, os adultos/as são contraditórios, portanto, educar os/as
pequenos para uma nova ética ecológica supõe um grande desafio. “Quando
rotulamos a ética de ecológica, estamos pressupondo que o conjunto de atividades
humanas que tornam viável a vida do homem em sociedade tenha como finalidade
principal a integração homem-natureza.” (ROMARIZ, 1999, p. 533).
Em princípio, para a humanidade trilhar um novo rumo, seria significativo superar os
modelos usuais de ensino na atualidade, embasados e permeados pela
descontinuidade e fragmentação, posto que a partir desta visão fracionada há uma
tendência a se separar a ecologia de outros aspectos. Além de suplantar esta
dualidade – humanamente compreensível – presente nas práticas educacionais,
existe outro ponto crítico, que talvez seja um obstáculo de maior dificuldade e a
origem dos outros, a ser trabalhado pelos humanos/as: o paradoxo de pensar de um
modo e agir de outro, a incoerência entre o que se demonstra e acredita ser e o que
realmente se é. "É preciso ousar desenvolver, com urgência, uma ecologia do Ser,
[grifo do autor] em que o humano possa ser desvelado e cultivado em toda sua
extensão, altitude e profundidade." (CREMA, 1995, p. 125).
Romariz27 (1999) comenta que a efetividade das práticas de educação ambiental
dependerá da nossa capacidade em lidarmos com duas grandes limitações: a
dicotomia entre ecologia e desenvolvimento e o contrassenso inerente aos seres
humanos.
A convivência de comportamentos conflitivos num mesmo grupo: indivíduos
que, supostamente, são “grandes defensores” do meio ambiente, mas que,
na realidade, praticam as maiores barbaridades contra o mesmo em suas
vidas privadas. (ROMARIZ, 1999, p. 534).
Um educador/a poderá educar, senão, como todos os outros, transmitindo sua
própria concepção, inclusive ecológica. Orientar, ser “ponte”, conduzir pela vida
26
Heidegger, 1962/1973: 69.
Dora de Amarante Romariz – Bacharel e licenciada em Geografia e História pela Faculdade Nacional de Filosofia da
Universidade do Brasil. Especialista em Biogeografia, pós-graduada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP –
Departamento de Geografia.
27
57
afora a alma de seres humanos, não se pode negar, é uma tarefa colossal, de
imensurável responsabilidade, muito mais em se tratando de seres humanos na
insipiência do processo de cognição.
Se nós, os educadores, não compreendemos a nós mesmos, se não
compreendemos nossas relações com a criança e apenas a entulhamos de
conhecimentos e a fazemos passar em exames, de que maneira poderemos
inaugurar uma educação de nova espécie? [...] A educação verdadeira
começa com o educador, que deve compreender-se e estar livre dos
padrões convencionais de pensamento. Porque o que ele é, ele transmite.
(KRISHNAMURTI, 1980, p. 100)
Um educador/a possui em suas mãos parcela dos destinos de seus/as estudantes,
no entanto, geralmente não tem consciência deste compromisso, descuidando de
sua tarefa como orientador/a e mediador/a no processo de aquisição e construção
cognitiva.
Analisando o processo pelo qual a educação passa, o que se percebe é, ou
mudamos como seres humanos, tentando ser educadores/as mais conscientes e
comprometidos com uma ecologia do Ser, ou não alcançaremos a alma de nossos
educandos/as, futuros homens e mulheres que poderão dar continuidade a um
paradigma de sociedade socioecossustentável. As pessoas desejam ser felizes aqui
e agora e isto elas podem alcançar pelo empoderamento e utilização salutar e
parcimoniosa dos princípios naturais. "O conhecimento dos princípios e leis da
natureza torna-se o eixo central de um novo projeto de emancipação que tem na
educação um de seus principais supostos de realização." (GOERGEN, 2001, p. 59).
A ecologia humana, se vivenciada profunda e diariamente por estudantes e
professores/as, pode se tornar num dos caminhos a serem trilhados para que estes
novos indivíduos venham ser homens e mulheres plenos, com conhecimento de si
próprios e, tendo posse deste conhecimento saibam respeitar o Outro, indivíduo com
todas as suas peculiaridades e idiossincrasias.
58
2.1.1 Sobre Educação, Ecologia e Educadores
Educadores, então, de alguma maneira, somos todos nós, adultos/as, em algum
instante de nossas vidas, entretanto, a maneira como a família – não apenas e tão
somente a biológica e convencional –, vive os valores ético-ecológicos no cotidiano,
pode ser uma causa bastante relevante para a construção destes mesmos valores
no imo dos futuros cidadãs e cidadãos planetários. “É necessário, pois, não só
modificar certos padrões de conduta já bem estabelecidos, mas procurar ao mesmo
tempo estimular a formação de outros, mais adequado à confrontação das ações
consideradas mais nocivas ao meio ambiente.” (ROMARIZ, 1999, p. 534).
Sendo a família o primeiro contato social primário e elementar, e exercendo uma
conduta socioambiental pautada em princípios ético-ecológicos, tais como respeito à
alteridade e ao planeta, mesmo que grande parte da sociedade tente rechaçar ou
ignorar estes princípios, uma criança que tem um bom exemplo não os negará em
absoluto. Já diz a sabedoria popular que um exemplo vale mais que mil palavras,
portanto se os adultos/as familiares tiverem atitudes, basicamente coerentes com o
discurso, poderão exercer influência positiva na vida de suas crianças, contribuindo
desta forma para a formação integral de homens e mulheres, essencialmente e
ecologicamente éticos.
Crema (1995, p. 145) acredita que o jardineiro é a melhor metáfora para designar a
excelência dos educadores e educadoras.
Sobretudo, o bom jardineiro é o amante da planta. Jamais será tão tolo a
ponto de querer doutriná-la com suas teorias e ideais, aceitando e
admirando a beleza da biodiversidade. O bom jardineiro sabe que a planta
só necessita de um solo fecundo, crescendo por si mesma, já que é dotada
de um tropismo para ser o que é, buscando o que necessita no solo e
direcionando-se para a luz do sol.
Sejamos bons jardineiros então, permitindo que nossas crianças simplesmente
acolham o que os seus educadores/as falam, fazendo uso, apropriando-se ou não
dos conhecimentos transmitidos, sem tentarmos fazê-las à nossa imagem e
semelhança. Que permitamos se manifestem livremente.
Além dos conhecimentos necessários para vencer na vida no contexto de
uma sociedade regida pela informação, o educando precisa adquirir a
capacidade de orientar-se em meio ao cenário caótico e desdiferenciado,
aprender a reconhecer quais são, efetivamente, as questões fundamentais
59
para o ser humano, para a vida e para a convivência. [...] O processo
educativo não pode mais ser considerado como a introdução de crianças e
jovens num mundo de valores eternos desde sempre definidos e com direito
de serem impostos e nem pode ser um espaço vazio de valores.
(GOERGEN, 2001, p. 78)
A criança constrói seu campo cognitivo a partir de atividades de conhecimento físico,
jogos, debates e atividades de leitura e de escrita, mas, também e nomeadamente
através das relações inter, transpessoais. Educar, à vista disso, consiste muito mais
que atividades materiais, organizadas na sala de aula, é também proporcionar
condições para que as crianças construam seu entendimento a partir de suas
interações cotidianas. Um ambiente humanamente ecológico não é garantido
apenas pelas aulas, seminários de Biologia e a interação entre as crianças, papel
fundamental para que esta prática obtenha sucesso é o do professor/a. Um bom
educador/a jamais será tão somente um transmissor unilateral de informações, ele/a
tem a função de mediar situações, promover, “criar um contexto para a construção
de hábitos interpessoais, personalidade e caráter pelas crianças.“ (DE VRIES E
ZAN, 1998, p. 34).
As creches e escolas de educação infantil, majoritariamente, não se preocupam com
o desenvolvimento global de suas crianças, e sim singularmente com o
desenvolvimento intelectual preterindo o desenvolvimento sócio-moral e afetivo,
negligenciando a totalidade do ser. "Educação é muito mais do que transmitir
conhecimentos e habilidades por meio dos quais se atingem objetivos limitados. [...]
Precisamos mostrar às crianças que suas ações têm uma dimensão universal."
(LAMA, 2000, p. 197).
A educação ecológica se dá quando os valores, no conteúdo e no exercício do ato
de
educar,
são
humanos
e
humanizadores,
quando
proporcionam
o
desenvolvimento incondicional das individualidades, objetivando o crescimento
coletivo.
Retornemos à tragédia [...] de um modelo educacional distorcido e
esclerosado, infelizmente ainda dominante: a criança é forçada a ser o que
não é, por meio do fórceps de um currículo estreito e rígido e do instrumento
torturante da comparação. Comparar uma criança com outra ainda será
considerado crime, num futuro não distante e mais saudável. (CREMA,
1995, p. 145).
60
Uma nova educação deve ser erigida, com a preocupação de fazer uma escola
ecologicamente humana, voltada para a educação integral do ser, começar a
empreitada de despertamento consciencial ecológico, ousar uma retomada de
consciência nos adultos/as, e buscar compreender que educar ecologicamente não
é o processo pelo qual uma pessoa adquire conhecimentos a respeito das ciências
biológicas e se inteira do que seja ecologia, ecossistema, meio ambiente ou coisas
do gênero, isto é instrução. Educar ecologicamente, no sentido profundo do termo é
formar o homem e a mulher em seus cernes, é contribuir para o aperfeiçoamento
dos seres, nos seus ajustes aos objetivos de progresso e equilíbrio social e espiritual
da humanidade.
Numa parceria ampla e irrestrita, a família, par de extrema importância, já que é o
laboratório dos primeiros exercícios de relações interpessoais, e a escola, ambas
devem buscar e investir na evolução de seus educandos, afinal, em maior ou menor
grau, somos todos pedagogos/as, mesmo que não tenhamos consciência disto. Que
permitamos nos deixar guiar pelo paradigma do princípio holográfico, quando admite
que as leis ou princípios que regem o todo do universo se encontram também em
cada uma de suas partes.
Todos os sujeitos devem ser educadores/as ecologicamente éticos, profissionais
instituídos ou não, pois, são corresponsáveis pelo despertar de valores universais. A
Conferência de Tbilisi (1998, p. 40) indica duas características fundamentais que há
de se levar em conta para uma educação ambiental responsável e comprometida.
A primeira é de que a educação ambiental não seja apenas uma nova
disciplina que se soma a outras existentes. [...] A segunda idéia é a de que
o interesse dessa educação não se restrinja somente a provocar mudanças
no ensino escolar. Sobretudo, ela deve suscitar novos conhecimentos
fundamentais e novos enfoques dentro de uma política global de educação,
que insista na função social dos corpos docentes e nas novas relações
entre todos aqueles que intervêm no processo educativo.
A pedagogia do futuro, que já é o agora, requer educadores/as e despertadores/as
desta nova consciência ecológica, indivíduos propagadores da identidade terrena,
fazendo com que os educandos/as compreendam a dimensão cósmica de seus
espíritos, pois, mais do que sempre, urgem a coerência, comprometimento e
responsabilidade. Relegando estes questões a planos secundários, Gaia, nós,
61
adultos, nossas crianças principalmente, podemos ter um amanhã planetário
bastante conturbado.
2.1.2 Sobre Educação, Ecologia e Crianças
Alguns conteúdos pertinentes às áreas das Ciências Naturais e Humanas, apesar de
estarem presentes na composição das propostas curriculares e nos programas de
educação infantil, não são tratados com profundidade e nem com a atenção
merecida, propiciando poucos subsídios para a construção de conhecimentos sobre
as diversas realidades, sejam elas sociais, históricas, culturais, geográficas,
ecológicas.
A Conferência de Tbilisi (UNESCO, 1998, p. 64-65), no item que trata sobre as
“Características Metodológicas da Educação Ambiental nos Diferentes Níveis de
Ensino Formal” orienta:
A apresentação dos temas ambientais na educação infantil deve voltar-se
para uma perspectiva de educação geral, dentro do programa de atividades
de iniciação e em conjunto com as atividades básicas dedicadas ao idioma
materno, às ciências exatas e à expressão corporal e artística. [...] Os
conceitos básicos relativos ao meio ambiente podem ser adquiridos ao
mesmo tempo que os conceitos da física, da biologia e das ciências
humanas, que lhe servem de apoio, com a condição de que sua formulação
se encaixe num enfoque ativo, voltado para a solução de um problema
claramente colocado.
Na educação infantil existe desvinculação entre o teor e sua integração com o dia-adia, entre os seres humanos e o ambiente onde vivem, pois que se acredita ser mais
fácil que meninos e meninas tenham maior capacidade de pensar a respeito do que
está mais próximo, outrossim, acessível e concreto, sendo difícil a criança apreender
o que está mais distante. Os adeptos deste pensamento acreditam que, para a
criança compreender certos conceitos e conteúdos se faz necessário ministrá-los de
forma graduada, dependendo da complexidade que apresentam, esta complexidade
fundamentada na compreensão dos adultos.
62
Propostas e práticas escolares diversas que partem fundamentalmente da
idéia de que falar da diversidade cultural, social, geográfica e histórica
significa ir além da capacidade de compreensão das crianças têm
predominado em educação infantil. São negadas informações valiosas para
que as crianças reflitam sobre paisagens variadas, modos distintos de ser,
viver e trabalhar dos povos, histórias de outros tempos que faz parte de seu
cotidiano. (REFERENCIAL CURRICULAR, 1998, p.165-166)
Alguns estabelecimentos que trabalham com educação infantil, quando transmitem
conteúdos referentes às Ciências Naturais, contentam-se em transmitir apenas
certas noções que dizem respeito aos seres vivos e ao corpo humano, não levam
em consideração os conhecimentos dos quais as crianças são portadoras,
valorizando e dispondo de termos técnicos e propondo definições que se encontram
fora do contexto infantil, dificultando a construção do conhecimento dos
educandos/as a partir de suas próprias análises e conclusões.
Outras escolas conduzem a uma formação moralizante, predominando nesta prática
a transmissão de valores estereotipados e conceitos preconceituosos. Formar
crianças não é condicioná-las para obedecerem a regras morais, através da
autoridade. Crianças éticas são as que “[...] compreendem o espírito da regra, a
necessidade moral para tratar os outros como gostariam de ser tratadas.” (DE
VRIES E ZAN, 1998, p. 38), sem se sentirem obrigadas a isto por causa dos
professores/as, ou dos possíveis castigos ou prêmios por eles prometidos.
Ainda outros colégios existem, onde são realizadas experiências pontuais de
observação, cujas etapas de desenvolvimento são previamente determinadas pelos
educadores e em momento algum, a visão pessoal de cada estudante para explicar
o fenômeno em questão é valorizada, dificultando deveras, o entendimento do
problema investigado. O saber ecológico, assim como todos os saberes, deve ser
extraído dos garotos e garotas e não neles inculcado28.
Aprender a aprender a complexidade ambiental implica uma nova
compreensão do mundo que problematiza os conhecimentos e saberes
arraigados em cosmologias, mitologias, ideologias, teorias e saberes
práticos que se encontram nos alicerces da civilização moderna, no sangue
de cada cultura, no rosto de cada pessoa. (LEFF, 2002, p. 196).
28
O Dicionário Brasileiro Globo (1996, p. 351) define: INCULCAR, tr. dir. Apontar, citar; celebrar; demonstrar, dar a entender;
repisar; fazer penetrar (uma coisa) no espírito, à força de repetir. [sem grifo no original].
63
A Ecologia na educação infantil tem o marcante papel de fazer com que as crianças
compreendam a diversidade do mundo que as cercam; fazê-las conhecer a
pluralidade de fenômenos e acontecimentos, sejam eles concretos ou subjetivos e a
partir desta compreensão ampla da inteireza, construir novos modos de pensar, ou
seja, outros mapas mentais sobre os fatos que as cercam.
A verdadeira reforma, aquela do entendimento, aquela do pensamento,
deve começar no nível do ensino chamado elementar. Ao contrário daquilo
em que se acredita, as crianças fazem funcionar espontaneamente suas
aptidões analíticas; elas sentem espontaneamente as ligações e as
solidariedades. [...] Nós ensinamos às crianças a conhecer os objetos
isolando-os, ao passo que é preciso também reintegra-los a seu ambiente
para conhecê-los e que um ser vivo pode ser conhecido somente em sua
relação com o seu meio, de onde extrai energia e organização. Esquecemse os vínculos entre todos os fenômenos e isso se torna desastroso no
âmbito das ciências humanas... (MORIN, 2003, p. 151).
A ecologia complexa ou profunda não nega o valor do conhecimento científico que a
raça humana produziu e acumulou ao longo de sua história, contudo se torna
necessário reconhecer que ele não é o único; representação diferente do mundo
existe, outro tipo de conhecimento há, além do científico, que seria o que se pode
chamar conhecimento do senso-comum, e as crianças têm o direito de o saber, e os
adultos, por sua vez, o dever de dá a conhecer. Construir junto às crianças a
possibilidade/perspectiva de diferenciação, alteridade, e não de negação e
desrespeito a qualquer tipo de conhecimento. Trabalhar ecologia na educação
infantil significa, portanto, entre tantas outras perspectivas, é proporcionar
"experiências que possibilitem uma aproximação ao conhecimento das diversas
formas de representação e explicação do mundo social e natural para que as
crianças possam estabelecer progressivamente a diferenciação" (REFERENCIAL
CURRICULAR, 1998, p. 168), distinção entre as diversas explicações provenientes
das variadas fontes.
O que os educadores/as devem orientar às crianças é que no planeta Terra existem
múltiplas relações e todas elas estão conectadas entre si, relação sistêmica
permeada por alguns princípios fundamentais. Capra (2003) sugere que estes
princípios podem ser intitulados de princípios da ecologia, princípios da
sustentabilidade ou princípios da comunidade.
64
Um dos pressupostos capitais para melhor se conduzir os educandos/as na direção
mais salutar de convívio harmonioso e saudável com/em Gaia é a elaboração de um
currículo que priorize a vida e seja esclarecedor quanto à condição de cidadania
cósmica.
Capra (2003, p. 25) enfatiza que “Precisamos de um currículo que ensine a nossas
crianças estes fatos fundamentais da vida” e lista os mesmos abaixo:





nenhum ecossistema produz resíduos, já que os resíduos de uma
espécie são o alimento de outra;
a matéria circula continuamente pela teia da vida;
a energia que sustenta estes ciclos ecológicos vem do sol;
29
a diversidade assegura a resiliência ;
a vida, desde o seu início há mais de três bilhões de anos, não
conquistou o planeta pela força, e sim através de cooperação,
parcerias e trabalho em rede.
A educação infantil é uma das vias condutoras às mudanças requeridas para um
novo homem/mulher planetário, portanto, se faz premente educar ecologicamente a
partir de um currículo renovador, formulado a partir dos paradigmas da ecologia
profunda, que também corresponde a transmitir e compreender o saber já
constituído e construído, de maneira processual desde seus primórdios. Urge que se
elaborem currículos que ensinem às crianças sobre conceitos essenciais que façam
compreender os padrões e os processos pelos quais a natureza sustenta a vida.
Não foi a intenção fazer neste trabalho um tratado sobre a aplicação dos
conhecimentos ecológicos na educação infantil, muito menos traçar regras de como
isto pode se estabelecer, o intuito foi, através de algumas ideias provocadoras, fazer
refletir a respeito desta prática nos dias atuais.
Vale salientar que a empreitada de educar ecologicamente é uma das diversas
funções dos educadores/as, que carecem para esta tarefa “reconhecer a
multiplicidade de relações que se estabelecem e dimensioná-las, sem reduzi-las ou
simplificá-las, de forma a promover o avanço na aprendizagem das crianças.”
(REFERENCIAL CURRICULAR, 1998, p. 172). Necessário se faz reconhecer que na
29
RESILIÊNCIA: “Capacidade de um sistema de absorver as tensões criadas por perturbações externas sem que sua estrutura
e função sejam alteradas. Um ecossistema resiliente é capaz de retornar às suas condições originais de equilíbrio dinâmico
após sofrer estresses como incêndios e descargas de poluentes, por exemplo. Conceito da Física ( capacidade de um corpo
de, após ser submetido a uma tensão até seu limite de elasticidade recuperar sua forma e tamanho originais quando cessada a
pressão) há muito utilizado na Ecologia, hoje amplamente adotado na Psicologia e na análise de sistemas econômicos e
sociais.” (MOUSINHO, 2003, p. 361).
65
infância, diversos fenômenos, dada a sua complexidade, não poderão ser
compreendidos de modo imediato, mas, nem por isto devem ser alijados do
currículo. Na infância a aprendizagem é processual e nem sempre rápida, portanto o
educador deve ser sábio para despertar uma percepção mais dilatada nas crianças e
também deve entender que a não conclusão da compreensão de determinado
fenômeno ou processo não sinaliza falta de apreensão ou a ausência de
conhecimento, mas um contexto de construção e organização do saber. "Muitas
relações só se tornam evidentes na medida em que novos fatos são conhecidos,
permitindo que novas idéias surjam. [...] Contudo o professor precisa ter claro que
esses domínios e conhecimentos não se consolidam nesta etapa educacional."
(REFERENCIAL CURRICULAR, 1998, p. 172-173). Aliás, quando e quais
conhecimentos são consolidados? Depois de toda certeza surgem as indagações,
também no universo dos adultos. Os conhecimentos, naturalmente, são construídos,
gradativamente, na medida em que as crianças desenvolvem atitudes de
curiosidade, de crítica, de refutação e de reformulação de explicações para a
pluralidade e diversidade de fenômenos e acontecimentos do mundo social e
natural.
Em face da variedade temática oferecida pela ecologia, o ideal é se estruturar um
trabalho educativo, cujos assuntos mais relevantes a serem abordados sejam
baseados prioritariamente nas escolhas infantis e não unicamente a partir da ótica
do educador. Agindo de acordo com estes parâmetros, os educadores/as estarão
trilhando um caminho propício para uma educação ecológica de indivíduos
conectados com sua inteireza e total pertencimento planetário.
CAPÍTULO TERCEIRO
PEDAGOGIA "CAATINGUEIRA"
[...] uma boa parte do que é tido como conhecimento
é pouco mais do que uma pilha de abstrações,
desvinculadas da experiência concreta, dos
problemas reais e dos lugares onde vivemos e
trabalhamos. Nesse sentido, ele é utópico, o que
significa literalmente "lugar nenhum".
DAVID W. ORR
67
3.1 Semiárido e Caatinga: um Mapa Breve
Caatinga é uma definição de ambiente natural que descreve o bioma 30 que
predomina no sertão, enquanto que Semiárido, por sua vez é um clima específico da
mesma região, sendo uma de suas principais características a baixa e concentrada
precipitação pluviométrica. Ver Figura 3.
Caatinga e Semiárido são termos que designam ocorrências diferentes, apesar de
geralmente acontecer certa confusão no momento de utilizar uma denominação ou
outra, posto que se costuma adotar o “uso incorreto de regiões geográficas como
sinônimos de unidades de vegetação [e] a ‘caatinga’ tem sido muito usada para a
região geográfica no nordeste do Brasil”. (CASTELLANOS31, 1960 apud PRADO,
2003, p. 5).
O senso comum, pesquisadores e estudiosos, associam o Semiárido e a Caatinga a
algo sem vida, sem graça e quase morto. O simples pronunciar do termo Caatinga
remete a uma construção preconceituosa, de paisagem e biodiversidade pobres,
habitadas por indivíduos esquálidos e desprovidos de vitalidade, vigor mental e
intelectualidade. Estigmatizada, é vista como a região mais sofrida e pobre do país.
“Falar do Nordeste e do seu semi-árido tornou-se quase a mesma coisa que falar de
pobreza e de exclusão.” (FAVERO e SANTOS, 2002, p. 82).
Provavelmente, a vida de condições difíceis – que induz as populações assoladas
pelos longos períodos de estiagem e muita precipitação pluviométrica em pouco
tempo, a migrarem constantemente de seus espaços originários – faz com que os
moradores e moradoras associem sua pobreza à seca, não valorizando a Caatinga,
sendo estas representações sociais reforçadas por outros setores tais como o de
alguns ambientalistas e governantes.
Durante muito tempo, sobretudo até 1950, a seca a foi considerada a
grande causadora da pobreza na região, de modo que os projetos
governamentais e não-governamentais destinavam-se essencialmente a
combatê-la. Imaginava-se que através do combate à seca se combateria a
30
“BIOMA: Unidade ecológica de grande extensão de área modelada pela interação entre os climas, seres vivos e solo de uma
determinada região. Os biomas possuem fisionomia homogênea e um tipo de formação vegetal predominante, sendo
facilmente identificáveis. ECOSSISTEMA: Sistema aberto que inclui todos os organismos vivos presentes em uma determinada
área e os fatores físicos, químicos e biológicos com os quais eles interagem. É a unidade fundamental da Ecologia”
(MOUSINHO, 2003, p. 338-349).
31
CASTELLANOS, A. Introdução à Geobotânica. Revista Brasileira de Geografia, 1960, p. 585-617.
68
pobreza. Em seguida, no período desenvolvimentista (que era também
economicista), predominou a idéia de que a origem da pobreza estava na
existência de relações sociais fundadas na dominação (com fortes traços
culturais), através das quais se produziriam as várias formas de
desigualdade. Ultimamente, tende-se a considerar que a origem da pobreza
no semi-árido encontra-se na combinação entre secas e determinadas
relações de produção. (FAVERO e SANTOS, 2002, p. 79-80).
Algumas pesquisas e estudos realizados sobre a Caatinga e o Semiárido ampliam a
percepção de que a pobreza, a desigualdade social e a exclusão são processos
históricos, cuja complexidade tem aumentado perante a diversidade de situações
que permeiam estes processos, promovidos “pelas novas dinâmicas econômicas no
contexto da chamada globalização e pelas mudanças no nível dos paradigmas ou
das formas de sua representação, exigindo, portanto, novas formas de combatê-la.”
(FAVERO e SANTOS, 2002, p. 86). Entretanto, com a estiagem no Semiárido, assim
como a neve nos frios polos da Terra, aprende-se a conviver e não a combater.
Figura 3 – Biomas no Brasil
Numa perspectiva atual, a teoria das representações sociais assegura que não
apenas a ciência aborda a pobreza, mas o próprio senso-comum cria significados e
concorre para a inventividade e construção dos mapas mentais de pobreza.
69
Não são apenas os estudos científicos e os discursos políticos que falam de
pobreza e de miséria no semi-árido do Nordeste do Brasil. A própria
pobreza fala. Ela grita. No entanto, a sua voz só tem sentido, ou é escutada,
e só pode ser escutada, na medida em que é inserida como um problema
ao mesmo tempo social e político em mapas ou em representações sociais.
É neste sentido que todo mapa é uma forma de distorcer a realidade,
dando-lhe um sentido. (FAVERO e SANTOS, 2002, p. 86).
Assim, cada sujeito alimenta e fortalece as representações sociais do outro, juntos
numa ação cíclica, difícil de romper e reverter, o que dificulta a compreensão real do
que seja viver no Semiárido. E a este quadro ainda se adita o pouco conhecimento
técnico-científico sobre o potencial biológico e paisagístico do bioma Caatinga.
O estudo e a conservação da diversidade biológica da Caatinga é um dos
maiores desafios da ciência brasileira [ ! ]. A Caatinga é proporcionalmente
a menos estudada entre as regiões naturais brasileiras, com grande parte
do esforço científico estando concentrado em alguns poucos pontos em
torno das principais cidades da região. (LEAL, TABARELLI e SILVA, 2003,
p. XIII).
A despeito de todos os entendimentos, os biomas dos ambientes áridos e
semiáridos – assim como os de outros climas – possuem características próprias e
peculiares, espécies únicas, têm belezas e encantos como também as pessoas que
neles habitam são possuidoras de suas idiossincrasias e representações resultantes
de um processo vivido e experenciado nestes ambientes. “Numa perspectiva
sociológica, mapear uma região é uma forma de falsificar, distorcer, representar ou
simbolizar as suas redes de sociabilidades. É também abordar as experiências
vividas e faladas pelas suas gentes.” (FAVERO e SANTOS, 2002, p. 79-80).
Caatinga, segundo a maioria das fontes pesquisadas, é um vocábulo de origem tupiguarani que significa floresta ou mata branca, característica adquirida por sua
vegetação em épocas de estiagem que, perdendo as folhas, faz aparecer os troncos
e galhos brancos e espinhentos de suas árvores e arbustos. Branco (1994, p. 7) dá
alguns esclarecimentos a respeito de outras visões.
[...] na verdade, caa não se refere ao mato propriamente dito, mas aos
morros e sua vegetação. Sendo ela rala e despida de folhas na época de
seca, dá origem a uma paisagem clara e desértica. Finalmente, outros
atribuem origem diferente ao termo. Alegam que ele surgiu da combinação
abreviada de caa (mato) e tininga (seco), isto é, “mato seco”. [grifos do
autor].
70
É um bioma único no mundo e restrito ao
território brasileiro. Cobre uma área de
734.478 Km² e em sua maior parte ocupa a
região Nordeste do Brasil, com algumas áreas
no norte do estado de Minas Gerais. Seus
limites são inteiramente restritos ao território
nacional.
Malgrado
singularidade,
a
posto
sua
que
relevância
possui
e
grande
biodiversidade e importância biológica, o
bioma Caatinga é um dos mais ameaçados do
Brasil, carecendo de medidas urgentes e
efetivas
para
diversidade.
infelizmente,
a
Vale
conservação32
salientar
de
ainda
proporcionalmente
à
sua
que,
sua
importância é o bioma menos estudado e é a
região natural brasileira menos protegida.
(SILVA, TABARELLI, FONSECA E LINS,
2004). Concomitantemente é uma região de
profunda degradação ambiental, provocada
Figura 4 - Raso da Catarina
Foto: TENÓRIO, 2002.
pelo uso indiscriminado de seus recursos
naturais, conduzindo o bioma “à rápida perda
de espécies únicas, à eliminação de processos ecológicos chaves e à formação de
extensos núcleos de desertificação em vários setores da região.” (LEAL, TABARELLI
e SILVA, 2003, p. XIII).
Na Caatinga do Semiárido, o índice pluviométrico é relativamente baixo, entre 700 e
1000 mm por ano e as precipitações ocorrem de forma irregular variando de época.
Num número maior de vezes se passa um ano inteiro, ou mais, sem chover uma
única gota, noutras – mais esporádicas – chove torrencialmente ao extremo de
32
“CONSERVAÇÃO: Conceito desenvolvido e disseminado nas últimas décadas do século 19 como um relacionamento ético
entre pessoas, terra e recursos naturais, ou seja, uma utilização coerente destes recursos de modo a não destruir sua
capacidade de servir às gerações seguintes, garantindo sua renovação. A conservação prevê a exploração racional e o manejo
contínuo de recursos naturais, com base em sua sustentabilidade. PRESERVAÇÃO: Estratégia de proteção dos recursos
naturais que prega a manutenção das condições de um determinado ecossistema, espécies ou área, sem qualquer ação ou
interferência que altere o status quo [grifo da autora]. Prevê que os recursos sejam mantidos intocados, não permitindo ações
de manejo.” (MOUSINHO, 2003, p. 346-360).
71
causar inundações. A questão, possivelmente, não é quantidade de chuva na região,
mas a distribuição no tempo. Reis33 (1976) apud Prado (2003, p. 10-11):
As Caatingas semi-áridas, comparadas a outras formações brasileiras,
apresentam muitas características extremas entre os parâmetros
meteorológicos: a mais alta radiação solar, baixa nebulosidade, a mais alta
temperatura média anual, as mais baixas taxas de umidade relativa,
evapotranspiração potencial mais elevada, e sobretudo, precipitações mais
baixas e irregulares, limitadas, na maior parte da área, a um período muito
curto do ano.
Tricart (1961) e Ab’Sáber (1974)34 apud Prado (2003, p. 8) explicam que por ser o
“resultado da origem do substrato das Caatingas, os solos são pedregosos e rasos,
de profundidades exíguas e muitos afloramentos de rochas maciças”. Simplificando,
Branco (1994, p. 16) comenta que o solo da Caatinga é composto por muitas pedras
soltas, cujos tamanhos variam de pequenos cascalhos a enormes blocos isolados,
estando os pedregulhos geralmente misturados com uma argila avermelhada ou
com uma areia de cor amarelada.
O termo Caatingas, no plural, é usado pelo fato da mesma se apresentar
diversamente, variando de acordo com as condições geo-ambientais. Distintamente
do pensamento dominante, as Caatingas não são compostas apenas de ralos
arbustos e espinheiros. A partir de Prado (2003), compreende-se que elas aparecem
sob as variações de floresta arbórea alta, média ou baixa, com vegetações
arbustivas densas ou abertas, sendo compostas, mormente, por árvores e
vegetação arbustiva baixa, que podem possuir espinhos, pouquíssima folhagem ou
diminutas folhas, muitas vezes se utilizando da queda destas, sendo todos estes
aspectos mecanismos de adaptação para a sobrevivência no ambiente semiárido.
As plantas da Caatinga, quase todas, produzem flores belíssimas e frutos
saborosos, a exemplo do mandacaru que além de uma flor vistosa produz frutos
excelentes.
33
34
REIS, A. C. Clima da Caatinga. Anais da Academia Brasileira de Ciências. 1976, p. 325-335.
AB’SÁBER, A. N. O domínio morfoclimático semi-árido das Caatingas brasileiras. Geomorfologia. 1974, p. 1-39.
TRICART, J. As zonas morfoclimáticas do nordeste brasileiro. Notícia Geomorfológica. 1961, p. 17-25.
72
Figura 5 - Flor de bromélia
Encholirium brachypodum
Foto: TENÓRIO, 2002.
Figura 6 - Caraibeira
Tabebuia caraíba
Foto: PEREIRA-SILVA, 2011.
Podemos listar árvores de grande potencial madeireiro e frutífero: araticum,
mangada, licuri, juá, jatobá, etc. Vejamos o umbuzeiro, uma das árvores mais
célebres, que além dos frutos maravilhosos usados na gastronomia, possui a
particularidade de armazenar água em suas raízes, sendo propícia ao consumo
humano e animal.
Além disso, vários vegetais, entre palmeiras e plantas arbustivas, oferecem
excelentes fibras para tecelagem, para a confecção de cordas e finalidades
diversas. É o caso do ouricuri e do catolé, que são palmeiras de pequeno
porte, cujas folhas, depois de secas, tanto servem para a cobertura de
casas como para a fabricação de esteiras, chapéus, abanos, etc. A
macambira e o caroá, ambos da família dos abacaxis e gravatás, também
são bons exemplos dessas plantas. (BRANCO, 1994, p. 42).
Com a fauna não acontece diferente. Ela também teve que se adaptar às condições
adversas do semiárido, mas, longe do que se imagina, é bastante diversificada.
Segundo as pesquisas compiladas por Leal, Tabarelli e Silva (2003), na fauna da
região semiárida foram catalogadas cerca de, 97 espécies de répteis, 45 de anfíbios,
espécies endêmicas de aves, podendo uma mesma localidade ter a rica cifra de
mais de 200 espécies. Foram relacionadas 187 espécies de abelhas, pertencentes a
73
77 gêneros. Quanto aos mamíferos, 115 espécies foram registradas nos municípios
melhor inventariados.
No bioma Caatinga uma das principais atividades é a pecuária, representada pela
criação de bovinos e caprinos, e a pesca para os habitantes que vivem às margens
dos rios e açudes. Também é praticada a agricultura – milho, feijão, mandioca,
jerimum – como uma atividade secundária, geralmente de uso familiar.
Apesar dos dois principais rios que cortam a Caatinga, a saber, o Rio São Francisco
e o Rio Parnaíba, serem perenes, muito provavelmente, o maior entrave para o
desenvolvimento pleno das áreas de Caatinga no nordeste do Brasil é sua diminuta
rede hidrográfica.
Esta condição natural é a principal conseqüência da abrangência do clima
semi-árido, característico da Caatinga, sobre as bacias hidrográficas da
região. As condições climáticas, associadas à natureza impermeável do
subsolo cristalino da porção oriental do escudo brasileiro, são os fatores
determinantes que caracterizam a rede hidrográfica do nordeste. [...] As
bacias hidrográficas sob o domínio da Caatinga apresentam características
peculiares, como o regime intermitente e sazonal dos rios, reflexo direto das
precipitações escassas e irregulares, associadas à alta taxa de evaporação
hídrica. (ROSA et al., 2003, p. 138-139).
Um dado que chama a atenção na região semiárida do Nordeste do Brasil ainda é a
pobreza de sua gente. Milhões de crianças morreram de fome e desnutrição nos
últimos 100 anos e grande parte da população rural se situa abaixo da linha de
pobreza. Apesar das inúmeras e diversas tentativas para erradicar a pobreza nos
últimos 50 anos, ela continua existindo.
Favero e Santos (2002, p. 84-85) colocam que a questão da pobreza no Semiárido,
atualmente, tem sido abordada através de três principais enfoques: primeiro: “como
fenômeno histórico e objetivo, quantitativamente mensurável”. É válido ressaltar que
nenhum enfoque anula o outro, estando a questão permeada pelos três, contudo o
segundo enfoque é o viés que em algum momento perpassou este trabalho.
De acordo com o segundo enfoque, a pobreza consistiria essencialmente
num fenômeno histórico, mas mais particularmente subjetivo, fundado na
forma como os sujeitos, indivíduos e grupos sociais representam a pobreza,
35
a si mesmos e o seu mundo (ALBUQUERQUE JR., 1999) .
35
ALBUQUERQUE Jr., Durval Diniz. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 1999.
74
O terceiro e último enfoque na visão de Favero (2000)36: “...a pobreza (enquanto
carência material e simbólica) seria talvez a expressão menor da iniqüidade social
numa região como o semi-árido, onde predominaria de fato a exclusão, ou, como
alguns denominam, a ‘pobreza invisível’.”
Isto posto, entende-se que além dos fenômenos naturais de características
extremas, naturais ao Semiárido, tais como as enchentes e as secas, há também
fatores subjetivos que, juntos aos determinantes concretos contribuem para a
configuração que possuem a vida vegetal, animal e humana, nas Caatingas do
Semiárido.
A representação da seca e da região como uma coisa homogênea tem
servido de base inclusive para justificar a homogeinização das ações do
estado na região e para acusar o seu povo de incapaz, já que lá as ações e
os programas oficiais não rendem resultados positivos. (FAVERO E
SANTOS, 2000, p. 75).
A Caatinga não é um deserto, árido e sem vitalidade, e a vida que nela está contida
apenas se transmuta para proteger-se das intempéries do meio. Também é fato que
milhões de pessoas – o Nordeste é a segunda região mais populosa do país –
dependem dos recursos naturais encontrados na região do Semiárido, direta ou
indiretamente, e ele tem condições de manter dignamente a qualidade de vida
destas pessoas, talvez o maior obstáculo que impeça este fato seja a falta de
políticas públicas que fomentem e promovam um aproveitamento econômico
sustentável de sua biodiversidade.
3.2 A Caatinga na Pedagogia do Semiárido
Uma reivindicação pertinente dos educadores/as brasileiros sérios e comprometidos
com suas práticas, é que cada região tenha uma proposta pedagógica voltada para
sua realidade, posto que num país de extensões continentais a diversidade também
é de mesma proporção. Entretanto a realidade ainda está distante da ideal, muito
embora, tentativas e avanços venham acontecendo. O que se conhece são
propostas
36
pedagógicas
deslocadas
das
realidades
onde
são
utilizadas,
FAVERO, Celso Antonio. Divertimento e sofrimento: a exclusão social na era da globalização. In: Revista da FAEEBA.
Educação e Contemporaneidade. Ano 9 – n. 14 – Jul/Dez. 2000.
75
descontextualizadas e inseridas nas crianças “goela abaixo”. Esta prática pode ser
utilizada também por profissionais responsáveis e preocupados, porém, sem
autonomia e uma estrutura metodológica que lhes deem subsídios. A inquietação
com estes aspectos está presente na carta do Ministro da Educação e Cultura do expresidente Fernando Henrique Cardoso, Paulo Renato Souza, quando da publicação
do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Considerando a fase transitória pela qual passam creches e pré-escolas na
busca por uma ação integrada que incorpore às atividades educativas os
cuidados essenciais das crianças e suas brincadeiras, o Referencial [grifo
do autor] pretende apontar metas de qualidade que contribuam para que as
crianças tenham um desenvolvimento integral de suas identidades, capazes
de crescerem como cidadãos cujos direitos à infância são reconhecidos.
(REFERENCIAL CURRICULAR, 1998, p. 5).
Transformações se fazem necessárias para que a sociedade possa enraizar em seu
seio uma cultura ecologicamente humana, que priorize uma educação pautada no
respeito à alteridade.
[...] uma cultura de respeito e de valorização da diversidade e da identidade
(de ser humano, de ser brasileiro, de ser do município X, da raça Z, do
gênero Y, da classe social W etc.), ou seja, de ser diferente e gostar disto,
sem deixar de lutar para superar aquelas diferenças que incomodam e
oprimem, mas valorizando o outro em suas especificidades e com ele
dialogando no sentido de trabalhar os conflitos, visando não sua supressão,
mas ao seu equacionamento democrático. (ProNEA, 2005, p. 18).
A realidade na região do Semiárido e bioma Caatinga não difere da conjuntura de
outras regiões do país, no que concerne à elaboração de currículos que não
contemplam as demandas das realidades locais; a ausência quase total de livros
didáticos que abordem estas mesmas demandas com métodos apropriados às
crianças e adolescentes, e se, ou quando existem, não são de fácil acesso; fora o
fato de que o material disponível não possui a transdisciplinaridade desejada, muito
menos proporciona a vinculação entre as áreas dos saberes.
Uma série de meias verdades é divulgada através de uma preleção arcaica sem a
menor deferência à realidade. Os currículos e material didático adotados, distorcidos
e desarticulados dos contextos locais, são propagadores de outras paragens,
distantes, bonitas, mágicas e “melhores”, capazes de resolverem definitivamente
todos os problemas dos moradores e moradoras do ‘feio e ressequido’ Semiárido,
onde, nas representações sociais, só existem problemas, predominando fome, seca
e miséria; nenhum potencial, qualquer que seja e a inviabilidade de quaisquer
76
projetos. Associado a este quadro está o alheamento das pessoas às questões da
educação, do meio ambiente, pior ainda ao que tange o Semiárido e à Caatinga.
Trazendo novamente à tona os dados da pesquisa de Dra. Samyra Crespo, eles
apontam que “para os nordestinos, as prioridades para a proteção devem ser dadas
à Floresta Amazônica e à Mata Atlântica”. (CRESPO, 2003, p. 67).
Após tão longo período de internalização destes conceitos e entendimentos,
mudanças neste quadro demandam ações constantes e processuais, sob o olhar
atento de educadores e educadoras persistentes e comprometidos com uma
proposta inovadora de educação voltada para as peculiaridades locais, para as
especificidades do Semiárido, assim como do bioma Caatinga, que dê origem à
percepção de novos saberes e conduza à redescoberta e/ou manutenção da
identidade de todos os indivíduos envolvidos.
É bom ressaltar que os conceitos de meio ambiente, bem como o de
realidade local, foram sendo processualmente re-elaborados. Deixam de ter
o enfoque apenas nas questões climáticas e naturais, como inicialmente se
desenhavam, passando a abranger os aspectos socioculturais locais. O
termo “realidade local” deixa de ser compreendido como limite para ser visto
como ponto de partida para discussões mais amplas. (SOUZA, 2005, p. 25).
Faz-se premente desmistificar os símbolos negativos e equivocados a respeito da
Caatinga e do Semiárido brasileiro, fortalecidos por “um modelo de educação
colonialista que sempre privilegiou a cultura externa e desconsiderou os potenciais
locais” (SOUZA, 2005, p. 25), e a partir desta desconstrução do imaginário de seca,
destruição e morte, se construa e se dê origem a outro tipo de representação social,
mais harmônica com a realidade.
O Semiárido deve adotar um processo de valorização, onde todos os aspectos
sejam levados em conta: o saber acadêmico e as experiências adquiridas através de
práticas educativas contextualizadas que respeitem a sabedoria do senso-comum. A
implementação de uma política educativa pública inclusiva, contextualizada, com
acesso e respeito à diversidade e especificidades do Semiárido.
Na vida, tudo muda todo o tempo, dialeticamente. Depois de passado um espaço de
tempo assombroso se divulgando, pregando e absorvendo ideias preconcebidas e
disformes, desconexas com a realidade, alguns esforços têm sido despendidos para
77
a constituição de novos paradigmas nas relações com o Semiárido, dando origem a
uma nova ecologia humano-ambiental, onde seus moradores creiam nos próprios
potenciais e percebam que existem soluções viáveis e exequíveis, evitando assim a
necessidade de migrarem para outras regiões. Alguns bons exemplos deste
empenho são: o Caatinga, em Ouricuri-PE; o CEFAS - Centro Educacional São
Francisco de Assis, Floriano-PI; a RESAB - Rede de Educação do Semiárido
Brasileiro; o IRPAA - Instintuto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada e a
AGENDHA – Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento
Humano e Agroecológico, entre outros. O IRPAA, instituição reconhecida
nacionalmente, também no exterior, tem efetuado um trabalho extremamente
produtivo para o convívio harmonioso com o Semiárido.
[...] produzido inúmeros materiais educativos, produtos das aprendizagens
construídas junto às comunidades [...] Um trabalho educativo que se
espalhou para praticamente todo o Semi-Árido e, hoje, o discurso da
Convivência chega consideravelmente a âmbito nacional, mesmo que a
proposta contida nos vários discursos não seja essencialmente a mesma
para todos, considerando que são muitas as entidades que também militam
na perspectiva da Convivência com o Semi-Árido. (SOUZA, 2005, p. 22)
A Educação no Semiárido pode deflagrar algumas iniciativas que serão postas em
prática, testadas, depois, se aprovadas, definitivamente efetivadas. Uma ação de
peso seria imprimir uma nova formatação nos currículos escolares do Semiárido,
que poderiam ser constituídos com propostas apropriadas para o convívio no
Semiárido e na Caatinga, tornando-se instrumentos fortalecedores da perspectiva do
desenvolvimento sustentável e da possível melhoria da vida dos povos e
comunidades da região. "A gestão do currículo escolar para o desenvolvimento
humano sustentável não pode perceber-se apenas como gerador de discussões
dentro da escola. Ele deve transcendê-la". (SOUZA, 2005, p. 125).
Todavia, para que a ação anterior – currículo diferenciado – se faça exequível, outra
haverá de antecedê-la: uma mudança na formação dos educadores/as e nas
políticas educativas da região. Aos educadores/as do Semiárido, bioma Caatinga –
não tão somente – se deveria fazer entender, quando em seu exercício de educar,
“que a construção de conhecimentos se processa de maneira integrada, global e
que há inter-relações entre os diferentes eixos sugeridos a serem trabalhados com
as crianças.” Não esquecer que o planejamento, desenvolvimento e avaliação de
práticas educativas devem levar em consideração alguns aspectos inolvidáveis tais
78
quais: “pluralidade e diversidade étnica, religiosa, de gênero, social e cultural das
crianças brasileiras, favorecendo a construção de propostas educativas que
respondam às demandas das crianças e seus familiares nas diferentes regiões do
país.” (REFERENCIAL CURRICULAR, 1998, p. 7).
Para se atingir estas melhorias, algumas medidas podem ser tomadas. Souza (2005,
p. 27), a partir de um documento produzido no I Encontro de Formação Continuada
de Coordenadores e Diretores Municipais37 enumera o que estes profissionais
consideraram que seja uma “Educação para a Convivência com o Semiárido”.









Transformação para o reconhecimento.
Despertar no cidadão o interesse de valorizar a região em que vive,
buscando sempre superar as dificuldades existentes.
Mudança de atitude das pessoas, partindo do real para o ideal.
A arte de valorização de sertão: viver e conviver com a realidade.
Educação significativa.
Educação mais próxima, possível, do contexto em que está inserido o
aluno.
Busca de um novo olhar sobre a vida de homens e mulheres e o SemiÁrido.
Contextualização.
Uma educação que valorize as particularidades do meio, como ponto
de partida para todo o processo ensino-aprendizagem.
Dificuldades existem. Não se poderá desconstruir num piscar de olhos o que se
constrói há anos, mas esforços devem ser empreendidos na tentativa de derrubar
por terra os equívocos. A escassez de recursos e a ausência de um
acompanhamento pedagógico permanente devem ser superadas com o empenho
das pessoas envolvidas e comprometidas, juntamente com as organizações
pertinentes,
na
tomada
de
consciência
construtora
de
uma
educação
contextualizada, assim, libertadora. Os currículos do Semiárido devem dar conta de
algumas questões, tais como a responsabilidade de pensar as problemáticas sociais
e que compreende a historicidade dos sujeitos a quem se destina, mas que está
estritamente comprometido com a superação das desigualdades e reconhece que,
para isto, é preciso alterar significativamente a lógica do que nela se vivencia, se
ensina. (SOUZA, 2005).
37
“O I Encontro de Formação Continuada ocorreu no período de 19 a 22 de maio de 2003 no Centro de Formação do Irpaa, em
Juazeiro, e contou com a presença de cinco municípios: Canudos, Uauá, Curaçá, Juazeiro e Lagoa de Dentro.” (SOUZA, 2005,
p. 27).
79
Assim sendo, devemos encetar uma nova probabilidade não determinista, não
fatalista e dilatarmos a visão na direção de pensar e estabelecer uma educação que
priorize o contexto, cultura e história do Semiárido e suas Caatingas, fazendo
aparecer o seu ‘ser’ e perpetrando mudanças significativas, majoritariamente nos
currículos, que são tão direcionados a outras culturas e biomas que não o nosso.
CAPÍTULO QUARTO
CONCEBENDO A METODOLOGIA
A poesia e a arte continuam a desvendar lógicas
profundas e insuspeitadas do inconsciente coletivo,
do cotidiano e do destino humano. A ciência é
apenas uma forma de expressão desta busca, não
exclusiva, não conclusiva, não definitiva.
CECÍLIA MINAYO
81
4.1 Da Pesquisa com Representações Sociais e Mapas Mentais Infantis
Apesar de a ciência tentar e conseguir explicar muitos fenômenos, suas causas e
seus efeitos, a humanidade continua com dúvidas, buscando improficuamente por
algumas soluções. Na sociedade ocidental, a ciência, comumente, tem se colocado
como detentora dos saberes, contudo, para muitas questões primárias e essenciais
a busca é constante, posto que continua sem respostas. Sendo criada por seres
humanos – que possuem a característica da incompletude –, e sendo reflexo de
seus criadores, assim como todas as outras concepções desta natureza, é natural
que seja perfectível, portanto, é portadora em seu âmago de incoerências e
antagonismos.
La ciencia como método de percepción – y no puede reclamar ser outra
cosa –, está limitada, al igual que todos lós demás métodos de percepción,
por su capacidad para recoger los signos exteriores y visibles de La
verdade, sea lo que fuere esto ultimo. (BATESON, 2006, p. 40).
Elaborar e efetivar pesquisas a respeito de fatos e dados, materiais e tangíveis, com
regras, leis aparentemente inflexíveis e resultados previsíveis, hoje é uma remota
possibilidade, posto que diante dos paradigmas contemporâneos se chega à
conclusão que o observador influencia o resultado da pesquisa, ou seja, nada é tão
hermético e preciso o quanto se crer. E recorrendo novamente a Bateson: "La
ciencia indaga, no prueba." [grifo do autor] (2006, p. 40).
Nas pesquisas sociais, tratando com a subjetividade humana, que é uma alternativa
ricamente diversa, pode se fugir, infinitas vezes, a tudo que já foi anteriormente
conjeturado. Talvez mensurar através de métodos científicos estabelecidos, fatos
que existem, acontecem e estão plasmados nos domínios do senso comum, não
seja suficientemente exequível e plenamente satisfatório. No livro Espíritu y
Naturaleza, Gregory Bateson (2006) afirma que toda experiência é subjetiva,
nossos cérebros fabricam as imagens que pensamos perceber.
No cosmo está em constante movimento e mutação. Nada permanece estático todo
o tempo. A ciência, através da física quântica, tem mudado e revolucionado seu
próprio campo, levando à ponderação que nenhum conceito, teoria, corrente de
pensamento, é definitivo. O que ontem era falso, hoje é verdadeiro. O que hoje é
uma verdade indiscutível, ontem era motivo de desdém. "La ciencia a veces mejora
82
las hipótesis y otras veces las refuta, pero probarlas es outra cuestión, y esto tal vez
no se produzca jamás salvo en el reino de la tautología totalmente abstracta.
(BATESON, 2006, p. 37).
Pesquisar no campo social requer comportamentos e práticas diversas, alternativas
outras que não somente as adotadas nos laboratórios.
[...] é necessário dizer que o objeto de estudo das ciências sociais possui
consciência histórica. Noutras palavras, não é apenas o investigador que
dá sentido a seu trabalho intelectual, mas os seres humanos, os grupos e
as sociedades dão significado e intencionalidade a suas ações e suas
construções [também] é preciso ressaltar que nas Ciências Sociais existe
uma identidade entre sujeito e objeto. (MINAYO, 2000, p. 13).
Na metodologia de pesquisa das representações sociais, tem-se aumentado a
produção de trabalhos e literatura, contudo, Sá, (1998). avalia que é um campo que
ainda permite – e solicita mesmo – algo como um espírito de aventura na
perseguição do conhecimento científico. Neste tipo de pesquisa não há
procedimentos cristalizados, portanto, a não observância de determinados aspectos
não significa que o pesquisador/a seja descomprometido e/ou irresponsável. O que
se exige é uma seriedade autêntica no engajamento do pesquisador em sua própria
aventura metodológica.
Em Anadón e Machado (2001, p. 39), se toma conhecimento que, até o final dos
anos oitentas, a diversidade apresentada nos estudos das representações sociais
era considerada salutar, “vista como um processo pacífico e harmonioso, reflexo da
maturidade e da fecundidade que decorriam da riqueza inerente ao objeto das
representações sociais”.
Elaborando sobre as representações sociais, podemos divisar duas correntes de
abordagem: a processual e a estrutural. A primeira, de natureza interacionista e
privilegiadora dos conteúdos do discurso proferido pelo grupo social, e a segunda
tendência prima por uma análise estruturalista e privilegiadora da forma do discurso,
em detrimento de seus conteúdos. (ANADÒN e MACHADO, 2001).
A perspectiva estrutural tem por finalidade evidenciar “as propriedades e os
processos gerais além dos conteúdos particulares. [...] Nesta perspectiva a
83
representação social é considerada um conjunto de elementos ligados por relações.”
(ANADÓN e MACHADO, 2001, p. 49-50). Esta tendência, apesar de identificar os
elementos da representação através dos aspectos verbais do discurso – espontâneo
ou provocado – das pessoas, não é o discurso o que importa, mas o processo
cognitivo que está por trás.
A abordagem processual, tendência mais adotada neste trabalho, que prioriza o
estudo dos processos de produção das representações, consequentemente vai mais
fundo na análise da objetivação e da ancoragem38. Ela investiga “condições e
relações relevantes no tempo presente, recua ao passado para fazer uma
arqueologia da ancoragem e avança para o futuro, trabalhando com o conceito de
núcleo ou esquema figurativo como uma grade de leitura da realidade.” (ALVESMAZZOTTI, 2000, p. 67).
Anadón e Machado (2001) colocam que nos estudos de pesquisadores brasileiros,
assim como nos de Denise Jodelet, membro do Laboratório de Psicologia Social da
Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris e grande representante da
tendência processual, há uma predominância, quase que totalitária, da abordagem
processual, ou ainda, a análise das representações sociais é feita prioritariamente
baseada na análise dos conteúdos, produzida hermeneuticamente pelos discursos
dos entrevistados.
A pesquisa feita com base na primazia dos conteúdos – abordagem processual –
entende que as representações sociais são resultantes da atividade mental
procurando colocar em evidência a forma como a realidade é reconstruída pelo
grupo e integrada a seu sistema de valores.
A teoria das representações sociais é abordada através de várias perspectivas de
estudo. O que foi descrito anteriormente jamais será o conjunto de abordagens da
teoria em evidência. Para se ter uma vaga ideia do que isto pode representar,
38
Ver definição no capítulo anterior: Representações Sociais e Ecologia, p. 80.
84
Jodelet (1984)39 apud Sá (1998, p. 62-63), esboça seis diferentes métodos de
abordagem:
Uma primeira perspectiva se relaciona á atividade puramente cognitiva pela
qual o sujeito constrói sua representação. [...] Uma segunda perspectiva
acentua os aspectos significantes da atividade representativa. [...] Uma
terceira corrente trata a representação como forma de discurso e faz
decorrer suas características da prática discursiva de sujeitos socialmente
situados [...] Na quarta perspectiva, é a prática social do sujeito que é
levada em consideração. Para o quinto ponto de vista, o jogo das relações
intergrupais determina a dinâmica das representações. [...] Enfim, uma
última perspectiva, mais sociologizante, faz do sujeito o portador de
determinações sociais e baseia a atividade representativa sobre a
reprodução de esquemas de pensamento socialmente estabelecidos.
Diante da profusão das distintas maneiras de conceber os fenômenos sociais,
provavelmente pode acontecer que determinados estudos e pesquisas não se
encaixem – nem outros se enquadrarão – de maneira precisa em uma das
perspectivas listadas, pois “observa-se uma grande variedade de abordagens, não
havendo uma metodologia ‘canônica’ nem mesmo entre os pesquisadores filiados a
uma mesma corrente.” (ALVES-MAZZOTTI, 2000, p. 68).
Também se percebe que as visões não se rivalizam, muito menos uma anula a
outra, elas geralmente adicionam algo de novo à teoria mater, cujo autor é
Moscovici. Aos pesquisadores/a, mormente se estiverem começando a enveredar no
campo das representações sociais, Sá (1998, p. 64) aconselha: “escolher uma
perspectiva teórica já constituída ou, se nenhuma o satisfaz, montar uma
combinação consistente de diferentes perspectivas.”. Muito certamente, diante do
exposto, nada impede que o estudioso possa se inspirar em várias fontes, se as tiver
à disposição.
Independentemente de toda diversidade, o que não se deve esquecer nas pesquisas
deste formato são as questões que um estudo deste tipo se propõe a responder, ou
ainda, que reflexões se desejam provocar, pois a teoria das representações sociais
traz no seu bojo a proposta de compreender como o grupo interfere na elaboração
psicológica que constitui a representação e como esta elaboração psicológica
interfere no grupo.
39
JODELET, Denise. Représentation sociale: phénomène, concept et théorie. In: MOSCOVICI, Serge. (Org.). Psycologie
sociale. Paris, France: PUF, 1984.
85
De igual maneira acontece em relação aos mapas mentais infantis, eles são fruto de
uma relação inerente entre os seres humanos e o meio em que vivem. Este
raciocínio é reforçado pela teoria sociointeracionista, que tem em Vygotsky um de
seus maiores representantes: o meio exerce influência sobre os seres humanos e os
seres humanos exercem influência, transformam e modificam o meio, ressaltando
que esta influência recíproca acontece desde o momento em que se nasce, ainda no
berço.
Os mapas mentais são, em verdade, a representação da realidade ao longo do
tempo; são as traduções individuais e idiossincráticas resultantes da forma como os
indivíduos – sejam eles adultos/as ou crianças – organizam e compreendem o
mundo no qual estão inseridos. Mapas mentais são a representação dos espaços
geográficos como se acredita que eles sejam, baseados no sentido de
pertencimento das pessoas.
Fischer (1972, apud Anadón e Machado, 2001, p. 69) define mapa mental:
O processo cognitivo pelo qual os indivíduos organizam e compreendem o
mundo que os cerca, codificando, estocando, memorizando e
decodificando as informações relativas às características de um ambiente.
O mapa cognitivo é o produto desse processo: é a imagem mental que
preside a maneira através da qual nós construimos nossa representação
de um ambiente dado. Sobre o conjunto dos espaços nos quais nós
vivemos: escola, lojas, vias, disposições de ruas, se formam dos mapas
mentais que nos informam não sobre o espaço tal qual ele é, mas sobre a
maneira que nós cremos que ele é.
Naturalmente, as representações mudam, posto que “as imagens se modificam com
a idade (ou o desenvolvimento pessoal) e pelo processo de aprendizagem (ou a
prática). O apelo das imagens é também dinâmico por que se trata de ‘uma
representação do mundo em um momento dado’ ”. (ANADÓN e MACHADO, 2001, p.
69).
Ao longo da evolução da espécie humana e do desenvolvimento de cada
indivíduo, ocorrem, entretanto, duas mudanças fundamentais no uso dos
signos. Por um lado, a utilização de marcas externas vai se transformar em
processos internos de mediação; este mecanismo é chamado, por
Vygotsky, de processo de internalização. Por outro lado, são desenvolvidos
sistemas simbólicos, que organizam os signos em estruturas complexas e
40
articuladas. (OLIVEIRA , 1997, p. 34).
40
Marta Kohl de Oliveira é licenciada em Pedagogia pela USP; doutora em Psicologia da Educação pela Universidade de
Stanford, EUA e professora da Faculdade de Educação da USP.
86
Para as crianças, o mundo onde elas vivem se constitui um conjunto de fenômenos
naturais e sociais indissociáveis, que desperta a curiosidade e o desejo de
compreender o que se passa ao redor. Estas mudanças acontecem em grande
velocidade e elas tentam apreende-las. Possuem enorme capacidade de adaptação
por serem mais receptivas aos estímulos externos em presença de uma quantidade
menor de idéias pré-concebidas. A curiosidade e as descobertas a respeito do
mundo que as cercam faz com que o processo de cognição, formatação, construção
e desconstrução das idéias seja mais rápido. Ainda baseada na pedagogia
vygotskiana, Oliveira (1997, p. 35) comenta:
Ao longo do processo de desenvolvimento, o indivíduo deixa de necessitar
de marcas externas e passa a utilizar signos internos, isto é,
representações mentais que substituem os objetos do mundo real. [...]
Essa capacidade de lidar com representações que substituem o próprio
real é o que possibilita ao homem libertar-se do espaço e do tempo
presentes, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas,
imaginar, fazer planos e ter intenções. [sem grifo no original].
A representação social infantil está numa relação direta com a representação social
do adulto/a, pois que se sabe da influência que a segunda exerce sobre a primeira.
Além de uma certa quantidade de mecanismos ligados aos fenômenos de
comparação social, entre outros fatores, as crianças constroem seus mapas mentais
sobre determinados aspectos do meio, a partir das vivências que experenciam e da
interação num contexto de diversos aspectos, tais como: conceitos, valores, idéias,
objetos e representações sociais, inclusive a partir das manifestações dos adultos/as
– que as “educam” e cercam – sobre o mesmo meio.
Tentar perscrutar as representações sociais e mapas mentais infantis aconteceu em
decorrência de se carregar o alento por uma educação pautada nos princípios
norteadores de uma Ecologia humanizadora, pautada no respeito à diversidade, à
alteridade, à sacralidade, à Gaia; e finalmente, por acreditar que os resultados deste
estudo podem proporcionar novas reflexões, novos olhares, também e até influenciar
positivamente educandos/as, educadores/as, enfim, seres humanos, na tentativa de
compreender e compreender-se, ter melhor e mais real percepção em relação ao
lugar em que vivem: o Semiárido, as Caatingas, ou qualquer lugar do cosmo a que
se pertença.
87
4.2 Do Tipo da Pesquisa
4.2.1 Psicologismo/Fenomenologia
Segundo o Dicionário Michaelis41:
2
1
fenomenologia: fe.no.me.no.lo.gi.a. sf (fenômeno+logo +ia ) 1 p us Ramo
de uma ciência, o qual trata da descrição e classificação de seus
fenômenos. 2 Med O mesmo que sintomatologia. 3 Filos Em Hegel, espécie
de autobiografia do espírito, que transita do conhecimento sensível ao
verdadeiro saber; em Husserl, método filosófico que visa a apreender as
essências absolutas das coisas.
Objetivamente, com relação à realidade, a Fenomenologia, ou Psicologismo, é a
busca do sensível ou do que se vislumbra, que sensibiliza e cria valores e/ou
referências através dos fenômenos vividos ou experimentados, dando ênfase ao
subjetivismo e às percepções individuais. Emanuelle Coelho42 (2006, não paginado)
coloca que:
Fenomenologia é, de fato, uma investigação que busca a essência inerente
da aparência. [...] Aparência é qualquer coisa de que se tem consciência.
Qualquer coisa que apareça à consciência é uma área legítima da
investigação filosófica. Além do mais, aparência é uma manifestação da
essência daquilo de que é a aparência.
Tem como fundamento teórico as ciências cognitivas e entende que o pesquisador –
embora, neutralidade não aconteça de modo pleno – deve se manter neutro,
buscando a sistematização e a idealização em relação ao fenômeno ou objeto
pesquisado. De acordo com a teoria filosófica de Edmund Husserl, é o método de
apreensão da essência absoluta das coisas, ou na impossibilidade do absoluto, é o
que mais se aproxima disto.
A fenomenologia encerra como elemento de estudo, o próprio fenômeno, isto é, as
coisas em si mesmas, e não o que é dito sobre elas ou o que se crer que elas são.
Desta feita, a investigação fenomenológica tenta acessar a consciência das pessoas
através da expressão das suas experiências interiores, investiga a interpretação do
mundo através da consciência do sujeito, formulada com base em suas vivências.
41
42
Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/>. Acesso em: 30.Jul.2011.
Psicóloga, graduada pela Universidade FUMEC.
88
4.3 Da Natureza
4.3.1 Pesquisa Qualitativa
Os construtivistas sociais defendem que, o foco da pesquisa, as categorias teóricas
e o planejamento da pesquisa podem ter uma estruturação flexível, sendo seu
formato final definido no caminhar da investigação, isto quer dizer que os
pesquisadores/as podem criar métodos e técnicas próprios. Feyerabend 43 apud
Minayo, 2000, p. 17 observa: “Dada uma regra qualquer, por fundamental e
necessária que se afigure para a ciência, sempre haverá circunstâncias em que se
torna conveniente não apenas ignorá-la como adotar a regra oposta”.
Farr44 citado por Sá (1998, p. 80), afirma que ”a teoria das representações sociais
não privilegia nenhum método de pesquisa em especial.”. Isto não traduz que toda e
qualquer metodologia pode ser adotada, independentemente de seu quadro teóricoconceitual, esta construção representa que as representações sociais não se
vinculam obrigatoriamente a método algum, podendo o pesquisador lançar mão de
diversos quadros teóricos específicos de referência.
Continuando com Sá (1998, p. 81), ele faz uma apresentação esquemática
pertinente aos métodos utilizados pelos vários teóricos das representações sociais,
que facilita o entendimento da questão.
[...] à perspectiva de Jodelet correspondem os métodos ditos qualitativos;
`a perspectiva de Doise, os tratamentos estatísticos correlacionais; à de
Abric, o método experimental. Mas, embora essas preferências possam ser
originalmente verdadeiras, observa-se hoje uma importante interpenetração
entre elas.
Jodelet45 1989, apud Anadón e Machado, 2001:
O fenômeno cognitivo enquanto objeto de estudo se dá a partir de
conteúdos representativos colhidos em diferentes suportes como a
linguagem, o discurso, documentos, práticas, dispositivos materiais. Com
aproximações de natureza etnográfica, a tendência dos conteúdos opta
prioritariamente, do ponto de vista metodológico, pela observação no meio,
observações semi-estruturadas, entrevistas, análise de dados da natureza
geralmente qualitativa.
43
FEYERABEND, P. Contra o método. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1989.
FARR, Robert. Theory and method in the study of social representations. In: BREAKWELL, G. M. & CANTER, D. V. (Orgs.).
Empirical approaches to social representations. Oxford, England: Clarendon Press, 1993, p. 15-38.
45
JODELET, Denise. Folies et représentations sociales. Paris, France: PUF, 1989.
44
89
Este pensamento encontra eco em Minayo (2000, p. 23) que o reforça:
A diferença entre qualitativo-quantitativo é de natureza. Enquanto cientistas
sociais que trabalham com estatística apreendem dos fenômenos apenas a
região ”visível, ecológica, morfológica e concreta”, a abordagem qualitativa
aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas,
um lado não perceptível e não captável em equações, médias e
estatísticas.
Com base nos teóricos acima citados, considerando ter sido uma abordagem que se
guiou primordialmente pela subjetividade, ainda mais por ter um viés póscontemporâneo, baseada nos pressupostos da ecologia humana, a configuração foi
a de uma pesquisa qualitativa, que em alguns momentos lançou mão de dados
quantificados, posto que ambas as maneiras são legítimas e combináveis entre si.
4.4 Dos Métodos
4.4.1 Da Ética
A metodologia para esta pesquisa foi adotada em consonância com as
determinações da Resolução 196/96 da CONEP/CNS - Comissão Nacional de Ética
em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde - (BRASIL, 1996) “Diretrizes e Normas
Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos”
Por ser um trabalho cujo grupo participante de maior relevância foi composto por
crianças, o projeto de pesquisa foi submetido e aprovado para execução pelo CEPComitê de Ética em Pesquisa da UNEB-Universidade do Estado da Bahia. (Anexo
C).
A segurança foi garantida às crianças envolvidas, adotando os seguintes
procedimentos sugeridos pela resolução:
1. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Apêndice A – assinado pelos paismães e/ou responsáveis, posto que os participantes eram garotos e garotas;
tratamento respeitoso e cuidadoso, levando em consideração que foi um grupo de
menor idade e por consequência ilegalmente incapaz e vulnerável, além de total
submissão à autonomia e liberdade dos mesmos. A vontade deles foi fator
determinante para que participacem do trabalho;
90
2. A metodologia adotada na aquisição de dados para a pesquisa não representou
os riscos além dos possíveis no cotidiano escolar, quando do manuseio de lápis e
papel;
3. Os trabalhos da pesquisa e seus resultados são permeados de grande relevância
para a sociedade onde os indivíduos estão inseridos, considerando que é uma
pesquisa de pressupostos sociobiodiversos, e ainda presumindo-se que os efeitos
positivos a estas crianças retornarão, sem nenhum ônus para eles ou quaisquer
outras pessoas.
4.4.2 Dos Riscos
Trabalhos envolvendo crianças geralmente apresentam algum nível de risco, mínimo
que seja. Tomando em consideração o comportamento naturalmente buliçoso e
curioso da infância, a simples manipulação do material lúdico-pedagógico e
instrumental – lápis, giz de cera, massa de modelar, tesoura, etc – pode, sem
supervisão adequada, acarretar acidentes por mau uso. Durante a pesquisa, os
cuidados pedagógicos rotineiros continuaram sendo utilizados para evitar esses
riscos,
inclusive
e
imprescindivelmente,
a
pesquisadora
sempre
esteve
acompanhada pelos professores responsáveis por cada turma, a coordenação
pedagógica local e, em alguns momentos, também pela direção da escola. Os
instrumentos que foram utilizados ofereciam periculosidade mínima, a saber: lápis
grafite e de colorir, giz de cera e papel.
4.5 Sobre as Ferramentas Utilizadas
Os pesquisadores/as das ciências sociais são quase unânimes quanto à entrevista
qualitativa, como um dos melhores instrumentos para a coleta de dados, pois por
sua natureza ela concede ao pesquisador/a a possibilidade de obter dados mais
verdadeiros posto que o entrevistado não se sente coagido. Ora, se sentindo livre e
desobrigado, certamente as informações serão mais autênticas.
91
Alves-Mazzoti e Gewandsznajder, (1998) resumem que as pesquisas qualitativas,
geralmente, usam uma grande variedade de procedimentos e instrumento de coleta
de dados, com destaque para a observação, a entrevista em profundidade e a
análise de documentos. Ainda segundo os mesmos autores, (1998, p. 168), “por sua
natureza interativa, a entrevista permite tratar de temas complexos que dificilmente
poderiam ser investigados adequadamente através de questionários, explorando-os
em profundidade.”
No campo das representações sociais é semelhante. Abric (1994)46 citado por
Anadón e Machado (2001, p. 50-51) apresenta uma síntese dos métodos mais
usuais na coleta de dados de representações sociais: os interrogativos e os
associativos. "Entre os métodos interrogativos, podemos citar os seguintes: a
entrevista aprofundada ou a entrevista guiada [...] uma técnica que é atualmente
considerada indispensável aos estudos das representações sociais [...] e o
questionário."
Entre os métodos associativos estão as gravuras; os desenhos e suportes gráficos;
a perspectiva monográfica e a associação livre, cujo emprego possui maior
destaque.
Anadón e Machado (2001) comentam que as gravuras permitem a associação de
ideias e são comumente utilizadas em pesquisas feitas com comunidades que
apresentam dificuldades para responder às interrogações clássicas; os desenhos e
suportes gráficos proporcionam maior facilidade de expressão a populações
específicas, assim como crianças. Outra maneira eficiente e muito utilizada é a
associação livre, que consiste no seguinte procedimento: pede-se ao indivíduo que a
partir de uma comanda – uma única palavra ou uma série delas – produza todas as
palavras, expressões ou adjetivos que lhe venham à mente.
Ainda quanto às vantagens do desenho, como manifestação concreta genuína dos
mapas mentais infantis, podemos nos apoiar em Hammer (1958) comentado por
Campos (2005, p.22) que justifica e lista algumas:
46
ABRIC, Jean-Claude. Pratiques sociales et représentations. Paris: France. PUF, 1994.
92
(a) O Desenho, técnica basicamente não verbal, tem a óbvia vantagem de
ter maior aplicabilidade a crianças mais jovens. Vários especialistas [...]
têm feito observações nesse sentido. Levy, empregando o desenho como
um complemento, na psicanálise de crianças, mostrou-se impressionado
com o fato de que as crianças acham muito mais fácil expressar-se através
de desenhos do que de palavras. O teste projetivo não verbal é também
vantajoso entre (b) os indivíduos sem escolaridade, (c) o mentalmente
defeituoso, (d) os estrangeiros, como também os mudos, (e) os muito
tímidos e retraídos, crianças ou adultos, (f) pessoas das classes sociais
inferiores que, freqüentemente, se sentem inadequadas, com relação à sua
capacidade de expressar-se verbalmente, e (g) aqueles de orientação
concreta.
4.5.1 O Desenho Infantil
Desenhar47 é, de algum modo, colocar numa determinada superfície, de forma
tangível, o que se vai pela mente. Laïs de Toledo Krücken Pereira 48 comenta que a
premissa de que a criança desenha menos o que vê e mais o que sabe de um objeto
é um ponto de concordância entre diferentes concepções teóricas sobre o
desenvolvimento do desenho.
Trabalhos realizados e registrados sobre a expressão da atividade psicológica
infantil através do desenho levam a compreender “que o indivíduo desenha o que
sente, em vez de somente o que vê” (CAMPOS, 2005, p. 22). Consideravelmente, o
desenho é, na atualidade, uma técnica projetiva de admirável validade e
grandemente vantajosa, principalmente quando aplicada às crianças com menos
idade, porque elas demonstram maior facilidade em expressar-se através de
desenhos do que de palavras.
É-nos muito importante saber que a psicologia do desenho infantil, na atualidade,
visa objetivos variados e estuda diversos aspectos, tais como dimensionar as fases
do desenvolvimento infantil, o caráter e suas expressões.
Com relação ao desenho infantil, atualmente, foi abandonado o conceito de
que o mesmo representa o produto de uma estética particular, sendo
considerado como a expressão do modo como a criança percebe e
compreende o mundo. Esta nova posição valoriza todas as relações que se
determinam entre a totalidade psíquica da criança emocional e intelectual –
47
DESENHAR, v. tr. dir. Representar por meio de linhas e sombras; dar relevo a; formar; ter a forma de; descrever; [...]
representar, tornar perceptível [sem grifo no original], projetar, delinear; intr. traçar desenhos; pr. ressair, acusar-se;
aparecer, reproduzir-se na imaginação [sem grifo no original]. (Do lat. designare.)
48
Disponível
em:
<http://portal.unesco.org/culture/en/files/29712/11376608891lais-krucken-pereira.pdf/lais-kruckenpereira.pdf>. Acesso em: 21.06.2011.
93
no processo de maturação, e seu meio social e cultural, envolvendo
também a educação sistemática a que se submeteu [sem grifo no
original]. (CAMPOS, 2005, p. 14)
A atividade do desenho pode fazer eclodir nas crianças – também nos adultos,
sentimentos e vivências que, por alguma razão, a criança não se permite
experimentar. Ele funciona como um ativador de várias linhas de associação de
ideias, favorecendo assim a simbolização do que a criança pensa a respeito de
determinados assuntos e a respeito de si própria, posto que os aspectos físicos da
autoimagem e os psicológicos também são projetados.
Desenhar é uma atividade primitiva e elementar que remonta os primórdios da
humanidade, prova disto são as pinturas rupestres, que nos dão conta, através do
desenho, do passado no planeta. Talvez por isto as pessoas sejam tão verdadeiras
quando se propõem a colocar suas impressões numa superfície qualquer, através do
desenho. Contudo, segundo os pesquisadores/as, os indivíduos se expressam de
maneira mais racional em nível motor, intelectualmente mais conscientes de suas
expressões verbais. Todavia, no desenho, se perde um pouco este controle sobre a
criação e motricidade. Vygotsky comenta a existência de “certo grau de abstração”
na atitude da criança que desenha, ao liberar conteúdos da sua memória.
Hammer (1958)49 apud Campos (2005, p. 23) comenta o caso de um candidato a
treinamento para se tornar psicanalista.
[...] foi submetido a um tipo de exame psicológico, e comentou sua fuga a
todo tipo de resposta que pudesse comprometê-lo, nos testes [...] Entretanto
acrescentou: “Não pude controlar a maneira como saiu o desenho da
mulher”. O candidato tentou expressar um sorriso muito doce, na mulher
desenhada, mas apagou e desenhou, acabando a figura por exibir uma
expressão ameaçadora.
Se um adulto tem dificuldade em se defender pré-meditamente nas projeções
grafomotoras, mais verdadeiras serão as projeções infantis, posto que a criança não
se arma antecipadamente por ter a racionalidade menos ativa, por se orientar ainda,
muito mais, por seu inconsciente50. É difícil resistir ao fascínio de uma folha de papel
em branco diante de si, lápis ou caneta, muito menos se aliado a este contexto vem
49
HAMMER, Emanuel F. The clinical application of projective drawings. Springfield, Illinois, U.S.A. Charles C. Thomas –
Publisher: 1958.
50
O adjetivo inconsciente é por vezes usado para exprimir o conjunto dos conteúdos não presentes no campo efetivo da
consciência. Verbete definido por Jean Laplanche, extraídas do livro Vocabulário da Psicanálise: Laplanche e Pontalis, 4
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
94
uma leve sugestão, nem que seja apenas uma única palavra, para que se risque ou
desenhe neste papel.
Outro fator que deve ser considerado vantajoso na pesquisa através do Desenho
como Técnica Projetiva é o “fato de que o mesmo é, essencialmente, uma técnica
livre de influências culturais (Culture-free-technique) para uso antropológico, na
investigação de outras culturas, eliminando o problema da linguagem.” (CAMPOS,
2005, p. 27).
Os desenhos são formas concretas em nível motor e expressam de um modo
primitivo os mapas mentais dos indivíduos. Segundo K. Machover (1949) 51 apud
Campos (2005), há maior dificuldade em aplicar defesas estereotipadas nas
projeções grafomotoras, consequentemente a verossimilhança será muito maior
entre os desenhos e os mapas mentais, do que entre entrevistas e o que se
pretende dizer. Geralmente não se costuma falar com precisão a respeito do que se
pensa.
4.6 Como se deu a Coleta os Dados
Adotou-se a combinação de dois métodos utilizados nas coletas de dados das
pesquisas com representações sociais, a saber: o interrogativo, representado pela
entrevista guiada; e o associativo, representado pelo desenho e a associação livre.
Depois de recolher os TCLEs - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
previamente
distribuídos
e
devidamente
assinados
pelos
pais/mães
e/ou
responsáveis, numa entrevista breve, com uma pergunta simples, se inquiriu: O que
vocês acham que é a Natureza? Faz-se necessário esclarecer que, se optou por
uma pergunta simples e direta, sem observações ou provocações outras; como
também não se comentou previamente a respeito de qual tema a garotada faria suas
ilustrações, e como seria encaminhada a atividade no dia da aplicação do trabalho.
51
MACHOVER, Karen. Projección de la personalidad en el dibujo de la figura humana. Trad. Gutiérrez. Habana, Cuba. J.
M. Cultural S.A: 1949..
95
A compreensão é que se deveria influir o mínimo possível na resposta das crianças,
ao que se desejava saber.
Foram entregues folhas de papel sulfite, tamanho A3, dobradas ao meio. Na
sequência, as crianças participantes foram convidadas, dentro de suas respectivas
salas de aulas, que através do desenho, fazendo uso de lápis grafite, canetas
hidrográficas, lápis colorido, giz de cera e do papel oferecido a cada uma,
materializassem o que elas pensam e entendem que seja a natureza, orientando
que, ao terminarem os desenhos, fizessem um pequeno texto em outra página do
mesmo papel, lembrando que ele estava dobrado em dois, explicando o que
ilustraram, e os porquês.
A partir desta provocação, através da associação livre elas representaram
graficamente suas compreensões concernentes ao questionamento formulado.
Outros dois instrumentos utilizados na coleta de dados: o Diário de Campo e uma
máquina fotográfica. O Diário de Campo, além de conter anotações sobre os dados
cadastrais de cada instituição de ensino, assim como endereço, quantidade de
crianças e outras, foi utilizado como um banco de memórias. As notas foram
tomadas sempre nos dias das atividades, para se evitar a perda de dados úteis e
preciosos, tais como a condução dos trabalhos, os comentários de algumas
crianças, as falas dos professores e coordenadores das escolas que participaram. A
máquina fotográfica foi utilizada para registrar imagens das escolas e os momentos
de produção dos desenhos.
4.7 Participantes da Pesquisa: o Porquê das Escolhas
Participaram do trabalho, crianças que estavam cursando o Ensino Fundamental I 1.ª a 4.ª série -, nas escolas públicas municipais de Paulo Afonso-BA, no ano letivo
de 2011. A escolha das quatro escolas em foco teve três justificativas
preponderantes: a primeira é o fato de serem escolas municipais que possuem o
Ensino Fundamental I, considerando que algumas têm apenas Educação Infantil, ou
Fundamental II.
NOME DA ESCOLA
SÉRIE
96
QUANT. DE
PARTICIPANTES
MASC.
FEM.
TOTAL POR
ESCOLA
VER. JOÃO BOSCO RIBEIRO
1ª
9
11
20
LIONS CLUBE
2ª
12
14
26
VINÍCIUS DE MORAES
3ª
13
10
23
GUIOMAR PEREIRA
4ª
13
12
25
47
47
94
TOTAL GERAL
Tabela 1 - Escolas, séries, quantidade e sexo das crianças participantes.
Fonte: Pesquisa de campo 2011.
Segunda justificativa: são escolas públicas, localizadas na Zona Urbana. O propósito
deste motivo foi dar continuidade e ampliar o trabalho de pesquisa anterior, por mim
elaborada na especialização em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental
(PEREIRA-SILVA, 2007), quando tomei duas escolas públicas municipais de
Educação Infantil, para estudo de caso.
E por fim, a terceira e mais preponderante justificativa: por estudar num programa
público de pós-graduação; por ter formação acadêmica realizada totalmente em
universidade pública; por ser militante a favor do ensino público de qualidade e
acreditar que isto é possível a partir, primordialmente, das iniciativas particulares e
transformações individuais. Parafraseando Cândido52, personagem de Voltaire no
livro homônimo, pode-se dizer que, vivemos no melhor dos mundos possíveis, mas
cada um cultive seu jardim!
Foram escolhidas quatro turmas – uma por escola – de alunos regularmente
matriculados no ano em curso, 2011, composta de ambos os sexos, após acordos e
discussões com coordenadores pedagógicos e direção de cada escola. Não
participaram da pesquisa apenas os estudantes que tiveram a recusa por parte
deles próprios.
52
Cândido ou O Otimismo é um romance filosófico de autoria do pensador iluminista, Voltaire.
97
FEM.
TOTAL
QUANTIDADE
MASC.
7
3
8
11
8
13
10
23
9
11
14
25
10
11
12
23
11
3
1
4
12
3
2
5
13
2
0
2
14
1
0
1
IDADE DAS
CRIANÇAS
TOTAL
94
Tabela 2 - Faixa etária das crianças participantes.
Fonte: Pesquisa de campo 2011.
Em cada educandário foi escolhida uma turma do Ensino Fundamental I, de séries
diferentes, sendo a dinâmica organizada em função da primeira escola. A primeira
sugerida pela diretora da escola, pois que estando às vésperas de provas, era a
classe que já tinha feito as revisões necessárias, assim se tornaram mais
disponíveis. A partir de então, nas instituições seguintes, foi pedido que as
coordenadoras pedagógicas escolhessem uma turma das séries subsequentes e
faltantes, usando critérios de disponibilidade na dinâmica das escolas.
Como dito anteriormente, na especialização (PEREIRA-SILVA, 2007), coletei dados
em duas escolas de Educação Infantil. Inicialmente, este mestrado proporcionou a
perspectiva de continuar e ampliar a pesquisa na mesma área de concentração, com
a probabilidade de corroborar ou negar as constatações do trabalho anterior. Para
isto, admiti um universo maior, quatro classes, 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries. A curiosidade foi
se aguçando e impulsionou para uma investigação, também no Ensino Fundamental
II.
Perante um convite para participar de uma banca no III Expressarte, prêmio de
incentivo à produção de textos e artes plásticas para estudantes do Ensino
Fundamental I e II, promovido pela Secretaria Municipal de Educação de PetrolinaPE, na escolha de desenhos e/ou pinturas, cujo tema foi Nossa Gente, Nossa Terra:
Histórias que Encantam, se estabeleceu que os dados utilizados para a averiguação
98
e/ou comparação das representações sociais do Ensino Fundamental II, seriam
proporcionados pelos desenhos – mapas mentais – avaliados neste evento. Uma
razão decisiva para esta escolha também foi o fato de Petrolina-PE esta inserida no
Semiárido, bioma Caatinga.
Depois de terminada a coleta de dados nas turmas de Educação Fundamental I,
diante de informações fornecidas por Dra. Samyra Crespo (1990), e da necessidade
de averiguar e comparar os dados encontrados por ela num trabalho estatístico
sobre a evolução da consciência ambiental no Brasil, tornou-se imperativo a inclusão
de uma turma de discentes que estivessem cursando o 3º grau. A turma adotada era
composta de estudantes da UNEB - Universidade do Estado da Bahia-Campus VIII,
em Paulo Afonso-BA, sendo catorze graduandas – não estava presente o único
graduando – do curso Licenciatura Plena em Biologia, 7° Período, cuja faixa etária
era entre 21 e 40 anos. O critério de escolha foi o fato de ser a classe na qual se
efetivou o estágio-docente da pesquisadora.
Sobre informações detalhadas quanto aos universos e participantes desta pesquisa,
vide Apêndice C.
Para manter a segurança acordada no TCLE, e respeito à privacidade; levando em
consideração que a maior parte do grupo participante foi composta de indivíduos de
menor idade; e ainda em consonância com o tema abordado, os nomes das crianças
foram omitidos, e, quando se tornou necessário a citação, foram substituídos por
nomes não científicos de florescências ornamentais53.
4.8 Tentando Entender os Mapas
Deve-se compreender que todas as informações têm igual importância para o
pesquisador/a, deste modo, são capturadas e anotadas da maneira mais fidedigna
possível, entretanto ele/a é meramente intérprete de um retrato que o informante
tem, ou acredita ter de seu próprio mundo.
53
A mesma metodologia foi adotada com êxito na monografia de especialização desta pesquisadora, Pereira-Silva, 2007. Por
ter sido uma metodologia exequível e satisfatória, adoto o mesmo método para esta dissertação. N. da A.
99
De acordo com Alves-Mazzoti e Gewandsznajder (1998, p. 170), a organização e
captação destes dados se fazem através de:
...[um] processo continuado em que se procura identificar dimensões,
categorias, tendências, padrões, relações, desvendando-lhes o significado.
Este é um processo complexo, não linear, que implica um trabalho de
redução, organização e interpretação de dados que se inicia já na fase
exploratória e acompanha toda a investigação.
Por ser uma pesquisa qualitativa, por estar pautada e estruturada nas teorias e
conceitos das representações sociais, o método utilizado para avaliar os dados teve
predominância
da
abordagem
processual, fundamentada
na
primazia
dos
conteúdos, até mesmo porque a apreciação das representações sociais é feita,
quase que totalitariamente, baseada na análise dos conteúdos apresentados e
produzidos pelo grupo adotado. A análise de conteúdos costuma oscilar entre dois
aspectos: a suposta precisão dos números e a tão sempre questionada
subjetividade. Contudo, as abordagens qualitativas se tornam cada dia mais
adotadas e valorizadas, utilizando-se tanto da indução quanto da intuição para se
alcançar níveis mais profundos de compreensão dos fenômenos investigados.
Diante da profusão das distintas maneiras de conceber os fenômenos sociais e das
variados técnicas de tentar as suas interpretações, provavelmente pode acontecer
que determinados estudos e pesquisas não se encaixem – nem outros se
enquadrarão – de maneira precisa em uma das perspectivas manifestas e
catalogadas, pois, como bem reflete Alves-Mazzotti (2000), que pela quantidade de
abordagens raramente haverá um padrão metodológico, nem mesmo entre os
pesquisadores/as adeptos de uma mesma corrente filosófica.
A análise de conteúdo é um instrumento de investigação que proporciona enorme
multiplicidade de formas e é adaptável a uma área muito vasta de aproveitamento, a
comunicação.
Olabuenaga e Ispizúa, (apud MORAES, 1999), reconhecem a importância do
método: "a análise de conteúdo é uma técnica para ler e interpretar o conteúdo de
toda classe de documentos, que analisados adequadamente nos abrem as portas ao
conhecimento de aspectos e fenômenos da vida social, de outro modo,
inacessíveis."
100
A análise dos dados foi pontuada e conduzida por interpretações, tanto do conteúdo
manifesto, como do latente, ou seja, se tentou apreender os sinais evidentes, os
ocultos e o que estava escrito nas entrelinhas das ilustrações elaboradas.
A natureza dos mapas mentais [...] está intimamente relacionada com as
funções e operações da mente de encadear, relacionar, comparar,
classificar, etc., ou seja, processar, de uma forma geral, as informações
coletadas tanto do universo exterior (objetivas) quanto do interior
(subjetivas). (HERMANN E BOVO, 2006, p. 95).
Buscou-se e se encontrou muito, como diz Morin (2004), se encontrou até do que
não se buscava. Por consequência, na busca deste entendimento se utilizou,
majoritariamente, a abordagem de análise de conteúdo, indutiva-construtiva,
conceito cuja teoria está subordinada à análise, isto é, resulta como um dos produtos
dela. A abordagem dedutiva-verificatória é mais aceitável pela pesquisa tradicional
por possibilitar maiores coeficientes de exatidão, rigor e sistematização, muito
embora tenha suas limitações. A abordagem indutiva-construtiva toma como ponto
de partida os dados, construindo a partir deles as categorias e a partir destas a
teoria. "Sua finalidade não é generalizar ou testar hipóteses, mas construir uma
compreensão dos fenômenos investigados." (MORAES, 1999. Sem paginação).
Contudo, por também ter se levado em consideração e se utilizado como referência
e comparação o trabalho da autora desta dissertação, quando da especialização na
mesma linha de pesquisa, em algum momento se lançou mão da outra abordagem:
a dedutiva-verificatória, onde a teoria antecede a análise e serve de fundamento
para a mesma.
Todas as informações e subsídios foram estruturados e organizados na tentativa de
compreender e apreender as representações sociais e mapas infantis em relação à
concepção que meninas e meninos portam sobre natureza, por consequência,
Caatinga, Semiárido.
Se faz mister compreender que uma análise ocorre de forma recorrente e cíclica, e
não de maneira serial e linear. Ainda que se leve em consideração que a
interpretação se constitui um elemento imprescindível em toda análise de conteúdo,
muito mais quando de natureza qualitativa, averiguar minuciosamente, indagar,
investigar, sondar, compilar dados, ler, decodificar – mesmo partindo de
101
pressuposições
metodológico-acadêmicas
sólidas
e
bem
construídas
possivelmente será sempre resultado da ótica particular e única do pesquisador/a.
–,
CAPÍTULO QUINTO
ANALISANDO DADOS
Conheça todas as teorias, domine todas as
técnicas, mas ao tocar uma alma humana,
seja apenas outra alma humana.
CARL GUSTAV JUNG
103
5.1 Tentando Captar Compreensões
Encadear, relacionar, comparar, classificar, ordenar, separar, dicotomizar, rotular,
catalogar, inventariar, listar, preceituar, conceituar... Como poder ressignificar estes
impulsos que parecem ser invencíveis, tão prementes, seculares, quiçá, imanentes
dos seres humanos, que aqui estamos tomando como mapas mentais? Os sujeitos
são capazes de reelaborarem e refletirem tão fortes pulsões54? Até que se tenta,
algumas raras vezes, fugir das aprisionantes, porém, cômodas sequências, das
cadeias que aconchegam e torturam, sair da zona de conforto.
Todavia,
naturalmente e geralmente, o hábito e o instinto traem, e o que poderia ser uma
construção e compreensão menos pragmáticas é nada mais que uma nova ordem
classificatória, um novo mapa desenhado com os contornos das nossas
interpretações individuais.
Em que “tábua”, segundo qual espaço de identidades, de similitudes, de
analogias, adquirimos o hábito de distribuir tantas coisas diferentes e
parecidas? Que coerência é essa — que se vê logo não ser nem
determinada por um encadeamento a priori e necessário, nem imposta por
conteúdos imediatamente sensíveis? Pois não se trata de ligar
consequências, mas sim de aproximar e isolar, de analisar, ajustar e
encaixar conteúdos concretos; nada mais tateante, nada mais empírico (ao
menos na aparência) que a instauração de uma ordem entre as coisas [...]
(FOUCAULT, 2000, p.10).
Yi-Fu Tuan (1980, p. 17-18), discorrendo sobre o que ele considera Oposições
Binárias, anui: "Os seres humanos tendem a segmentar os continuuns da natureza
[...]. A mente humana parece estar adaptada para organizar os fenômenos não só
em segmentos, como para arranjá-los em pares opostos."
Enquanto as pessoas não encontram respostas plausíveis e satisfatórias,
inconscientemente, inúmeras vezes conscientes, vão tentando colocar em ordem o
que cada universo particular acredita ser desordem, ou caos, tentam separar,
nomear, classificar, rotular, sentimentos que não se listam em ordem alfanumérica
ou não estão estabelecidos de maneira formal, na tentativa de um suposto domínio
sobre o Outro e nós próprios. Paradoxalmente, é buscada a construção do inteiro
sem tentar unir as partes, ou até mesmo contrapondo-as.
54
Freud (1916), na obra Pulsão e suas Vicissitudes, define pulsão como sendo um "conceito situado na fronteira entre o
psíquico e o somático", como o representante psíquico dos estímulos que se originam no corpo - dentro do organismo - e
alcança a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o
corpo.
104
Algumas questões e aspectos da pesquisa, seus universos, geralmente têm
planejamento e programação, todavia, nem tudo acontece como preveem e desejam
os pesquisadores/as, tanto positivamente como de caráter negativo. Neste trabalho
uma grata surpresa aconteceu. À revelia de não ter como propósito, nas escolas de
Ensino Fundamental I, determinar uma quantidade paritária de crianças para ambos
os gêneros, posto que, como foi dito anteriormente, participaram as crianças que
demonstraram esta vontade, um fato não programado, mas, desejado, aconteceu:
ao término da coleta de dados se constatou que um número igual de meninas e
meninos participou da investigação, quarenta e sete crianças de cada gênero,
totalizando noventa e quatro estudantes. A paridade espontânea foi desejada para
evitar a pecha de uma pesquisa tendenciosa.
5.2 Sobre Meninas, Meninos e Seus Desenhos
A partir deste ponto, será relatado e considerado muito do que se encontrou nas
averiguações, entremeado com as teorias/percepções dos teóricos que respaldam
esta dissertação e costurado com a subjetividade natural a todas/os e quaisquer
pesquisadoras/es.
As questões de gênero têm, cada dia mais, impulsionado a refletir de maneira
profunda e aparadigmática em relação à masculinidade e feminilidade, yin e yang55,
ou anima e animus, como definiu o psicólogo Carl Gustav Jung (2005)56.
Figura 7 - O lado negro é o Yin e o branco o Yang; o
pequeno círculo branco no lado negro significa que o
Yin possui o Yang e, o círculo que o lado branco
possui significa que Yang possui Yin. Fonte:
<http://www.brasilescola.com/filosofia/yin-yang.htm>
55
Baseado na filosofia chinesa, o yin yang é a representação das duas polaridades energéticas: positiva e negativa, e,
tomando como princípio a dualidade, o positivo não vive sem o negativo e vice e versa. O Yin representa a escuridão, o
princípio passivo, feminino, frio e noturno. Já o Yang representa a luz, o princípio ativo, masculino, quente e claro. Disponível
em: <http://www.brasilescola.com/filosofia/yin-yang.htm>. Acesso em: 23.Nov.2011.
56
Anima é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psique do homem - os humores e sentimentos
instáveis, as intuições proféticas, a receptividade ao irracional, a capacidade de amar, a sensibilidade à natureza e, por fim,
mas nem por isso menos importante, o relacionamento com o inconsciente. A personificação masculina do inconsciente na
mulher - o animus - apresenta, tal como a anima no homem, aspectos positivos e negativos.
105
Para Jung, animus e anima são respectivamente o princípio masculino e feminino,
cujas humanas e humanos são portadores.
A mulher significa a matriz telúrica, o princípio criativo da sensibilidade,
receptividade, intuição e contemplação. Jung denominava de anima ao
arquétipo da mulher eterna que existe na psique de todos os homens. [...] O
masculino simboliza o princípio ativo da força, da razão e da transformação.
Para Jung, animus é o arquétipo do homem eterno que habita a psique de
todas as mulheres. [...] Cuidar do casal de nossa alma é cultivar a
convergência harmoniosa da sensação com a intuição, do pensamento com
o sentimento; enfim, da razão com o coração. (CREMA, 1995, p. 137-138).
Meninas, majoritariamente, se comportaram de forma mais tranquila, sossegada e
responsável. Devolveram os TCLE’s em maior quantidade, posto que algumas
crianças, mesmo sendo os termos assinados pelos pais, se esqueceram de levar.
Garotas também demoraram um pouco mais para devolverem os desenhos, nas
quatro classes. Mesmo que na 4ª série uma quantidade maior de garotos tenha
ficado no bloco final, ainda aí, a maioria foi formada de garotas.
Mostraram-se mais cuidadosas e preocupadas com a plástica. Até quando os
desenhos foram simples, sem muitos elementos, os aperfeiçoaram e se detiveram
na pintura e no colorido, se esmeraram nos detalhes.
O desenho é uma das mais autênticas expressões do testando, uma vez
que capta, em particular, conteúdos inconscientes, sem a sua intervenção.
Embora ele possa até intuir que algo do seu interior, do seu Eu, irá torná-lo
conhecido, mas não consegue ter o controle sobre o que será exposto.
57
(SILVA, V. G., 2007).
Um exemplo deste zelo é o arremate dos desenhos feitos com canetas hidrográficas,
ou com um lápis de cor mais forte, com ponta mais fina, dando um acabamento mais
primoroso e preciso às ilustrações.
O desenho de contorno exige tempo, paciência, dedicação e curiosidade [...]
É de execução lenta, mas, importante na aprendizagem. Dependendo da
paciência de cada um, é possível conseguir desenhos de grande beleza
58
expressiva.
A 4ª série expressou bem a preocupação das meninas com o arremate, o cuidado
com detalhes. Enquanto 10 meninas fizeram acabamento, 9 meninos não o fizeram.
57
Os Testes Psicológicos e as suas Práticas, Disponível em: <http://www.algosobre.com.br/ - artigos / psicologia>. Acesso em:
15.Nov.2011.
58
Disponível em: < http://www.webart.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=69&Itemid=43>. Acesso em:
21.Nov.2011.
106
Ainda na turma acima, um dos meninos contornou todo o desenho com canetas
hidrográficas, entretanto não o preencheu com lápis colorido. (Figura 8). Na 3ª série
a tendência foi quase a mesma, um pouco mais exacerbada, ou seja, entre 13,
apenas um garoto fez acabamento com caneta hidrográfica e preencheu alguns
elementos com lápis de colorir, não deixando de levar em consideração que a figura
é uma representação minimalista59. (Figura 9). Um estudante devolveu sua
ilustração apenas desenhada com lápis grafite, sem colorir. (Figura 10).
Figura 8 - Desenho com contornos, sem
preenchimento.
Figura 9 - Desenho minimalista.
Na 2ª série, nenhum dos 12 meninos fez acabamento nos desenhos, e das 14
garotas, metade o fez. Na 1ª série, semelhante à 3ª, somente 1 menino fez
acabamento na ilustração e 5 gurias o fizeram, ou seja, sem remontarmos às
causas, analisando o conteúdo das imagens capturadas no papel, isto nos leva a
inferir que há, desde os primeiros anos, uma preocupação das meninas com o
cuidado, detalhes, capricho, uma tendência a buscar uma estética mais rebuscada,
isto aparece nos mapas plasmados em suas ilustrações. (Figura 11)
59
Ilustração constituída de detalhes essenciais, com pouca variação cromática, desprovida de excessos. N. da A.
107
Figura 10 - Desenho com grafite, sem colorir.
Figura 11 - Desenho de menina do 4º ano. Remete a um bordado.
108
5.2.1 Sobre os Seres Humanos e Correlatos
Uma criança da 2ª série perguntou a outra se ela não iria desenhar uma pessoa. A
resposta dada foi: – Não, porque gente não é natureza. Neste caso se tem uma
situação similar aos resultados do trabalho de especialização desta autora.
Assim como nas ilustrações confeccionadas por crianças, na pesquisa de
especialização, Ecologia na Educação Infantil: a Formação da Criança para a
Permanência de Gaia. (PEREIRA-SILVA, 2007), a figura humana não está inserida
na maioria esmagadora dos desenhos infantis. Dentre 94 crianças, apenas 14
desenharam pessoas.
Tabela 3 - Figuras Humanas e Edificações.
Fonte: Pesquisa de Campo 2011.
Como demonstra a Tabela 360, das 14 crianças que desenharam pessoas, apenas 3
meninas – (Figura 12), o fizeram, o que se tornou, num primeiro momento, uma
constatação curiosa. De 47 meninas colaboradoras da pesquisa, apenas 3 meninas
da 1ª série desenharam uma figura humana, menos de 3% do total. Nas turmas de
2ª, 3ª e 4ª série, nenhuma garota sequer, ilustrou um ser humano, muito menos
esboçou algo que remetesse a tal. Não seria intrigante perceber que as meninas,
cujo princípio feminino a maioria traz latente, esquecem ou não entendem que a
Natureza tem pessoas?
Ou será que, por serem portadoras de atributos tais como dedicação e cuidado
entendem tão cedo, inclusive nos primeiros tempos de vida, que a presença humana
é uma ameaça ao planeta, por tabela, a si próprias, e assim sendo, já o protegem
dos seus predadores naturais e milenares, os homens? Mies e Shiva (1993, p. 117):
"Para colocar as mulheres e crianças em primeiro lugar é necessário, acima de tudo,
60
Para ver tabela completa, com todas as categorias, vide Apêndice D.
109
uma inversão da lógica que tem tratado as mulheres como subordinadas por criarem
vida, enquanto os homens são superiores por a destruírem."
Figura 12 – Pessoas em local fechado.
Yi-Fu Tuan (1980), na obra Topofilia, trás alguns apontamentos que ajudam a
compreender o fato das meninas não terem colocado pessoas nas suas gravuras
sobre o que é Natureza.
Os experimentos com jogos livres mostram que quando uma menina
desenha um meio ambiente, é comumente, o do interior de uma casa,
representado tanto como uma configuração de mobília sem paredes ou um
simples recinto construído com blocos. Nas cenas das meninas, as pessoas
e os animais, estão quase sempre dentro desse interior ou recinto e são,
fundamentalmente, pessoas ou animais em posições estáticas. [grifos do
autor]. (TUAN, 1980, p. 62).
Uma possibilidade de leitura: para as meninas, em sendo o entendimento de
natureza como um espaço amplo e aberto, não desenhar pessoas neste ambiente
110
escancarado, sem limites, que inspira vulnerabilidade, pode se caracterizar como
uma tentativa de proteção advinda das reminiscências de quem ficou nas cavernas
cuidando da prole.
Os nossos humanos universos particulares são ilimitados e "líquidos", portando, por
esta razão, extremamente complexos. A cada situação, ações e reações tão
diversas quanto pode ser a dimensão do espírito humano! A similaridade é possível,
a alteridade é inexorável.
Diante
da
diversidade
humana, encontramos neste
trabalho de campo, dados
que poderão ser agrupados
por similitude e repetição,
sendo,
inúmeras
vezes,
expressivos muito mais por
carregarem em seus cernes
uma
grande
dos
seres
característica
humanos:
a
dualidade e antagonismo.
Quanto aos meninos, 9 deles
ou 19% de 47 participantes,
Figura 13 – O grande helicóptero.
distribuídos entre as quatro
classes, desenharam a figura
humana, todavia, não desfrutando do ambiente, como num passeio, num parque,
fazendo uma trilha, mas, quase que totalmente, as pessoas ilustradas pelos meninos
sempre estão em atividades diversas que denotam movimento e sentimento de
dominação. Erikson (1965) apud Yi-Fu Tuan (1980, p. 62):
As cenas dos meninos, ou são casas com paredes trabalhadas ou fachadas
com protuberâncias representando ornamentos ou canhões. Há torres altas
nas construções dos meninos, maior número de pessoas e animais estão
fora dos recintos ou prédios e há maior número de objetos se
movimentando ao longo das ruas e intersecções. Junto com as estruturas
altas, os meninos brincam com a ideia de colapso; as ruínas são
construções masculinas [grifos do autor].
111
Um menino desenhou pessoas dançando numa festa junina, outro desenhou
pessoas num balão, e um terceiro, da 1ª série, desenhou uma pessoa dentro de um
helicóptero, sobrevoando uma área bem arborizada, remetendo a uma floresta, com
um rio ao lado, sendo as árvores bem pequenas, uma casa menor que as árvores, e
o helicóptero maior que estes desenhos citados, dando a impressão de uma tomada
em primeiro plano. A pessoa desenhada é menor que todos os outros elementos,
inclusive menor que os peixes e borboletas que compõem a ilustração. (Figura 13).
Aos
questionamentos
possíveis
e
elaborações:
Balão, helicóptero, pessoa
gigantesca.
Seria
uma
maneira de ver a natureza de
cima, de fora? (Figura 14).
Através dos dados podemos
deduzir
que
humana
efetivamente,
mentais
a
presença
não
está,
nos
das
mapas
crianças
–
ilustrações –, e nas poucas
incidências,
aparecem
estáticas, em situação de
reclusão e aconchego nas
representações das meninas
e em movimento e cenas de
submissão e domínio nas
ilustrações dos meninos. E,
Figura 14 – A natureza vista do alto.
em
não
presente,
pouquíssimo
ou
presente,
podemos deduzir que isto é resultado de uma construção mediada por adultos,
educadores instituídos, ou não? Seus instrumentos, suas mídias? Ou estes
desenhos são apenas mapas infantis de uma representação social coletiva.
112
À revelia das muitas variadas e possíveis leituras, análises e compreensões, a
pesquisa realizada com crianças na Pré-Escola, bem como a desenvolvida no
Ensino Fundamental permitiu inferir que, a figura humana está praticamente ausente
do processo de representação da natureza, por conseguinte, dos mapas mentais
traduzidos pelas ilustrações. As figuras estão povoadas por símbolos exóticos aos
universos ecossistêmicos dos estudantes. Este fato deslocou a pesquisa para a
necessidade de verificar este processo de representação no ensino superior, e a
partir do resultado concluir que os achados da pesquisadora Samyra Crespo (2003)
são efetivamente válidos.
Os dados encontrados por Dra. Samyra Crespo (2003), indicam um dos caminhos
possíveis para reverter ou minorar, que seja, quadro tão desolador, quando coloca
como resultados estatísticos de suas pesquisas na área ambiental, que pessoas
com nível superior adquirem conhecimento mais amplo, acurado, e entendimento
mais preciso do que seja natureza, e as ilustrações confeccionadas por estudantes
do 7º Período de Biologia da UNEB-Campus VIII, em agosto de 2011, mulheres,
tende a corroborar estes resultados.
A primeira informação que a pesquisa nos deu, já na sua primeira versão, e
confirmada pelas demais, ao longo desses dez anos, é que a variável "nível
de escolaridade" é realmente a mais importante, funcionando como
"preditor", isto é, como determinante no padrão de respostas. Quanto mais
alto é o nível de escolaridade, mais consistente é o interesse, o
conhecimento e a preocupação com as questões ambientais. [...] A
implicação mais direta que deriva desse dado é a que, aumentando a
escolaridade da população, mais chances temos de ter, como sociedade,
um compromisso maior com as teses do desenvolvimento sustentável.
(CRESPO, 2003, p. 65).
Os desenhos foram elaborados por 14 mulheres, com idade entre 21 e 40 anos. Das
14 participantes, 11 desenharam figura humana (Figura 15), e entre as 3 que não
desenharam, 1 incluiu as pessoas como sendo Natureza, num pequeno texto que
construíram para explicar a imagem (Figura 16). Ou seja, 85,7%, a maioria, entende
– e/ou se entende – que seres humanos e ambiente estão imbricados, não há
separação. A turma de estudantes de Biologia que participou desta pesquisa
possuía o perfil detectado no censo de Educação Superior de 2009, divulgado pelo
INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
Segundo o resumo técnico do censo, que pela primeira vez adotou informações
113
individualizadas dos alunos do ensino superior do país, os novos dados mostram: "A
educação superior brasileira, em 2009, é predominantemente formada por pessoas do
sexo feminino, com idade de 21 anos para os vínculos de matrícula." (INEP, 2010, p.
18). Fato averiguado e evidenciado pela classe participante. Pedagogia é o terceiro
curso que mais cresceu entre 2005 e 2009. Isto implica deduzir que as mulheres
acessam e se envolvem cada vez mais com a educação formal superior, e assim sendo,
adquirem maior número de informações a respeito das questões socioambientais, e, por
conseguinte, também são as maiores propagadoras e multiplicadoras de preceitos e
pressupostos necessários a uma melhor integração com o planeta, de princípios
ecofemininos.
Figura 15 - Natureza com figuras humanas.
Figura 16 – Natureza ecossistêmica.
114
5.2.2 Das Edificações
Apenas 15,9% das crianças do Fundamental I desenharam uma casa ou outras
edificações quaisquer – vide Tabela 3. E neste quesito, as estudantes do 3º grau
não se portaram de maneira muito diferente, apenas 21,4% desenharam alguma
edificação.
Vamos a mais um questionamento: O que leva crianças e adultos a perceberem
suas habitações dissociadas do meio? Por que uma representação tão ausente,
mínima? “É preciso também considerar que uma significativa parcela dos brasileiros
tem uma percepção ‘naturalizada’ do meio ambiente, excluindo, homens, mulheres,
cidades e favelas desse conceito.” (ProNEA, 2005, p. 17).
Crespo (2003, p. 66-67), fundamentada nos resultados da pesquisa que coordenou,
endossa o ProNEA, 2005, afirmando que o repertório cognitivo do brasileiro a
respeito de meio ambiente é muito limitado, à revelia de uma pequena reversão
nesta tendência.
Quando pensam em “meio ambiente”, deixam de fora deste imaginário
qualquer coisa que se relacione aos seres humanos e às suas criações. Em
2001, ainda 25% da população consideram que os índios não fazem parte
do meio ambiente, nem homens e mulheres (30%).
Quando da coleta de dados para a especialização em Ecologia Humana e Gestão
Socioambiental, Pereira-Silva (2007, p. 104), a pesquisadora ouviu um pequeno
diálogo travado entre crianças que cursavam Alfabetização:
"Margarida: Vou desenhar uma casa!
Lírio: E a natureza tem casa?
Antúrio: Na natureza não tem casa, tem índio!"
Estando todas as escolas em zonas urbanas (Figura 17), cercadas de construções,
com vias de fácil acesso, ainda deste modo casas ou construções erigidas pelos
humanos/as foram pouco lembradas. Outros pontos podem ser trazidos à tona para
reflexão, tais como: a não percepção de si próprios enquanto sujeitos inseridos no
ambiente, o sentimento de não pertencimento ao meio em que vivem ou sob que
ótica veem o que está ao derredor.
115
Figura 17 - Estacionamento da Escola Municipal Guiomar Pereira.
Foto: PEREIRA-SILVA, 2011.
5.2.3 Sobre Estrelas, Sol, Lua, Nuvens, Chuva e Rios
Tabela 4 - Fenômenos Naturais
Fonte: Pesquisa de Campo 2011
Estrela, sol, lua, nuvem, chuva, rio, lago e árvores, dentre outros, foram elementos
associados à natureza, sendo o sol o símbolo mais lembrado, perdendo apenas para
116
a árvore. Dentre 94 crianças, 87 desenharam o sol, isto representa 92,6% da
maioria. Da turma de Biologia, 71,4% o fizeram.
Dos garotos/as, 46,8% desenharam sóis com características antropomórficas, todos
sorridentes, quase todos acompanhados de nuvens. Apenas 4 garotos/as
desenharam uma lua, e, estranhamente, nenhum/a participante da pesquisa
desenhou estrelas. 5 garotos/as desenharam chuva, mas, a imagem estava sempre
acompanhada de sol.
Vale lembrar aqui um dado significativo da especialização (PEREIRA-SILVA, 2007).
Crianças da Escola Municipal João Oliveira de Jesus, colégio situado no entorno do
Raso da Catarina, portanto numa região mais quente que a sede, Paulo Afonso-BA,
embora tenham desenhado sóis com rostos, as fisionomias eram muito
compenetradas. Isto levou a inferir que esta presença tão "sisuda" partiu do
pressuposto que a presença do sol na região se faz durante muito tempo, muitas
vezes passando longos períodos de estiagem, dificultando o desenvolvimento das
atividades agropecuárias, as mais comuns no local. Na localidade, a água não é um
recurso abundante, ela chega nestas paragens, geralmente, de duas formas: chuvas
e carros pipas. O quadro traduz a ideia que os adultos/as, por sua vez, traduzem em
seus mapas mentais – geralmente equivocada e preconceituosa – a respeito da
Caatinga e do Semiárido e que, naturalmente, refletem no imaginário de seus
filhos/as: o sol é ruim. E a mídia contribui.
Numa primeira abordagem sobre como a mídia vem tratando os assuntos
de meio ambiente, é conveniente, portanto, começar pela televisão,
evocando lembrança de uma fórmula que vem se perpetuando ao longo do
tempo graças à boa receptividade do público e pontos preciosos na
audiência: imagens e sons da vida selvagem. (TRIGUEIRO, 2003, p. 96).
47 infantes, metade das crianças do Ensino Fundamental I, e 8 mulheres
desenharam rio, alguns com cachoeira. Nenhum desenho fez qualquer alusão à
poluição das águas, ou de quaisquer outros elementos estranhos e destoantes do
ambiente.
É compreensível que metade das crianças tenham representado o rio em seus
mapas mentais, posto que moram numa cidade banhada pelo Rio São Francisco,
um rio imenso que as pessoas costumam traduzir como símbolo de abundância,
117
fartura e perenidade, mesmo o peixe estando longe de seus cotidianos, aparecendo
apenas em 14,9% dos desenhos.
Um elemento novo, que não apareceu na pesquisa anterior, foi o desenho do arcoíris, 9 infantes o fizeram. Estaria esta imagem associada ás questões de gênero tão
discutidas na atualidade?
5.2.4 Sobre Árvores, Flores e Frutos
Tabela 5 - Vegetação e Árvores
Fonte: Pesquisa de Campo 2011
De acordo com os mapas mentais desenhados pelas crianças, a árvore é o
elemento mais significativo para expressar o que se entende por natureza. 94,7%
dos participantes desenharam árvores, ou seja, quase todos/as entenderam ou
entendem que árvore é natureza, mesmo que as ilustrações remetam à modelos
alheios ao cotidiano. Na maior parte das ilustrações, as árvores são de copas
frondosas, geralmente coloridas e desenhadas com lápis verdes, fazendo-nos
claramente rememorar a vegetação das fotos vistas nos livros que vêm de outras
regiões do país, cujos biomas são diversos dos nossos.
A Caatinga sempre surge de uma maneira inexpressiva e, quando aparece, é
tratada de uma maneira preconceituosa. Numa pesquisa de campo para um dos
módulos da especialização (PEREIRA-SILVA, 2007), a maioria dos entrevistados, na
feira livre de Paulo Afonso-BA, disse achar a Caatinga feia e sem graça. Adultos
pensando e concebendo o bioma sob esta estética, conduzem as crianças a
pensarem da mesma forma. Qual a contribuição que a educação formal tem dado,
118
efetivamente, para que nossas crianças se apoderem de seus contextos, ao invés
de tomarem outras realidades como suas?
Voltemos às pesquisas de Crespo (2003, p. 67), para avivar a memória relacionada
a esta questão.
Embora cada vez mais habitem a programação da televisão reportagens sobre
desastres ambientais que afetam grandes populações humanas, como foi o caso
do derramamento de óleo na Baía da Guanabara pela Petrobrás, em janeiro de
2000, e o recente episódio da empresa Cataguazes que deixou sem água várias
cidades ao contaminar um importante afluente da bacia do Paraíba do Sul, o
imaginário das pessoas é capturado pelos santuários ecológicos, pelos programas
do Discovery Channel e do National Geographic.
A maior parte dos frutos era espécies tropicais, que a bem da verdade, são espécies
comuns ao dia-a-dia dos partícipes. Apesar do fruto ser comum nos supermercados
e feiras livres, a árvore da maçã é uma espécie exótica à Caatinga, não existente na
região, no entanto é o fruto mais lembrado e desenhado (Figura 18), induzindo-nos a
compreender que nossos livros didáticos são descontextualizados, fazendo com que
tenhamos uma leitura livresca de árvores com copas espessas e plenas de maças.
Ninguém se lembrou de árvores e frutas típicas da Caatinga, tais como, umbuzeiro,
mangabeira, juazeiro. Ou esta representação é produto de um modelo de educação
que valorou ecossistemas outros que não o Bioma Caatinga?
Apesar das diferenças quanto à sensibilidade, informação e disposição para
se envolver para se envolver nas soluções dos problemas ambientais
identificados [...] um dado foi constante nas três versões da pesquisa e
preocupa: predomina uma visão "natural" e "edênica" [grifos da autora] do
meio ambiente. Independentemente da classe social, da escolaridade, da
cor, do sexo, e da religião, os brasileiros consideram o meio ambiente como
sinônimo de fauna e de flora.
Um menino disse ter desenhado um pé de uvas, com copa frondosa, diferente de
uma videira, pintou-a de azul mais claro e fez os frutos de um azul mais forte,
usando caneta hidrográfica. Este desenho também pode reproduzir a temática
acima. (Figura 19).
Apesar de morar em pleno bioma Caatinga, nenhuma produção – ou quase – faz
menção à vegetação mais presente na região. Nos mapas mentais destas crianças
não estão presentes espécies naturais do bioma, tais como cactos, umbuzeiros e
outras árvores nativas com as quais têm proximidade. Em nenhuma das figuras
119
havia o desenho de um mandacaru, palma ou xique-xique. 76 indivíduos
desenharam flores, 38 meninas, 31 meninos e 7 mulheres.
.
Figura 18 – Macieiras.
Figura 19 – Pé de uvas.
120
5.2.5 Fauna: Dos Mamíferos, Ovíparos e Insetos
Tabela 6 – Fauna
Fonte: Pesquisa de Campo 2011
Da fauna, os preferidos foram: as borboletas – mais ilustradas, pássaros e aves,
sendo o urubu, ave da região, muito citado. Uma criança escreveu em seu texto
explicativo que o urubu limpa a Natureza. As meninas desenharam o dobro da
quantidade de borboletas que os meninos desenharam. Entre os animais
domésticos, o gato foi o mais lembrado e entre os exóticos, o leão.
Uma informação a título de curiosidade, posto que 39 crianças, 26 das quais eram
meninas, desenharam borboletas. A borboleta, em diversas culturas simboliza a
alma, ou ainda o princípio feminino, transformação, libertação.
Crianças da Caatinga e Semiárido manifestaram nos seus mapas mentais imagens
bem distantes para representar o meio onde estão inseridos. Certamente, urubus e
borboletas são mais comuns no dia a dia destes meninos e meninas que os leões e
ursos! Talvez, para compreender o fato, devamos ter em mente que estas espécies
exóticas povoam suas mentes quase que diariamente, através dos programas e
noticiários televisivos, se fazendo presentes em seus mapas mentais, ao lado de
espécies nativas, muitas vezes mais evidentes que as últimas.
121
Caso bem peculiar foi um menino da 4ª série,
que me interpelou afirmando: –
Professora! Vou desenhar um menino jogando pedra num enxu 61. Perguntei-lhe,
então:
Você
acha
que
isto
é
Natureza? Respondeu-me que sim. E
assim desenhou. (Figura 20).
A ignorância – falta de conhecimento
– dos seres humanos faz com
cometam
atos
inconsequentes,
impensados
muitas
e
vezes
apenas repetindo um padrão, por não
se
apropriarem
de
informações
adequadas que lhes deem subsídios.
Matar algumas espécies que no
senso comum são ruins e nocivas
são traços deste desconhecimento
dos ecossistemas no qual se está
inserido,
desconhecimento
dos
mecanismos complexos da natureza.
Por não-conhecimento dos ciclos
Figura 20 – Jogando pedra no enxu.
ecossistêmicos, por não saber ou
compreender
o
papel
de
cada
elemento nestes sistemas, agredimos, eliminamos, ou tentamos extinguir, o que
cremos ser agressores potenciais contra a raça humana, esquecendo ou
desconhecendo que somos os predadores do topo na cadeia alimentar.
Não apenas o enxu, mas, cobras, aranhas, sapos, ratos, baratas, serpentes, e
muitas outras, são espécies sobre as quais, tanto desconhecemos a importância que
representam para os ecossistemas quanto os efeitos, muitas vezes desastrosos de
suas ausências. Apenas 1 garoto desenhou um sapo.
61
Enxu: en.xu, sm (tupi eixú) 1 Entom Nome comum de uma vespa (Brachygastra lecheguana), que ocorre no Brasil. 2 A casa
desse
vespídeo.
Disponível
em:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=enxu>. Acesso em: 13.Out.2011.
122
Todavia, a impressão que se tem a partir dos desenhos é que, à medida que vão
passando para as séries seguintes, algumas diferenças vão se acentuando, como se
pode ver no decorrer do trabalho. Exemplo: os meninos na 1ª série desenharam
borboletas, quase tanto quanto as meninas. Na 2ª série, 7 meninas desenharam
borboletas, enquanto apenas 2 meninos fizeram isto.
Tabela 7 - Outros Signos - Fonte: Pesquisa de Campo 2011
Na Tabela 9 encontramos alguns
signos com simbolismos que não se
enquadram nas categorias anteriores.
O
coração,
imagem
que
conduz
naturalmente a associações tais quais:
sentimentos, subjetividade, amor; foi
desenhado por 9 garotas, 3 garotos e
uma
mulher.
(Figura
21).
Numa
primeira leitura, associa-se natureza à
sensações
de
bem
estar,
amorosidade. Embora o planeta, a
Terra, não esteja enquadrado nas
categorias anteriores, porta todas as
categorias.
Figura 21 – Corações.
Muito
provavelmente,
todas
estas
123
ilustrações possuem um histórico – muitas vezes profundo – para o fato de serem
lembradas, sendo provável que as memórias de cada entrevistado/a dariam um
trabalho.
Fazendo uma conexão com os mapas de crianças do Fundamental II, da cidade de
Petrolina, pude perceber que, mesmo não sendo o deflagrador das ilustrações a
pergunta: O que é Natureza?, e sim, Nossa Gente, Nossa Terra: Histórias que
Encantam, os símbolos encontrados – e isto foi surpreendente – são em linhas
gerais, os mesmo que encontramos nas escolas de Paulo Afonso-BA.
Tuan (1980) admite que, num mundo tão ricamente simbólico, objetos e fatos
assumem significados vários, mudando de acordo com a visão de cada indivíduo. O
que é familiar, íntimo para uns é estranho e arbitrário para outros/as.
Os significados de muitos símbolos são orientados pela cultura. Podemos
dizer que os seres humanos têm uma tendência para estruturar os seus
mundos com um número limitado de categorias, que frequentemente
incluem substâncias, cores, direções, etc., mas, a ordenação detalhada dos
componentes varia muito de cultura para cultura. (TUAN, 1980, p. 26).
Tomando como base alguns resultados deste trabalho e da pesquisa anterior,
Pereira-Silva (2007), observa-se que as escolas, mesmo tendo feito avanços, em
linhas gerais, não têm desenvolvido projetos pedagógicos que contemplem o dia-adia do Semiárido, assim sendo, nem o convívio de maneira cotidiana com a
realidade circundante parece deixar seus habitantes mais inteirados do contexto
diário que os cercam, notando-se que representações exóticas permeiem suas
percepções. Numa educação contextualizada, esta percepção é o que se deveria
levar em conta, seria o ponto de partida para a construção de um projeto real e
significativo dos currículos escolares. “Cabe, portanto à escola, possibilitar um tipo
de conhecimento que permita que os sujeitos possam dialogar e refletir sobre a
realidade que os envolve e, assim, intervir de forma mais responsável e
comprometida.” (SOUZA, 2005, p. 29).
No Semiárido, o acesso a livros didáticos apropriados às crianças e adolescentes
ainda é muito limitado, quase não existe, fora o fato de que o material didático
disponível não possui a multidisciplinaridade desejada, muito menos proporcionam a
124
ligação/conexão entre as áreas dos ‘saberes’. Desconheço escolas que possuam
livros que contextualizem a Caatinga em todos os saberes.
Observando, e nem muito detidamente, percebe-se que as cartilhas de Alfabetização
adotadas na região do Semiárido estão povoadas de seres ou objetos que não
fazem parte da rotina dos meninos/as, que muitos jamais viram ou verão tais
criaturas ou coisas ao longo de suas vidas.
Como estamos educando nossos garotos/as? Que tipo de educação temos
disseminado, como educadores/as que somos? Estamos atentos aos espaços que
frequentamos? E o nosso ‘pertencer’? O que leva nossos estudantes a não se
perceberem nem ‘pertencerem’ ao ambiente onde vivem? O ProNEA
e o
Referencial Curricular para Educação Infantil contribuem de fato, e assim sendo
deveríamos nos valer deles para a elaboração de propostas curriculares
contextualizadas, ou são apenas mais dois manuais nas prateleiras de nossas
estantes, sem nenhum valimento? Todo educador e educadora deveria refletir se
contribui para uma ação coerente entre o educar e o pensar ecológico.
Os mapas mentais das crianças a respeito da natureza e ambiente, nada mais é que
um conjunto da vida diária deles e o discurso dos adultos, transformados,
reproduzidos e reelaborados, algumas vezes.
Os desenhos mostram que a Caatinga e o Semiárido não estão presentes de forma
efetiva nas representações sociais dos garotos e garotas que colaboraram com esta
investigação. Não existem nos desenhos: uma flor de mandacaru; um juazeiro; um
tatu ou um preá, no entanto lembraram do leão, do elefante, da macieira.
O meio ambiente é um elemento que deve ser considerado mas, em
primeiro lugar, constitui uma fonte de possibilidades a serem exploradas
com imaginação e racionalidade. Analogamente, se o desenvolvimento
harmonioso deve levar em conta as necessidades da população, deve
também incorporar suas riquezas culturais e seus conhecimentos [sem
grifo no original]. (UNESCO, 1998, p. 28)
Agindo com descaso, educando as crianças com concepções adultas equivocadas e
estrábicas, creio que, num futuro não muito distante, restará apenas uma canção
romântica que nos exortará a uma reflexão mais profunda de um presente
125
construído por um passado irresponsável e despreocupado com as causas
socioecológicas, que implica dizer um passado sem a preparação justa e
competente para um mundo sustentável.
5.3 Ilustrando Probabilidades
Os desenhos infantis são a reprodução concreta dos mapas mentais das crianças
sobre a representação social da natureza, no bioma Caatinga, mapas que, por sua
vez, são uma representação geral da compreensão coletiva dos adultos com as
quais convivem.
Os símbolos se repetem. Se a representação de Natureza, tanto na Pré-Escola
quanto no Ensino Fundamental se ancora na representação de plantas e bichos,
excluindo-se, quase que majoritariamente a figura humana e; nos mapas
representados pelas estudantes da universidade, apesar de já incluírem a figura
humana, também se percebeu a pouca frequência de qualquer estrutura que se
relacione com os seres humanos e suas criações, deduz-se que urge uma revisão
dos processos formativos que possam contribuir para a instauração de uma nova
consciência ecológica em todos os níveis de ensino onde a espécie esteja
totalmente integrada aos ecossistemas.
Grande parcela dos participantes não associa, se percebe e/ou se sente inserida,
pertencente ao ambiente, à Natureza. Este dado aponta que a visão dicotômica dos
adultos prevalece de alguma maneira, também nas representações infantis? Se
prevalecer, isto leva ao entendimento que adultos/as e educadores/as, em quaisquer
circunstâncias e níveis, continuam disseminando esta visão, da qual são portadores.
Ou será que trazemos latente uma tendência à dissociação?
O coração ilustrado por 12 crianças, 9 meninas e 3 meninos, leva à suposição que
para alguns/as, a relação seres humanos-natureza se estabelece por um viés
extremamente subjetivo, haja vista que este símbolo está carregado de um sentido
emocional, um símbolo muito mais psíquico. Também se pode inferir que tenha uma
126
relação direta com as questões de gênero, o traço ecofeminista, posto que na sua
grande maioria foi representado pelo sexo feminino.
Por
que
tantas
borboletas?
(Figuras 8, 9, 11, 13, 18, 22).
Outra
representação
que
desperta vivo interessante. 39
crianças, 26 meninas, portanto o
dobro
dos
meninos,
e
13
meninos, desenharam uma ou
mais borboletas.
O
termo
grego
psyche
tinha
originalmente dois significados. O
primeiro deles é ‘alma’ e o
segundo
era
borboleta,
que
simbolizava espírito imortal. Na
mitologia grega a personificação
da
Figura 22 - Borboletas e arco-íris
alma
–
Psiquê
–
era
geralmente representada por uma
figura feminina, mais menina que
mulher, com asas de borboleta (Figura 23). As crenças gregas diziam que quando o
espírito se desgarrava de um corpo, ele tomava a forma de uma borboleta.62
Portanto, se em várias civilizações a borboleta significa alma, espírito, diante do
grande número de representações, o raciocínio leva à seguinte construção: não será
esta uma maneira de se autorrepresentar na Natureza, posto que, o corpo físico
simboliza algo mais concreto e transgressor? Ou, a alma e a natureza são feitas da
mesma essência?
62
Chevalier, Jean, 1906 - Dicionário de símbolos: (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números) /Jean
Chevalier, Alain Gheerbrant, com a colaboração de: André Barbault...[et al.]; coordenação Carlos Sussekind; tradução Vera da
Costa e Silva...[et al.]. - 19º ed. - Rio de Janeiro: José Olympio, 2005, p. 138-139)
127
Em um esquema cosmológico, uma substância imediatamente sugere uma
cor, que por sua vez sugere uma direção, o emblema animal daquela
direção, e talvez um traço da personalidade humana ou um estado de
ânimo. Em um mundo tão ricamente simbólico, os objetos e eventos
assumem significados que para um estrangeiro pode parecer arbitrários.
Para o nativo, as associações e as analogias estão na natureza das coisas
e não necessitam justificação racional. (TUAN, 1980, P. 26).
Levando em consideração que os significados de muitos símbolos são expressões
da cultura de um grupo; diante da profusão de símbolos exóticos nos mapas mentais
das crianças e representações ilustradas de espécies pouco familiares ao bioma
Caatinga, o número de interrogações e questionamentos aumentou, ao tempo em
que ampliou as inquietações que moveram e deram origem ao objeto da pesquisa.
Figura 23 - Hesitation of Psyche. Por Guillaume Seignac
Tentando apreender os resultados encontrados de maneira mais ampla, poderia se
inferir que as representações sociais – e os mapas mentais corroboram – em relação
à natureza, das crianças do Ensino Fundamental I, de 1ª a 4ª série, das escolas
128
públicas municipais de Paulo Afonso-Bahia, são partes de um coletivo, portanto, de
semelhante teor dos adultos. E se o conteúdo é semelhante, trazendo alguns traços
do "estranho" ao ecossistema e elementos que remetem a outros bem mais
distantes, verificação efetuada há 6 anos por PEREIRA-SILVA, 2007, é pertinente
deduzir que as práticas docentes, se têm se transformado, é de modo lento e
paulatinamente, posto que, se nota alguns sinais de entendimentos mais
contextualizados. Ou seja, fazemos um caminho de pequenos passos, porém,
estamos fazendo.
Ou ainda se pode cogitar que, mesmo que tenham mudado, e continuem mudando
as práticas docentes, o quotidiano das crianças fora de suas salas de aulas continua
prevalecendo, à revelia dos conteúdos com os quais entram em contato quando na
escola. Desta feita, a educação formal institucionalizada provoca mudanças, sim,
contudo, em longo prazo e não é capaz de – sozinha – dar conta de todo o processo
educativo. A educação ambiental deve ser estabelecida em todos os âmbitos,
permear todas as instâncias do conhecimento, em todos os níveis. Mesmo que
algumas destas modificações se efetivem e se tornem perceptíveis e percebidas
quando em formação superior, em presença de um número maior de informações,
determinados tipos de representações coletivas permanecem presentes, implicando
dizer que a educação formal é apenas uma das alternativas para se mudar um
pouco o que virá, o que se viverá.
Entretanto, as preocupações são pertinentes e persistem levando em consideração
os resultados das últimas constatações divulgadas pelas organizações científicas. A
revista Carta Capital, número 431, Ano XIII, de 14 de fevereiro de 2007, tem a
seguinte manchete na capa: Aquecimento Global: A Ciência e a ONU já não têm
mais dúvidas. A reportagem do título diz que, por incrível que pareça, o relatório do
Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas da ONU divulgado em Paris, no
mês de fevereiro do mesmo ano – é impressionante –, apontam que o diagnóstico, o
prognóstico e terapia recomendada pouco mudaram em relação ao de 2001.
Também recordar a COP 15 - 'Acordo de Copenhague' – acordo? –, em 2009, cujo
conteúdo é formado por apenas 12 parágrafos, não preenchendo, sequer, 3 páginas
e sem nenhum valor legal, corresponde a ter e justificar grande apreensão.
129
De forma breve, as assustadoras perspectivas continuam as mesmas ou até piores,
no entanto, nós, enquanto sujeitos fazedores do porvir, mudamos pouco ou quase
nada de nossos comportamentos. Algumas pessoas, membros da sociedade civil,
que tiveram oportunidade e ainda acreditam numa possível transformação e
reversão do painel atual, tentaram ser ouvidos na COP 15, mas, foram afastados e
desencorajados pela polícia dinamarquesa,63 com bastões, bombas de gás
lacrimogêneo e sprays. Como podemos educar crianças se somos adultos/as mal
educados? Muito sabiamente reflete Krishnamurti, (1980, p.100): "O problema,
portanto, não é a criança, mas o pai e preceptor: o problema é educar o educador."
Ainda não somos adultos/as ou educadores/as suficientemente empoderados de
conceitos ecológicos e socioambientais éticos, por conseguinte não temos
competência para implementar práticas sustentáveis e mudar padrões caducos e
preconceituosos. E eis como, geralmente, caminhamos nós: seres humanos adultos
e renitentes a repetir e difundir velhos padrões e equivocadas compreensões,
perpetuando enviesadas representações. Não se dá o que não se tem.
Alguns garotos fizeram ilustrações bem cuidadas, assim como algumas meninas não
se esmeraram muito em seus desenhos, todavia, notadamente, os desenhos das
meninas são mais bem acabados e cuidados que a maioria dos meninos. Se
tomarmos como referência os números da Tabela 7 - Outros Signos, averiguaremos
que meninos também desenharam corações – 3 deles –, mas, foram os que mais
desenharam signos que simbolizam 'dominação'. 10 garotos desenharam: avião,
helicóptero, trator, balão, barco, navio e outros, enquanto que apenas uma menina
desenhou um carro guardado dentro de uma garagem, numa casa.
Nas ilustrações das crianças, sobretudo nas reproduções das meninas, foi possível
identificar elementos que denotam princípios ecofeministas, assim como: cuidado,
zelo, a presença de sentimento. Seria este "saber cuidar" um comportamento
ancestral de origem antropológica? Ou um atributo espiritual imanente ao feminino,
do anima, princípio feminino latente em todas as pessoas?
63
Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/multimedia/2009/12/091216_copenhagueviolencia_video.shtml>. Acesso
em: 20.Fev.2012.
130
A relevância ecológica desta ênfase na "espiritualidade" reside na
redescoberta do aspecto sagrado da vida, de acordo com o que a vida na
Terra só pode ser preservada se as pessoas começarem de novo a ver
todas as formas de vida como sagradas e respeitá-las com tal. (MIES E
SHIVA, 1993, p. 29).
As pesquisas indicam que o sexo feminino continua à frente da educação –
principalmente do Pré-Escolar ao 2º Grau –, também na educação não formal.
Embora saindo em desvantagem — eram 10,8 milhões em 1970 contra 17,7
milhões de homens —, o número de estudantes femininas nas
universidades aumentou sete vezes nas últimas quatro décadas nos 96
países pesquisados pelo Banco Mundial e atingiu 80,9 milhões em 2008. No
mesmo período, a quantidade de homens no ensino superior cresceu
apenas quatro vezes, para 77,8 milhões. Além de dominarem os bancos do
ensino médio e das universidades, o melhor desempenho das mulheres já
64
acendeu alerta nos países desenvolvidos. (D'ANGELO, 2011)
O Censo 2010 diz que cresceu a diferença entre o número de homens e
mulheres, ou seja, temos muito mais mulheres no Brasil e menos homens. Sendo
as mulheres em número maior, sendo a Pedagogia o terceiro curso de graduação
que mais cresceu nos últimos anos, e se esta tendência continuar prevalecendo,
será correto pensar que as representações sociais das crianças e os mapas infantis
poderão ter maior influência pelos princípios ecofeminista, dos quais a maioria das
mulheres são portadoras? É provável.
Quanto às orientações do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e
o ProNEA - Programa Nacional de Educação Ambiental, a respeito de uma
educação escolar contextualizada, holística, não parecem ser, ainda, pressupostos
que orientem efetivamente a Educação Ambiental das escolas municipais
participantes da pesquisa de campo, haja vista a invisibilidade de elementos e
símbolos do bioma local, a Caatinga, nos mapas infantis. Não somente nos infantis,
também nos mapas das mulheres que fizeram parte do trabalho.
Entretanto, todas estas construções e conjecturas são, apenas, resultados de um
sentimento, de uma dedução não conclusiva, não definitiva. Porque, afinal, como
elabora Marques, (2011, p. 5): "A individualidade não é uma pessoa, mas um
64
Ana D'Angelo, 2011. Acesso à educação formal ajuda mulheres a conquistar espaço no mercado de trabalho. Disponível em:
<http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2011/09/19/internas_economia,251378/acesso-a-educacao-formal-ajudamulheres-a-conquistar-espaco-no-mercado-de-trabalho.shtml>. Acesso em: 20.Fev.2012.
131
sistema simbólico. A subjetividade, considerando a dimensão abismal do
inconsciente, 'nosso infinito particular'."
Assim, uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma
coisa além do seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta
imagem têm um aspecto "inconsciente" mais amplo, que nunca é
precisamente definido ou de todo explicado. E nem podemos ter
esperanças de defini-la ou explicá-la. Quando a mente explora um símbolo,
é conduzida a ideias que estão fora do alcance da nossa razão. (JUNG,
2005, p. 20).
Em presença de alguns dados encontrados aos quais se conseguiu acessar, as
informações levam a elaborar que a consciência ecoambiental ainda é algo
superficial, não profunda, não transformadora. A população ainda não se apropriou,
não internalizou uma ecologia ampla e real que possa transformar pessoas e coisas,
então, acontecendo nestes moldes, não há ações impactantes nos costumes e
atitudes coletivos. Em linhas gerais, as ações são isoladas, descoordenadas,
desorganizadas, que mesmo sendo louváveis, dificultam um profundo “fazer”
ecológico.
Uma via possível para a resolução destas questões e transposição destas fendas e
abismos é a construção de pontes, inúmeras se necessário, todavia todas elas
construídas de um mesmo material: amor, compreensão e respeito à alteridade;
erigidas com os mesmos objetivos: agregar, unir e conduzir a humanidade ao
engajamento na busca de uma transformação mundial que assegure às gerações
porvindouras e atuais, uma condição de vida pautada na igualdade e na justiça,
onde todos e todas serão incluídos e inseridos socialmente. O melhor projeto de
mudança? A mudança do Eu.
CAPÍTULO SEXTO
ALGUMAS IMPRESSÕES SOBRE O QUE SE IMPRIMIU
Los humanos pareceríamos desear que nuestra
lógica fuese absoluta. Actuamos como basados
em el supuesto de que es así, y entramos en
pánico cuando se esboza el más leve signo de que
es así o de que podría no ser así.
GREGORY BATESON
133
6.1 Gente Grande, Meninas e Meninos: Do Que Não Está Impresso
Uma triste e desoladora constatação: moramos, vivemos, estamos no bioma
Caatinga, entretanto, ele não está em nós! Como compreender algo, para mim, tão
enigmático? Parafraseando Marques (2011), ouso dizer que a alma é o ecossistema
mais complexo que conheço até então!
Esta dissertação conduziu a muitas outras perguntas e a algumas reflexões, entre
tantas. Uma de muitas é que as fronteiras, os sítios e os limites são determinados
pelas individualidades de uma comunidade. Cada membro do grupo representa o
Uno que juntos constituem o Diverso, e a tendência natural é que cada Um se sinta
pertencer e se faça ser aceito pelo Diverso, assim, todos vivem numa inter-relação,
retroalimentada inconscientemente, cúmplice e silenciosamente.
A visão dicotômica, separatista, classificadora, está de tal modo incrustada nos
arcabouços mentais humanos, que as pessoas chegam ao cúmulo de, inúmeras
vezes, matarem o que há de melhor no Outro, quando não chegam ao nível de
assassinar o Outro, ainda que isto custe a própria existência. E isto é válido quando
se avalia a relação seres humanos-Gaia. Ela é a Outra que acolhe, aconchega,
aprovisiona, embora, estes últimos atributos citados não sejam considerados
predicados relevantes quando diante de humanos arroubos consumistas e
sentimentos de proprietários com eternos poderes de usufruto.
Nas tentativas de se fazer aceitar pelo grupo do qual fazem parte e se sentem
"pertencer", ainda que isto se dê de maneira transitória, os sujeitos se valem de
todos os meios e artifícios, representações, conscientes ou inconscientes, para se
sentirem reflexos e virem concretizados seus desejos de completudes. As
representações sociais são, comprovadamente, uma das maneiras de compartilhar
ideias, sentimentos e a alternativa real de compartilhar os saberes coletivos de um
determinado grupo social.
134
O mundo está caminhando para um colapso ambiental e, se nada for feito, os custos
da paralisia podem ser 'colossais' para as economias e a humanidade.65 (VIALLI,
2012). Segundo a jornalista, o alerta foi dado pela OCDE - Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, grupo de cooperação internacional
formado por 34 países, sendo na sua maioria, ricos. E é assim que caminha a
humanidade, e nós, moradores do Semiárido, vamos juntos, compartilhando esta
trilha de destruição global: poucos cooperando com a mudança para um mundo
sustentável e muitos contribuindo com a gota diária de aniquilamento da própria
espécie. Certamente, a invisibilidade da Caatinga, se assim continuar acontecendo,
é uma das vias condutoras ao esgotamento ambiental planetário.
Os mapas mentais infantis falam do quanto estamos distantes do meio que nos
rodeia. Por conseguinte é certo inferir que, se não temos a sensibilidade de perceber
a Caatinga, bioma no qual vivemos, como viremos a nos sensibilizar com realidades
tão distantes? Vandana Shiva, (2003)66 diz que as monoculturas da mente fazem a
diversidade desaparecer da percepção.
A arrogância humana e o pretenso saber, que todos supõem possuir, faz com que
se calem ideias que, se vistas humildemente e com sabedoria, seriam o melhor
caminho a trilhar, ou, no mínimo, uma nova possibilidade de construir uma história
diferente, menos preconceituosa, menos homicida e mais igualitária. Mas, cada um é
o que é, e transpor os limites de si próprio é uma tarefa descomunal.
Talvez o traço mais marcante da civilização moderna tenha sido a ideia de
que o ser humano é tão mais humano quanto mais ele domina a natureza e
os outros homens, tão mais homem quanto mais ele consegue estender o
seu controle sobre todos os níveis e planos de existência. (UNGER, 1991, p.
54).
Por mais que os indivíduos – que não se dividem, indivisos – tentem se tornar
receptivos aos conhecimentos de outros sujeitos, e ainda se tornando, a percepção
e apreensão dos fatos, sensações e sentimentos, todos, sem exceção, sempre
serão embebidos de ótica muito particular, idiossincrática, como se todos/as
usassem óculos, sendo o grau das lentes, diferentes, ou no máximo, muito
parecidos. Naturalmente, cada criatura verá a mesma coisa de maneira diversa.
65
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/1062540-mundo-caminha-para-colapso-ambiental-alerta-organizacaointernacional.shtml>. Acesso em: 15.Mar.2012.
66
Monoculturas da Mente. Global Editora, 2003.
135
Maneira certa ou errada? Nenhuma das opções. Distinta, diferente. Se não
conseguimos compreender o Outro, isto é resultado da não-compreensão de nós
próprios, é a ausência de conhecimento do Eu. Partindo deste princípio é lícito
entender que, as sociedades podem ser melhores quando suas estruturas coletivas
estiverem compostas por individualidades autorrevolucionadas, quando os povos e
populações planetárias forem plenamente conhecedores de suas peculiaridades e
idiossincrasias, e empoderadas dos saberes que proporcionam o equilíbrio de suas
ações. Paradoxal e simultaneamente, o autoconhecimento profundo do sujeito,
quanto indivíduo, o possibilitará sentir a alma do Todo, a alma da Mãe-Terra. E desta
feita, os mapas mentais infantis e adultos, da Caatinga, muito provavelmente,
corresponderão à realidade.
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APÊNDICE
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos Alunos para
Pesquisa em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental
APÊNDICE B – Roteiro para a Coleta dos Dados
APÊNDICE C – Dados dos Universos e Participantes da Pesquisa
APÊNDICE D – Tabela Geral com Todas as Categorias da Pesquisa
APÊNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DOS ALUNOS PARA
PESQUISA EM ECOLOGIA HUMANA E GESTÃO SOCIOAMBIENTAL
Prezado(a) Senhor(a),
Convidamos seu filho(a) para participar de uma pesquisa: "INFÂNCIA NA TERRA: A
CAATINGA IMPRESSA NO IMAGINÁRIO INFANTIL". Na pesquisa, estudantes de 1ª a 4ª série do
Ensino Fundamental I deverão responder através de um desenho e escrita, a uma pergunta apenas:
O QUE É NATUREZA?
Nesta pesquisa tentaremos compreender como o Bioma Caatinga tem sido representado por
nossas crianças, e de qual maneira tem sido discutido nas propostas pedagógicas nas escolas do
Semiárido brasileiro. É também a necessidade de repensar a prática de educadores e educadoras
numa perspectiva de uma educação contextualizada.
Esta atividade será efetuada durante o horário regular de aulas, em parceria com a professora da
turma e em concordância prévia com a direção da escola. A participação de seu filho/a será de
grande valor, podendo contribuir para a mudança de novas compreensões sobre o meioambiente e
para uma educação institucional mais contextualizada, ou seja, em maior consonância com o que
vivenciamos na Caatinga. Asseguramos que durante a atividade suas crianças não correrão nenhum
risco além dos apresentados pelo cotidiano escolar, quando da manipulação de lápis para colorir e
papel.
Seu filho/a não é obrigado a participar do estudo, tendo total liberdade para desistir, bem
como pode ser retirado o consentimento a qualquer momento, sem precisar haver justificativa, e, ao
sair da pesquisa, não haverá qualquer prejuízo.
Sua criança não sairá da escola durante toda a pesquisa, bem como é garantido o livre
acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas conseqüências,
enfim, tudo o que se queira saber antes, durante e depois da participação.
Como pesquisadoras responsáveis por este estudo, prometemos manter em sigilo todos os dados
confidenciais, bem como de indenizá-lo se porventura seu filho/a sofrer algum prejuízo moral e/ou
físico por causa da participação.
Estando claro para o senhor/a, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui
mencionado e compreendido a natureza e o objetivo do estudo, peço que autorize a participação de
sua criança na referida pesquisa, assinando este documento, estando totalmente ciente de que não
há nenhum valor econômico, a receber ou a pagar, pela participação. O seu/a consentimento deve
estar de acordo com o consentimento do seu filho/a, isto é, se seu filho/a não concordar em participar,
a opinião dele/a será respeitada.
Agradecemos, sinceramente, sua colaboração.
Prof. Dra. Eliane Maria Souza Nogueira
Coord. do PPGEcoH
Glaide Pereira da Silva
Mestranda Pesquisadora
Eu,_____________________________________________,RG________________, aceito que meu
filho/a participe das tarefas da pesquisa, "INFÂNCIA NA TERRA: A CAATINGA IMPRESSA NO
IMAGINÁRIO INFANTIL". Fui claramente informado que ele/a responderá a uma pergunta através de
desenho e escrita. Foi-me garantido que meu filho/a poderá desistir da pesquisa a qualquer momento
que desejar, sem que isto leve a quaisquer prejuízos em seu aprendizado na escola, que as
informações confidenciais serão mantidas em sigilo.
Paulo Afonso,____/____/________
________________________________________
Pai, Mãe ou responsável legal, se houver
APÊNDICE B
ROTEIRO PARA A COLETA DOS DADOS
1. Ao chegar às classes participantes, depois de cumprimentar a garotada, recolher
os TCLE’s e distribuir as folhas de papel em branco, as crianças foram
incentivadas a se expressarem por meio do desenho e da escrita, usando lápis
grafite, lápis de colorir, giz de cera e papel. O elemento provocador foi o
questionamento abaixo:
O que vocês acham que é Natureza? Ou, ainda a mesma pergunta invertendo
os elementos da oração, ficando assim: Para vocês, o que é Natureza?
2. Depois da pergunta, explicito para que eles executem as ilustrações, sugerindo o
que se segue:
Gostaria que vocês me dissessem, através de um desenho, o que é Natureza.
Depois de terminado o desenho, cada um vai escrever neste mesmo papel, pode
ser ao lado ou atrás do desenho, o que vocês quiseram dizer com o que
desenharam e o que significa cada figurinha que fizeram. Também, deverão
colocar seus nomes e a idade.
APÊNDICE C
DADOS DOS UNIVERSOS E PARTICIPANTES DA PESQUISA
Nome: Escola Municipal Vereador João Bosco
Endereço: Rua dos Navegantes, s/n.
Bairro: N. Sra. De Fátima
Diretora: Maildes Doriana Lima da Silva Oliveira
Coord. Pedagógica: Lucineide Teixeira Lima da Silva
Prof. da Turma: Amanda Cardoso da Gama Reis
Número de crianças participantes: 20
Turma da pesquisa: 1ª série = 2º ano
Nome: Escola de Primeiro Grau Lions Clube
Endereço: Av. Apolônio Sales, 598 Bairro: Centro
Diretora: Judite Donário Bispo
Coord. Pedagógica: Érica Kariny Melo de Mendonça Gomes
Prof. da Turma: Luciana Francisca Soares
Número de crianças participantes: 26
Turma da pesquisa: 2ª série = 3º ano
Nome: Escola Municipal Vinícius de Moraes
Endereço: Rua Vinícius de Moraes, s/n. Bairro: Jardim Bahia
Diretora: Solange Marcolino Silva Paiva
Coord. Pedagógica: Silvânia Monteiro Pinto Alves
Prof. da Turma: Saara Freitas
Número de crianças participantes: 23
Turma da pesquisa: 3ª série = 4º ano
Nome: Escola Municipal Guiomar Pereira
Endereço: Av. Moxotó, s/n. Bairro: Oliveira Brito
Diretora: Lucrécia de Souza Bartolomeu
Coord. Pedagógica: Maria Ângela Carvalho
Prof. da Turma: Lusmar Carvalho Pereira Dantas
Número de crianças participantes: 25
Turma da pesquisa: 4ª série = 5º ano
Nome: Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus VIII
Endereço: Rua do Gangorra, 503 – Bairro: Alves de Souza
Diretor: Dorival Pereira Oliveira
Coord. Ciências Biológicas: Josaline Chaves da Costa
Prof. da Turma: Edilson Alves dos Santos
Número de participantes: 14
Turma da pesquisa: 7º Período – Licenciatura em Biologia
APÊNDICE D
TABELA GERAL COM TODAS AS CATEGORIAS DA PESQUISA
ANEXOS
ANEXO A – Carta da Ecopedagogia.
ANEXO B – Lei nº 9.795 de 27 de abril de 1999.
Dispõe sobre a educação
ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras
providências.
ANEXO
C
–
Termo
de
Aprovação
do
Comitê
de
Ética
em
Pesquisa
A CARTA DA TERRA NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO
Primeiro Encontro Internacional - São Paulo, 23 a 26 de agosto de 1999.
Organização: Instituto Paulo Freire - Apoio: Conselho da Terra e UNESCO-Brasil
CARTA DA ECOPEDAGOGIA
Em defesa de uma Pedagogia da Terra
Minuta de discussão do Movimento pela Ecopedagogia
1. Nossa Mãe Terra é um organismo vivo e em evolução. O que for feito a ela
repercutirá em todos os seus filhos. Ela requer de nós uma consciência e uma
cidadania planetárias, isto é, o reconhecimento de que somos parte da Terra e de
que podemos perecer com a sua destruição ou podemos viver com ela em
harmonia, participando do seu devir.
2. A mudança do paradigma economicista é condição necessária para estabelecer
um
desenvolvimento
com
justiça
e
eqüidade.
Para
ser
sustentável,
o
desenvolvimento precisa ser economicamente factível, ecologicamente apropriado,
socialmente
justo,
includente,
culturalmente
eqüitativo,
respeitoso
e
sem
discriminação. O bem-estar não pode ser só social; deve ser também sócio-cósmico.
3. A sustentabilidade econômica e a preservação do meio ambiente dependem
também de uma consciência ecológica e esta da educação. A sustentatibilidade
deve ser um princípio interdisciplinar reorientador da educação, do planejamento
escolar, dos sistemas de ensino e dos projetos político-pedagógicos da escola. Os
objetivos e conteúdos curriculares devem ser significativos para o(a) educando(a) e
também para a saúde do planeta.
4. A ecopedagogia, fundada na consciência de que pertencemos a uma única
comunidade da vida, desenvolve a solidariedade e a cidadania planetárias. A
cidadania planetária supõe o reconhecimento e a prática da planetaridade, isto é,
tratar o planeta como um ser vivo e inteligente. A planetaridade deve levar-nos a
sentir e viver nossa cotidianidade em conexão com o universo e em relação
149
harmônica consigo, com os outros seres do planeta e com a natureza, considerando
seus elementos e dinâmica. Trata-se de uma opção de vida por uma relação
saudável e equilibrada com o contexto, consigo mesmo, com os outros, com o
ambiente mais próximo e com os demais ambientes.
5. A partir da problemática ambiental vivida cotidianamente pelas pessoas nos
grupos e espaços de convivência e na busca humana da felicidade, processa-se a
consciência ecológica e opera-se a mudança de mentalidade. A vida cotidiana é o
lugar do sentido da pedagogia pois a condição humana passa inexoravelmente por
ela. A ecopedagogia implica numa mudança radical de mentalidade em relação à
qualidade de vida e ao meio ambiente, que está diretamente ligada ao tipo de
convivência que mantemos com nós mesmos, com os outros e com a natureza.
6. A ecopedagogia não se dirige apenas aos educadores, mas a todos os cidadãos
do planeta. Ela está ligada ao projeto utópico de mudança nas relações humanas,
sociais e ambientais, promovendo a educação sustentável (ecoeducação) e
ambiental com base no pensamento crítico e inovador, em seus modos formal, não
formal e informal, tendo como propósito a formação de cidadãos com consciência
local e planetária que valorizem a autodeterminação dos povos e a soberania das
nações.
7. As exigências da sociedade planetária devem ser trabalhadas pedagogicamente a
partir da vida cotidiana, da subjetividade, isto é, a partir das necessidades e
interesses
das
desenvolvimento
pessoas.
de
novas
Educar
para
capacidades,
a
cidadania
tais
como:
planetária
sentir,
supõe
intuir,
o
vibrar
emocionalmente; imaginar, inventar, criar e recriar; relacionar e inter-conectar-se,
auto-organizar-se; informar-se, comunicar-se, expressar-se; localizar, processar e
utilizar a imensa informação da aldeia global; buscar causas e prever
conseqüências; criticar, avaliar, sistematizar e tomar decisões. Essas capacidades
devem levar as pessoas a pensar e agir processualmente, em totalidade e
transdisciplinarmente.
8. A ecopedagogia tem por finalidade reeducar o olhar das pessoas, isto é,
desenvolver a atitude de observar e evitar a presença de agressões ao meio
ambiente e aos viventes e o desperdício, a poluição sonora, visual, a poluição da
150
água e do ar etc. para intervir no mundo no sentido de reeducar o habitante do
planeta e reverter a cultura do descartável. Experiências cotidianas aparentemente
insignificantes, como uma corrente de ar, um sopro de respiração, a água da manhã
na face, fundamentam as relações consigo mesmo e com o mundo. A tomada de
consciência dessa realidade é profundamente formadora. O meio ambiente forma
tanto quanto ele é formado ou deformado. Precisamos de uma ecoformação para
recuperarmos a consciência dessas experiências cotidianas. Na ânsia de dominar o
mundo, elas correm o risco de desaparecer do nosso campo de consciência, se a
relação que nos liga a ele for apenas uma relação de uso.
9. Uma educação para a cidadania planetária tem por finalidade a construção de
uma cultura da sustentabilidade, isto é, uma biocultura, uma cultura da vida, da
convivência harmônica entre os seres humanos e entre estes e a natureza. A cultura
da sustentabilidade deve nos levar a saber selecionar o que é realmente sustentável
em nossas vidas, em contato com a vida dos outros. Só assim seremos cúmplices
nos processos de promoção da vida e caminharemos com sentido. Caminhar com
sentido significa dar sentido ao que fazemos, compartilhar sentidos, impregnar de
sentido as práticas da vida cotidiana e compreender o sem sentido de muitas outras
práticas que aberta ou solapadamente tratam de impor-se e sobrepor-se a nossas
vidas cotidianamente.
10. A ecopedagogia propõe uma nova forma de governabilidade diante da
ingovernabilidade
do
gigantismo
dos
sistemas
de
ensino,
propondo
a
descentralização e uma racionalidade baseadas na ação comunicativa, na gestão
democrática, na autonomia, na participação, na ética e na diversidade cultural.
Entendida dessa forma, a ecopedagogia se apresenta como uma nova pedagogia
dos direitos que associa direitos humanos – econômicos, culturais, políticos e
ambientais - e direitos planetários, impulsionando o resgate da cultura e da
sabedoria popular. Ela desenvolve a capacidade de deslumbramento e de
reverência diante da complexidade do mundo e a vinculação amorosa com a Terra.
LEI Nº 9.795 - DE 27 DE ABRIL DE 1999
Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental
e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Art. 1.o Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o
indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo,
essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
Art. 2.o A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação
nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do
processo educativo, em caráter formal e não-formal.
Art. 3.o Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação
ambiental, incumbindo:
I - ao Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas
públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em todos os
níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do
meio ambiente;
II - às instituições educativas, promover a educação ambiental de maneira integrada aos
programas educacionais que desenvolvem;
III - aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - Sisnama, promover
ações de educação ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação e
melhoria do meio ambiente;
IV - aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na
disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a
dimensão ambiental em sua programação;
V - às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas
destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controle efetivo sobre o
ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões do processo produtivo no meio
ambiente;
VI - à sociedade como um todo, manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e
habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a
identificação e a solução de problemas ambientais.
152
Art. 4.o São princípios básicos da educação ambiental:
I - o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo;
II - a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o
meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade;
III - o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e
transdisciplinaridade;
IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais;
V - a garantia de continuidade e permanência do processo educativo;
VI - a permanente avaliação crítica do processo educativo;
VII - a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais;
VIII - o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural.
Art. 5.o São objetivos fundamentais da educação ambiental:
I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e
complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais,
econômicos, científicos, culturais e éticos;
II - a garantia de democratização das informações ambientais;
III - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental
e social;
IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na
preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental
como um valor inseparável do exercício da cidadania;
V - o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e
macrorregionais, com vistas à construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada,
fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social,
responsabilidade e sustentabilidade;
VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia;
VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como
fundamentos para o futuro da humanidade.
153
CAPÍTULO II
DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
SEÇÃO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 6.o É instituída a Política Nacional de Educação Ambiental.
Art. 7.o A Política Nacional de Educação Ambiental envolve em sua esfera de ação,
além dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - Sisnama,
instituições educacionais públicas e privadas dos sistemas de ensino, os órgãos públicos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e organizações não-governamentais
com atuação em educação ambiental.
Art. 8.o As atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambiental devem
ser desenvolvidas na educação em geral e na educação escolar, por meio das seguintes linhas
de atuação inter-relacionadas:
I - capacitação de recursos humanos;
II - desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações;
III - produção e divulgação de material educativo;
IV - acompanhamento e avaliação.
§ 1.o Nas atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambiental serão
respeitados os princípios e objetivos fixados por esta Lei.
§ 2.o A capacitação de recursos humanos voltar-se-á para:
I - a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos
educadores de todos os níveis e modalidades de ensino;
II - a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos
profissionais de todas as áreas;
III - a preparação de profissionais orientados para as atividades de gestão ambiental;
IV - a formação, especialização e atualização de profissionais na área de meio ambiente;
V - o atendimento da demanda dos diversos segmentos da sociedade no que diz respeito à
problemática ambiental.
§ 3.o As ações de estudos, pesquisas e experimentações voltar-se-ão para:
I - o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à incorporação da dimensão
ambiental, de forma interdisciplinar, nos diferentes níveis e modalidades de ensino;
154
II - a difusão de conhecimentos, tecnologias e informações sobre a questão ambiental;
III - o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à participação dos
interessados na formulação e execução de pesquisas relacionadas à problemática ambiental;
IV - a busca de alternativas curriculares e metodológicas de capacitação na área ambiental;
V - o apoio a iniciativas e experiências locais e regionais, incluindo a produção de material
educativo;
VI - a montagem de uma rede de banco de dados e imagens, para apoio às ações enumeradas
nos incisos I a V.
SEÇÃO II
DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO FORMAL
Art. 9.o Entende-se por educação ambiental na educação escolar a desenvolvida no
âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas, englobando:
I - educação básica:
a) educação infantil;
b) ensino fundamental e
c) ensino médio;
II - educação superior;
III - educação especial;
IV - educação profissional;
V - educação de jovens e adultos.
Art. 10. A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa
integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal.
§ 1.o A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no
currículo de ensino.
§ 2.o Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto
metodológico da educação ambiental, quando se fizer necessário, é facultada a criação de
disciplina específica.
§ 3.o Nos cursos de formação e especialização técnico-profissional, em todos os níveis,
deve ser incorporado conteúdo que trate da ética ambiental das atividades profissionais a
serem desenvolvidas.
Art. 11. A dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de
professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas.
155
Parágrafo único. Os professores em atividade devem receber formação complementar
em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente ao cumprimento dos
princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental.
Art. 12. A autorização e supervisão do funcionamento de instituições de ensino e de
seus cursos, nas redes pública e privada, observarão o cumprimento do disposto nos arts. 10 e
11 desta Lei.
SEÇÃO III
DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NÃO-FORMAL
Art. 13. Entendem-se por educação ambiental não-formal as ações e práticas
educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua
organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente.
Parágrafo único. O Poder Público, em níveis federal, estadual e municipal, incentivará:
I - a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa, em espaços nobres, de
programas e campanhas educativas, e de informações acerca de temas relacionados ao meio
ambiente;
II - a ampla participação da escola, da universidade e de organizações não-governamentais na
formulação e execução de programas e atividades vinculadas à educação ambiental nãoformal;
III - a participação de empresas públicas e privadas no desenvolvimento de programas de
educação ambiental em parceria com a escola, a universidade e as organizações nãogovernamentais;
IV - a sensibilização da sociedade para a importância das unidades de conservação;
V - a sensibilização ambiental das populações tradicionais ligadas às unidades de
conservação;
VI - a sensibilização ambiental dos agricultores;
VII - o ecoturismo.
CAPÍTULO III
DA EXECUÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Art. 14. A coordenação da Política Nacional de Educação Ambiental ficará a cargo de
um órgão gestor, na forma definida pela regulamentação desta Lei.
Art. 15. São atribuições do órgão gestor:
I - definição de diretrizes para implementação em âmbito nacional;
156
II - articulação, coordenação e supervisão de planos, programas e projetos na área de
educação ambiental, em âmbito nacional;
III - participação na negociação de financiamentos a planos, programas e projetos na área de
educação ambiental.
Art. 16. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na esfera de sua competência
e nas áreas de sua jurisdição, definirão diretrizes, normas e critérios para a educação
ambiental, respeitados os princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental.
Art. 17. A eleição de planos e programas, para fins de alocação de recursos públicos
vinculados à Política Nacional de Educação Ambiental, deve ser realizada levando-se em
conta os seguintes critérios:
I - conformidade com os princípios, objetivos e diretrizes da Política Nacional de Educação
Ambiental;
II - prioridade dos órgãos integrantes do Sisnama e do Sistema Nacional de Educação;
III - economicidade, medida pela relação entre a magnitude dos recursos a alocar e o retorno
social propiciado pelo plano ou programa proposto.
Parágrafo único. Na eleição a que se refere o caput deste artigo, devem ser
contemplados, de forma eqüitativa, os planos, programas e projetos das diferentes regiões do
País.
Art. 18. (VETADO)
Art. 19. Os programas de assistência técnica e financeira relativos a meio ambiente e
educação, em níveis federal, estadual e municipal, devem alocar recursos às ações de
educação ambiental.
CAPÍTULO IV
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 20. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de noventa dias de sua
publicação, ouvidos o Conselho Nacional de Meio Ambiente e o Conselho Nacional de
Educação.
Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 27 de abril de 1999; 178º da Independência e 111º da República.
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GLAIDE PEREIRA DA SILVA