1 25 ªr eu niã oa nu al Reflexões sobre Imagens, Cultura Visual e Pesquisa Educacional Gustavo E. Fischman* Introdução Durante a década de 1990-2000, o campo da pesquisa educacional viu a emergência de vários trabalhos que indagavam criticamente sobre temas e aspectos relacionados à cultura visual e à educação. Os trabalhos de Karen Anijar (2000), Mary Dalton (1999), Eleanor Ellsworth (1997), Henry Giroux (1994; 2000), Bell Hooks (1995), Gene Maeroff (1998), Antônio Novoa (2000) and Joseph Tobin (2000) chamaram atenção para o impacto significante da cultura visual – por meio da análise de filmes, da televisão, dos anúncios ou da cultura popular – nas escolas, nos alunos e nos professores. Além disso, havia, também, pesquisadores que estavam fazendo projetos nos quais os diferentes fenômenos associados à cultura visual eram não apenas analisados, mas também incorporados na produção acadêmica, como é o caso de: Eric Margolis (2000), que explorou o uso de fotografias na pesquisa educacional; Ian Grosvenor et. al (2000) que refletiu sobre o uso da evidência fotográfica em pesquisa histórica; Robert Coles e Nicholas Nixon (1998) que pesquisaram a análise textual e fotográfica conjunta da vida escolar; Diamond and Mullen (1999) que investigaram as possibilidades da pesquisa baseada nas artes; e Sandra Weber e Claudia Mitchell (1995, 1998) que analisaram os desenhos de professores e alunos com relação às influências da cultura popular nas identidades dos professores.1 Apesar de notáveis esforços, a educação como campo de investigação tem tendido a evitar um questionamento sobre a cultura visual, bem como, os debates acerca do valor epistemológico das imagens na pesquisa educacional an pe d necessários (Bogdan e Biklen, 1998; Paulston, 1996; 1999). Ao contrário, a crítica em algumas das ** Professor Assistente, Universidade do Estado do Arizona Outra série de trabalhos interessantes pode ser encontrada no volume sobre pesquisa baseada em imagens, de Jon Prosser (1998) e no livro editado por Pamela Bolotin Joseph e Gail Burnaford (1994). Este ressalta a importância de considerar as imagens como textos cruciais sobre o ensino. Apesar de não se aprofundar nos aspectos metodológicos relacionados à utilização de imagens em sua pesquisa, também é importante mencionar o trabalho de Larry Cuban (1993) com o uso que ele faz de fotografias e a grande atenção que dispensa aos fenômenos arquitetônicos e espaciais nas salas de aula americanas por mais de um século. 1 2 mais importantes revistas em pesquisas educacionais, tais como, Educational Researcher, Harvard Educational Review, Teachers College Record, Review of 25 ªr eu niã oa nu al Educational Research, Journal of Educational Policy, and Comparative Education Review, demonstra que são gastos mais esforços em encontrar um equilíbrio adequado entre o uso de palavras e números.2 Enquanto os editores dessas revistas reconhecem a importância das imagens e da cultura visual nas formas contemporâneas de comunicação - como demonstrado pelo uso consistente de imagens gráficas e diferentes formatos de texto para fazer propaganda de produtos e serviços – dificilmente, se dedica a mesma atenção à produção acadêmica3. Além disso, de forma geral, os editores de revistas e os críticos de conferências esperam e, algumas vezes, até exigem que os pesquisadores traduzam a complexidade visual da questão tratada na pesquisa ou das pesquisas de campo em palavras e números, que são reunidos em cadernos, os quais servirão como a base para mais transformações em pesquisa, teorias pedagógicas ou métodos4. Devido a importância, na academia, do famoso ditado : “publique ou pereça”, a falta de interesse geral dos pesquisadores em relação à cultura visual deve-se, em parte, não somente ao senso de competência que diz respeito à não mudança das formas de transmissão acadêmica, mas também ao custo do uso de imagens – o aumento constante dos preços – em publicações5. Apesar da importância desses dois argumentos, 2 Veja-se, por exemplo, a discussão em andamento sobre pesquisa educacional e representação publicada em números passados da revista Educational Researcher (Barone, 2001; Eisner, 1997, 1999; Knopp, 1999; Meyer, 2000). 3 Há exceções como o artigo de Elizabeth Vallance sobre as imagens do ensino, exibidas em museus norte americanos, publicado em 1995, na revista Educational Researcher. 4 an pe d Eu discutirei abaixo algumas das razões para esta situação. O que quero enfatizar aqui é que para aqueles que querem incorporar os fenômenos visuais à pauta de pesquisa, essa limitação força-os a submeter-se a processos de tradução “extraordinários”- pois são formas restritas de representação- que podem ser mais apropriadas para o fenômeno estudado. Eu quero agradecer à Inés Dussel (Universidade de Wiscosin, Madison/FLASCO, Argentina) por chamar atenção para o fato de que há sempre um processo de tradução associado aos processos de representação e apresentação de resultados de um projeto de pesquisa. Por isso é que uso aspas na palavra “extraordinário”. 5 O argumento econômico, aquele ouvido com mais freqüência pelo autor, precisa ser considerado de acordo com dois aspectos distintos. Primeiro, como uma manifestação das restrições adicionais colocadas para os pesquisadores com base em fatores de lucro, e não na lógica interna dos problemas que eles estão analisando. Além disso, o uso de publicações baseadas na Internet também deve diminuir a importância dada ao aspecto financeiro. O segundo aspecto, como explicado nestas páginas, se relaciona ao fato de que a atenção dada à cultura visual não exige, necessariamente, o uso de imagens gráficas. Vários dos 3 afirmo que descartar e/ou ignorar os aspectos visuais na pesquisa educacional vai além da economia e da pragmática do mundo editorial associadas ao domínio e à promoção. 25 ªr eu niã oa nu al Este artigo propõe que essas tendências poderiam ser comparadas a um ponto obscuro no sentido de que representam “uma parte de um campo que não pode ser visto ou inspecionado com o equipamento disponível” e, também, “uma área na qual não se consegue fazer nenhum julgamento ou discriminação”.(The American Heritage®, 1996). Felizmente, pontos obscuros podem ser temporários. As áreas do campo que não se consegue ver agora poderão ser facilmente detectadas no futuro. Nesse sentido, é possível argumentar que a indiferença em relação à cultura visual poderá vir a ser um obstáculo fácil de se superar, mas como o filósofo espanhol Jorge Larrosa menciona: “é sempre interessante saber porque um campo proíbe ou ignora algo”. De fato, “omissões e proibições são as melhores formas de conhecer a estrutura de uma disciplina, as regras que a estruturam e a sua gramática profunda” (1998, p.213). Dessa forma, o objetivo deste artigo é refletir sobre os obstáculos, problemas e possibilidades de incorporar a cultura visual à pesquisa educacional. Resistindo às imagens A dependência às palavras e aos números entre os pesquisadores educacionais e a tendência geral de desconsiderar as imagens é generalizada e perpassa tradições acadêmicas, orientações teóricas e métodos de pesquisa. Alguns estudiosos no campo parecem ser tão receosos quanto Mark Twain que não pensava ser possível entender uma fotografia sem a sua etiqueta, pois haveria sempre paradoxos e histórias alternativas em qualquer imagem simples. Twain esmiuçou esta questão ao mencionar an pe d que: uma boa e legível etiqueta vale, quanto à informação, muitas atitudes e expressões significantes numa fotografia histórica. Em Roma, pessoas de natureza solidária choram de pé diante do celebrado ‘Beatrice Cenci no dia anterior à sua execução’. Isso mostra o que uma etiqueta pode fazer. Se elas não conhecessem a fotografia, iriam observá-la indiferentes e dizer: ‘Uma jovem menina com alergia à pólen’ ou ‘Uma jovem menina com a cabeça em uma bolsa’. (Miller, 1992: 65) livros mais influentes sobre cultura visual (Mitchell, 1987; Jay; 1994; Sontag, 1977) não contêm imagens gráficas. 4 A desconfiança de Twain com relação ao uso das imagens sem etiquetas parece se repetir, hoje, com as preocupações mostradas por alguns cientistas sociais, 25 ªr eu niã oa nu al acerca da maior presença das imagens como uma expressão da influência contraproducente dos enfoques pós-estruturalistas e pós-modernistas (Harper, 1998). Essas preocupações com o uso das imagens profundamente responsabilizadas pelas manifestações ideológicas (seja do capitalismo, do pós-modernismo, da sociedade burguesa, da sociedade do espetáculo ou dos simulacros) concebem o papel das imagens como um sintoma maligno (Welch, 1999). Uma outra linha de suspeita sobre a cultura visual é desenvolvida pelos estudiosos e intelectuais que duvidam do valor das imagens – especialmente das fotografias (Tagg, 1993) – como ferramentas para produzir um conhecimento mais preciso acerca da sociedade, pois, segundo eles, fotografias produzem realidades distorcidas. Ainda, em alguns outros casos, a associação entre imagens e cultura popular é o principal fator que contribui para a criação de um ponto obscuro na pesquisa educacional (Giroux, 1994). Essas preocupações críticas formam inúmeros discursos que apontam na direção de que as imagens gráficas são, nas palavras de W. J. T. Mitchell, “inevitavelmente convencionais e contaminadas pela linguagem” e, por essa razão, “a dialética da palavra e da imagem parece ser uma constante na estrutura dos signos que uma cultura reúne a sua volta.. O que varia é a natureza precisa da tecelagem, a relação da urdidura e da trama” (1987: 43). O grande ceticismo sobre a relação entre palavras e imagens poderia traduzir-se no abandono não apenas das imagens gráficas como ferramentas válidas na pesquisa educacional, mas também da cultura visual em geral. No campo específico da pesquisa educacional, a falta de interesse pelas imagens gráficas tem importantes implicações, e é até, de forma surpreendente, um fenômeno que W. J. T. Mitchell (1987; 1992) define an pe d como a “virada pictórica” na pesquisa em ciências sociais. Fenômeno esse que se deve à saturação e ao bombardeio de sociedades contemporâneas com imagens, e à crescente atenção dada pelos cientistas sociais à influência dos usos, cada vez mais sofisticados, da cultura visual. A virada pictórica nas ciências sociais foi manifestada, de forma heterogênea, nas análises fenomenológicas da visualidade e da imaginação (Vattimo, 1997; Mirzoeff, 1998); na investigação de Foucalt sobre os “regimes escópicos” (1986; 1993); na proeminência das articulações entre visualidade e cultura de massa na pauta 5 de pesquisa de estudiosos associados à Escola de Frankfurt (Kellner, 1994); na análise de Donna Haraway sobre as imagens que cruzam fatores como raça, classe social e 25 ªr eu niã oa nu al gênero no debate acerca da primatologia (1989); nos estudos de McLuhan sobre a mídia (1964); na investigação de Martin Jay sobre a descrença em relação à visualidade presente nas obras filosóficas mais importantes do século vinte (1994); nas obras de Paul Virilio que interrogam a logística da percepção e do impacto de novas tecnologias de representação e informação; no olhar de Slavoj Sizek sobre a psicanálise e a cultura popular (1991); na análise de Jay Ruby sobre as limitações e possibilidades das etnografias visuais; e, por fim, no status acadêmico da cultura popular e dos estudos sobre a mídia (Kellner,1994). O crescente interesse dos estudiosos em investigar as experiências visuais e os estudos sobre os observadores (aqueles que observam as imagens) e o observado (as imagens) se pauta em uma realidade social e cultural inconfundível: as imagens se tornaram onipresentes e meios esmagadores de difundir signos, símbolos e informação. Muitos dos eventos que já fazem parte do cotidiano das pessoas, tais como ver filmes, observar vitrines de shopping e assistir televisão se tornaram experiências culturais centrais na modernidade urbana, na segunda metade do século vinte, e estão intrinsecamente ligadas à contínua expansão do capitalismo. Como aponta Susan Sontag (1977) em seu importante estudo sobre fotografia: an pe d A sociedade capitalista requer uma cultura baseada nas imagens. Ela necessita fornecer uma ampla quantidade de entretenimento, de forma a estimular o consumo e anestesiar os danos causados a determinadas classes sociais, raças e sexo. Além disso, ela também necessita reunir uma ilimitada quantidade de informações para melhor explorar os recursos naturais, aumentar a produtividade, manter a ordem, fazer guerra e dar empregos para os burocratas. As duas funções de uma câmera, tornar a realidade subjetiva e objetiva, servem, perfeitamente, a essas necessidades e as fortalecem. As câmeras definem a realidade por meio de duas formas essenciais para o funcionamento de uma sociedade industrial avançada: como um espetáculo (para as massas) e como um objeto de vigilância (para os governantes). A produção de imagens também fornece uma ideologia dominante. A mudança social é substituída por uma mudança nas imagens. A liberdade para consumir inúmeras imagens e produtos é equiparada à liberdade em si. O estreitamento entre liberdade de escolha política e liberdade de consumo econômico exige um consumo e uma produção de imagens ilimitados. (Sontag, 1977, p.57). Nas sociedades contemporâneas ocidentais a coexistência entre as formas industriais capitalistas e tradicionais e as estruturas de produção, distribuição e consumo pós-fordistas exige que os cidadãos-consumidores-espectadores sejam capazes de seguir e entender regras visuais implícitas, desenvolvidas por meio da rápida troca de imagens. 6 No entanto, o ato físico de observar a aparentemente finita multiplicação de imagens e os seus efeitos saturantes são apenas uma parte das nossas experiências visuais diárias. 25 ªr eu niã oa nu al Na matriz do visual também está inscrito o que esta contém e não pode ser visto, através de que lentes o visível e o invisível se tornam inteligíveis, e a localização espacial e temporal do observável e do observador. Tudo isso, limitando o que é possível ou não ver. Incorporar a cultura visual ao campo da pesquisa educacional vai além da mera utilização de fotos, desenhos e outras imagens como acessórios decorativos - simples ilustrações - com uma função passiva em relação ao texto onipotente. Tal incorporação crítica, tanto por meio da utilização e inclusão de tecnologias visuais para registrar informações, do engajamento no estudo dos aspectos visuais de situações educacionais e culturais, ou do uso de imagens gráficas (um ensaio com fotos, cartoons e filmes) no processo de apresentação dos resultados de uma investigação, requer atenção e não se limita aos fenômenos da visão e das imagens. Apesar da centralidade das imagens em relação ao conceito de cultura visual, o campo da visão tem uma relação indispensável com vetores verbais, de audição, emocionais, físicos, intelectuais, espaciais e históricos (Rogoff, 1998). Portanto, para se entender a visualidade é preciso investigar tanto a percepção e a recepção de imagens, quanto as condições culturais, sociais e econômicas que envolvem os produtores e os usuários da cultura visual. Da mesma forma, os processos de percepção e recepção não são atos passivos, nem muito menos são determinados por convenções sociais e an pe d culturais. Na descrição positivista padrão (na qual ninguém, nem mesmo os positivistas, acreditou por muito tempo) o olho é um órgão passivo que recebe informações e, honrosamente, as transmite. O ponto de vista contrastante é que a visão é formada cultural e linguisticamente, e que há muito mais para se ver do que alcança os olhos. Há algumas pessoas que sustentam a crença insensata de que ambos pontos de vista são verdadeiros. (Brennan, 1996, p. 219). O argumento de Brennan indica que na dialética do observador (Buck-Morss, 1989) as imagens visuais não devem ser vistas como simples ilustrações. Elas não são ocorrências sem importância, mostradas acidentalmente (ou até mesmo, de forma maliciosa) e distribuídas eletronicamente, ou impressas, para tranqüilizar e agradar o leitor-observador (apesar do possível valor de tais ações). Por motivos semelhantes, é importante reexaminar a suposição tradicional de que textos, palavras e imagens 7 reforçam uns aos outros por meio de conexões fixas ou transparentes. Vários pesquisadores (Berger,1972, 1980; Sontag, 1977; Tagg, 1993; Chaplin, 1994) têm 25 ªr eu niã oa nu al desafiado essa noção e propõem, em contrapartida, que as relações entre palavras, textos e imagens sejam vistas como interações dinâmicas. O dinamismo da interação reside na ausência de um significado fixo – entendido como uma relação necessária que é auto-explicativa (Mitchell, 1992). O que é uma foto? Nos últimos anos, tenho analisado diferentes aspectos relacionados às imagens, à cultura visual e ao processo de instrução. Esses aspectos incluem a representação da instrução nos cartoons (Fischman, 1998), as representações dos professores reais e ideais por parte dos alunos (1999, 2000) e um estudo comparativo sobre a representação do ensino e do aprendizado em Hollywood e em filmes estrangeiros (Fischman, 2001). Em seguida, apresento um exemplo de análise sobre como an pe d incorporar elementos visuais à pesquisa educacional. an pe d 25 ªr eu niã oa nu al 8 9 O que vemos nesta imagem? Trata-se de uma fotografia de um menino da 25 ªr eu niã oa nu al segunda série, vestindo o uniforme branco característico das escolas públicas na Argentina. Ele está sentado em uma carteira, com um caderno aberto e uma caneta na mão direita. Além disso, ele também está dando um largo sorriso (talvez para o fotógrafo, para a câmera ou para o seu professor). O contexto parece ser o de uma sala de aula ou da biblioteca da escola, com livros arrumados de forma organizada (livros semelhantes em tamanho e forma estão juntos). Contudo, se olharmos mais de perto, podemos perceber que não são livros de verdade – são livros pintados na parede. É provável que todo o cenário tenha sido especialmente montado para o ritual anual da foto na sala de aula, tirada ao final do ano letivo. Os detalhes dessa foto, se inseridos no seu contexto histórico, adquirem uma significação particular6. É possível que, para um observador norte-americano, os livros pintados ao fundo não signifiquem nada em especial, porque muitas das fotos escolares tiradas nos Estados Unidos têm contextos artificiais. Algumas vezes, pode ser uma floresta, a linha do horizonte ou somente um céu azul com nuvens fornecendo um contexto supostamente agradável e natural, que possa realçar o rosto sempre sorridente de um aluno. Mas, para a maioria das pessoas na Argentina, que (quando essa foto foi tirada) não estavam acostumadas a simular contextos, os livros pintados eram uma característica evidente da foto, um indício de ruptura com uma tradição. A fotografia foi tirada numa escola de educação especial para crianças com “leve retardo”, mas os alunos de escolas públicas regulares também eram fotografados em contextos não-reais. O aluno na foto (que atualmente estuda sociologia em uma universidade pública) an pe d recordou claramente que, de fato, durante todo a sua segunda série, ele não leu nenhum 6 A análise isolada desta fotografia poderia ser um exercício interessante, mas não nos ajudaria muito a desenvolver o nosso conhecimento sobre educação. Da mesma forma, ler as palavras da pessoa da fotografia sem ver a imagem real dele não seria suficiente, porque, nesse caso, a foto em si é parte do contexto de criar significado. Eric Margolis comenta: “Retiradas do contexto, as fotografias se tornam signicantes livres e flutuantes, que parecem ser pequenos pedaços da realidade, e podem ser usados para sustentar ou ‘provar’ uma variedade de teses contraditórias” (2000, p. 5). Apesar da importância do reconhecimento do contexto das imagens, observada por Margolis e muitos estudiosos da cultura visual (Elkins, 2000; Chaplin, 1994; Miller, 1992), há outras questões que precisam ser consideradas em relação a este: O que constitui o contexto de uma fotografia? Por meio de quais processos “contextuais” as pessoas aprendem a ler e interpretar imagens? Que tipos de interações ocorrem entre a imagem e o seu contexto? 10 livro. Os livros eram lidos para ele, e a prática da escrita consistia em completar intermináveis folhas de exercícios. Ele deu mais detalhes sobre essa imagem dizendo: 25 ªr eu niã oa nu al A minha professora era uma boa pessoa - ela se preocupava com a gente – mas estava realmente muito errada. Ela pensava que ler e escrever eram atividades muito difíceis para nós. O que se dizia é que eu estava lendo gibis e criando a minha própria história em quadrinhos. Essa foto foi muito importante porque quando meus pais a viram , eles entenderam que eu estava num lugar onde os livros reais estavam guardados em um lugar seguro – isto é o que a minha professora nos disse, mas eu nunca entendi. De qualquer forma, quando meus pais viram a foto, eles decidiram que, no ano seguinte, eu iria para uma escola regular. Eu perdi um ano inteiro da minha vida, mas fui sortudo ... outros perderam a vida inteira7. Teriam os pais do aluno sido muito perspicazes ao interpretar a foto? Teriam eles, simplesmente, observado o contexto desta relacionando-o com as reclamações da criança? Em todo caso, se a criança disse ou não para seus pais que nunca lia livros reais, em sua recordação, a fotografia foi uma evidência que representou (ou apresentou) o seu incômodo para seus pais, e, talvez, encorajou e justificou a iniciativa de mudança por parte deles. Essa imagem também fornece pistas sobre as práticas educacionais da educação na Argentina em meados dos anos 60. Ela sugere, por exemplo, como a leitura era concebida numa aula de segunda série de educação especial; a circulação do conhecimento em uma escola (quem tem acesso aos livros e quem não tem); e o poder de uma foto como um documento público (os pais “vêem” os livros falsos e podem rever as suas decisões). Portanto, a fotografia é uma evidência de parte do processo de criação de subjetividades para todos os atores envolvidos. Afinal, é importante enfatizar que as fotografias são vistas como um tipo especial de evidência, como indica Annette Khun (1996): an pe d Não é que as fotografias devam ter um valor central, nem que elas reflitam o real, nem mesmo que forneçam qualquer relação auto-evidente entre elas e o que elas mostram. Simplesmente, uma fotografia pode ser material para interpretação – uma evidência, nesse sentido, seria solucionada, como um enigma; e lida e decifrada, como pistas deixadas na cena de um crime (Annette Khun apud Weiler, 1997, p. 18). Finalmente, é importante enfatizar que ao utilizar imagens, tais como fotografias, não devemos considerá-las como artefatos neutros – simples documentos capturados por uma lente (ou por um artista). Ao fazer isso, as limitaríamos a objetos 7 Essa entrevista foi conduzida pelo autor durante o período de junho a agosto de 1996 como parte de um projeto de pesquisa relacionado às dinâmicas de gênero nos programas de formação de professores em Buenos Aires, Argentina. 11 “naturais”, quando, de fato, essas imagens são socialmente construídas dentro de regimes específicos de verdade (Foucault, 1986) que sugerem relações de poder8. No necessitam: 25 ªr eu niã oa nu al trecho a seguir, Thomas Popkewitz sugere que os pesquisadores educacionais entender que o olho não apenas vê, mas é socialmente disciplinado pela ordem, divisão e “criação” das possibilidades do mundo e do indivíduo. Ao questionar como os olhos vêem, é possível questionar também como os sistemas de idéias “tornam” realidade o que é visto, pensado e sentido. Tais perguntas sobre a razão – ou seja, a construção social da razão (e as relações de poder embutidas nesta) – são os princípios pelos quais o agente “vê” e age para efetuar uma mudança (Popkewitz, 1999, p. 22). A incorporação das culturas visuais requer que os pesquisadores educacionais incorporem, criticamente, a noção de investigação e reflexão sobre o que vemos, e como essas imagens são construídas e reconstruídas por todos os participantes de qualquer projeto de pesquisa. Essa reflexão crítica não é uma mera extensão do velho ditado: Uma foto vale mais do que mil palavras. Certamente, tal ditado não é desatualizado, pois, ainda serve como explicação para uma experiência imediata para a maioria das pessoas em todo o mundo. No entanto, deve-se notar que se uma foto vale mais do que mil palavras, para entendê-la, refletir sobre ela ou explicá-la, precisamos usar mil e uma palavras. Ainda assim, não há nada transparente ou inerentemente verdadeiro. Progredindo an pe d As preocupações com comprovação, verdade e precisão nos desviou de uma concepção empirista do conhecimento e nos levou a uma concepção de comprovação do conhecimento – algo que pode ser testado, empacotado, conferido e enviado como tijolos por todo o país para construir estruturas de conhecimento que se diz serem acumuláveis. De fato, nós falamos sobre o conhecimento como se ele consistisse de unidades mensuráveis, como por exemplo, a afirmação freqüente de que o conhecimento se duplica a cada 20 anos. Nós concretizamos – para misturar metáforas – a nossa visão sobre o que isto significa. Preferimos nosso conhecimento sólido e dados rígidos. Isso contribui para um fundamento sólido, um lugar seguro em que se fixar. O conhecimento como processo, um estado temporário, é assustador para muitos. (Eisner, 1997, p.7) As palavras de Elliot podem ser vistas como uma antecipação das principais objeções às idéias apresentadas nesse artigo. De fato, não considero os argumentos apresentados nessas páginas um “fundamento sólido”, mas uma tentativa inicial de 8 Michel Foucault descreve os regimes de verdade como “um conjunto de regras de acordo com as quais o verdadeiro e o falso são efeitos separados e específicos de poder ligados ao verdadeiro” (1980: 132). A 12 refletir sobre as tarefas desafiadoras relacionadas à incorporação da cultura visual na pauta da pesquisa educacional. 25 ªr eu niã oa nu al Eu não estou afirmando que a experiência de leitura de textos carece da complexidade das imagens visuais, nem que os pesquisadores educacionais devem “ilustrar” seus textos de forma a torná-los mais acessíveis, agradáveis e bonitos para o público e, muito menos, que devemos abandonar as estratégias textuais tradicionais. De fato, a escrita e a leitura de textos são e devem permanecer como aspectos chave da nossa profissão. No entanto, dar uma atenção especial aos conceitos e artefatos da cultura visual possibilita, aos pesquisadores, efetuar trocas imbuídas de uma comunicabilidade e de uma empatia necessárias à produção e à distribuição do conhecimento científico. Além disso, um levantamento superficial sobre os meios de comunicação nos permite perceber que os debates sobre as mudanças no sistema educacional – desde a modificação do currículo e as formas de avaliação, até o aumento dos salários – são, com bastante freqüência, muito mais apresentados por meio de metáforas e imagens, do que pelo uso de argumentos lógicos9. Ainda, num momento em que prestar uma atenção especial àquelas batalhas culturais e educacionais, nas quais as imagens e a cultura visual exercem um importante papel, é de maior importância a análise dessas imagens populares que, raramente, são vistas pelos educadores como uma área relevante para um exame minucioso. A incorporação dos temas e imagens da cultura visual ao campo da pesquisa educacional poderia trazer ferramentas úteis para este. Tal incorporação, no entanto, não deve se restringir à apresentação da cultura visual como meras ilustrações que endossam as estratégias de marketing ao apresentarem imagens “bonitas e chocantes”, com o único propósito de promover o consumo da pesquisa. Fontes visuais de informação an pe d (filmes, cartoons, desenhos, quadros, outdoors e fotografias), tanto quanto outras ligação entre o que é aceito como “verdadeiro” e o poder social que proporciona ao falante da “verdade” se opor ao falante das “falsidades”, ou de verdades inaceitáveis, é estabelecida por esse processo. 9 A esse respeito vale citar Eric S.Lander, diretor do Instituto Núcleo para Pesquisa do Genoma Whitehead e professor de biologia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge, que é um dos principais contribuidores do projeto o qual completou o primeiro esboço do mapeamento do genoma humano. A reflexão de Dr. Lander sobre uma exibição artística com relação ao significado social da genética fornece um argumento convincente sobre o papel das imagens nos esforços científicos “Revoluções científicas podem se iniciar com dados objetivos, mas o seu impacto final depende da interpretação humana em um contexto social. Marcos científicos ocasionam buscas, freqüentemente lutas, pelas metáforas e imagens que serão usadas para relacionar as descobertas ao nosso dia-a-dia” (New York Times, 12 de setembro, 2000, p. D5). 13 formas de representação não-tradicionais (Eisner, 1997; 1999), devem ser utilizadas para desenvolver o nosso conhecimento sobre temas antigos e recentes na pesquisa 25 ªr eu niã oa nu al educacional. Essas fontes têm o potencial para tornar o nosso trabalho não apenas mais abrangente e claro, mas também mais relevante politicamente, porque as imagens tanto transmitem informações na batalha constante sobre o significado, quanto mediam relações de poder: Quem vemos e quem não vemos; quem é privilegiado pelo regime da especulação; que aspectos do passado histórico realmente difundiram ou não representações visuais; que fantasias sobre o que foi alimentado por imagens visuais ?. Essas são algumas questões que colocamos com relação às imagens e à sua circulação. Muito da prática do trabalho intelectual dentro da estrutura da problemática cultural tem a ver com ser capaz de fazer perguntas novas e alternativas, mais do que reproduzir o antigo conhecimento ao fazer velhas perguntas (Rogoff, 1998, p. 15). Para concluir, gostaria de argumentar que reconhecer e incluir a cultura visual e as imagens na pauta dominante da pesquisa educacional só seria significante se elas não fossem reduzidas à mera repetição das mesmas questões e enfoques que ostentam ilustrações as quais têm como único objetivo colaborar com o marketing de um projeto de pesquisa. O que se precisa é tentar incorporar à pesquisa educacional os problemas e métodos de coleta de dados; a interpretação e representação (ou apresentação) das imagens e da visualidade; a inclusão de novas questões e novos atores; a revisão de velhos argumentos; e a criação de projetos abrangentes e socialmente relevantes. Incorporar a cultura visual à pesquisa educacional não é uma tarefa fácil, pois implica em problemas epistemológicos e metodológicos (Nóvoa, 2000). Tal incorporação constitui-se em um desafio para o ponto obscuro criado pelas formas mais tradicionais de observar e fazer uma pesquisa em educação. No entanto, vale a pena correr esse risco. Se nos atrevermos a nos envolvermos no processo dinâmico de olhar para esse campo utilizando novas ferramentas e investigando aquelas áreas que ainda an pe d são inexploradas e incertas, podemos entrar num território inseguro, mas não há outra maneira de investigarmos áreas que possuem tantas camadas de significado.