Congresso de Psicopatologia Fundamental Título: “O desmentido por parte do adulto: reflexões do trauma em um caso de abuso sexual infantil”. Conteúdo do pôster. No abuso sexual infantil pode-se observar uma confusão decorrente da diferença entre a linguagem da paixão (pathos), por parte do adulto, e a linguagem da ternura pertencente à criança. A ternura constitui na modalidade da vida erótica infantil e precede à castração e ao recalque. Além disso, é caracterizada por apresentar um caráter lúdico e um desejo passivo, ou seja, uma forma de amor objetal passiva que só acontece como uma brincadeira, na imaginação, como por exemplo, quando a criança brinca com a idéia de ocupar o lugar do progenitor do mesmo sexo, para torna-se o cônjuge do sexo oposto. A paixão, por outro lado, é genital e marcada pela interdição. Além disso, impregna os objetos de amor com sentimentos de culpabilidade e de ódio (LEJARRAGA, 2002). O adulto, muitas vezes, responde à fabulação terna da criança de forma apaixonada, invadindo-a com afetos intensos que são desproporcionais à sua capacidade de assimilação. (FERENCZI, [1933], 1992). O trauma decorrente dessa violência sexual, ou seja, dessa exposição às paixões sexuais do adulto, para que se torne patogênico deve acontecer em dois momentos. O primeiro pode ser denominado de choque, o qual ocorre de forma esmagadora e de forma súbita sobre o sujeito, de uma maneira que ele não consegue oferecer resistência. A sedução incestuosa seria um exemplo desse primeiro momento da situação traumática. Após o episódio da violência sexual, a criança ainda pode ser socorrida por um adulto que a ajude a significar a violência vivida e, assim, o trauma não se tornaria patogênico (OSMO; KUPERMANN, 2012). No entanto, quando ela procura alguém de confiança, como a mãe, para explicar a confusão entre as línguas, muitas vezes, o adulto desmente as impressões infantis, como por exemplo, através de um silêncio mortífero, de uma punição ou uma afirmação de que “não aconteceu nada” e, desse modo, “desqualifica não só o prazer ou sofrimento da criança, como também seu modo de ver e significar o mundo” (REIS, 2004, p. 71 apud MELLO; HERZOG, 2009). Portanto, sem a presença do outro que possa fazer a mediação entre a linguagem da paixão, e linguagem da ternura, o que foi vivido não é integrado ao seu mundo simbólico, ou seja, não ocorre o processo de introjeção, de inscrição psíquica. É esse o segundo momento do trauma e o principal fator para que ele se torne patogênico. Sendo assim, o desmentido impede a introjeção. Para Ferenczi, esse processo é algo da ordem de uma relação com o mundo externo, de metabolização dos objetos externos, sendo fundamental no processo de simbolização. O que se introjeta é o conjunto pulsional com suas vicissitudes. O objeto seria um mediador: “ou seja, seria nesse entre jogo entre narcisismo e amor objetal que teríamos a estruturação do que poderíamos chamar de simbolização, de um pulsional mediado pelo objeto que é constituinte do inconsciente” (PITROWSKY; PERELSON, 2012, p.4). Com o desmentido, a palavra própria da criança, ao invés de mediada, fica interditada pelo adulto, impedindo-a de ser pronunciada e, assim, de produzir novas representações, não fazendo parte do universo simbólico. Assim, para Ferenczi, não é a linguagem da paixão, por si só, o principal fator traumático, mas o desmentido: "o pior é realmente a negação, a afirmação de que não aconteceu nada, de que não houve sofrimento ou até mesmo ser espancado e repreendido quando se manifesta a paralisia traumática dos pensamentos ou dos movimentos", lemos em Ferenczi (1931/1992d, p.79 apud OSMO; KUPERMANN, 2012). Caso clínico: Sofia, 27 anos, foi atendida em uma clínica-escola. Desde os seus cinco anos de idade até os oito anos, foi abusada sexualmente pelo tio, dez anos mais velhos que ela e irmão de sua mãe. Ao longo das sessões falou sobre o momento em que a mãe viu a cena do abuso sexual e, apesar disso, não tomou uma atitude que pudesse protegê-la ou que a ajudasse a significar a violência vivida. Pelo contrário, ao dar banho na filha, após o episódio da violência, colocou a culpa na criança ao falar que Sofia não deveria ser assanhada e nem fazer saliência com os garotos. Desta forma, a sedução incestuosa é mantida em segredo, proibida de ser pronunciada e impedida de ser integrada ao seu mundo simbólico. Sofia nunca contou para a família sobre o abuso sexual, pois tinha muito medo que eles a julgassem e a condenassem. Sentia-se muito confusa com o que acontecia, pois ao mesmo tempo em que amava o tio, pois era quem brincava, assistia desenhos animados e lia histórias para ela, era também a pessoa que cometia a violência, ou seja, era quem a invadia com um afeto excessivo, com a linguagem da paixão. Após o abuso sexual sentia nojo, vergonha, medo em relação ao que acontecia. Além disso, ficava pensativa, tentando compreender toda aquela situação, mas não conseguia. Até hoje, sua sexualidade e o sexo são coisas estranhas e ainda não compreendidas por Sofia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: FERENCZI, S. Confusão de língua entre os adultos e a criança. In: FERENCZI, Obras completas. S. Psicanálise IV. São Paulo: Martins Fontes [1933]1992. p. 97-106. LEJARRAGA, A. L. Paixão e Ternura: Um estudo sobre a noção do amor na obra Freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumarah; Faperj, 2002. MELLO, R. M. & HERZOG, R. Trauma, clivagem e anestesia: uma perspectiva ferencziana- Arquivo Brasileiro, 2009. Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/2290/229016554008.pdf>. Acessado em: 26 dez. 2013. OSMO, A. & KUPERMANN, D. Confusão de línguas, trauma e hospitalidade em Sándor Ferenczi. Psicol. estud. vol.17 no.2 Maringá Apr./June 2012. PITROWSKY, L. T. PERELSON, S. A incorporação como forma de apropriação do que é transmitido via inconsciente do outro. Trabalho apresentado no Congresso de Psicopatologia Fundamental, 2012. Disponível em: <http://www.psicopatologiafundamental.org/uploads/files/v_congresso/mr_13_ludmilla _tassano_pitrowsky_e_simone_perelson.pdf>. Acesso em 27 de Dez. de 2013.