Entrevista de capa Julião Sarmento
«É uma obra minha num relógio»
Entrevista Hubert de Haro e Paulo Costa Dias, fotos Nuno Correia
Julião Sarmento foi convidado para ser a quinta personalidade com
assinatura na coleção Reverso Arte Portuguesa da Jaeger-LeCoultre.
Um projeto que tinha como proposta a interpretação do Tempo de um
modo que fosse perfeitamente identificável como sua obra.
No final, a sua interpretação acabou por « girar em torno da iconografia
feminina», tema que melhor carateriza a obra daquele que é atualmente
um dos mais internacionais artistas plásticos portugueses. A Mulher,
África e, como não poderia deixar de ser, o Tempo marcaram um
encontro fugaz no seu próprio atelier...
Em 2010, numa entrevista ao Jornal I, afirmou:
«irrita-me pensar que, faça o que fizer, as
pessoas compram, desde que esteja lá o meu
nome.» Considera este projeto com a Jaeger-LeCoultre um mero aproveitamento comercial,
ou revelou-se algo de mais profundo?
(risos) Essa pergunta é capciosa e essa frase foi
descontextualizada. Está, portanto, a partir de uma
premissa errada. Há, no entanto, um pouco de
verdade nisso, infelizmente. Cada vez mais, com a
globalização, muito mais do que os resultados práticos ou técnicos daquilo que as pessoas adquirem,
o que interessa é a maneira como aquilo que se
adquire soa. Tem que ver com a predominância das
marcas. Não se compra um relógio, compra-se um
LeCoultre; não se compra um carro, compra-se um
Aston Martin, mas a realidade não está aí. Muitas
vezes, as pessoas não compram as coisas por
causa da qualidade, compram as coisas por aquilo
que elas significam, pelo status social ou cultural
que essa aquisição lhes outorga. E, neste sentido,
infelizmente, tenho quase a certeza de que há pessoas que compram coisas que eu faço, não porque
gostem, não porque se interessem, mas porque
está lá o meu nome.
A proposta era desenhar o Tempo. Escolheu
uma figura feminina. Decidiu representar o
tempo feminino?
Não desenhei o tempo feminino, porque acho que
o tempo feminino não tem tempo. Quando me foi
pedido um projeto, foi-me pedida uma imagem que
tivesse não só que ver com o tempo, mas que fosse
assinatura visual absoluta e facilmente identificável, e
eu sou, de facto, muito identificado com a repre-
Entrevista de capa Julião Sarmento
Jaeger-LeCoultre
Reverso Julião Sarmento
Edição limitada a 20 exemplares em ouro rosa
18kt e a 30 exemplares em aço. Cada relógio é
acompanhado de uma serigrafia de 76x112cm
assinada pelo artista.
Referências: Q373247P (Ouro rosa 18kt),
Q373842P (Aço)
Movimento: Mecânico de corda manual JLC 976,
28’800 alt/h.
Funções: Horas, minutos e pequenos segundos.
Caixa: Ouro rosa 18kt ou aço, verso personalizado
e fundo gravado com a assinatura de Julião Sarmento, estanque até 30 metros.
Dimensões: 30 x 48,5 x 9,7mm
Bracelete: Pele de aligátor com fecho de báscula
em ouro rosa 18kt ou aço.
Preço: € 17.900 (Ouro rosa 18kt)
Preço: € 9.900 (Aço)
30
sentação do corpo feminino. Todo o meu trabalho
gira à volta disso, gira à volta da representação, da
iconografia feminina e, de facto, tenho uma série de
obras que são uma espécie de mulher expetante,
que está à espera, o que tem que ver com o espaço
e com o tempo. Com o espaço no qual ela existe, o
espaço que ela preenche, e com o tempo indeterminado em que ela lá está. Porque em qualquer altura
em que você olhe para o desenho, ela continua
lá, não se vai embora, e mesmo que você se vá
embora, ela continua lá. Este não é um tempo
fugaz, é um tempo eterno. E foi este o sentido que
me interessou nesta conexão entre uma imagem de
marca, a minha imagem de marca, e esta ideia do
tempo que não acaba.
O que mudou na mulher portuguesa desde os
anos 60/70?
Não sei, não sou mulher. (risos) Acho que estão
muito mais aware; que estão muito mais cientes
de como as coisas são; são mais informadas, e os
homens também; são menos dependentes; fizeram
a descoberta do seu corpo; têm um grande sentido
de liberdade, que eu acho excelente; estão cada vez
mais bonitas, que acho melhor ainda. Comparam-se
aos homens a todos os níveis menos naqueles que,
obviamente, não se deviam comparar. Nada que na
altura já não devesse de ser assim, repare.
Já se assumiu como «um construtor de enigmas». É isto a mulher por si representada, um
enigma?
Seguramente. Mas não é só isso, porque a representação da mulher no trabalho que eu faço tem
um sentido mais histórico. Se vir, desde o início
da representação, desde Lascaux, que as primeiras representações são do corpo humano, dos
dedos, das mãos. O homem representa-se, e é a
coisa mais representada em toda a história da arte.
Na minha perspetiva, o corpo humano é o único
símbolo que não é passível de se tornar um cliché,
porque nós resistimos e renovamo-nos. Há coisas
que se gastam, mas a representação do corpo
não se gasta. É neste sentido que me interessa a
representação do corpo, e só faço mulheres porque
não gosto de fazer homens, é tão simples como isto
(risos). A segunda leitura é a do lado enigmático.
Que as mulheres são um enigma claro que são. Mas
também há homens que são enigmas, as pessoas
são enigmas.
Entrevista de capa Julião Sarmento
«Quando me foi pedido um
projeto, foi-me pedida uma
imagem que tivesse não só que
ver com o tempo, mas que fosse
assinatura visual absoluta e
facilmente identificável, e eu
sou, de facto, muito identificado
com a representação do corpo
feminino»
Julião Sarmento
Normalmente, ou sempre, há pouca cor na sua
representação feminina? Vê a mulher a preto e
branco?
Não é só nas mulheres, é no meu trabalho em
geral. Salvo no início, em que andava um bocado à
procura daquilo que queria fazer, sempre tive uma
paleta de cores muito reduzida. Nunca fui um Fauve,
nunca utilizei todas as cores do universo, tipo
Matisse, uns azuis extraordinários, uns amarelos
brilhantes, uns cor de laranja deliciosos. Sempre fui
um artista muito mais sombrio, mais recatado na
utilização da cor. Até ao ponto em que, em 1989,
1990, comecei a pensar «será que eu preciso de
usar cores?». Comecei a interrogar-me porque é
que eu usava cores e comecei a achar que, em
determinadas circunstâncias, a cor não servia para
nada, era uma espécie de fetiche kitsch, não tinha
nenhum sentido prático, nem concetual, se quiser.
Então, reduzi tanto a paleta que passei só a preto e
branco. Só utilizo cor quando é absoluta e estritamente necessário, como de vez em quando o é.
Uma das serigrafias que é feita para esta edição
limitada da Jaeger-LeCoultre tem um amarelo
venenoso. É uma imagem que tinha veneno e eu
utilizei esse amarelo.
Aliás, nesta edição limitada, primeiro sentiu-se
seduzido pelo relógio em aço e só depois pelo
de ouro rosa.
Os dois são lindíssimos, mas eu só tinha visto os
modelos dos relógios em fotografia, nos livros da
marca, não os tinha visto ao natural – e é muito
diferente. O sentido da cor, a junção de cores dá-lhe
força e faz realçar o branco.
Uma das primeiras exposições coletivas foi em
Luanda, em 1973, e acaba de vir de férias em
África. Alguma relação especial com África?
Tenho, tenho uma relação especial. Mas a primeira
relação com África foi dominada pelo medo, quando
estava para ser incorporado e ir para a guerra. Acabei
por não ir, mas o meu primeiro casamento foi com
uma africana, com uma sul-africana. Vivi em Moçambique cerca de um ano e a minha relação com África
começa aí. A minha primeira exposição a dois, aliás,
inaugurar-se-ia em Lourenço Marques, na altura, no
dia 25 de abril de 1974. (risos) Não foi inaugurada…
Poucos artistas conhecem o continente africano sem que isso venha a influenciar a obra
deles. Não é muito visível no seu caso, no
entanto.
Bem, vou dizer uma coisa pela qual as pessoas
me vão matar, mas não me interessa rigorosamente
nada a África do Norte. Eu gosto da África negra,
da África do bush. Não são as cidades, não é o
lado urbano do continente que me interessa.
Falavam-me muito nisto e eu não acreditava, mas,
depois de a pessoa entrar uma vez na mata, tem de
lá voltar. É uma coisa estranha, é uma coisa que fica
presa dentro de nós, não me pergunte porquê, mas
é verdade.
Mas isso ainda não se refletiu na sua obra,
pois não?
Por acaso, já. Esta primeira exposição que estava para ser inaugurada a 25 de abril de 74 era
toda sobre África, foi toda feita em África e era
uma exposição que trabalhava com África. É difícil
explicar. Não quero estar a verbalizar aquilo que não
é verbalizável, mas era uma exposição cujo leitmotiv
era África.
Daqui a seis meses, um ano, cruza-se na rua
com uma pessoa que tem um Reverso Julião
Sarmento no pulso. Como o, ou a, imagina?
(risos) Espero bem que seja uma pessoa que seja
simpática, com a qual eu tenha empatia visual,
senão é uma ‘chatice’. No fundo, não há grande
diferença entre isto e algo que já me aconteceu, que
foi ir a casa de alguém e haver lá um quadro meu,
uma obra minha. Umas vezes fico contente, outras
vezes fico tristíssimo, porque está num contexto
que me apetece matar. (risos) Esta também é uma
obra minha, não é numa tela, não é num papel, é
num relógio. Imagino que neste caso se passe a
mesma coisa, umas vezes será numa pessoa que
me é agradável e que eu acho que tem bom gosto,
outras vezes nem tanto.
Tem de se repartir pela criação, por permanentes viagens, pelas obrigações sociais e
pessoais, o que obriga a alguma disciplina de
horários. É um controlador do seu tempo?
Tem de ser, senão era uma desgraça. Tenho de ser
um grande controlador do meu tempo. Enfim, q.
b., porque aparecem coisas à última hora, a todo o
momento. Tento controlar tudo com o meu BlackBerry e, às vezes, troco tudo (risos), mas tenho a
minha vida quase marcada ao minuto.
33
Entrevista de capa Julião Sarmento
Paula Rego
Em 2002 Paula Rego aceitou o desafio de
‘Pintar o Tempo’ interpretando uma visão
do tempo – e da mulher. A artista revelou
na gravura que pintou em exclusivo para
este relógio a sua visão num tema carregado
de erotismo e de ambiguidade. Limitada
a 40 exemplares esta série ficou conhecida
como ‘O Tempo Eterno’.
Júlio Pomar
O pintor português foi o primeiro artista
a quem foi lançado o desafio de «Pintar o
Tempo», isto é, criar a imagem exclusiva
que decorou a caixa do mostrador de 30
relógios Reverso Data em ouro rosa
18 quilates. O primeiro dos 30 relógios
foi leiloado em novembro 2000. O total
da licitação, 5.150.000$00, reverteu
integralmente a favor da Casa do Artista.
Manuel Cargaleiro
A edição Reverso Or Déco/Manuel
Cargaleiro foi a segunda incursão
da Jaeger-LeCoultre nas artes plásticas
portuguesas, começando a esboçar-se com
esta edição uma Coleção Reverso/Arte
Portuguesa.
Esta edição foi limitada a 40 exemplares.
José de Guimarães
José de Guimarães foi a escolha para a
quarta edição Reverso/Arte Portuguesa.
Nasceu assim mais um modelo numa
série limitada de 40 exemplares. Uma
encantadora e misteriosa serpente povoa o
verso do Reverso, interpretação proveniente
da cultura africana e recorrente na obra
do pintor.
Julião Sarmento
Nome maior das artes plásticas portuguesas,
Julião Sarmento é o mais recente artista
a ser convidado para eternizar uma das suas
criações num Reverso. Pela primeira vez
foram criados dois modelos, um em aço e
outro em ouro rosa de 18kt e, após 10 anos
de edição, a Espiral do Tempo quis assinalar
este lançamento com uma capa especial,
orientada horizontalmente.
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