OS DESAFIOS NO CUIDADO AO PACIENTE COM TRANSTORNO MENTAL: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A ÉTICA E A LEGISLAÇÃO Maria Conceição Sousa Cavalcanti1 Rebeca Fernandes Mariano2 Vienny Flaviani Sousa Cavalcanti3 Weslianny Fernandes Barbosa4 Maria Luiza Rego Bezerra5 RESUMO O presente estudo aborda a saúde mental em suas facetas mais distintas.Expõe a evolução recente da legislação em Saúde Mental e como se deu este processo de reforma psiquiátrica em um contexto mundial, afunilando a abordagem até chegar à situação do nosso país atualmente. Mostraainda a legislação sob avisão legal, a do paciente e a do profissional da saúde, buscando maior destaque para o profissional da enfermagem.Informa que, embora a área psiquiátrica seja considerada uma das mais complexas de se realizar o cuidado, já que os indivíduos apresentam a capacidade de interpretação da realidade prejudicada, é uma das que mais necessita de assistência contínua e humanizada, afinal,os casos de reinserção do paciente com transtorno mental na sociedade são graças ao esforço não só do paciente, mas em grande parte dos cuidadores deste. Explica ainda a relação entre o que é colocado na Legislação em Saúde Mental e o cuidado efetivado ao paciente nos diferentes espaços destinados ao tratamento, seja ele domiciliar/familiar, em Residências Terapêuticas ou nos Centros de Atenção Psicossocial.Aborda as dificuldades enfrentadas na prestação de cuidados a esses pacientes, já que os transtornos mentais, embora possuam características definidoras, dificilmente irão se manifestar com mesma forma e intensidade em pacientes distintos, tornando o cuidado ainda mais individual e específico. Avalia o papel primordial do profissional de enfermagem como organizador do cuidado a ser prestado ao paciente bem como do atuar no cuidado direto, evidenciado, por fim, até aonde vão as incumbências desta categoria de profissionais. Descritores:Saúde Mental. Ética em Enfermagem. Legislação. INTRODUÇÃO A ética nada mais é do que o conjunto de costumes e hábitos do ser humano que sustentam a base da vida individual e em sociedade. Esses conjuntos e ações tem um caráter reflexivo, analisando a influência do código moral nas diferentes facetas da convivência social _________________________________________________________________________________ 1 Graduanda de Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Integrante do Projeto de Pesquisa na área de Saúde Mental com abordagem em Psiquiatria Infantil. 2 Graduanda de Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. 3 Graduanda de Enfermagem pela Faculdade de Imperatriz - FACIMP. 4 Graduanda de Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. 5 Enfermeira. Especialista em Saúde Pública pela PUC - SP. Professora do curso de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. e individual. Essa análise crítica é desenvolvida a partir dos conhecimentos adquiridos através da educação formal (escolar) e da educação informal, recebida no ambiente familiar e social. A legislação, segundo o Dicionário Aurélio, é o conjunto das leis sobre determinada matéria em sua totalidade, no Estado ou em determinada área do Direito. Sendo assim, é possível associar a ética como a base da legislação, afinal, a maioria das leis tem como base um costume moral da sociedade. Trabalhar a ética e a legislação em sociedade têm vários graus de dificuldade, já que as regras morais acabam variando de indivíduo para indivíduo. No entanto, trabalhar com indivíduos que não possuem essas regras morais ou que as apresentam de forma discrepante torna-se ainda mais difícil. A área de Saúde Mental traz muitos desafios, em especial para os que passam a maior parte do tempo com estes pacientes. Os avanços crescentes em instrumentos e tecnologia não tiram do cuidador a responsabilidade do cuidado humanizado. Esse cuidado, no entanto, é dificultado quando o paciente não possui os princípios de ética e moral seguidos pela sociedade. Este é o caso do paciente com transtorno mental, um paciente imprevisível, que reage ao cuidado de forma espontânea e imediata. A Saúde como um todo também é estruturada por meio de sua legislação específica. No entanto, a saúde possui várias áreas distintas entre si, e cada uma destas apresenta normas ainda mais específicas relacionadas ao trato do profissional para com o paciente. Estas normas variam desde protocolos de procedimentos básicos realizados cotidianamente até questões mais complexas, como o comportamento do profissional em relação à situação enfrentada pelo paciente. Tendo em vista essas questões, o presente artigo visa abordar os primórdios da legislação em saúde mental, chegando até os dias atuais, observando os avanços mais destacados e as melhorias que ainda são necessárias. METODOLOGIA Trata-se de um estudo bibliográfico sobre a abordagem ética na saúde mental, buscando as especificações da legislação para o cuidado com o doente mental, avaliando a evolução desta área em termos de cuidados, leis e resultados,buscando associá-los com os cuidados reais prestados aos pacientes. A pesquisa buscou, principalmente: artigoscom uso dos descritores Saúde Mental, Ética em Enfermagem, Legislação em Saúde Mental e Ética em Saúde Mental; a Legislação em Saúde Mental do Ministério da Saúde; a Cartilha Direito à Saúde Mental do Ministério Público Federal; Saúde Mental no SUS: Os Centros de Atenção Psicossocial, desenvolvido pelo Ministério da Saúde; contando também com o livro A História da Loucura na Idade Clássica de Foucault. RESULTADOS Desde os primórdios da historia humana, os portadores de doenças para as quais não havia cura conhecida sofriam de preconceito extremo, sendo excluídos da sociedade e obrigados a viver como e onde fosse determinado. De todas as patologias conhecidas nopassado, as que sofriam maior preconceito social eram, sem dúvida, as doenças sexualmente transmissíveis, a lepra (hanseníase) e as patologias que afetavam a mente dos indivíduos. As condições de vida dos que apresentavam esses tipos de patologia eram variadas.Às vezes esses indivíduos eram obrigados a vagar a ermo pelas estradas ou trancafiados em barcos para vagar sem rumo pelos mares; muitos viviam trancafiados em casas de internamento lotadas de outros com a mesma condição patológica, mas o mais comum em civilizações inteiras antes dos avanços promissores da medicina, ou de suas tentativas mais esforçadas, era a simples execução do doente, já que não se acreditava no alcance de cura para aquele mal. Em seu livro A História da Loucura, Foucault afirma que as casas de internamento foram instituídas primariamente para conter os leprosos em um único ambiente.No entanto, a partir do século XV, o problema relacionado a lepra vai desaparecendo aos poucos, devido às mudanças de pensamento e a compreensão de que o confinamento não era a única solução em tratamento para essa patologia. Assim, os antes chamados leprosários passam a ser ocupados pelos acometidos por doenças venéreas, mas o numero de doentes cresce cada vez mais e cresce a necessidade de novos centros de internamento. Enquanto isso, a sociedade passa por um período de exploração da loucura. Os loucos, que antes eram executados ou forçados a vagar sem rumo, seja pelas estradas ou pelo mar, começam a intrigar até os maiores pensadores da época. Para Erasmo de Roterdã, a loucura é caraterizada por um homem iludido em si mesmo, quando este cria uma realidade para si que difere da realidade do mundo. Já até meados do século XVIII a loucura passou a ser caracterizada como a razão em essência, o louco era reconhecido como capaz de expressar a razão viva e oculta no restante dos homens. Mas foi a partir do século XVIII que a loucura passou a ser relacionada com a aparência de crime, pois o individuo possuía uma falsa percepção dos sentidos. A loucura deixou de ser a essência da razão para ser o completo oposto, a falta dela. Descartes então afirma que a razão é o único modo de se chegar à verdade, e por isso a loucura é transportada definitivamente para o mundo dos sonhos e do erro. Com o avanço dos conhecimentos médico-científicos, todos os tipos de males foram considerados comodoença, por isso doenças venéreas passaram a exigir tratamento e estes doentes foram transportados das casas de internação para os hospitais, onde receberiam atendimento médico. Desocupadas, as casas de internação passaram a ser utilizadas como casas de correção, para onde os loucos eram dirigidos. Apesar do caráter cientifico da loucura como doença mental, ainda arraigava-se a associação do demoníaco ao estado da crise. Os loucos internados ali eram utilizados como mão de obra escrava, havendo locais que tratavam a loucura como mero capricho humano. Em Paris, por exemplo, os internados que não conseguiam retomar seu lugar na sociedade eram chicoteados em locais públicos, marcados, expulsos e, por fim, destinados à forca ou guilhotina. Além disso tudo, a grande quantidade de casas de correção não contou o fornecimento adequado de alimentos, produtos de higiene, artigos de saúde enem mesmo com profissionais habilitados. Assim, além da segregação social, dos castigos e do trabalho escrevo, o louco vivia em condições de vida precárias, sem contar com atendimento de saúde adequado ou mesmo com qualquer tipo de cuidado especializado, pois o atendimento médico era fornecido apenas duas vezes por semana. Mesmo quando as casas de correção desapareceram por volta do século XIX e os loucos foram internados em hospitais gerais, a situação pareceu não melhorar. O aspecto destes era semelhante às prisões, e o grande número de pacientes gerava um amontoado de indivíduos em espaços minúsculos. Foi graças a Philippe Pinel, no início do mesmo século, que a saúde mental iniciou seu avanço lento na direção das mudanças de pensamento e tratamento. Pinel desvinculou a loucura da tradição demoníaca e a considerou como uma doença mental. A partir da observação do comportamento dos doentes mentais, ele foi capaz de ordenar sintomas e alterações psicopatológicas em maiores detalhes, catalogando as diferentes lesões de funções mentais em relação às causas. Ele iniciou ainda um tratamento que consistia na reforma dos hábitos e costumes deste paciente, buscando interromper as influências negativas que estes exerciam sobre a saúde mental do mesmo. Depois de Pinel, a loucura passou a ser classificada em diferentes tipos, havendo pesquisas específicas para estes aspectos na população de doentes. Kraepelin iniciou descrições detalhadas dos tipos de loucura, classificou e investigou as causas de cada um e o modo como transcorria a doença. Sigmund Freud foi o criador da psicanálise e mestre de vários outros pesquisadores desta vertente da saúde. Mas apesar dos diferentes tipos de estudos, os loucos continuavam em situações precárias e recebiam tratamentos não tão eficazes quanto deveriam. Assim, após a Segunda Guerra Mundial, a crescente constatação da dificuldade dos modelos asilares no cuidado aos pacientes com transtornos mentais foi gerando discursões cada vez mais significativas, até que na década de 60 iniciou-se movimentos em toda a Europa e EUA contra a institucionalização dos doentes mentais e a implementação de outros métodos de cuidados a serem prestados fora do hospício, como a psicoterapia institucional e as comunidades terapêuticas, atingindo seu ápice com as terapiasfamiliares. No Brasil, no entanto, na década de 70, o modelo implementado ainda era o de hospícios, tomando impulso durante o processo de industrialização. Enquanto o mundo estava focado na desinstitucionalização, o Brasil investiu nos cuidados psiquiátricos aumentando o numero de leitos dos hospícios e multiplicando a rede privada. Esses investimentos causaram afluxo de pacientes para o setor privado da assistência psiquiátrica, duplicando o número de pacientes atendidos, enquanto a rede pública mantinha um fluxo psiquiátrico estável. Mas a partir de 1978 há o início efetivo do movimento social em favor destes pacientes. No início dos anos 80 passam a surgir as primeiras propostas e ações para reorientar a assistência, em 1987 o II Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental adota o lema “Por uma sociedade sem manicômios”, acontecendo também neste ano a I Conferência Nacional de Saúde Mental. Neste mesmo ano há a implementação do primeiro CAPS no Brasil, na cidade de São Paulo; dois anos depois a Secretaria Municipal de Saúde de Santos intervém em um hospital psiquiátrico local, onde ocorriam maus tratos e até morte de pacientes. Após esta intervenção, foi confirmada a possibilidade de construção de outra rede de cuidados que substituíssem os manicômios. Ainda em 1989, o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado dá entrada no Congresso Nacional. Ele propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção dos manicômios no país de forma progressiva. No ano anterior, com a Constituição de 1988, é criado o SUS – Sistema Único de Saúde, que é formado pela participação das três esferas de gestão (federal, estadual e municipal) sob o poder dos Conselhos Comunitários de Saúde, regulamentado pela Lei nº 8.080/1990. Em 1992, os movimentos em prol dos pacientes psiquiátricos conseguem aprovar as primeiras leis que determinam a substituição dos hospitais psiquiátricos por uma rede de assistência integrada à saúde mental. Nesse período, tem início a implantação e expansão dos diferentes serviços de assistência ao paciente com transtorno mental, como os CAPS, NAPS e Hospital-dia, bem como as primeiras normas de fiscalização e classificação dos mesmos. No entanto, essa expansão não é contínua, pois, embora toda a estrutura legislativa esteja formada, ainda não há uma rede de financiamento direcionada a esses serviços. É só em 2001 que a Lei proposta por Paulo Delgado em 1989 é sancionada no país, mas com modificações importantes no texto. Esta lei substitutiva não apresenta como será realizada a extinção progressiva dos manicômios. Ainda assim, a sanção desta lei dá novo impulso às mudanças que já estão em curso no país, como a criação de linhas especificas de financiamento para os programas já em funcionamento; novos mecanismos de fiscalização e redução programada de leitos entram em vigor; há a criação do programa “De Volta para Casa”, impulsionando o processo de desinstitucionalização; e a incorporação de politicas relacionadas à questão do álcool e outras drogas. É nesse período também que a Reforma Psiquiátrica se consolida como politica oficial do governo federal. É importante lembras que dois movimentos continuam acontecendo no país até hoje simultaneamente: por um lado, a construção da rede de atenção à saúde mental que substitua o modelo da internação hospitalar, e, por outro, a fiscalização e redução progressiva e programada dos leitos psiquiátricos existentes. O processo de mudanças ocorridas ainda é lento, e apesar dos serviços já estarem implementados, carecem de constante reflexão quanto às praticas e cuidados prestados, a fim de não retornarem à lógica do manicômio. Devido a algumas das influências acima citadas, o Brasil ainda hoje possui dificuldades em atender a demanda de pacientes psiquiátricos de forma eficaz. Assim, a reforma psiquiátrica possui agora o objetivo primordial de tentar integrar esse doente à sociedade o máximo possível. O novo modelo implementado de atenção à saúde mental incorpora o cuidado não só do profissional para o doente, mas busca a integração do paciente no ambiente familiar e social, trabalhando não só com o doente mental, mas com os que o cercam. O acompanhamento do ambiente em que o paciente vive e a educação permanente em saúde dos que com ele convivem contribui para o aumento das chances de reabilitação deste de volta à sociedade. Um dos programas, utilizado pelo novo modelo de assistência ao paciente com transtorno mental,é a instalação de Residências Terapêuticas. Estas nada mais são do que casas no espaço urbano criadas para prover moradia a pacientes com transtorno mental grave que não possuem suporte familiar. Elas têm como objetivo impulsionar os moradores no processo de reintegração à comunidade, podendo contar com, no máximo, oito moradores. Cada uma é ligada a um CAPS e deve contar com apoio de pelo menos um cuidador para as necessidades diárias que os usuários ainda forem incapazes de realizar. Outro programa utilizado, e por sinal um dos mais efetivos na reintegração social dos indivíduos, é o Programa de Volta para Casa. Os pacientes com longo histórico de internação recebem um auxílio-reabilitação de R$240,00 mensalmente para voltarem para os familiares e reintegrarem-se à sociedade. O local para onde o paciente irá se deslocar deve conter uma estratégia de acompanhamento e uma rede de saúde capaz de atender efetivamente a demanda de saúde mental. Uma das maiores dificuldades da implementação deste programa é a longa exclusão social sofrida pelos pacientes, muitos dos quais não possuem documentos mínimos para dar entrada no programa, e numa tentativa de auxiliar estes pacientes sem identificação, alguns municípios estruturam mutirões visando a identificação do maior número de pacientes possível, possibilitando que mais indivíduos possam aderir a programas de inclusão social e tenham garantia dos direitos inerentes a qualquer cidadão. O Ministério público, em parceria com diversos colaboradores, criou a Cartilha: Direito à Saúde Mental. Nela diversos profissionais se unem para explicar os diferentes aspectos da saúde fornecida de forma integral, quais os direitos do paciente com transtorno mental, quais as formas de tratamento oferecidas, quais as maiores dificuldades relacionadas aos cuidados com o paciente, como e quando internar alguém com transtorno mental, quais as medidas tomadas quando um paciente comete um crime, qual a relação do álcool e drogas com a saúde mental, e explicações sobre os prontuários e o atendimento. Para a família do paciente, embora existam muitas dificuldades, há a disponibilização cada dia maior de material explicativo de como lidar com o paciente com transtorno mental como o abordado acima, educação continuada em saúde por profissionais capacitados para melhorar o convívio e a qualidade do cuidado prestado por parte do cuidador leigo, bem como métodos que auxiliam os familiares a reinserirem o doente mental na sociedade de forma gradativa e eficiente. O paciente é amparado por leis em seus mais diversos sentidos, desde o atendimento no domicilio até técnicas de educação aos próprios pacientes em Centros de Atenção Psicossocial. Os profissionais são capacitados a reconhecerem os diferentes tipos de transtorno mental e saber como atuar diante de cada uma das situações que lhe são apresentadas diariamente. No entanto, mesmo com os maiores avanços em termos legislativos ou mesmo de implantação de recursos e programas revolucionários, o cuidado não será efetivo se não for humanizado. Estes pacientes precisam ser tratados de forma acolhedora e que os valorize pelo que são. Devem ser ouvidas e reconhecidas em suas necessidades e vontades, principalmente em seu próprio tratamento, permitindo e promovendo melhorias em sua própria vida.Quando há notícias de maus tratos ou violação de direitos, este paciente deve ser imediatamente protegido, numa tentativa de impedir o agravamento da situação em que seencontra. Em seguida, o caso deve ser registrado em forma de denúncia nos órgãos públicos e entidades que defendam os direitos humanos. Se a violação ocorreu em algum serviço de saúde, a denúncia deve ser encaminhada aos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde. Se possível, deve ser encaminhada ainda para o disque-denúncia, ouvidorias das Secretarias de Saúde e do Ministério da Saúde. Em parte, o paciente mental possui necessidade diferenciadas, relacionadas a sua deturpação da realidade, mas ainda assim ele possui direitos inerentes a qualquer cidadão como já foi exposto. Os cuidados diferenciados ao paciente são especialmente quando este se apresenta em crise. Em primeiro lugar, é importante acolher e respeitar o indivíduo, mesmo em crise,de preferênciapor alguém com um vínculo de confiança e de afeto com o paciente. Depois, o paciente deve ser encaminhado,assim que possível, para um CAPS; nos municípios onde o CAPS ainda nãoexiste, é preciso garantir atendimento integral à pessoa com transtorno mental nos HospitaisGerais e, quando for necessária a internação, o paciente deve ficar apenas pelo tempo estritamente necessário. No início, o cuidado do paciente era realizado pelos mais diversos tipos de pessoas, desde irmãs de caridade, que ofereciam seu trabalho voluntário, a ex-pacientes. Com o desenvolvimento de novas formas de cuidar, a enfermagem incorporou-se na área psiquiátrica sendo responsável por auxiliar o profissional médico, manter a higiene do paciente e aplicar medidas hidroterápicas, inicialmente, passando a desenvolver a tarefa de vigilância e manutenção da vida do paciente. Com a introdução de tratamentos mais invasivos, foi exigido que o saber do profissional de Enfermagem fosse mais qualificado e específico, fazendo com que a prática adquirisse o aspecto científico necessário. O avanço da assistência prestada aos pacientes forçou a evolução dos conhecimentos do profissional nesta categoria, incorporando ao saber cientifico uma abordagem psicológica e social. Uma das pioneiras à assistência de enfermagem ao paciente psiquiátrico foi Hildegar Peplau, que formulou a Teoria das Relações Interpessoais. Nesta teoria, ela observou a relação entre o enfermeiro e o paciente, relatando que a medida que a interação entre estes aumenta, a compreensão das respectivas responsabilidades por parte de ambos é evidenciada. Esse foi o primeiro dos modelos teóricos sistematizado para a Enfermagem psiquiátrica, fazendo com que a busca de explicações seguisse dois discursos: o psiquiátrico, abordando os aspectos da doença em si, e o psicológico, buscando as relações humanas e aspectos comportamentais dos indivíduos. A partir daí, o profissional em enfermagem passou a ser reconhecido como membro integrante da equipe psiquiátrica. Nos anos 70, a enfermeira Joice Travelbee, dos Estados Unidos, abordou a relação pessoa a pessoa que deve ocorrer nesta profissão. Ela combina teorias existenciais e humanistas, focalizando a busca do ser humano pelo significado da vida e seu sofrimento a partir disso. No mesmo período, destaca-se a enfermeira Maria Aparecida Minzoni, no Brasil, que se preocupou com a humanização da assistência ao doente mental. Além da contribuição no campo da assistência e do cuidado direto, Minzoni também contribuiu com sua atuação nos campos de ensino e pesquisa em Saúde Mental, contribuindo para o crescimento da enfermagem psiquiátrica aqui no Brasil. Villela e Scatena (2004), afirmam que: “As funções do enfermeiro estão focadas na promoção da saúde mental, na prevenção da enfermidade mental, na ajuda ao doente a enfrentar as pressões da enfermidade mental e na capacidade de assistir ao paciente, à família e à comunidade, ajudando-os a encontrarem o verdadeiro sentido da enfermidade mental. Para o enfermeiro realizar suas funções, deve usar a percepção e a observação, formular interpretações válidas, delinear campo de ação com tomada de decisões, planejar a assistência, avaliar as condutas e o desenvolvimento do processo. Essas ações fazem parte do processo de enfermagem, devendo direcionar o relacionamento interpessoal e terapêutico.” A enfermagem trabalha não só no ambiente de cuidado direto para com o paciente, ela trabalha com os familiares, com a promoção e prevenção de saúde, com as dificuldades ocasionadas pelo transtorno mental ao paciente e aos familiares, bem como auxilia no processo de reinserção deste na sociedade e no ambiente familiar. Ela também planeja as ações, toma decisões, avalia e implementa os cuidados planejados e ainda encontra tempo para ouvir, respeitar e acolher o paciente em suas dificuldades, relacionadas a qualquer dos fatores que este julgar importante. CONCLUSÕES A enfermagem vem sendo reconhecida a cada dia pelo seu papel de cuidado fundamental para o estado de melhoria contínua do paciente. Este cuidado deve ser sempre reavaliado, impulsionando o profissional a ser mais humano no cuidado prestado, a ser criativo, a refletir no que é oferecido a seus pacientes e observar este processo de cuidados como algo mutável, necessitando sempre de novas informações e métodos inovadores para torna-lo cada vez mais dinâmico. Observar o paciente como um cidadão, que possui direitos iguais aos de qualquer outro, é também parte importante da assistência de enfermagem. Manutenção do vínculo com o paciente, bem como medidas que preservem o ambiente terapêutico estável, intervindo com a equipe multidisciplinar sempre que for necessário, nunca estendendo o tempo de internação necessário à reabilitação do paciente, são medidas que valorizam o paciente como cidadão e como participante do próprio processo de tratamento. Valorizar o indivíduo é uma das medidas mais eficazes de estabelecer vínculos com estes, e um vínculo bem estabelecido permitirá ao profissional uma maior clareza no momento do planejamento das ações a serem realizadas no paciente e pelo próprio paciente, bem como medidas necessárias para evitar os momentos de crise ou diminuir suas intensidades. As ações do profissional devem sempre estar de acordo com o modelo descrito pela reforma psiquiátrica, pelo código de ética e as legislações vigentes, trazendo melhorias para a condição de saúde do paciente e respaldo para a categoria profissional que há 40 anos atua no Brasil como principal elo entre o saber técnico-científico e o cuidado humanizado para com o paciente. REFERÊNCIAS 1. AZEVEDO, Thaís; DIMENSTEIN, Magda. O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL. Estudos e Pesquisas em Psicologia, UERJ, RJ, Ano 8, n.3, p. 658-671, 2° Semestre de 2008 2. BARROS, Sônia; EGRY, Emiko Yoshikawa. 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