OS DESAFIOS NO CUIDADO AO PACIENTE COM TRANSTORNO MENTAL: UM
ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A ÉTICA E A LEGISLAÇÃO
Maria Conceição Sousa Cavalcanti1
Rebeca Fernandes Mariano2
Vienny Flaviani Sousa Cavalcanti3
Weslianny Fernandes Barbosa4
Maria Luiza Rego Bezerra5
RESUMO
O presente estudo aborda a saúde mental em suas facetas mais distintas.Expõe a evolução
recente da legislação em Saúde Mental e como se deu este processo de reforma psiquiátrica
em um contexto mundial, afunilando a abordagem até chegar à situação do nosso país
atualmente. Mostraainda a legislação sob avisão legal, a do paciente e a do profissional da
saúde, buscando maior destaque para o profissional da enfermagem.Informa que, embora a
área psiquiátrica seja considerada uma das mais complexas de se realizar o cuidado, já que os
indivíduos apresentam a capacidade de interpretação da realidade prejudicada, é uma das que
mais necessita de assistência contínua e humanizada, afinal,os casos de reinserção do paciente
com transtorno mental na sociedade são graças ao esforço não só do paciente, mas em grande
parte dos cuidadores deste. Explica ainda a relação entre o que é colocado na Legislação em
Saúde Mental e o cuidado efetivado ao paciente nos diferentes espaços destinados ao
tratamento, seja ele domiciliar/familiar, em Residências Terapêuticas ou nos Centros de
Atenção Psicossocial.Aborda as dificuldades enfrentadas na prestação de cuidados a esses
pacientes, já que os transtornos mentais, embora possuam características definidoras,
dificilmente irão se manifestar com mesma forma e intensidade em pacientes distintos,
tornando o cuidado ainda mais individual e específico. Avalia o papel primordial do
profissional de enfermagem como organizador do cuidado a ser prestado ao paciente bem
como do atuar no cuidado direto, evidenciado, por fim, até aonde vão as incumbências desta
categoria de profissionais.
Descritores:Saúde Mental. Ética em Enfermagem. Legislação.
INTRODUÇÃO
A ética nada mais é do que o conjunto de costumes e hábitos do ser humano que
sustentam a base da vida individual e em sociedade. Esses conjuntos e ações tem um caráter
reflexivo, analisando a influência do código moral nas diferentes facetas da convivência social
_________________________________________________________________________________
1
Graduanda de Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Integrante do
Projeto de Pesquisa na área de Saúde Mental com abordagem em Psiquiatria Infantil.
2
Graduanda de Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA.
3
Graduanda de Enfermagem pela Faculdade de Imperatriz - FACIMP.
4
Graduanda de Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA.
5
Enfermeira. Especialista em Saúde Pública pela PUC - SP. Professora do curso de
Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão - UFMA.
e individual. Essa análise crítica é desenvolvida a partir dos conhecimentos adquiridos através
da educação formal (escolar) e da educação informal, recebida no ambiente familiar e social.
A legislação, segundo o Dicionário Aurélio, é o conjunto das leis sobre determinada
matéria em sua totalidade, no Estado ou em determinada área do Direito. Sendo assim, é
possível associar a ética como a base da legislação, afinal, a maioria das leis tem como base
um costume moral da sociedade.
Trabalhar a ética e a legislação em sociedade têm vários graus de dificuldade, já que
as regras morais acabam variando de indivíduo para indivíduo. No entanto, trabalhar com
indivíduos que não possuem essas regras morais ou que as apresentam de forma discrepante
torna-se ainda mais difícil.
A área de Saúde Mental traz muitos desafios, em especial para os que passam a
maior parte do tempo com estes pacientes. Os avanços crescentes em instrumentos e
tecnologia não tiram do cuidador a responsabilidade do cuidado humanizado. Esse cuidado,
no entanto, é dificultado quando o paciente não possui os princípios de ética e moral seguidos
pela sociedade. Este é o caso do paciente com transtorno mental, um paciente imprevisível,
que reage ao cuidado de forma espontânea e imediata.
A Saúde como um todo também é estruturada por meio de sua legislação específica.
No entanto, a saúde possui várias áreas distintas entre si, e cada uma destas apresenta normas
ainda mais específicas relacionadas ao trato do profissional para com o paciente. Estas normas
variam desde protocolos de procedimentos básicos realizados cotidianamente até questões
mais complexas, como o comportamento do profissional em relação à situação enfrentada
pelo paciente.
Tendo em vista essas questões, o presente artigo visa abordar os primórdios da
legislação em saúde mental, chegando até os dias atuais, observando os avanços mais
destacados e as melhorias que ainda são necessárias.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo bibliográfico sobre a abordagem ética na saúde mental,
buscando as especificações da legislação para o cuidado com o doente mental, avaliando a
evolução desta área em termos de cuidados, leis e resultados,buscando associá-los com os
cuidados reais prestados aos pacientes.
A pesquisa buscou, principalmente: artigoscom uso dos descritores Saúde Mental,
Ética em Enfermagem, Legislação em Saúde Mental e Ética em Saúde Mental; a Legislação
em Saúde Mental do Ministério da Saúde; a Cartilha Direito à Saúde Mental do Ministério
Público Federal; Saúde Mental no SUS: Os Centros de Atenção Psicossocial, desenvolvido
pelo Ministério da Saúde; contando também com o livro A História da Loucura na Idade
Clássica de Foucault.
RESULTADOS
Desde os primórdios da historia humana, os portadores de doenças para as quais não
havia cura conhecida sofriam de preconceito extremo, sendo excluídos da sociedade e
obrigados a viver como e onde fosse determinado. De todas as patologias conhecidas
nopassado, as que sofriam maior preconceito social eram, sem dúvida, as doenças
sexualmente transmissíveis, a lepra (hanseníase) e as patologias que afetavam a mente dos
indivíduos. As condições de vida dos que apresentavam esses tipos de patologia eram
variadas.Às vezes esses indivíduos eram obrigados a vagar a ermo pelas estradas ou
trancafiados em barcos para vagar sem rumo pelos mares; muitos viviam trancafiados em
casas de internamento lotadas de outros com a mesma condição patológica, mas o mais
comum em civilizações inteiras antes dos avanços promissores da medicina, ou de suas
tentativas mais esforçadas, era a simples execução do doente, já que não se acreditava no
alcance de cura para aquele mal.
Em seu livro A História da Loucura, Foucault afirma que as casas de internamento
foram instituídas primariamente para conter os leprosos em um único ambiente.No entanto, a
partir do século XV, o problema relacionado a lepra vai desaparecendo aos poucos, devido às
mudanças de pensamento e a compreensão de que o confinamento não era a única solução em
tratamento para essa patologia. Assim, os antes chamados leprosários passam a ser ocupados
pelos acometidos por doenças venéreas, mas o numero de doentes cresce cada vez mais e
cresce a necessidade de novos centros de internamento.
Enquanto isso, a sociedade passa por um período de exploração da loucura. Os
loucos, que antes eram executados ou forçados a vagar sem rumo, seja pelas estradas ou pelo
mar, começam a intrigar até os maiores pensadores da época. Para Erasmo de Roterdã, a
loucura é caraterizada por um homem iludido em si mesmo, quando este cria uma realidade
para si que difere da realidade do mundo. Já até meados do século XVIII a loucura passou a
ser caracterizada como a razão em essência, o louco era reconhecido como capaz de expressar
a razão viva e oculta no restante dos homens.
Mas foi a partir do século XVIII que a loucura passou a ser relacionada com a
aparência de crime, pois o individuo possuía uma falsa percepção dos sentidos. A loucura
deixou de ser a essência da razão para ser o completo oposto, a falta dela. Descartes então
afirma que a razão é o único modo de se chegar à verdade, e por isso a loucura é transportada
definitivamente para o mundo dos sonhos e do erro.
Com o avanço dos conhecimentos médico-científicos, todos os tipos de males foram
considerados comodoença, por isso doenças venéreas passaram a exigir tratamento e estes
doentes foram transportados das casas de internação para os hospitais, onde receberiam
atendimento médico. Desocupadas, as casas de internação passaram a ser utilizadas como
casas de correção, para onde os loucos eram dirigidos. Apesar do caráter cientifico da loucura
como doença mental, ainda arraigava-se a associação do demoníaco ao estado da crise.
Os loucos internados ali eram utilizados como mão de obra escrava, havendo locais
que tratavam a loucura como mero capricho humano. Em Paris, por exemplo, os internados
que não conseguiam retomar seu lugar na sociedade eram chicoteados em locais públicos,
marcados, expulsos e, por fim, destinados à forca ou guilhotina.
Além disso tudo, a grande quantidade de casas de correção não contou o
fornecimento adequado de alimentos, produtos de higiene, artigos de saúde enem mesmo com
profissionais habilitados. Assim, além da segregação social, dos castigos e do trabalho
escrevo, o louco vivia em condições de vida precárias, sem contar com atendimento de saúde
adequado ou mesmo com qualquer tipo de cuidado especializado, pois o atendimento médico
era fornecido apenas duas vezes por semana.
Mesmo quando as casas de correção desapareceram por volta do século XIX e os
loucos foram internados em hospitais gerais, a situação pareceu não melhorar. O aspecto
destes era semelhante às prisões, e o grande número de pacientes gerava um amontoado de
indivíduos em espaços minúsculos.
Foi graças a Philippe Pinel, no início do mesmo século, que a saúde mental iniciou
seu avanço lento na direção das mudanças de pensamento e tratamento. Pinel desvinculou a
loucura da tradição demoníaca e a considerou como uma doença mental. A partir da
observação do comportamento dos doentes mentais, ele foi capaz de ordenar sintomas e
alterações psicopatológicas em maiores detalhes, catalogando as diferentes lesões de funções
mentais em relação às causas. Ele iniciou ainda um tratamento que consistia na reforma dos
hábitos e costumes deste paciente, buscando interromper as influências negativas que estes
exerciam sobre a saúde mental do mesmo.
Depois de Pinel, a loucura passou a ser classificada em diferentes tipos, havendo
pesquisas específicas para estes aspectos na população de doentes. Kraepelin iniciou
descrições detalhadas dos tipos de loucura, classificou e investigou as causas de cada um e o
modo como transcorria a doença. Sigmund Freud foi o criador da psicanálise e mestre de
vários outros pesquisadores desta vertente da saúde.
Mas apesar dos diferentes tipos de estudos, os loucos continuavam em situações
precárias e recebiam tratamentos não tão eficazes quanto deveriam. Assim, após a Segunda
Guerra Mundial, a crescente constatação da dificuldade dos modelos asilares no cuidado aos
pacientes com transtornos mentais foi gerando discursões cada vez mais significativas, até que
na década de 60 iniciou-se movimentos em toda a Europa e EUA contra a institucionalização
dos doentes mentais e a implementação de outros métodos de cuidados a serem prestados fora
do hospício, como a psicoterapia institucional e as comunidades terapêuticas, atingindo seu
ápice com as terapiasfamiliares.
No Brasil, no entanto, na década de 70, o modelo implementado ainda era o de
hospícios, tomando impulso durante o processo de industrialização. Enquanto o mundo estava
focado na desinstitucionalização, o Brasil investiu nos cuidados psiquiátricos aumentando o
numero de leitos dos hospícios e multiplicando a rede privada. Esses investimentos causaram
afluxo de pacientes para o setor privado da assistência psiquiátrica, duplicando o número de
pacientes atendidos, enquanto a rede pública mantinha um fluxo psiquiátrico estável.
Mas a partir de 1978 há o início efetivo do movimento social em favor destes
pacientes. No início dos anos 80 passam a surgir as primeiras propostas e ações para
reorientar a assistência, em 1987 o II Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores
em Saúde Mental adota o lema “Por uma sociedade sem manicômios”, acontecendo também
neste ano a I Conferência Nacional de Saúde Mental.
Neste mesmo ano há a implementação do primeiro CAPS no Brasil, na cidade de São
Paulo; dois anos depois a Secretaria Municipal de Saúde de Santos intervém em um hospital
psiquiátrico local, onde ocorriam maus tratos e até morte de pacientes. Após esta intervenção,
foi confirmada a possibilidade de construção de outra rede de cuidados que substituíssem os
manicômios. Ainda em 1989, o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado dá entrada no
Congresso Nacional. Ele propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos
mentais e a extinção dos manicômios no país de forma progressiva.
No ano anterior, com a Constituição de 1988, é criado o SUS – Sistema Único de
Saúde, que é formado pela participação das três esferas de gestão (federal, estadual e
municipal) sob o poder dos Conselhos Comunitários de Saúde, regulamentado pela Lei nº
8.080/1990. Em 1992, os movimentos em prol dos pacientes psiquiátricos conseguem aprovar
as primeiras leis que determinam a substituição dos hospitais psiquiátricos por uma rede de
assistência integrada à saúde mental.
Nesse período, tem início a implantação e expansão dos diferentes serviços de
assistência ao paciente com transtorno mental, como os CAPS, NAPS e Hospital-dia, bem
como as primeiras normas de fiscalização e classificação dos mesmos. No entanto, essa
expansão não é contínua, pois, embora toda a estrutura legislativa esteja formada, ainda não
há uma rede de financiamento direcionada a esses serviços.
É só em 2001 que a Lei proposta por Paulo Delgado em 1989 é sancionada no país,
mas com modificações importantes no texto. Esta lei substitutiva não apresenta como será
realizada a extinção progressiva dos manicômios. Ainda assim, a sanção desta lei dá novo
impulso às mudanças que já estão em curso no país, como a criação de linhas especificas de
financiamento para os programas já em funcionamento; novos mecanismos de fiscalização e
redução programada de leitos entram em vigor; há a criação do programa “De Volta para
Casa”, impulsionando o processo de desinstitucionalização; e a incorporação de politicas
relacionadas à questão do álcool e outras drogas.
É nesse período também que a Reforma Psiquiátrica se consolida como politica
oficial do governo federal. É importante lembras que dois movimentos continuam
acontecendo no país até hoje simultaneamente: por um lado, a construção da rede de atenção à
saúde mental que substitua o modelo da internação hospitalar, e, por outro, a fiscalização e
redução progressiva e programada dos leitos psiquiátricos existentes.
O processo de mudanças ocorridas ainda é lento, e apesar dos serviços já estarem
implementados, carecem de constante reflexão quanto às praticas e cuidados prestados, a fim
de não retornarem à lógica do manicômio. Devido a algumas das influências acima citadas, o
Brasil ainda hoje possui dificuldades em atender a demanda de pacientes psiquiátricos de
forma eficaz. Assim, a reforma psiquiátrica possui agora o objetivo primordial de tentar
integrar esse doente à sociedade o máximo possível.
O novo modelo implementado de atenção à saúde mental incorpora o cuidado não só
do profissional para o doente, mas busca a integração do paciente no ambiente familiar e
social, trabalhando não só com o doente mental, mas com os que o cercam. O
acompanhamento do ambiente em que o paciente vive e a educação permanente em saúde dos
que com ele convivem contribui para o aumento das chances de reabilitação deste de volta à
sociedade.
Um dos programas, utilizado pelo novo modelo de assistência ao paciente com
transtorno mental,é a instalação de Residências Terapêuticas. Estas nada mais são do que
casas no espaço urbano criadas para prover moradia a pacientes com transtorno mental grave
que não possuem suporte familiar. Elas têm como objetivo impulsionar os moradores no
processo de reintegração à comunidade, podendo contar com, no máximo, oito moradores.
Cada uma é ligada a um CAPS e deve contar com apoio de pelo menos um cuidador para as
necessidades diárias que os usuários ainda forem incapazes de realizar.
Outro programa utilizado, e por sinal um dos mais efetivos na reintegração social dos
indivíduos, é o Programa de Volta para Casa. Os pacientes com longo histórico de internação
recebem um auxílio-reabilitação de R$240,00 mensalmente para voltarem para os familiares e
reintegrarem-se à sociedade. O local para onde o paciente irá se deslocar deve conter uma
estratégia de acompanhamento e uma rede de saúde capaz de atender efetivamente a demanda
de saúde mental. Uma das maiores dificuldades da implementação deste programa é a longa
exclusão social sofrida pelos pacientes, muitos dos quais não possuem documentos mínimos
para dar entrada no programa, e numa tentativa de auxiliar estes pacientes sem identificação,
alguns municípios estruturam mutirões visando a identificação do maior número de pacientes
possível, possibilitando que mais indivíduos possam aderir a programas de inclusão social e
tenham garantia dos direitos inerentes a qualquer cidadão.
O Ministério público, em parceria com diversos colaboradores, criou a Cartilha:
Direito à Saúde Mental. Nela diversos profissionais se unem para explicar os diferentes
aspectos da saúde fornecida de forma integral, quais os direitos do paciente com transtorno
mental, quais as formas de tratamento oferecidas, quais as maiores dificuldades relacionadas
aos cuidados com o paciente, como e quando internar alguém com transtorno mental, quais as
medidas tomadas quando um paciente comete um crime, qual a relação do álcool e drogas
com a saúde mental, e explicações sobre os prontuários e o atendimento.
Para a família do paciente, embora existam muitas dificuldades, há a disponibilização
cada dia maior de material explicativo de como lidar com o paciente com transtorno mental
como o abordado acima, educação continuada em saúde por profissionais capacitados para
melhorar o convívio e a qualidade do cuidado prestado por parte do cuidador leigo, bem como
métodos que auxiliam os familiares a reinserirem o doente mental na sociedade de forma
gradativa e eficiente.
O paciente é amparado por leis em seus mais diversos sentidos, desde o atendimento
no domicilio até técnicas de educação aos próprios pacientes em Centros de Atenção
Psicossocial. Os profissionais são capacitados a reconhecerem os diferentes tipos de
transtorno mental e saber como atuar diante de cada uma das situações que lhe são
apresentadas diariamente. No entanto, mesmo com os maiores avanços em termos legislativos
ou mesmo de implantação de recursos e programas revolucionários, o cuidado não será
efetivo se não for humanizado.
Estes pacientes precisam ser tratados de forma acolhedora e que os valorize pelo que
são. Devem ser ouvidas e reconhecidas em suas necessidades e vontades, principalmente em
seu próprio tratamento, permitindo e promovendo melhorias em sua própria vida.Quando há
notícias de maus tratos ou violação de direitos, este paciente deve ser imediatamente
protegido, numa tentativa de impedir o agravamento da situação em que seencontra. Em
seguida, o caso deve ser registrado em forma de denúncia nos órgãos públicos e entidades que
defendam os direitos humanos. Se a violação ocorreu em algum serviço de saúde, a denúncia
deve ser encaminhada aos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde. Se possível,
deve ser encaminhada ainda para o disque-denúncia, ouvidorias das Secretarias de Saúde e do
Ministério da Saúde. Em parte, o paciente mental possui necessidade diferenciadas,
relacionadas a sua deturpação da realidade, mas ainda assim ele possui direitos inerentes a
qualquer cidadão como já foi exposto.
Os cuidados diferenciados ao paciente são especialmente quando este se apresenta
em crise. Em primeiro lugar, é importante acolher e respeitar o indivíduo, mesmo em crise,de
preferênciapor alguém com um vínculo de confiança e de afeto com o paciente. Depois, o
paciente deve ser encaminhado,assim que possível, para um CAPS; nos municípios onde o
CAPS ainda nãoexiste, é preciso garantir atendimento integral à pessoa com transtorno mental
nos HospitaisGerais e, quando for necessária a internação, o paciente deve ficar apenas pelo
tempo estritamente necessário.
No início, o cuidado do paciente era realizado pelos mais diversos tipos de pessoas,
desde irmãs de caridade, que ofereciam seu trabalho voluntário, a ex-pacientes. Com o
desenvolvimento de novas formas de cuidar, a enfermagem incorporou-se na área psiquiátrica
sendo responsável por auxiliar o profissional médico, manter a higiene do paciente e aplicar
medidas hidroterápicas, inicialmente, passando a desenvolver a tarefa de vigilância e
manutenção da vida do paciente. Com a introdução de tratamentos mais invasivos, foi exigido
que o saber do profissional de Enfermagem fosse mais qualificado e específico, fazendo com
que a prática adquirisse o aspecto científico necessário.
O avanço da assistência prestada aos pacientes forçou a evolução dos conhecimentos
do profissional nesta categoria, incorporando ao saber cientifico uma abordagem psicológica e
social. Uma das pioneiras à assistência de enfermagem ao paciente psiquiátrico foi Hildegar
Peplau, que formulou a Teoria das Relações Interpessoais. Nesta teoria, ela observou a
relação entre o enfermeiro e o paciente, relatando que a medida que a interação entre estes
aumenta, a compreensão das respectivas responsabilidades por parte de ambos é evidenciada.
Esse foi o primeiro dos modelos teóricos sistematizado para a Enfermagem
psiquiátrica, fazendo com que a busca de explicações seguisse dois discursos: o psiquiátrico,
abordando os aspectos da doença em si, e o psicológico, buscando as relações humanas e
aspectos comportamentais dos indivíduos. A partir daí, o profissional em enfermagem passou
a ser reconhecido como membro integrante da equipe psiquiátrica.
Nos anos 70, a enfermeira Joice Travelbee, dos Estados Unidos, abordou a relação
pessoa a pessoa que deve ocorrer nesta profissão. Ela combina teorias existenciais e
humanistas, focalizando a busca do ser humano pelo significado da vida e seu sofrimento a
partir disso. No mesmo período, destaca-se a enfermeira Maria Aparecida Minzoni, no Brasil,
que se preocupou com a humanização da assistência ao doente mental. Além da contribuição
no campo da assistência e do cuidado direto, Minzoni também contribuiu com sua atuação nos
campos de ensino e pesquisa em Saúde Mental, contribuindo para o crescimento da
enfermagem psiquiátrica aqui no Brasil.
Villela e Scatena (2004), afirmam que:
“As funções do enfermeiro estão focadas na promoção da saúde
mental, na prevenção da enfermidade mental, na ajuda ao doente a enfrentar as
pressões da enfermidade mental e na capacidade de assistir ao paciente, à
família e à comunidade, ajudando-os a encontrarem o verdadeiro sentido da
enfermidade mental. Para o enfermeiro realizar suas funções, deve usar a
percepção e a observação, formular interpretações válidas, delinear campo de
ação com tomada de decisões, planejar a assistência, avaliar as condutas e o
desenvolvimento do processo. Essas ações fazem parte do processo de
enfermagem, devendo direcionar o relacionamento interpessoal e terapêutico.”
A enfermagem trabalha não só no ambiente de cuidado direto para com o paciente,
ela trabalha com os familiares, com a promoção e prevenção de saúde, com as dificuldades
ocasionadas pelo transtorno mental ao paciente e aos familiares, bem como auxilia no
processo de reinserção deste na sociedade e no ambiente familiar. Ela também planeja as
ações, toma decisões, avalia e implementa os cuidados planejados e ainda encontra tempo
para ouvir, respeitar e acolher o paciente em suas dificuldades, relacionadas a qualquer dos
fatores que este julgar importante.
CONCLUSÕES
A enfermagem vem sendo reconhecida a cada dia pelo seu papel de cuidado
fundamental para o estado de melhoria contínua do paciente. Este cuidado deve ser sempre
reavaliado, impulsionando o profissional a ser mais humano no cuidado prestado, a ser
criativo, a refletir no que é oferecido a seus pacientes e observar este processo de cuidados
como algo mutável, necessitando sempre de novas informações e métodos inovadores para
torna-lo cada vez mais dinâmico.
Observar o paciente como um cidadão, que possui direitos iguais aos de qualquer
outro, é também parte importante da assistência de enfermagem. Manutenção do vínculo com
o paciente, bem como medidas que preservem o ambiente terapêutico estável, intervindo com
a equipe multidisciplinar sempre que for necessário, nunca estendendo o tempo de internação
necessário à reabilitação do paciente, são medidas que valorizam o paciente como cidadão e
como participante do próprio processo de tratamento.
Valorizar o indivíduo é uma das medidas mais eficazes de estabelecer vínculos com
estes, e um vínculo bem estabelecido permitirá ao profissional uma maior clareza no
momento do planejamento das ações a serem realizadas no paciente e pelo próprio paciente,
bem como medidas necessárias para evitar os momentos de crise ou diminuir suas
intensidades. As ações do profissional devem sempre estar de acordo com o modelo descrito
pela reforma psiquiátrica, pelo código de ética e as legislações vigentes, trazendo melhorias
para a condição de saúde do paciente e respaldo para a categoria profissional que há 40 anos
atua no Brasil como principal elo entre o saber técnico-científico e o cuidado humanizado
para com o paciente.
REFERÊNCIAS
1. AZEVEDO,
Thaís;
DIMENSTEIN,
Magda.
O
ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO NO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL. Estudos e Pesquisas em
Psicologia, UERJ, RJ, Ano 8, n.3, p. 658-671, 2° Semestre de 2008
2. BARROS, Sônia; EGRY, Emiko Yoshikawa. A ENFERMAGEM EM SAÚDE
MENTAL NO BRASIL: A NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE NOVOS
CONHECIMENTOS. Saúde e Sociedade 3(1):79-94, 1994
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de
Saúde Mental. REFORMA PSIQUIÁTRICA E POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL
NO BRASIL. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços
de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. LEGISLAÇÃO EM SAÚDE
MENTAL – 2004 A 2010. Edição XII Colegiado de Coordenadores de Saúde Mental.
257 p. Brasília, Ministério da Saúde. 2010.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. LEGISLAÇÃO EM SAÚDE
MENTAL 1990-2002/Ministério da Saúde, Secretaria Executiva – 3. ed. Revista e
atualizada. – Brasília: Ministério da Saúde, 2002
6. Brasil. Ministério Público Federal. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.
CARTILHA: DIREITO À SAÚDE MENTAL.
7. BRAZ; Marlene; SCHRAMM, Fermin Roland. BIOÉTICA E PESQUISA EM SAÚDE
MENTAL. Ciência & Saúde Coletiva, 16(4):2035-2044, 2011
8. CANABRAVA, DS, et al. TRATAMENTO EM SAÚDE MENTAL: ESTUDO
DOCUMENTAL DA LEGISLAÇÃO FEDERAL DO SURGIMENTO DO BRASIL
ATÉ 1934. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2010;12(1):170-6. Disponível em:
http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n1/v12n1a21.htm
9. COSTA, José Raimundo Evangelista da; ANJOS, Márcio Fabri dos; ZAHER, Vera Lúcia.
PARA COMPREENDER A DOENÇA MENTAL NUMA PERSPECTIVA DE
BIOÉTICA. Centro Universitário São Camilo - 2007;1(2):103-110
10. ÉTICA E BIOÉTICA: DESAFIOS PARA A ENFERMAGEM E A SAÚDE /
organizadoras Taka Oguisso, Elma Lourdes Compos Pavone Zoboli. – Barueri, SP:
Manole, 2006. – (Série enfermagem)
11. FOUCAULT, Michel. A HISTÓRIA DA LOUCURA NA IDADE CLÁSSICA. 1997.
São Paulo, Perspectiva.
12. GUEDES, Ariane da Cruz; KANTORSKI, Luciane Prado; PEREIRA, Patrícia
Mirapalheta; CLASEN, Bianca Neme; LANGE, Celmira; MUNIZ, RosaniManfrin. A
MUDANÇA
NAS
PRÁTICAS
EM
SAÚDE
MENTAL
E
A
DESINSTITUCIONALIZAÇÃO: UMA REVISÃO INTEGRATIVA. Rev. Eletr. Enf.
[Internet].
2010;12(3):547-53.Disponível
em:
http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3a19.htm
13. Oliveira AGB, Alessi NP. O TRABALHO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE
MENTAL: CONTRADIÇÕES E POTENCIALIDADES ATUAIS. Rev Latino-am
Enfermagem 2003 maio-junho; 11(3):333-40.
14. SAMPAIO, José Jackson Coelho; GUIMARÃES, José Maria Ximenes; CARNEIRO,
Cleide; FILHO, Carlos Garcia. O TRABALHO EM SERVIÇOS DE SAÚDE
MENTAL NO CONTEXTO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA: UM DESAFIO
TÉCNICO, POLÍTICO E ÉTICO. Ciência & Saúde Coletiva, 16(12):4685-4694, 2011
15. SILVA, Thaís Valente; DEVEZAS, Ana Lúcia. A ÉTICA NO CUIDAR EM
ENFERMAGEM. 61° Congresso Brasileiro de Enfermagem, Fortaleza (CE) 2009 dez
16. SOUZA, Aline de Jesus Fontineli; MATIAS, Gina Nogueira; GOMES, Kenia de Fátima
Alencar; PARENTE, Adriana da Cunha Menezes. A SAÚDE MENTAL NO
PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA. RevBrasEnferm, Brasília 2007 jul-ago;
60(4): 391-5.
17. VILLELA, Sueli de Carvalho; SCATENA, Maria Cecília Moraes. A ENFERMAGEM E
O CUIDAR NA ÁREA DE SAÚDE MENTAL. RevBrasEnferm, Brasília (DF) 2004
nov/dez;57(6):738-41
Download

os desafios no cuidado ao paciente com transtorno mental