Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto Relações familiares, gênero e emancipação psicossocial André Masao Peres Tokuda1 Caio Andrêo Silva2 Para problematizar as intersecções entre relações familiares, gênero e emancipação psicossocial, nos apropriamos da ideia de família como sendo um produto de formas históricas de organização entre os seres humanos e não consistindo somente de referencias biológicas e naturais. Sendo assim, podemos entender que a formação da família vem se modificando em diferentes contextos sócio-históricos e culturais, dando visibilidades para diversas representações sociais do que seja a família. No entanto, a ideia de família que prevalece diz respeito ao modelo heteronormativo procriativo e cristão, um modelo normativo ideal que produz indivíduos úteis e dóceis, o que não significa que ele abarque todas as diversas formas de organizações familiares atuais, nem mesmo as mais predominantes (UZIEL, 2004; ZAMBRANO, 2011). De modo esclarecedor Joan Scott (2005), se apropria dos apontamentos feitos por Netting, Wilk e Arnould (1984) e define o conceito de família como sendo: Família remete à incorporação de relações de consanguinidade e aliança em torno da normatização de identificação de pares com relações sexuais estabelecidas, que empregam noções hierarquizadas de gênero, de geração e de idade para construir referências de pertencimento social a grupos. Desta forma, quem faz parte da família produz, reproduz, distribui, herda e reside [...] (SCOTT, 2005, p.79) 1 Graduando em Psicologia pela Faculdade de Ciências e Letras de Assis (UNESP). E-mail: [email protected] 2 Graduando em Psicologia pela Faculdade de Ciências e Letras de Assis (UNESP). E-mail: [email protected] 1 Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto De modo bastante ampliado Joan Scott (2005) afirma que o termo família pode remeter tanto a um grupo, uma linha ou uma rede de parentes e mesmo a uma noção de solidariedade. Na Idade Média não existia a divisão do espaço privado e público, ocorrendo uma mistura do cotidiano dos mesmos. A partir do século XVIII, houve uma transformação, na qual a vida familiar se tornou predominantemente privada, favorecendo tanto o exercício da proteção social como a regulação da vida familiar (MAGALHÃES, 2001). Desta forma, estes sujeitos eram (e ainda são) atravessados por ordens normativas que definem os lugares, discursos e posições políticas que os mesmos devem assumir, para que as ordens dadas pelo biopoder e os processos de captura e regulação biopolítica seja mantidas (FOUCAULT, 1988, 2008). Os conceitos de biopoder e biopolítica surgiram com Michel Foucault (1988) na sua obra “História da Sexualidade I: a vontade de saber”, os termos são utilizados para nomear os poderes que se exercem sobre a vida e seus viventes. Assim como aponta André Duarte (2008), o que se produz por meio da atuação específica do biopoder e da biopolítica não é só o indivíduo dócil e útil, mas a própria gestão da vida do corpo social, ou seja, a regulação da sociedade. Nesse sentido, a família é chamada para organizar o seu próprio modo de viver, num contínuo crescente, em direção à esfera privada, criando um modelo hegemônico de família, presentes nas sociedades industriais modernas, o da família conjugal burguesa, a qual valoriza o espaço de acolhimento, segurança e cuidado, de transmissão da cultura e valores, de garantia de educação, o que ainda ocorre nos dias atuais (UZIEL, 2004; ZAMBRANO, 2011). No entanto a família nuclear burguesa, que se tem a idéia ilusória de maiores garantias de felicidade, está se tornando uma configuração cada vez mais minoritária (FONSECA, C., 1995). Partindo dessa ideia, notamos o surgimento de diferentes configurações familiares, entre elas as monoparentais, as recompostas e as homoparentais (ZAMBRANO, 2011). 2 Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto Alguns fatores contribuíram para a decadência da família nuclear e do patriarcado, até então considerados normais e naturalizados, e entre estes fatores podemos apontar: os movimentos feministas, o aparecimento dos anticoncepcionais, a entrada das mulheres no mercado de trabalho e a perda do espaço da idéia de família considerada somente com norma biológica, para uma família na qual a parentalidade se torna o eixo principal, ou seja, o cuidado cotidiano e a convivência é que se tornam significados de família (PEREIRA; BOURGET, 2010; UZIEL, 2004; ZAMBRANO, 2011). Na Roma Antiga a família concretizou-se, centrada no homem, sendo as mulheres consideradas meras coadjuvantes. O patriarca - o patriarcado não designa o poder do pai, mas o poder dos homens, ou do masculino, enquanto categoria social - tinha sob seu poder a mulher, os filhos, os escravos e os vassalos, além do direito de vida e de morte sobre todos eles. A autoridade do patriarca sobre os filhos prevalecia até a morte do patriarca, que poderia, inclusive, transformar seu filho em escravo e vendê-lo (XAVIER, 1998). Desta forma, as mulheres não tinham nenhum valor, assim legitimando o controle da sexualidade e dos corpos ao homem, o que fez com que o masculino tivesse vantagens e controle dos papéis sexuais e sociais (SCOTT, 1995). A história da construção de um modelo familiar no Brasil também teve como ponto de partida o modelo patriarcal, introduzido pela colonização e adaptado a sociedade brasileira da época (latifundiário e escravagista) (XAVIER, 1998). A diluição do patriarcado rural, que ocorreu em diversas regiões brasileiras, não transformou a mentalidade patriarcal que permaneceu e ainda prevalece na vida e na política brasileira, presentes nas expressões do coronelismo, do clientelismo e do protecionismo (CHAUÍ, 1989). Podemos ver através dos preconceitos que ainda existem contra a mulher que a família patriarcal foi uma das matrizes de nossa organização social. O Código Civil Brasileiro, de 1916, era patriarcal e paternalista, e desta forma a mulher casada só poderia trabalhar com a autorização do seu marido (NARVAZ; KOLLER, 2006). No governo de Getúlio Vargas, uma nova constituição assegurou o voto da mulher e em 1941 foi regulamentado o trabalho feminino. Mas, em 1945, durante o Estado de Bem-Estar Social o cuidado do lar era deixado como responsabilidade absoluta para as 3 Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto mulheres. Somente em 1962 foi permitido que mulheres casadas pudessem ter autonomia de escolhas e poder trabalhar sem a autorização de seus maridos (NARVAZ; KOLLER, 2006). A consolidação de alguns direitos femininos só vem com a Constituição Federal de 1988 e o Novo Código Civil Brasileiro, de 2002. No Novo Código, a família não seria mais governada somente pelo pátrio poder, ou seja, pelo poder do pai, mas pelo pater familiae, que pressupõe a igualdade de poder entre os membros do casal (BRASIL, 1988, 2002). Também na Constituição Federal Brasileira, de 1988, houve a institucionalização dos direitos humanos no país, o princípio constitucional que defende e garante a igualdade de direitos entre homens e mulheres (BRASIL, 1988). No entanto, a eqüidade, para as mulheres, ainda é ficção. Muitas mulheres ainda desconhecem seus direitos, apesar das conquistas sociais e políticas das últimas décadas (STREY, 2000). Essas mulheres seguem acumulando papéis na distribuição de tarefas doméstica, tendo dupla jornada de trabalho, com o cuidado da casa e dos filhos (NARVAZ; KOLLER, 2006). Nesse sentido, ainda, o patriarcado participa da estrutura da sociedade civil capitalista. Este patriarcado moderno modificou sua configuração, mas manteve as premissas do pensamento patriarcal tradicional nos modos de regulação das relações entre homens e mulheres, assim como, na formatação da própria família (MACHADO, 2000). Com isso, como coloca Carol Pateman (1993, p.167): [...] o poder natural dos homens como indivíduos (sobre as mulheres) abarca todos os aspectos da vida civil. A sociedade civil como um todo é patriarcal. As mulheres estão submetidas aos homens tanto na esfera privada quanto na pública. Alguns estudos com famílias brasileiras (NARVAZ; KOLLER, 2006; SALEM, 2004) demonstram existir, ainda, estigmas acerca da divisão do trabalho dentro do ambiente doméstico de acordo com o sexo da pessoa - a mãe deve cuidar dos filhos e o pai deve prover o sustento, ensinar a disciplina e tem toda a autoridade. 4 Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto A participação dos homens nas famílias de baixa renda, segundo Tânia Salem (2004), também persiste o modelo do homem como provedor financeiro e de autoridade, no entanto segundo o estudo da autora citada, o estigma presente nas expressões do tipo “lugar de mulher é dentro de casa” é maior do que em outras classes sociais (FONSECA, T. M. G., 2000). A ideia de estigma aqui utilizada como marcador social provém de Peter Aggleton e Richard Parker (2001) que propõem que ao invés de estigma seria mais interessante falarmos de processos de estigmatização, pois: [...] o estigma representa um papel central nas relações de poder e de controle em todo os sistemas sociais. Faz com que alguns grupos sejam desvalorizados e que outros se sintam de alguma forma superior. Em última análise, portanto, estamos falando de desigualdade social. Para confrontar e entender corretamente as questões de estigmatização e da descriminalização [...] é necessário, portanto, que pensemos de maneira mais ampla sobre como alguns indivíduos e grupos vieram a se tornar socialmente excluídos, e sobre as forças que criam e reforçam a exclusão em diferentes ambientes. (AGGLETON; PARKER, 2001, p. 11 – 12). Com isso podemos comprovar que, mesmo com as transformações da configuração da família, os modelos normativos de família “recomendados” pela sociedade não correspondiam, e ainda não correspondem, à realidade das configurações existentes na sociedade contemporânea e em outros contextos sócio-históricos.. Neste sentido as configurações/composições familiares foram e vão sendo traçadas, pois são múltiplos os encontros e fluxos de suas configurações, formando o que Deleuze e Guattari (1995) chamaram de rizoma, termo que é “emprestado”, por esses autores da botânica, no qual este é definido pelos feixes de linhas que compõe verdadeiras redes sem um eixo principal; de modo complementar estes autores, ao falar de rizoma, nos informam que o mesmo: 5 Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto [...] não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda. Ele constitui multiplicidades lineares a n dimensões, sem sujeito nem objeto [...]. Oposto a uma estrutura, [...], o rizoma é feito somente de linhas. [...] O rizoma é uma anti genealogia. É uma memória curta ou uma anti memória. O rizoma procede por variação, expansão, conquista, captura, picada. [...], o rizoma se refere a um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga. [...] unicamente definido por uma circulação de estados [...] todo tipo de “devires”. (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 32) Assim, ao invés de pensarmos em famílias com contornos limitados e fechados em si, como é a família nuclear burguesa reprodutiva, entendemos que ao considerar a ideia de cruzamentos de múltiplos componentes de subjetivação que se ligam, desligam e religam, influenciando a construção da subjetividade dos sujeitos, não haverá um modelo único de família (DELEUZE; GUATTARI, 1995), permitindo falarmos de “rizomas familiares”. Problematizando o território geopolítico e existencial: os processos de emancipação. A partir das intervenções realizadas pelo Projeto Clínica Trans-disciplinar um grupo de alunos pelo qual atuamos como estagiários - através do estágio curricular do curso de Psicologia, da UNESP (Universidade Estadual Paulista) campus de Assis – temos realizado atendimentos psicossociais em um bairro periférico da cidade de Assis, atravessada por diversos problemas de ordem social, econômica, política e cultural. Encontramos um cenário composto de prostituição, tráfico e uso de drogas ilícitas, desempregos, trabalho de baixa remuneração, violências, falta de lugares para o lazer da população, ou seja, falta de políticas públicas que visem o bem-estar biopsicossocial desta comunidade. A idéia de problematizar a respeito das intersecções entre relações familiares, gênero e emancipação psicossocial, em destaque das mulheres, surgiu através dos 6 Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto atendimentos realizados durante o estágio no bairro – pronto atendimento, visitas domiciliares, oficinas terapêuticas, acompanhamento terapêutico, atendimento domiciliar, em questão. Podemos notar que as mulheres deste bairro cada vez mais vêm ganhando espaço no mercado de trabalho e nos modos de poder na família, no entanto algumas dessas mulheres continuam subjugando o poder adquirido de atuação, tendo muitas dificuldades para ocupar novos lugares nas relações de poder, pois ainda predomina o ranço normativo de que devem ser responsáveis pela família, obrigadas a cuidar do marido e da educação das (os) filhas (os), como obrigatoriedades decorrentes de serem mulheres, nem sempre conseguindo sentir-se completa e emancipada, mesmo porque, isso implica em reivindicações e negociações permanentes. Através do acesso a outros trabalhos que abordam essa questão (SCOTT, 2005; SCAVONE, 2005; BATISTA, 2010), pudemos perceber que o cenário que encontramos no bairro, não foge da realidade de outros territórios brasileiros, conforme podemos constatar pelas pesquisas coordenadas por Sônia Maluf e Carmem Tornquist, compiladas e publicadas no livro Gênero, Saúde e Aflição: abordagens antropológicas (2010). Nessa realidade cartografada é notória a entrada das mulheres no mercado de trabalho, exercendo jornada de trabalho igual ao dos homens, no entanto quando voltam para casa, precisam lavar e passar roupa, fazer almoço e jantar, limpar a casa sem a ajuda dos maridos e dos filhos homens, muitas vezes, sem poder reclamar. Dentro desse cenário, há ainda aquelas que sofrem diversos tipos de violências, sejam elas de ordem doméstica, sexual, geracional e/ou de gênero, em níveis emocionais, físicos e morais – ou tudo junto - o que vem a fortalecer ainda mais a submissão com relação ao homem, contribuindo para uma baixa auto-estima, perda da crença em si mesma, entre outros problemas. Neste território existem cenários de lutas de gênero nas famílias, as quais em sua maioria são ainda de ordem patriarcal, mas conseguimos notar linhas de fugas, as quais as mulheres que tem acesso a bens e serviços de qualidade, informações sobre direitos sexuais e humanos, ações de empoderamento social e político, assim como, disponibilidade e desejo de mudança, ampliam seus universos de referencias existenciais e dessa forma adquirem autonomia sobre suas vidas e algumas vezes o poder na família. 7 Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto Em um dos atendimentos realizado na unidade de saúde da família, uma mulher de 46 anos, relata que trabalhava desde o período da manhã até a tarde e se orgulhava por sempre fazer todos os serviços domésticos sozinha, mas quando ficou “doente” ficou algum tempo sem conseguir fazer os mesmo serviços, o que para ela não era bom, pois era um dever seu cuidar da casa, e por si mesmo, disparador de culpabilização e impotências. Após alguns meses relata que estava melhor e como medidor de sua melhora, de estar e se sentir bem, disse que já conseguia fazer os serviços domésticos, e, que, embora devagar já estivesse cumprindo suas obrigações. Podemos ver desta forma, como o patriarcado e a normatividade habitam o imaginário dessas pessoas, como ainda estão presentes em nossa sociedade, assim como também apontou as pesquisas e estudos realizados por Martha Narvaz e Sílvia Koller (2006). Aqui fica patente a assertiva feita por Gilles Deleuze (1990) quando afirma que: Acreditar no mundo é o que mais nos falta; perdemos o mundo, ele nos foi tomado. Acreditar no mundo é também suscitar acontecimentos, mesmo que pequenos, que escapem do controle, ou então fazer novos espaços-tempos, mesmo de superfície e volume reduzidos... É no nível de cada tentativa que são julgadas a capacidade de resistência ou, ao contrário, a submissão a um controle. São necessários, ao mesmo tempo, criação e povo. (DELEUZE, 1990, p. 03) No entanto conseguimos apontar linhas de fuga neste atendimento, quando essa mulher relata que pediu para o marido contratar uma pessoa para passar as roupas da família, pois não iria continuar passando roupa naquele momento. Importante esclarecer que para que ela tomasse essa decisão teve que rever muitos de seus valores, o que por sua vez implicou em enfrentamentos de ansiedades, angústias, inseguranças e impotências, nada fáceis considerando os processos de subjetivação submissa, chamadas por Michel Foucault (2010) de assujeitamento. Podemos inferir que houve mudanças de auto-referencias produzidos por esse modo de atendimento, favorecendo fugas das armadilhas normativas, distanciando-se, 8 Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto ainda que de modo sutil, dos modelos previamente dados de como deve ser mulher, casada, mãe e dona do lar, priorizando assim, finalmente, o seu bem-estar bio - psicossocial e político. Em outro atendimento, outra mulher relata que após diversas discussões e brigas físicas com o marido, resolveu colocá-lo para dormir primeiramente em um quarto separado e depois para morar em casas diferentes, cobrando as obrigações para que o mesmo continuasse a ajudar nas despesas da casa e dos filhos. Notamos que houve crescimento na potência de vida desta mulher, que conseguiu vencer partes da normatividade, e que mesmo mantendo o homem como o provedor da família, agora já pode ter desejos próprios e fazer planos de futuro que a coloquem mais próxima da emancipação psicossocial, política e cultural, um pouco mais distante das amarras do sexo, gênero, desejo e práticas sexuais. Muitas mulheres do bairro em que atuamos ainda não conseguem sair da normatividade, na qual o homem trabalha e sustenta a casa, a mulher cuida dos filhos e da manutenção da família nuclear procriadora, e com isso deixam de lado suas vidas profissionais, seus desejos, sua emancipação, caracterizando o que podemos chamar de despotencialização na vida destas mulheres. Porém, outras mulheres, do mesmo bairro, já conseguem ampliar seus universos de referencias existenciais, questionando os modos como as ordens, os valores e os discursos são impositivos, produzindo outros lugares e outras práticas no mundo, permitindo pensarmos que nem tudo está perdido e que um mundo melhor realmente seja possível. 9 Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto REFERÊNCIAS: AGGLETON, Peter; PARKER, Richard. Estigma, discriminação e AIDS. Rio de Janeiro: ABIA, 2001. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/index.shtm>. Acesso em: 05 maio 2011, 18:50:30. BRASIL. Casa Civil. Código Civil. Brasília, 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 15 maio 2011, 17:30:30. CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1989. DELEUZE, Gilles. O devir revolucionário e as criações políticas. Entrevista dada para Toni Negri, Futur Anterieur, n. 1, 1990. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. Rio de Janeiro, editora 34, 1995. DUARTE, André. Sobre a bio-política: de Foucault ao século XXI. Revista Cinética, v. 1, p. 1-16, 2008. FONSECA, Claudia. Amor e família: vacas sagradas da nossa época. In: RIBEIRO, Ivete (Org). Família em processos contemporâneos: inovações culturais na sociedade brasileira. São Paulo: Loyola, 1995. FONSECA, Tania Mara Galli. Gênero, subjetividade e trabalho. Petrópolis: Vozes, 2000. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janerio: Graal, 1988. __________________. Segurança, território, população: curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo : Martins Fontes, 2008. _________________.Repensar a Política. Ditos e Escritos VI. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2010. 10 Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto MACHADO, Lia Zanotta. Perspectivas em confronto: relações de gênero ou patriarcado contemporâneo? In: SOCIEDADE BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA (Ed.). Simpósio Relações de Gênero ou Patriarcado Contemporâneo, 52ª Reunião Brasileira para o Progresso da Ciência. Brasília: SBP, 2000. MAGALHÃES, Rosana. Integração, exclusão e solidariedade no debate contemporâneo sobre as políticas públicas. Rio de Janeiro: Cad. Saúde Pública, maio-jun. 2001. MALUF, Sônia Weidner; TORNQUIST, Carmen Susana (Org). Gênero, saúde e aflição: abordagens antropológicas. Florianópolis: Letras contemporâneas, 2010. NARVAZ, Martha Giudice; KOLLER, Sílvia Helena. Família e patriarcado: da prescrição normativa à subversão criativa. Porto Alegre, Psicologia e Sociedade, v. 18, n. 01, jan.-abr. 2006. PATEMAN, Carol. O contrato sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. PEREIRA, Patrícia Jimenez; BOURGET, Monique. Família representações sociais de trabalhadores da Estratégia Saúde da Família. São Paulo: Saúde e Sociedade, v. 19, n. 3, jul.-set. 2010. SALEM, Tania. “Homem... já viu, né?”: representações sobre sexualidade e gênero entre homens de classe popular. In: HEILBORN, Maria Luiza (Org). Família e Sexualidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. SCAVONE, Lucila. O trabalho da mulheres pela saúde: cuidar, curar, agir. In: MONTEIRO, Simone; VILELA, Wilza. Gênero e Saúde: Programa Saúde da Família em questão. Rio de Janeiro: Arbeit Factory Editora e Comunicação, 2005. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, p. 71-99, 1995. SCOTT, Parry. Gênero, família e comunidades: observações e aportes sobre o Programa Saúde da Família. In: MONTEIRO, Simone; VILELA, Wilza. Gênero e Saúde: Programa Saúde da Família em questão. Rio de Janeiro: Arbeit Factory Editora e Comunicação, 2005. STREY, Marlene Neves. Será o século XXI o século das mulheres? In: STREY, Marlene Neves; MATTOS, Flora; FENSTERSEIFER, Gilda; WERBA, Graziela (Eds.). Construções e perspectivas em gênero. São Leopoldo: Unisinos, 2000. 11 Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e parentalidade: ecos de uma conjugação. In: HEILBORN, Maria Luiza (Org). Família e Sexualidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. XAVIER, Elódia. Declínio do patriarcado: a família no imaginário feminino. Rio de Janeiro: Record, Rosa dos Tempos, 1998. ZAMBRANO, Elizabeth. Mesa: Psicologia, sexualidade, novas configurações familiares e aspectos legais da promoção de direitos. In: CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Psicologia e diversidade sexual: desafios para uma sociedade de direitos. Brasília: CFP, 2011. 12