R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades Publicação científica dirigida à produção acadêmica, na área de Ciências da Saúde e Humanidades. Publicará preferencialmente estudos científicos inseridos na realidade brasileira e divulgará contribuições visando a melhoria da qualidade do Ensino, da Investigação Científica, da Assistência à Saúde no Brasil e o que concerne às mais variadas questões humanas. Corpo Editorial: *Profa. PhD Roberta Ecleide de Oliveira Gomes Kelly Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS, Universidade Estadual de Minas Gerais - UEMG e Faculdade Pitágoras de Poços de Caldas *Profa. Dra. Renata Cristian Oliveira Pamplin Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) e Faculdade Pitágoras de Poços de Caldas *Profa. Dra. Juliana Carvalho Ribeiro Faculdade Pitágoras de Poços de Caldas *Profa. Dra. Patricia Scotini Freitas Faculdade Pitágoras de Poços de Caldas *Profa. PhD Claudia da Silva Bittencourt Faculdade Pitágoras de Poços de Caldas e Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino - UNIFAE *Profa. Dra. Daniela Cristina de Macedo Vieira Universidade Federal de Alfenas - UNIFAL *Profa. PhD Regiane Luz Carvalho Faculdade Pitágoras de Poços de Caldas e Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino - UNIFAE *Profa. PhD. Erika Maria Parlato-Oliveira Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG *Profa. Dra. Norida Teotônio de Castro Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS *Prof PhD Rita de Cássia Ferreira Universidade Estadual de Roraima - UER *Prof PhD Elaine Cristina Morari Universidade Estadual de Roraima - UER R E V I S T A HOMINIS Editorial Saúde e Humanidades A publicação do segundo número da Revista HOMINIS é resultado do trabalho entre professores e alunos, por meio de pesquisas e orientações. Desta forma agradecemos aos autores que continuaram acreditando na revista e na iniciativa de se criar um veículo de publicação na área de Saude e Humanas. Não é fácil a tarefa de se manter a periodicidade de uma revista, especialmente quando esta tem sua criação muito recente. Para tanto, o envio de manuscritos pelos autores e o auxílio imprescindível dos pareceristas na revisão dos artigos foram essenciais para que a revista pudesse ter sucesso na veiculação do seu segundo número. A disponibilização desses artigos, certamente, colaborará positivamente para o acesso às informações e servirá também como instrumento de pesquisa e, principalmente, fonte de leituras. São artigos que têm a pretensão de ser o ponto inicial de leituras e debates das questões aqui levantadas. A Faculdade Pitágoras vem investindo em publicações e divulgações dos trabalhos dos professores e assim contribuindo para a formação dos seus alunos e a interação com a comunidade Novamente salientamos e agradecemos a confiança dos autores em publicar na Revista Hominis. Profa. Me. Yula de Lima Merola Farmacêutica Comitê Executivo Revista Hominis Poços de Caldas, outubro de 2015. HOMENAGEM A saudade nos faz mais uma visita. Não sabemos porque você se foi, mas com corações mais confortados, dedicamos estas palavras para relembrar os bons momentos que foram compartilhados e como a presença de uma pessoa tão querida foi capaz de transformar tantas vidas abençoadas. A sua lembrança continuará sempre viva entre nós. Deus agora tem você em seus braços, mas teremos você eternamente em nossos corações. Obrigada Profa. Dra. Mariana de Oliveira Fonseca Machado, pelo convívio e amizade... Profa. Dra. Patrícia Scotini Freitas R E V I S T A HOMINIS Expediente Saúde e Humanidades A Revista Hominis: Saúde e Humanidades, é um periódico de acesso livre e gratuito, publicado quadrimestralmente pela Faculdade Pitágoras de Poços de Caldas «Brasil», apenas na versão eletrônica disponível no sitio da internet http://www.faculdadepitágoras.com.br/paginas/revista-hominis.aspx. Tem como missão disseminar o conhecimento científico, revisto por pares, desenvolvido por pesquisados das áreas de Ciências da Saúde e Humanidades. Publica artigos em português, inglês ou espanhol, destinados à divulgação de resultados de pesquisas originais, artigos de revisão sistemática, revisão integrativa e editorial. Os artigos submetidos para análise não devem ter sido previamente publicados ou apresentados em outros periódicos. FACULDADE PITÁGORAS DE POÇOS DE CALDAS Diretor Prof. Me. Lázaro Quintino Alves Curso de Administração Profa. Me. Andreza Aparecida Barbosa Curso de Enfermagem Profa. Me. Giovanna Vallim Jorgetto Curso de Farmácia Profa. Me. Yula de Lima Merola Curso de Psicologia Profa. PhD Roberta Ecleide de Oliveira Gomes Kelly R E V I S T A HOMINIS Conselho Editorial Saúde e Humanidades Editor Profa. Dra. Renata Cristian de Oliveira Pamplim Faculdade Pitágoras Poços de Caldas Conselho Editorial Profa. Dra. Gisela Pizarro de Mattos Barreto Faculdade Pitágoras Poços de Caldas Corpo Editorial Avaliadores Internos Profa. Dra. Lilian Cristiane Villas Boas, Prof. Me. Cristiano de Carvaho Baliero, Prof. Dr. Melchior Antonio Momesso, Prof. Me. Geraldo Flávio Canavez, Profa. Me. Regiane das Graças Sorce Ferreira, Profa. Me. Luiza Luciana Martins, Prof. Me. Marcos Nogueira de Lima, Profa. Me. Tânia da Costa Bertoli Mayrink, Profa. Me. Yula de Lima Merola. Avaliadores Convidados Externos Profa. Dra. Cristiane Maria da Costa Silva Profa. Me. Elaine Cristina Faria Prof. Dr. Francisco Rafael do Lago Godoi Prof. Dr. Aun Assad Neto. Comitê Executivo Profa. Me. Giovanna Vallim Jorgetto, Profa. Me. Yula de Lima Merola e Profa. Dra Patrícia Scottini Freitas R E V I S T A HOMINIS Sumário Saúde e Humanidades Revista Hominis: Saúde e Humanidades, v.1, n.2, ago./nov. 2015. Artigo Original / Origi: nal Article / Articulo Original - Análise das respostas glicêmicas, lipídeos plasmáticos e índice de massa corporal após treinamento físico em indivíduos portadores de diabetes mellitus Tipo 2 Analysis of glycemic responses, plasma lipids and body mass index after exercise training in individuals with Type 2 diabetes mellitus Análisis de respuestas glucémicas, lípidos plasmáticos y el índice de masa corporal después de la práctica de ejercicio en personas con diabetes mellitus tipo 2 Juliana Vallim Jorgetto; Giovanna Vallim Jorgetto; Daniele Albano Pinheiro - Importância da comissão de controle de infecção hospitalar no controle da resistência microbiana Importance of hospital infection control committee in controlling antimicrobial resistance Importancia del comité de control de infecciones hospitalarias en el control de la resistencia antimicrobiana Taís Cristina Lima; Bárbara Carvalho Santos; Giovanna Vallim Jorgetto - Inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho: um desafio à gestão de pessoas nas organizações Inclusion of persons with disabilities in the labor market: a challenge to the management of people in organizations La inclusión de personas con discapacidad en el mercado laboral: un desafío para la gestión de personas en las organizaciones Marcos José da Silva Rossi; Anali Gonçalves de Carvalho; Graziela Pomárico Braz; Adolfo Plínio Pereira; Patrícia Scotini Freitas; Renata Christian de Oliveira Pamplin - O COMÉRCIO JUSTO NO BRASIL E EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: reflexões ao crescimento econômico no mercado Fair Trade em cooperativas e associações de agricultores familiares The FAIR TRADE IN BRAZIL AND IN DEVELOPING COUNTRIES: reflections on economic growth in Fair Trade market in cooperatives and farmers associations El COMERCIO JUSTO EN BRASIL Y EN LOS PAÍSES EN DESARROLLO: reflexiones sobre el crecimiento económico en el mercado de Comercio Justo en las cooperativas y asociaciones de agricultores Andreza Aparecida Barbosa; Paulo Roberto Alves Pereira - Estudo sobre o perfil da sociedade brasileira em relação à automedicação Study on the profile of Brazilian society in relation to self-medication Estudio sobre el perfil de la sociedad brasileña en relación a la automedicación Regiane Souza Santos; Gisela Pizarro de Mattos Barretto; Yula de Lima Merola - Secretariar o Alienado – uma proposta de análise acerca do sinthôme através dos personagens Batman e Alfred Secretary of the alienated - an analysis of proposal about the sinthome through the characters Batman and Alfred Secretario de los alienados - un análisis de la propuesta sobre el sinthome través de los personajes de Batman y Alfred Carolina de Siqueira Coutinho; Roberta Ecleide de Oliveira Gomes-Kelly R E V I S T A HOMINIS título: Inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho: um desafio à gestão de pessoas nas organizações Saúde e Humanidades página Marcos José da Silva Rossi: Pós-Graduado pela Faculdade Pitágoras, Campus Poços de Caldas, Curso MBA em Gestão de Pessoas com Ênfase em Resultados. e-mail: [email protected] Anali Gonçalves de Carvalho: Pós-Graduada pela Faculdade Pitágoras, Campus Poços de Caldas, Curso MBA em Gestão de Pessoas com Ênfase em Resultados. e-mail: [email protected] Graziela Pomárico Braz: Pós-Graduada pela Faculdade Pitágoras, Campus Poços de Caldas, Curso MBA em Gestão de Pessoas com Ênfase em Resultados. e-mail: [email protected] Adolfo Plínio Pereira: Mestre em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida pelo Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino UNIFAE. Professor da Faculdade Pitágoras, Campus Poços de Caldas. e-mail: [email protected] Patrícia Scotini Freitas: Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EERP-USP). Professora da Faculdade Pitágoras, Poços de Caldas. e-mail: [email protected] Renata Christian de Oliveira Pamplin: Doutora em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Professora da Faculdade Pitágoras, Poços de Caldas. e-mail: [email protected] RESUMO Diante de fatalidades, imprudências, descuidos ou devido a disfunções genéticas, as pessoas com deficiência, cada vez mais, buscam formas de inclusão na sociedade. No entanto, nem toda a sociedade está disposta a auxiliar e compreender este processo, o que faz com que as próprias pessoas com deficiência se arrisquem e mostrem suas habilidades e competências. O objetivo deste trabalho é motivar a compreensão por parte da sociedade, principalmente da comunidade acadêmica, de que pessoas que, no passado, eram vistas como incapazes e que incomodavam, hoje se tornaram verdadeiros mestres de seus destinos, lutando por seus direitos individuais e sociais. No Brasil, milhões de pessoas com deficiência buscam a tão sonhada inclusão no mercado de trabalho. A lei de cotas tem sido a esperança de vários destes brasileiros. Dentre os diversos obstáculos enfrentados no processo de inclusão, a rotulação de incapazes e sem qualificação no mercado de trabalho tem sido superada e, atualmente, a situação está se modificando, pois muitos provam que são capazes e desempenham suas atribuições com competência, com resultados, por vezes, além do esperado. O processo de inclusão de colaboradores com deficiência na organização exige adaptações, não só físicas, mas também comportamentais de toda equipe, além do empenho ainda maior do líder, envolvendo toda a equipe de gestão de pessoas. A deficiência não deve ser vista como obstáculo para contratação ou demissão de um funcionário, bem como os direitos e deveres devem ser igualmente aplicados como aos demais colaboradores. Resta, ainda, a necessidade do rompimento de alguns preconceitos e culturas empresariais que permitam a ampliação de competências e que pessoas com deficiência possam ocupar mais cargos de chefias, gerências e diretorias dentro das organizações. Esta missão, certamente, cabe aos gestores de pessoas nas organizações. Palavras-chave: Inclusão; Deficiência; Trabalho. ABSTRACT Faced with fatalities, recklessness, carelessness or due to genetic disorders, people with disabilities, increasingly seek ways of inclusion in society. However, not every company is willing to assist and understand this process, which makes the very people with disabilities take a chance and show your skills and competencies. This work is motivated by the understanding of society, especially the academic community of people who in the past were seen as incapable and that bothered today have become true masters of their destiny, fighting for their individual and social rights. In Brazil, millions of people with disabilities are seeking long awaited inclusion in the labor market. The law quota has been the hope of many of these Brazilians. Among the many obstacles faced in the inclusion process, the lettering incapable and unskilled labor market has been overcome and today the situation is changing, as many prove they are capable and perform their duties with competence, with results sometimes beyond the expected. The process of inclusion of disabled employees in the organization requires adaptations, not only physical, but also the whole team behavior, beyond even greater commitment of the leader, involving the whole team of people management. Disability should not be seen as an obstacle to hiring or firing of an employee, as well as the rights and duties should also be applied as for other employees. Furthermore, there remains the need to break some prejudices and corporate cultures that permit the expansion of skills and that people with disabilities can occupy more supervisors, managers and directors positions within organizations. This mission certainly fits the people managers in organizations. Keywords: Inclusion; Disability; Work. 01 R E V I S T A página HOMINIS 02 Saúde e Humanidades INTRODUÇÃO A partir de uma visão simplista, pode-se dizer que as pessoas com deficiência “incomodam”. Diante de uma pessoa com deficiência física ou motora, sensorial ou intelectual as pessoas vivem sentimentos contraditórios: desde a repulsa até a compaixão. Tem sido assim ao longo da história. Perante os diferentes, as pessoas com deficiência, os que apresentam um problema de relacionamento social ou comportamental, as sociedades sempre viveram um misto de fascínio e rejeição. Conforme o Texto Base da Campanha da Fraternidade de 2006, o grau de civilização de um povo pode ser medido pela atenção que dedica aos mais fracos, aos mais frágeis, às pessoas com deficiência (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – CNBB, 2005). A busca da eliminação física das pessoas com deficiência existe desde os tempos mais remotos e continua sendo praticada hoje, tanto em contextos tribais como em sociedades modernas. As ideias de purificação e aperfeiçoamento da espécie humana encontram defensores desde a Grécia antiga, passando pelo nazismo, até o seio de alguns redutos da atual ciência genética. Para alguns, as pessoas com deficiência não deveriam ter direito à vida (CNBB, 2005). Segundo Oliveira (2003), a preocupação de estimular a proliferação dos melhores humanos, cercear, proibir ou não permitir a sobrevivência de pessoas com deficiências físicas e/ou intelectuais, são atitudes tão antigas quanto a humanidade e estão na origem de crimes como os praticados por nazistas contra judeus, eslavos, ciganos etc. Apesar de proibidos no Brasil, os procedimentos de detecção de anomalias visando o aborto têm sido tristemente assumidos por muitos casais, com ajuda de profissionais da área da saúde. Conforme relatos da CNBB (2005), mesmo que todos nascessem “perfeitos”, as deficiências e as pessoas com deficiência continuariam sendo uma realidade social. Disfunções genéticas, pré-natais, acidentes na concepção e no parto, não são as únicas razões das deficiências. Acidentes de trânsito ou no trabalho, balas perdidas ou erros médicos, acidente de todos os tipos e tantas outras circunstâncias podem tornar uma pessoa paraplégica ou tetraplégica, podendo levá-la a perda de sua capacidade motora, sensorial ou intelectual. Da mesma forma, o diabetes, tumores no cérebro, quadros de glaucoma ou surtos de parasitas podem levar pessoas à cegueira. Grande parte das pessoas com deficiência não nasceu assim, sendo vítimas de imprudências, descuidos ou fatalidades. Cada vez mais, as pessoas com deficiência emergem como protagonistas de suas vidas e destinos, deixando de ser meros objetos de ações de assistência individual e social. A luta pela inclusão familiar, escolar, eclesial, social e no mundo do trabalho e da cultura mobiliza hoje as pessoas com deficiência, seus movimentos e organizações, as comunidades eclesiais, e deve transformar a sociedade, marcada por contravalores que ameaçam os princípios de humanidade (CNBB, 2005). De acordo com Monteiro (2009, p. 104), “o bem comum gera um sentido de pertença, de valor e de sentido da existência e ao mesmo tempo responsabilidade e dependência mútua, não havendo espaço para superioridade de uns sobre os outros”. A situação concreta das pessoas com deficiência no Brasil é um universo praticamente desconhecido, difícil de mapear. No entanto, existe um imenso universo de experiências positivas a serem conhecidas, apoiadas e desenvolvidas no seio das famílias, dos profissionais que lidam cotidianamente com as mais diversas deficiências e das organizações dedicadas às pessoas com deficiência. Reafirmando as conclusões da CNBB (2005), na Campanha da Fraternidade de 2006, refletir sobre essas situações concretas, contribui para descobrir a pessoa humana na deficiência, sem reduzir nem identificar deficiente e deficiência. É um caminho de sabedoria para que cada um viva suas próprias deficiências. Assim, este trabalho propõe uma reflexão, por 2 A incidência dessa doença no Brasil atinge entre dois e três milhões de pessoas. O glaucoma, segunda causa de cegueira no Brasil e no mundo, é gerado por um problema na pressão ocular, geralmente acima do limite. A demora no diagnóstico e a falta de tratamento levam à perda gradual da visão, podendo ocasionar cegueira (CNBB, 2005). R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades parte da sociedade, de gestores e da comunidade acadêmica em geral, no sentido de se buscar alternativas que permitam a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho de forma legal e justa, com base em princípios, como a igualdade e a valorização da diversidade. OBJETIVOS Apresentar, através de pesquisa bibliográfica, elementos que fundamentem as ações dos gestores de pessoas dentro das organizações, no processo de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, através da conscientização dos envolvidos neste processo. MÉTODOS A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, com abordagens feitas a partir de relatos de autores nacionais, documentos de entidades, análises de leis e normas governamentais relacionadas ao tema. página Segundo Sassaki (2005), a noção de deficiência ainda é confundida com a de incapacidade. Alguém pode ser considerado parcialmente ou totalmente incapaz de realizar uma atividade em comparação ao que se considera parâmetro normal de um ser humano. Alguém pode ser incapaz de ler e escrever porque tem apenas dois anos de idade, porque nunca estudou ou devido a uma profunda deficiência intelectual. O meio ambiente e o contexto cultural e socioeconômico podem incapacitar. Por, exemplo, se não houver rampas de acesso em um edifício, uma pessoa com deficiência motora, em cadeira de rodas, não pode entrar. Se não houver código braile nos botões de um elevador, uma pessoa com deficiência visual não poderá subir sozinho a um determinado andar. A incapacidade é a perda ou limitação das oportunidades de participar da vida em igualdade de condições com os demais. Pessoas com deficiências diferentes enfrentam barreiras diferentes, cuja superação ou redução exige soluções também diferenciadas. RESULTADOS E DISCUSSÃO O QUE É UMA DEFICIÊNCIA? QUEM É DEFICIENTE? A palavra deficiência evoca ausência, anomalia ou insuficiência de um órgão, de uma função fisiológica, intelectual ou até social. Fala-se de uma deficiência respiratória, visual, auditiva ou cardíaca, em referência ao funcionamento do corpo humano. Fala-se de suprir as deficiências da educação básica ou do atendimento hospitalar no Brasil, referindo-se a uma questão social. A noção de deficiência é complexa e está associada à idéia de perfeição, fraqueza, carência, perda de qualidade e quantidade. O termo vem do latim tardio deficientia e significa falta, enfraquecimento, abandono. Seu emprego exige cuidado e reflexão. A palavra deficiência não é negativa em si mesma e designa uma realidade. Alguns confundem a deficiência com a pessoa. Quando a deficiência é utilizada para classificar a pessoa, esse termo é discriminatório e injusto. A deficiência passa a ser vista como mancha, defeito, mácula e até como vício. Importa refletir sobre essa realidade, saber distinguir e ver a pessoa na deficiência e não a pessoa como um deficiente (CNBB, 2005). Como nomear as pessoas com deficiência? Diante dessa realidade complexa, as sociedades construíram termos e expressões para designar, caracterizar e diferenciar as pessoas com deficiência. A lista é enorme: paralítico, anormal, mongolóide, aleijado, portador de necessidades especiais, coxo, manco, especial, cego, inválido, surdo-mudo, imperfeito, retardado, débil mental, excepcional, paralisia cerebral, etc. Esses termos foram incorporados pelas culturas das diversas localidades, fazem parte dos dicionários e até dos textos bíblicos. E s s a s p a l av ra s e ró t u l o s ex p re s s a m posicionamentos diante das realidades humanas, em diversos contextos históricos e culturais, mais ou menos preconceituosos, podendo ser conceitos ou preconceitos, retratando, por vezes, não somente um evento biológico ou acidental, mas todo um relacionamento afetivo e social com o outro, em sua diferença e alteridade. A palavra cego, comum na Bíblia, pode ser vista como ofensa por quem prefere o termo deficiente visual, como também, a palavra surdo, para quem acha que o termo deficiente auditivo seria mais adequado. A expressão deficiente mental não é 03 R E V I S T A página HOMINIS 04 Saúde e Humanidades bem recebida por quem prefere o termo especial, excepcional, deficiente intelectual ou cognitivo (CNBB, 2005). Na maioria das vezes, o uso de determinados termos pode reforçar a segregação e a exclusão. Assim, o termo portador implica em algo que se porta, que é possível se desprender tão logo se queira ou chegue-se a um destino. Remete, ainda, a algo temporário, como portar um talão de cheques, um documento ou ser portador de uma doença. A deficiência, ao contrário, é algo permanente, não cabendo, portanto, o termo portadores. Além disso, quando se rotula alguém como portador de deficiência, a deficiência passa a ser a marca principal da pessoa, em detrimento de sua condição humana (SILVA, 2009). Assim, percebe-se que a forma correta de nomeação seja pessoas com deficiência, que compreende todo o contexto de uma pessoa, em seu sentido mais amplo e humano, que possui uma deficiência que não deve ser ignorada, mas que não se confunde com esta em sua essência. As pessoas com deficiência no mundo, na América Latina e no Brasil De acordo com Lira (2005), dados do Banco Mundial apontavam que na primeira década deste século, havia pelo menos 50 milhões de pessoas com deficiência na América Latina e no Caribe, o que representava, aproximadamente, 10% da população regional. A deficiência era, e ainda hoje é, uma das mais importantes causas e consequências da pobreza. Cerca de 80% das pessoas incapacitadas dessas regiões vivem na pobreza, o que na maioria dos casos também afeta os membros da família. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (BRASIL, 2006), cerca de 10% da população de qualquer país em tempo de paz é portadora de algum tipo de deficiência, das quais: 5% portadora de deficiência intelectual; 2% de deficiência física; 1,5% de deficiência auditiva; 0,5% de deficiência visual; e 1% de deficiência múltipla. Partindo destes dados, pode-se concluir que no Brasil, há mais de 2 milhões de pessoas com deficiência, pois segundo dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2013), a população brasileira atingiu a marca de 201.032.714 de habitantes. Com suas famílias, as pessoas com deficiência representam diretamente 25% da população brasileira afetada por essas realidades, lutando por seus direitos individuais e sociais. Mesmo assim, para muitos, é como se esse contingente de milhões de brasileiros não existisse. As pessoas com deficiência não podem ser tratadas como uma curiosidade ou algo particular. As deficiências podem ser prevenidas, em muitos casos, e evitadas com políticas públicas adequadas. Elas exigem e têm sido objeto de políticas públicas de inclusão e valorização. Elas assumem cada vez mais seu papel de protagonistas, num mundo marcado por ideologias do corpo e da saúde perfeita, pelos contravalores do consumismo e competitividade exacerbada (CNBB, 2005). Ainda de acordo com a CNBB (2005), em todos os momentos da história da humanidade, as pessoas com deficiência foram alvo de comportamentos e reações distintas e contraditórias de exclusão e integração, conforme os diferentes contextos da sociedade. Esses comportamentos foram mudando de acordo com as transformações sociais, as descobertas científicas e tecnológicas e as mudanças culturais e econômicas ocorridas. Resta, portanto, à geração atual, marcar época, reestruturando o acolhimento e a inclusão destas pessoas à sociedade como um todo. PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O MERCADO DE TRABALHO De acordo com Silva (1981), o primeiro registro de reserva de vagas de emprego para pessoas com deficiência que se tem notícia na história do Brasil, teria sido no século XVIII. O indivíduo com deficiência via na atividade educacional a chance de se inserir no mercado de trabalho. Eram os Padres Jesuítas que desenvolviam, precariamente, a instituição do ensino no país e com a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil pelo Marquês de Pombal, o sistema de ensino da colônia entrou em decadência. Foram abertas, então, inscrições para pessoas que teriam a função de ensinar, em substituição aos jesuítas. Para se inscrever, o candidato deveria ser licenciado para ensinar. Há registro de um requerimento de um candidato à R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades página licenciatura para mestre, no qual ele alega que a deficiência física é uma forte razão para que lhe fosse concedida a licença, por não poder exercer outra profissão: O suplicante não pretende ordenado, só licença para ensinar os que quiserem ouvir suas lições; se tem capacidade para isso, como faz ver pelo atestado de pessoas interessadas neste negócio, e pela amostra da sua letra, confia merecer a licença pedida [...]. Se, porém, suas moléstias o impedirem do exercício a que se propõe, seus discípulos o largarão e o monopólio do ensino recairá naturalmente nas mãos do mestre hábil: lembrando que o aleijão do suplicante é menos um impedimento que um motivo para o exercício a que se propõe, no que será mais assíduo, por não poder lançar mão de outro: a boa polícia tem mesmo sempre em vista esta apropriação para não ficarem no ócio e miséria braços imperfeitos, havendo empregos acomodados à sua capacidade. Pede, portanto, licença para ensinar por ser este o 'único emprego' que pode exercer (SILVA, 1981, p. 121-122). Mais recentemente, a Lei 8.213 (BRASIL, 1991), conhecida como a lei de cotas, dispõe, em um único artigo, as cotas de vagas de empregos para pessoas com deficiência, em seu artigo 93: A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I- Até 200 empregados . . . . . . . . II- de 201 a 500 . . . . . . . . . . . . . . III- de 501 a 1.000 . . . . . . . . . . . . IV- de 1.001 em diante . . . . . . . . 2%; 3%; 4%; 5%. § 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. § 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar e stat í st i ca s s o b re o to ta l d e empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados. A lei de cotas, nestes anos de existência, tem sido importante instrumento de inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, mas por si só não resolve todos os problemas que essa temática demanda e, como toda medida impositiva, gera polêmica, visto que seu cumprimento ainda não é uma realidade para grande número de empresas. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (ATHAYDE, 2012), entre os anos de 2007 e 2009, houve 960.000 contratações formais de pessoas com deficiência, sendo que tais pessoas eram encaminhadas para ocupar cargos de níveis operacionais, mesmo possuindo currículos que permitiam a ocupação de cargos e posições melhores. A justificativa para isto é sempre a “falta de qualificação”. No entanto, a realidade mostra que existe certo “preconceito” oculto e a “discriminação” implícita nos processos de escolha e contratação, que dificultam e, quase sempre, impedem a ascensão profissional de pessoas com deficiência dentro das organizações. A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um desafio que pode ser visto pelas empresas como uma dificuldade ou como uma oportunidade. Estudos mostram que promover a diversidade no ambiente de trabalho traz benefícios para empregados e empregadores. Pessoas diferentes, com visões diferentes sobre os mesmos problemas, 05 R E V I S T A página HOMINIS 06 Saúde e Humanidades proporcionam uma visão holística, com maior criatividade nas decisões, pois na heterogeneidade é que se verifica maior coesão e capacidade de inovação. Além disso, a presença de pessoas com deficiência promove a humanização do local de trabalho (DAMASIO, 2012, p. 44). Portanto, cabe aos gestores das organizações este desafio, visto que a legislação, pura e simplesmente, é insuficiente. Desafios do processo de inclusão Para incluir pessoas com deficiência é necessário que as empresas promovam pequenas adaptações que estão, em grande parte, muito mais relacionadas a questões comportamentais do que propriamente físicas. Primeiramente, a equipe que recebe uma pessoa com deficiência deve ser treinada e preparada para qualquer tipo de situação. É importante que os demais colaboradores conheçam o tipo de deficiência da pessoa que estará recebendo para poder se relacionar melhor com ela em seu processo de adaptação. É muito comum, nas empresas, encontrar pessoas despreparadas para lidar com as diferenças e, principalmente, com as adaptações no ambiente de trabalho, quando recebem uma pessoa com deficiência. Nestes casos, é preciso analisar a situação, apontar ações através de um diálogo aberto e franco e, dependendo da gravidade, relocar colaboradores que não estiverem abertos à adaptação com a nova situação. O líder, em conjunto com a pessoa com deficiência, devem avaliar as adaptações e adequações necessárias, e os devidos ajustes, contando sempre com a ajuda de outros profissionais, a fim de obterem sucesso nas modificações. O comportamento do líder é fundamental neste processo, pois terá um peso enorme sobre seus colaboradores, uma vez que será como espelho para os demais. Desta forma, as vantagens surgirão tanto para as pessoas quanto para as organizações (REBELO, 2008, p. 58-59). Muitas vezes, a decisão de contratar colaboradores com deficiência não parte da livre e espontânea vontade da empresa, mas sim da necessidade de se cumprir as exigências legais. Mas, independentemente da forma com que o colaborador seja incluído, deve-se levar em conta a importância da preparação da equipe, analisando-se cuidadosamente o posto que o colaborador deverá assumir, uma vez que se deve atentar para vários aspectos referentes às tarefas que lhes serão atribuídas, sempre observando a segurança e a acessibilidade que o indivíduo necessita, resguardando suas condições físicas, psicológicas e patológicas. A adequação do espaço físico para receber um colaborador com deficiência deve ser estudada, sempre que possível, de acordo com as necessidades da pessoa, criando facilidades para o desenvolvimento de suas funções. No entanto, com as normas técnicas disponíveis, em especial a NBR 9050 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, 2004), é possível a estruturação ou reestruturação de espaços físicos de forma a atender todas as pessoas igualmente, antecipando a acessibilidade sem discriminação ou segregação. A inclusão de um colaborador com deficiência é um trabalho conjunto entre o setor de Recursos Humanos, que deve cuidar da admissão, e de um médico da empresa, que deve conhecer o local e as condições de trabalho do local para onde o colaborador está sendo direcionado. Este trabalho pode evitar futuros transtornos à empresa e aos colaboradores (BRASIL, 2007). Segundo Rebelo (2008), caso a empresa conte com outros colaboradores que possuam algum tipo de deficiência, estes devem ser inseridos no processo de integração com os novatos, pois possuem experiências com relação às barreiras existentes e que podem ser rompidas antecipadamente. O processo de inclusão deve ser sempre considerado pela empresa em seu contexto global, partindo do princípio que as pessoas com deficiência, colaboradores ou clientes, deverão ter acesso a todos os locais, informações e demais necessidades comuns a todos os cidadãos. Conforme relata Rebelo (2008), também devem ser considerados os riscos ocupacionais e as questões relacionadas à segurança industrial, incluindo planos de evacuação e de resgate, em caso de ocorrência de acidentes. A fragilidade física e mental de um colaborador com deficiência deve ser vista de uma maneira R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades humana por parte dos companheiros de trabalho. Não se deve olhar a pessoa com piedade, mas colocar-se no lugar da pessoa e imaginar as dificuldades que ela passa no seu dia a dia. Isto pode fazer com que a relação de ambos torne-se agradável e naturalmente confortável para todos no ambiente de trabalho. O papel da gestão de pessoas na inclusão da pessoa com deficiência no ambiente de trabalho A inclusão da pessoa com deficiência nas empresas deve vislumbrar um aspecto transformador, capaz de integrar este indivíduo em condições de trabalho acessíveis, equiparando-o a outros funcionários, porém respeitando suas particularidades. Para operacionalizá-la, a empresa deve dispor de uma gestão de pessoas que assuma seu papel relevante na organização, e cujas ações permeiam e interferem em todas as etapas da vida funcional do trabalhador (REBELO, 2008). Para incluir a pessoa com deficiência e para que esta ação seja realizada com sucesso, é de fundamental importância que a empresa esteja preparada para fazê-la através de um processo cauteloso e planejado de Gestão de Pessoas, sendo pautado nos preceitos descritos em Lei. O primeiro passo será estabelecer em quais atividades da empresa é possível receber os deficientes, quais tipos de deficiência são compatíveis com os trabalhos realizados, as adaptações necessárias à admissão dos deficientes, a disponibilidade de recursos financeiros para realizá-las e as pessoas que serão responsáveis pela gestão de mudanças (REBELO, 2008, p. 61). Para conduzir esta inclusão de forma íntegra, é necessário que a organização possua uma equipe qualificada, capaz de selecionar, receber, treinar e integrar o novo funcionário de uma maneira que estimule sua segurança e seu bem estar no ambiente de trabalho. Ocorrendo dificuldades neste processo, a empresa pode procurar apoio e assessoria junto às entidades e escolas de pessoas com deficiência que detêm conhecimentos a respeito da matéria e podem se constituir em importantes parceiras desse processo. Nesse sentido, é proverbial o lema do Ano página Internacional das Pessoas com Deficiência em 2004: “Nada sobre nós sem nós” (BRASIL, 2007, p. 30). A Constituição Federal (BRASIL, 1988), em seu artigo 7º, XXXI, coíbe qualquer tipo de discriminação no tocante aos salários e critérios de admissão do trabalhador com deficiência. Assim, o processo de seleção de profissionais com deficiência deve obedecer todas as etapas previstas para um profissional convencional, porém cumprindo algumas exigências que garantam legitimidade do processo. Desta forma, torna-se fundamental que os requisitos exigidos para a contratação da p e s s o a co m d ef i c i ê n c i a p o s s u a m a s especificações necessárias que caracterize a vaga, de fato, para estes indivíduos, impossibilitando uma pessoa sem restrição de ocupar tal cargo e tão pouco fazendo distinção de deficiência, pois o que deve ser buscado pela empresa é a pessoa e não a deficiência. As pessoas com deficiência devem ser respeitadas, seja qual for a natureza e a severidade da sua deficiência (BRASIL, 2007). Além disso, a empresa não deve exigir experiência profissional destes candidatos. A Cartilha do Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 2007), que trata da inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, justifica que antes de ser instituída a obrigatoriedade de contratação de pessoas com deficiência, raras eram as empresas que as empregavam. Portanto, a elas não eram dadas oportunidades para terem, em seu currículo, experiência profissional. Neste caso, se houver a necessidade de conhecimentos prévios para a ocupação do cargo, a organização deve oferecer ensejos que propiciem o desenvolvimento das habilidades e competências para o desempenho da função. Em relação à escolaridade, a empresa deve também considerar o histórico excludente destas pessoas, pois “à ela não foram dadas oportunidades iguais de acesso à escolarização, tendo, muitas vezes, acesso ao conhecimento e à certificação por meio do apoio da família ou da comunidade local” (BRASIL, 2007, p. 27). Portanto, mesmo não apresentando a formação acadêmica desejada, a pessoa com deficiência pode possuir os saberes imprescindíveis para o desenvolvimento das 07 R E V I S T A página HOMINIS 08 Saúde e Humanidades funções, os quais poderão ser observados através da realização de testes e similares. Ambas as atitudes obedecem aos preceitos descritos na Recomendação nº 168 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, em seu artigo 36, alínea “c”, assim dispõe: Sempre que possível e apropriado, as organizações de empregadores deveriam tomar medidas para: [...] c) assessorar seus membros sobre os ajustes que poderiam efetuar-se para os trabalhadores portadores de deficiência nas tarefas essenciais ou nas exigências dos empregos apropriados (BRASIL, 2007, p. 28). Nas entrevistas, na aplicação de testes e durante todo processo de integração de funcionários com deficiência, a empresa deve dispor de profissionais capacitados para auxiliá-los, considerando a deficiência dos candidatos, que, no ato de inscrição da vaga, deve fazer menção de suas restrições. Os instrumentos utilizados devem estar em formato acessível para as diferentes deficiências, como, por exemplo, a presença de intérprete de sinais, quando o candidato for surdo, teste em braile para os cegos etc (BRASIL, 2007). Para a efetivação da contratação da pessoa com deficiência, a empresa deve seguir os procedimentos e normas gerais descritos na legislação trabalhista. Os salários e os benefícios ofertados ao funcionário com deficiência serão iguais aos demais funcionários que ocupam a mesma função. Em alguns casos, pode haver flexibilidade de horário e redução de carga horária, com pagamento salarial proporcional. Outro importante elemento no processo de contratação é o exame admissional, que contribuirá significativamente para a integração do colaborador com deficiência no ambiente de trabalho e fazer com que a empresa conheça suas restrições e, a partir daí, encontre meios para anular os entraves que possam ocorrer no seu desenvolvimento profissional, em todos os aspectos, propiciando soluções que garantam o desempenho de suas funções, de forma plena e eficaz: Esta interação é particularmente importante, devido à constatação de que, no processo de admissão do deficiente, mais de que em qualquer outro exame médico admissional ou exame médico de retorno ao trabalho, a avaliação é personalizada e específica, levandose em consideração a capacitação profissional, as exigências do trabalho, as normas de segurança e a possibilidade de adaptação dos processos, instalações e fluxos envolvidos na execução das tarefas, para minimizar ou mesmo neutralizar o impacto das limitações do deficiente e garantir sua integridade física e integração social (REBELO, 2008, p. 58). De posse destas informações, a empresa pode adotar atitudes para viabilizar a inserção deste colaborador na organização, considerando que, muitas vezes a pessoa com deficiência, pela sua limitação, não consegue desenvolver o conjunto das funções inseridas num mesmo cargo, mas pode realizar grande parte delas. A empresa, sempre que possível, deve verificar a possibilidade de desmembrar as funções de forma a adequar o cargo às peculiaridades dos candidatos (BRASIL, 2007). A integração do novo colaborador com deficiência deve ser realizada desde suas primeiras horas no ambiente organizacional, contemplando a apresentação da empresa, acolhimento pelos colegas e a orientação sobre suas futuras atividades, proporcionando-lhe estímulo e segurança para o exercício de sua função. Aos gestores compete, antes mesmo da fase de seleção dos candidatos, tornar esta ação participativa e sensibilizar todos os funcionários da organização, já que a integração do grupo depende do envolvimento de todos os níveis hierárquicos, sendo indispensável a preparação dos supervisores e colegas de trabalho, para que possam criar um ambiente organizacional propício ao acolhimento do colega com deficiência (REBELO, 2008). De tal modo, devem-se criar estratégias para elucidar o assunto, a fim de que todos se sintam bem dispostos para receber e conviver com o novo colega: Cada colaborador da área deve estar sensibilizado sobre as questões referentes à deficiência e à diversidade de forma geral. Uma vez conscientizado, o ambiente se torna propício à comunicação aberta, sem qualquer tipo de receio e os pré-conceitos em torno das R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades pessoas com deficiência são derrubados. Os trabalhos de sensibilização corporativa são f u n d a m e n ta i s p a ra a re t e n ç ã o d o s profissionais com deficiência na empresa, e são peças chave desta empregabilidade (FEBRABAN, 2006, p.13). No momento da recepção, todo quadro funcional deve estar movido, no sentido de eliminar preconceitos, estereótipos e outras atitudes que atentem contra o direito das pessoas de serem iguais, permitindo, dessa forma, o respeito e a convivência com as pessoas com deficiência (BRASIL, 2007). O gestor deve conduzir este processo com receptividade e sabedoria, fazendo com que todos os colaboradores vejam na inclusão uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional, pois a convivência salutar com pessoas com deficiência pode ser um importante facilitador do relacionamento interpessoal e um exemplo a ser seguido de perseverança e superação de dificuldades (REBELO, 2008). Demonstrar equidade de condições, também poderá contribuir para minimizar as diferenças neste processo, já que em uma empresa inclusiva todos os funcionários trabalham juntos e possuem igualdade de oportunidades (FEBRABAN, 2006). Uma das formas de acompanhamento do trabalhador deficiente é através da avaliação de desempenho. Esta deve ser realizada com especial atenção, considerando suas limitações e suas peculiaridades, ponderando, se seu acesso aos instrumentos e regras da instituição lhe foi proporcionado de forma compreensível. Se os critérios utilizados forem usados como padrões de avaliação, não estariam sendo respeitadas as peculiaridades das pessoas com deficiência (BRASIL, 2007). O responsável pela aplicação da avaliação necessita de aptidão para reconhecer as necessidades e potencialidades do indivíduo. Para tanto, é de fundamental importância que as chefias sejam treinadas para efetivar sua aplicação de maneira integra, dinâmica e eficaz, permitindo ao avaliado a exposição de suas expectativas e críticas sobre a organização. Este deve ser um procedimento norteador para auxiliar no processo de inclusão social e visar a construção de página procedimentos de capacitação e qualificação destes profissionais. Segundo Ribeiro (2012), a contratação de pessoas com deficiência deve ser vista como qualquer outra contratação, visto que se espera do trabalhador, em quaisquer condições, profissionalismo, dedicação e assiduidade, enfim, valores esperados de qualquer empregado. Portanto, não existe concessão em Lei que estabeleça a estabilidade para estes indivíduos. Caso não apresente os elementos e competências esperadas de um bom profissional, a empresa pode realizar o desligamento do funcionário. Demitir, seja qual for o motivo, não é uma tarefa fácil. O importante é que a deficiência não seja a causa desta demissão, que o funcionário saiba disso e que receba as devidas explicações (FEBRABAN, 2006). O cargo deixado pela pessoa com deficiência deve, obrigatoriamente, ser preenchido por outro cotista, nos termos do parágrafo 1º do artigo 93 da Lei 8.213 (BRASIL, 1991). Assumir a responsabilidade pela inclusão e aplicá-la através da gestão de pessoas, faz com que as organizações cumpram seu papel, oferecendo dignidade ao ser humano. A própria sociedade, hoje, cobra das empresas o compromisso de assumirem seu papel social, o que modifica a sua imagem junto à sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS As reflexões deste estudo remetem à necessidade e aos desafios da gestão de pessoas em incluir a pessoa com deficiência no mercado de trabalho de forma íntegra, legítima e responsável. Em contraponto à visão simplista, de que as pessoas com deficiência incomodam, pode-se concluir que, além de não incomodarem, elas ensinam e são efetivamente construtoras da sociedade, através de seu trabalho, experiências e conquistas. A legislação, apesar de impor à sociedade o processo de inclusão, permitiu a todos a convivência e o conhecimento de que paradigmas podem ser rompidos e conquistas podem ser obtidas através da determinação e da ajuda mútua, em um processo de troca de 09 R E V I S T A página HOMINIS 10 Saúde e Humanidades experiências e de vidas entre pessoas com e sem deficiências visíveis, uma vez que todos os seres humanos, de certa forma, têm algum tipo de deficiência em relação aos demais e que, às vezes, umas são mais aparentes do que as outras. No entanto, ainda são poucas as organizações que aderem a esta prática de maneira eficaz, devido a dificuldades e falta de conhecimento na implantação e gerenciamento de estratégias que garantam a contratação e permanência da pessoa com deficiência em seus quadros. Muitas destas contratações são meramente em cumprimento aos preceitos legais, sem garantir nenhuma perspectiva ao funcionário com deficiência, o que acaba refletindo diretamente no resultado deste procedimento. Diante deste processo, o papel primordial da gestão de pessoas é conscientizar a todos os envolvidos no processo quanto aos benefícios da inclusão para a organização. Além da imagem positiva da empresa, são inestimáveis os benefícios no ambiente de trabalho, já que a contratação da pessoa com deficiência fo r ta l e c e o e s p í r i t o d e e q u i p e , d e cooperativismo, de solidariedade e humaniza o ambiente, fazendo com que todos sejam corresponsáveis por todos, e que pessoas com deficiência tenham a oportunidade de acesso e de permanência no mercado de trabalho, de acordo com suas capacidades e competências, o que promove a igualdade, acessibilidade e a valorização da diversidade. A organização que prática a inclusão contribui para a construção de uma sociedade mais justa e humana, assumindo sua responsabilidade social de reconhecer que as desigualdades podem ser superadas e transformadas em potencialidades globais no sucesso das organizações e de seus colaboradores. REFERÊNCIAS ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 9050. ABNT, Rio de Janeiro: 2004. ATHAYDE, B. Gestão inclusiva com deficientes físicos ainda é limitada. 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Acesso em: 15 mar. 2014. 11 R E V I S T A 12 Saúde e Humanidades título: Análise das respostas glicêmicas, lipídeos plasmáticos e índice de massa corporal após treinamento físico em indivíduos portadores de diabetes mellitus Tipo 2 HOMINIS Juliana Vallim Jorgetto Mestre em Ciências Médicas/Endocrinologia Clínica-UNIFESP e Docente da Faculdade Pitágoras Campus Poços de Caldas/MG. email:[email protected] página Giovanna Vallim Jorgetto Mestre em Ciências da Saúde e Docente da Faculdade Pitágoras Campus Poços de Caldas. email:[email protected] Daniele Albano Pinheiro Doutora em Ciências Fisiológicas e Docente do Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino de São João da Boa Vista-UNIFAE. email:[email protected] RESUMO A prática regular de atividade física tem sido recomendada para a prevenção e reabilitação de doenças cardiovasculares por diferentes associações de saúde no mundo. Analisar o efeito do exercício físico regular de 36 semanas no controle glicêmico, lipídeos plasmáticos e Índice de Massa Corporal em indivíduos diabéticos tipo 2 de uma Unidade de Saúde de um município do interior paulista. As variáveis estudadas foram glicemia plasmática de jejum, colesterol total e frações, e Índice de Massa Corporal (n= 25) e a medição antropométrica por peso e altura. Utilizouse o teste T-pareado, e os resultados foram expressos em média e desvio padrão. Houve redução estatisticamente significante (p‹0,05) nas médias das variáveis estudadas após o programa de treinamento físico. Estes resultados permitem concluir que o exercício físico é de grande importância no controle metabólico, lipídeos e índice de massa corporal nos diabéticos, diminuindo assim esses parâmetros. Palavras-Chave: Exercício físico, Índice glicêmico, Lipídeo plasmático, IMC, Diabetes Mellitus. ABSTRACT Regular physical activity has been recommended for the prevention and rehabilitation of cardiovascular diseases by different health associations in the world. To analyze the effect of regular exercise for 36 weeks in glycemic control, plasma lipids and body mass index in type 2 diabetic subjects of a Health Unit in a city of São Paulo. The variables studied were fasting plasma glucose, total cholesterol and fractions, and body mass index (n = 25) and anthropometric measurement of height and weight. We used the paired t-test, and the results were expressed as mean and standard deviation. There was a statistically significant reduction (p <0.05) in the variables studied after physical training program. These results suggest that physical exercise is very important in metabolic control, lipids and body mass index in diabetics, thus decreasing these parameters. Keywords: Physical exercise, glycemic index, Plasma Lipid, BMI, diabetes mellitus. R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades INTRODUÇÃO Atualmente, o diabetes mellitus é considerado como uma das principais doenças crônicas que afetam o homem. É um problema de saúde universal, acometendo todas as classes socioeconômicas e afetando populações de países em todos os estágios de desenvolvimento, pois é uma doença crônica que afeta milhões de pessoas e suas complicações têm cada vez mais efeitos na qualidade de vida e mortalidade (DANIELE et al., 2013). Por se tratar de uma síndrome decorrente da falta ou produção diminuída de insulina e/ou da incapacidade desta em exercer adequadamente seus efeitos metabólicos, o DM caracteriza-se pelo aumento da glicose no sangue (hiperglicemia) e pela perda de glicose na urina (glicosúria), associada ou não a outras substâncias, ocasionando modificações no metabolismo dos carboidratos, lipídeos e proteínas. Essas alterações metabólicas podem apresentar-se de forma aguda ou crônica, comprometendo várias funções do organismo (GARCIA, SANZ, SANZ, 2013). O número de pessoas com diabetes tipo 2 (DM2) passará de 135 milhões em 1995 para 300 milhões em o ano de 2025. Assim, as medidas de prevenção da diabetes e síndrome metabólica são vitais para reduzir o custo crescente desta doença altamente endêmica. Muitas complicações associadas com diabetes, tais como a hipertensão, acidente vascular cerebral, saúde mental deficiente, fraqueza muscular, depressão, e sonolência diurna também têm sido associadas à vida sedentária (MURANO et al., 2014). Além disso, tem sido amplamente demonstrado que as intervenções no estilo de vida, que incluem atividade física regular e hábitos alimentares saudáveis ?são b e n éf i ca s p a ra p a c i e nte s d i a b ét i co s (GUCCIARDI, CHAN, MANUEL, SIDAMI, 2013). O controle metabólico de indivíduos com a doença em evolução consiste em um dos maiores desafios dos serviços de saúde pública americanos e do Brasil (CRAWFORD et al., 2010). Por isso, o desenvolvimento de programas eficazes e viáveis aos serviços públicos de saúde para a prevenção primária de diabetes mellitus tipo 2 em população de risco é necessário tanto para o controle de incidência página de diabetes mellitus tipo 2 como também para a prevenção secundária de suas complicações metabólicas. Os efeitos da prática da atividade física regular para a saúde têm sido amplamente documentados (JORGETTO, PINHEIRO, 2011). Há evidências de que os resultados inicialmente obtidos num programa de atividade física só serão mantidos se os indivíduos continuarem praticando exercício apropriado em longo prazo (SNEL et al., 2012; RENNIE et al., 2003). O objetivo do presente estudo foi analisar o efeito do exercício físico regular de 36 semanas no controle glicêmico, lipídeos plasmáticos e IMC em indivíduos diabéticos tipo 2 de uma Unidade de Saúde de um município do interior paulista. MATERIAIS E MÉTODOS Trata-se de uma pesquisa do tipo quase experimental, retrospectiva e comparativa, do tipo antes e depois, na qual foram analisados dados obtidos dos prontuários de uma amostra de diabéticos (n=25), atendida em uma Unidade de Saúde de um munícipio do interior paulista. Os indivíduos foram convidados a participar do estudo, por ocasião de sua consulta agendada. Quando preenchiam os critérios de inclusão (DM tipo 2, idade entre 45 a 75 anos, estar participando do programa HIPERDIA (programa desenvolvido pelo Ministério da Saúde voltado para pacientes diabéticos e hipertensos), idade diagnóstico maior que 5 anos e apresentar ou não patologia associada) e aceitaram participar do estudo, assinaram um termo de consentimento. Os critérios de exclusão foram: faltar ao programa de exercícios físicos, e os indivíduos que tiveram seus tratamentos medicamentosos modificados durante o programa de exercícios (antidiabéticos orais e/ou insulina). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FAE- Faculdades Associadas de Ensino de São João da Boa Vista, e os participantes que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Utilizou-se um modelo experimental de préteste e pós-teste aplicado ao grupo, sem fazer uso de grupo controle. Foram analisadas as 13 R E V I S T A página HOMINIS 14 Saúde e Humanidades variáveis glicemia plasmática de jejum, lipídeos plasmáticos: colesterol total, colesterol de alta densidade (HDL), colesterol de baixa densidade (LDL) e índice de massa corporal (IMC) pré e pós-treinamento. Essas variáveis foram coletadas apenas no primeiro e último dia de treinamento físico do grupo e descritas em seus prontuários médico e de atividade física, antes e após as 36 semanas no período de julho/2002 a abril/2003 pela mesma equipe multidisciplinar. A coleta de sangue em jejum foi realizada na Unidade Básica de Saúde pelos profissionais da área de enfermagem, visando à glicemia plasmática de jejum e os lipídeos plasmáticos. Em contrapartida, a avaliação antropométrica (peso e altura) foi realizada no Centro Comunitário Luis de Freitas, onde estes pacientes faziam seus exercícios físicos por profissionais da educação física e fisioterapia e também a coleta de dados referentes a fármacos, tipo de diabetes, tempo de diagnóstico, idade e sexo anotados em prontuários específicos para treinamento físico desses sujeitos. Os dados citados anteriormente não foram coletados para posterior análise, e sim, para a seleção e descrição da amostra. Tanto a coleta de sangue como os exercícios físicos aplicados já faziam parte da rotina no local do estudo. O Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado mediante divisão do peso (kg) pela altura (m) ao quadrado. Os participantes foram categorizados segundo os valores de IMC entre 18 e 24,9 kg/m2, 25 e 29,9 kg/m2 para sobrepeso e > 30 kg/m2 para obesidade (TOBIAS et al., 2014). Foi realizado um programa de exercícios físicos de 36 semanas, sendo três sessões por semana com 50 minutos de duração. Cada sessão estava assim dividida: 5 minutos de aquecimento com exercícios de alongamento de Membros Superiores (MMSS) e Membros Inferiores (MMII) e circundução de membros e tronco; 35 minutos de caminhada e/ou hidroginástica e 10 minutos de resfriamento com exercícios de alongamento e técnicas de respiração e relaxamento. Os resultados foram analisados realizando-se a média e desvio padrão das variáveis, bem como a aplicação do teste estatístico T-pareado, sendo considerado significante os resultados com variação de 95% entre o grupo pré e póstreinamento físico (p<0,05), compatível com valores da área da saúde e apresentados sob a forma de gráficos. RESULTADOS Foram analisados prontuários de 25 sujeitos que apresentavam idade diagnóstica entre 5 a 15 anos de doença, tratados com antidiabéticos o ra i s e /o u i n s u l i n a , d i eta e o u t ro s medicamentos para patologias associadas. Todos os participantes também eram hipertensos, e deste apenas um havia sofrido um Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e outro apresentava coronariopatia. A glicemia de jejum dos sujeitos da amostra encontra-se representada no gráfico 1. Os resultados indicam diminuição significativa (p=0,0018) entre os grupos pré (146,93 ±52,21 mg/dl) e pós-teste (121,16±63,57 mg/dl) após um programa de exercício físico regular. O gráfico 2 apresenta as médias pré-teste (215,96±78,62 mg /dl) e pós-teste (195,05±103,29 mg /dl) dos lipídeos plasmáticos, e verifica-se que os indivíduos e st u d a d o s a p re s e n ta ra m d i m i n u i ç ã o estatisticamente significante (p=0,0010) nessas variáveis. O gráfico 3 mostra o efeito do programa de treinamento físico no IMC com diminuição nos valores da média do grupo (p=0,0036). A média e desvio padrão pré-teste foram R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades 30,65±15,79 Kg/cm e no pós-teste foram de 28,29±11,16 Kg/cm). DISCUSSÃO A associação entre inatividade física e resistência à insulina foi sugerida pela primeira vez em 1945, e desde então surgiram novos estudos epidemiológicos demonstrando essa relação com a presença de fatores de risco cardiovascular como hipertensão arterial, entre outros (LAKKA et al., 2003). Por outro lado, a prática de atividade física tem sido considerada uma importante ferramenta na prevenção e tratamento de indivíduos com diabetes principalmente do tipo 2, onde programas de exercícios físicos têm mostrado eficácia no controle glicêmico, melhorando a sensibilidade `a insulina e tolerância à glicose, diminuindo a glicemia sanguínea, os valores de lipídeos plasmáticos e consequentemente o IMC desses indivíduos, como mostrou Lazarevic et al., 2006, em seu estudo. Conforme recomendação da OMS sobre prevenção de doenças crônicas, a implementação de programas de mudança de estilo de vida em indivíduos portadores de fatores de risco deve ser associada a alterações ambientais que favoreçam as escolhas individuais na adoção e manutenção do estilo de vida saudável. Como pode-se observar nesse estudo, a glicemia de jejum após as 36 semanas de treinamento físico diminuiu comparada com valores do pré-treinamento, indo de encontro aos resultados de COSTA et al., 2003. Esses resultados concordam com resultados da literatura (KAIZU et al., 2014; LINDEN et al., 2014; ROBERTS, LITTLE, THYFAULT, 2013) já que com o treinamento físico há maior mobilização e liberação de glicose (glicogenólise), mas também, ocorre maior utilização desse substrato para a produção de energia e manutenção da atividade física. Também, sabe- página se que o exercício físico ativa o transportador de glicose (GLUT-4) mesmo com alteração na produção e liberação de insulina (BROWN et al., 2014). Os resultados desse estudo mostraram um papel benéfico da aplicação de um programa de 36 semanas de treinamento físico para melhorar o perfil lipídeo dos voluntários. Alguns estudos (MAHDIREJEI et al., 2013; ZHANG et al., 2013; HERBST et al., 2014) demonstraram que a resposta ao exercício físico melhora os níveis de C-TOTAL, HDL-C E LDL-C, destacando o importante papel do treinamento físico no aumento do HDL colesterol. Os achados desse estudo são concordantes com os benefícios de um programa de exercícios de três meses, que reduziu o LDL e elevou o HDL em 10%, quando comparado aos níveis basais, dentro da primeira semana de treinamento físico (GUSTAT et al., 2002). Segundo Van Dyck et al. (2014), o IMC é considerado medida antropométrica pela relação entre massa e altura do indivíduo, sendo considerada uma variável importantíssima devido os fatores de risco cardiovascular (CASTANEDA, 2001). Para Huang, Zhang, Gandra, Chin, Meltzer, 2008, levando em consideração a tendência de aumento da prevalência do diabetes, é de se prever que a prática regular de atividade física seja recomendada para a prevenção e reabilitação de doenças cardiovasculares por diferentes associações de saúde no mundo, sendo também considerada uma importante ferramenta na prevenção e tratamento de indivíduos com diabetes principalmente do tipo 2, tratados ou não com insulina. Um programa de exercício físico regular de 36 semanas, demonstrou eficácia no controle glicêmico, além dos níveis de lipídeos plasmáticos e IMC dos indivíduos pesquisados, embora essa eficácia seja apenas sugestiva, pois neste estudo não tivemos um grupo controle. Programas de intervenção de estilo de vida para DM2 tem sido previamente verificada em muitos estudos controlados, pois o exercício físico apresenta efeitos moduladores sobre o controle glicêmico do que apenas terapias medicamentosas isoladas, assim como no 15 R E V I S T A página HOMINIS 16 Saúde e Humanidades estudo de Penn et al., 2009. Arora, Shenoy, Sandhu, 2009 e Winnick et al., 2008, descrevem que o treinamento de resistência isolado ou acompanhado de exercício aeróbio pode melhorar tanto o ajuste glicêmico como os valores de lipídeos e consequentemente o IMC. O excesso de adiposidade é um fator de risco bem estabelecido para a morte prematura na população em geral, incluindo a morte devido à d o e n ç a c a r d i o v a s c u l a r. E v i d ê n c i a s epidemiológicas provenientes de estudos prospectivos sugerem um efeito protetor para o diabetes mellitus tipo 2 por intermédio da adoção de um estilo de vida saudável. O Nurses Health Study, conduzido com 84.941 mulheres americanas, observou que a ausência de tabagismo, prática de trinta minutos de atividades físicas diária, manutenção de peso e padrão alimentar habitual rico em fibras e ácidos graxos polinsaturados, pobre em gorduras saturadas e ácidos graxos trans com baixo índice glicêmico reduziu em 91,0% o risco de desenvolver o diabetes mellitus tipo 2 após 16 anos de seguimento, segundo Tobias et al., 2014. Observou-se que após o treinamento físico aeróbio o IMC dos voluntários diminui, ou seja, houve redução de peso, o que significa que a atividade física é o efeito mais variável do gasto energético diário, pelo que a maioria das pessoas conseguem gerar taxas metabólicas que são 10 vezes maiores que seus valores em repouso durante exercícios com participação de grandes grupos musculares, como caminhada, corridas e hidroginástica, segundo Pollock (2001). Monfort-Pires et al. (2014) evidenciaram que o treinamento físico composto por exercícios físicos aeróbios diminui a quantidade de gordura corporal em indivíduos idosos, e isso pode mediar alguns efeitos metabólicos do exercício físico aeróbio, principalmente pelo excesso da gordura abdominal estar associada com a resistência à insulina e hiperinsulinemia. Nossos dados estão de acordo com outros estudos de Yavari et al. (2014); Molsted, Johnsen, Snorgaard (2014); Hankonen et al. (2014), que também observaram a diminuição do IMC após um programa de treinamento físico aeróbio. No geral, os efeitos benéficos do exercício sobre a aptidão física, os sintomas da doença e qualidade de vida em DM2 são fortemente observados nos estudos de Praet et al., 2008 e Atkinson, Davenne, 2007, levando em consideração que as mudanças comportamentais são necessárias para atingir os objetivos do treinamento físico sobre a redução da obesidade, resistência à insulina e complicações cardiovasculares. CONCLUSÕES Conclui-se que a prática regular de atividade física é recomendada para pacientes diabéticos, pois nesta amostra, promoveu controle glicêmico, diminuindo a glicemia sanguínea desses indivíduos, ajudou a diminuir os valores de lipídeos plasmáticos e de IMC. Por isso, a manutenção de uma vida saudável e peso corporal devem continuar a ser a pedra angular no controle do diabetes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARORA, E.; SHENOY, S.; SANDHU, J. S. 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Orientadora, Professora convidada do Curso de Especialização em Prevenção e Controle de Infecção em Serviços de Saúde da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS) campus Poços de Caldas/MG. Coordenadora do Curso de Enfermagem da Faculdade Pitágoras de Poços de Caldas. email: [email protected] RESUMO A Comissão de Controle de Infecção Hospitalar tem como finalidade principal controlar e prevenir infecção hospitalar e, uma de suas medidas é racionar o uso indiscriminado de antimicrobianos. O presente estudo teve como objetivo buscar e avaliar as evidências disponíveis na literatura nacional acerca da importância da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar no controle da resistência microbiana. Neste estudo foi adotada, como forma metodológica, a revisão de literatura, no período compreendido entre 2002 a 2012 e para a seleção dos artigos, utilizou – se a base de dado LILACS, LIS e MEDCARIB. A amostra constitui-se de 14 artigos sobre o tema. Dentre as lacunas do tema investigado, destaca-se a necessidade de uma mudança radical no comportamento e atitude dos profissionais de saúde frente ao controle da resistência bacteriana dentro do contexto da infecção hospitalar. Palavras-Chave: Infecção Hospitalar; Farmacorresistência bacteriana; CCIH. ABSTRACT The Hospital Infection Control Committee's main purpose is to control and prevent hospital infection and one of its measures is to ration the indiscriminate use of antibiotics. This study aimed to search and evaluate evidence available in the national literature about the importance of Hospital Infection Control Commission in controlling microbial resistance. This study adopted as methodological way, the literature review, in the period 2002-2012 and for the selection of items, used - if the data base LILACS LIS and MEDCARIB. The sample consisted of 14 articles on the topic. Among the theme of gaps investigated, there is the need for a radical change in the behavior and attitude of health professionals outside the control of bacterial resistance within the context of hospital infection. Keywords: Infection; Bacterial Drug Resistance; CCIH. 19 R E V I S T A página HOMINIS 20 Saúde e Humanidades INTRODUÇÃO De acordo com Brasil (1996) a Portaria nº 2.616, de 12 de maio de 1998, do Ministério da Saúde (MS), Infecção Hospitalar (IH) é aquela adquirida após a admissão do paciente e que se manifeste durante a internação ou após a alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares. Oliveira e Maruyama (2008) afirmam que a Portaria mencionada acima determina a obrigatoriedade da existência de um Programa de Controle de Infecção Hospitalar (PCIH) em todos os hospitais do país, trata da organização e competências da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar – CCIH; estabelece os conceitos e critérios diagnósticos das Infecções Hospitalares, dá orientações sobre a vigilância epidemiológica das infecções hospitalares e seus indicadores; faz recomendações sobre a higiene das mãos e enfatiza a observância de publicações anteriores do Ministério da Saúde quanto ao uso de germicidas, microbiologia, lavanderia e farmácia. A Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) deve possuir ainda membros de dois tipos: consultores e executores, um dos membros executores da CCIH deve ser preferencialmente um enfermeiro (BRASIL, 1996). Pereira et al. (2005) afirmam que na década de 70 houve uma verdadeira reformulação das atividades de controle de infecção, os hospitais americanos criaram núcleos para o controle de infecção e aprofundaram os estudos sobre o tema; no Brasil surgiram as primeiras Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). Na década de 80 começou a ocorrer uma conscientização dos profissionais de saúde a respeito do tema com a instituição da CCIH em vários estados do país. Para Moura et al. (2007) todos os p ro f i s s i o n a i s d a s a ú d e e d e m a i s profissionais inseridos na estrutura da assistência hospitalar, de alguma maneira, estão permanentemente participando do trabalho em serviço, do trabalho em saúde como um todo e também são responsáveis pela estrutura, processo e resultados dos Programas de Prevenção e Controle de Infecção Hospitalar. Segundo Azambuja, Pires e Vaz (2004) as infecções hospitalares são decorrentes tanto das condições intrínsecas do paciente/cliente quanto de ações/procedimentos realizados pela equipe multiprofissional e têm sido tema de muitas discussões e reflexões entre os profissionais de saúde. Carneiro et al. (2011) ressaltam que as infecções adquiridas em ambiente hospitalar são causadas por microrganismos que provavelmente não causariam infecções em indivíduos sadios, mas tornam-se causa freqüente de doenças em pessoas hospitalizadas, cujas defesas orgânicas encontram-se diminuídas. A IH representa um dos principais problemas da qualidade da assistência à saúde, devido a sua grande incidência, letalidade significativa, aumento no tempo de internação e no consumo de medicamentos (GONÇALVES; KREUTZ; LINS, 2004). Segundo Moura et al. (2007) a problemática da IH no Brasil cresce a cada dia, considerando que o custo do tratamento dos clientes com IH é três vezes maior que o custo dos clientes sem infecção. Mesmo com a legislação vigente no país, os índices de IH permanecem altos, 15,5%, o que corresponde a 1,18 episódios de infecção por cliente internado com IH nos hospitais brasileiros. Segundo Pereira et al. (2005) a maior parte das IH manifesta-se como complicações de pacientes gravemente enfermos, em consequência da hospitalização e da execução de procedimentos invasivos ou imunossupressores a que o doente, correta ou incorretamente, foi submetido. R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades Os riscos de IH estão presentes no ambiente hospitalar, e para se alcançar um controle de infecções efetivo, há necessidade da construção de conhecimentos específicos aos profissionais da área da saúde (CARDOSO; SILVA, 2004). Gonçalves, Kreutz e Lins (2004) ressaltam que a ocorrência de IH depende da existência de uma fonte de infecção, das formas de transmissão do agente etiológico e da susceptibilidade do cliente, podendo se tornar um “ciclo” que deve ser interrompido. Daí a importância da existência e da atuação de uma comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). A CCIH faz parte do Programa de Controle de Infecção Hospitalar (PCIH) e é um órgão de assessoria à autoridade máxima da instituição e de execução das ações de controle de infecção hospitalar, dentre suas competências consta controle do uso racional de antimicrobianos. Para Carneiro et al. (2011) e Andrade; Leopoldo; Haas (2006), os antimicrobianos são fármacos com a propriedade de suprimir o crescimento dos patógenos ou destruí-los e cuja utilização na prática clínica modificou o curso natural, além de melhorar o prognóstico das doenças infecciosas. Eles podem ser utilizados de forma profilática e terapêutica, porém, seu emprego crescente e indiscriminado é o principal fator relacionado com a emergência de cepas bacterianas resistentes. Resistência bacteriana é definida como capacidade do germe de crescer in vitro em presença da concentração inibitória dessa droga quando na corrente sanguínea (QUEIROZ et al., 2012). Segundo Pinhati, Moura e Damasceno (2010) a aquisição de resistência pelos microrganismos costumam ser em pacotes ou hierarquizadas. No primeiro caso a resistência não se direciona a apenas um antimicrobiano, mas a toda família de página antimicrobianos. Já no segundo caso entende-se que, quando há resistência aos antimicrobianos de gerações mais modernas, costuma-se observar in vivo a resistência aos antimicrobianos de gerações mais antigas. Devido ao uso irracional de antimicrobianos e a administração empírica, vários problemas de resistência microbiana surgiram como um novo desafio para a terapêutica, causando elevados índices de mortalidade (QUEIROZ, 2012). Para Fontana e Lautert (2006) com a evolução da tecnologia, antimicrobianos foram sendo aperfeiçoados, por outro lado, a invasão dos microrganismos multirresistentes e a luta contra esta resistência fragilizam o ambiente do cuidado humano e desafiam as ações dos trabalhadores da saúde no que se refere à prevenção das infecções hospitalares. Sem dúvida que, a associação dos microrganismos multirresistentes à infecção hospitalar agravou a situação gerando expectativas sombrias para o futuro, se medidas urgentes não forem tomadas (ANDRADE; LEOPOLDO; HAAS, 2006). Para Queiroz et al. (2012) o uso meticuloso dos antimicrobianos em ambientes clínicos adequados e praticas cuidadosas de controle de infecções permanecem sendo a melhor defesa contra a emergência e a disseminação da resistência microbiana. Frente ao exposto foi verificado que a resistência microbiana é um problema grave e importante, torna-se necessário enfatizar o papel do serviço de infecção hospitalar no controle da propagação das cepas microbianas multirresistentes. OBJETIVOS O presente estudo teve como objetivo realizar revisão sistemática da literatura, caracterizando as publicações quanto ao 01 21 R E V I S T A página HOMINIS 22 Saúde e Humanidades ano de publicação, tipo de estudo, número de autores, país de publicação, revista publicada e importância da CCIH no controle da resistência microbiana. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste estudo foi adotada, como forma metodológica, a revisão sistemática de literatura, no período compreendido entre 2002 a 2012, através da seguinte questão norteadora: dentre as publicações encontradas em artigos científicos, nas bases de dados LILACS, LIS e MEDCARIB, encontramos artigos que tratam do tema relacionado à importância da comissão de controle de infecção hospitalar no controle da resistência microbiana? A pesquisa foi realizada no site da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), através da base de dado LILACS (Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências da Saúde), LIS e MEDCARIB, que disponibiliza acesso livre e gratuito às informações técnico-científicas publicadas nacionalmente e internacionalmente e contém artigos científicos considerados autênticos e de fontes seguras. Dentre os critérios utilizados para a seleção estão: artigos publicados em português e ano de publicação no período de 2002 a 2012, que apresentassem o assunto relacionado aos objetivos deste estudo e que seu acesso completo fosse livre e gratuito. Foi utilizado como critério para exclusão, os artigos publicados sob forma de resumo e os publicados em língua não portuguesa. Os descritores utilizados foram: Infecção Hospitalar; Farmacorresistência bacteriana; CCIH. Foram utilizados 14 artigos para a realização deste trabalho. Concomitantemente à seleção dos artigos pertinentes, foi realizada a leitura, interpretação e análise do material selecionado, utilizando-se o operador AND aos descritores. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados da TAB. 01 demonstram o número de referências bibliográficas encontradas nas bases de dados eletrônicas pesquisadas. Após análise da tabela acima, podemos observar que foram utilizados 14 artigos de relevância relacionados aos descritores propostos por esse estudo, devido critérios de inclusão deste. Através da análise deste material, todos abrangem questões referentes à resistência microbiana, CCIH e infecção hospitalar. De acordo com Santos (2004), atualmente a resistência microbiana é um grave e importante problema nos hospitais, sendo consequência do uso indiscriminado de antibióticos, uma vez que seu uso está entre as principais forças envolvidas nas infecções hospitalares. Os pacientes hospitalizados possuem alto risco de adquirir infecções hospitalares, ressaltando-se os seguintes fatores predisponentes: - Pacientes hospitalizados tendem a ser mais susceptíveis a infecções, devido sua condição de doente e o risco aumento quando são expostos a antibióticos. - Paciente imunossuprimido (AIDS, câncer, uso de corticoides e antibióticos) possui R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades página maior risco para adquirir infecção hospitalar; - Nestas circunstâncias, os microrganismos que normalmente não são patogênicos, tornam-se capazes de causar infecção hospitalar. A autora citada acima ressalta que o crescente interesse em estudar e analisar o problema da infecção hospitalar está voltado, principalmente, para o fenômeno das bactérias antibióticorresistentes. Os artigos analisados discorrem sobre desafios e perspectivas da infecção hospitalar, bactérias multirresistentes e CCIH. Pereira et al. (2005) reforçam que infecção hospitalar (IH) é um evento histórico, social e não apenas biológico, requerendo investimentos científicos, tecnológicos e humanos para incorporação de medidas de prevenção e controle. Gonçalves, Kreutz e Lins (2004) afirmam que os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, são muito importantes diante deste desafio, devendo se tornar os articuladores e motivadores dos saberes e fazeres relacionados ao controle de infecção. Também se destaca nos artigos a importância do uso racional de antimicrobianos. Carneiro et al. (2011) refo rça m a n e c e s s i d a d e d a C C I H desenvolver um programa de racionalização do consumo de antimicrobianos, visando a qualidade da assistência no âmbito da prevenção de infecções e, este programa além da redução 23 R E V I S T A página HOMINIS 24 Saúde e Humanidades da indução de cepas multirresistentes objetiva otimizar efeitos terapêuticos e minimizar efeitos indesejáveis dessas drogas, como por exemplo, a toxicidade. Lima, Andrade e Hass (2007) citam que desde a introdução do mais antigo antimicrobiano até o mais recente, vem se registrando uma pressão seletiva dos microrganismos causada, principalmente pelo uso indiscriminado de antimicrobianos, resultando no desenvolvimento de espécies resistentes. Atualmente, um número considerável de microrganismos desenvolveu resistência aos antimicrobianos convencionais, como também alguns estão impenetráveis aos novos fármacos. A escolha, uso, administração, cuidado na dosagem a fim de evitar terapêuticas e doses inadequadas de antimicrobianos que levam à resistência bacteriana é a responsabilidade que cabe à equipe de saúde como um todo. (HOEFEL; LAUTERT, 2006) Santos (2004) refere que a resistência microbiana tornou-se o principal problema de saúde pública do mundo e ela é uma inevitável consequência do uso indiscriminado de antibióticos em humanos e animais. A autora citada acima destaca, também, a importância de controlar a infecção hospitalar, pois, não havendo este tipo de infecção, não há necessidade do uso de antibióticos para tratá-la, diminuindo a pressão seletiva sobre as bactérias do ambiente hospitalar e dos pacientes. Segundo Oliveira (2012) a emergência de bactérias multirresistentes no ambiente hospitalar tem sido progressiva nas últimas décadas, constituindo-se em uma ameaça à saúde pública em todo mundo. O problema pode ser explicado pelo uso indiscriminado e inadequado dos antimicrobianos; adicionalmente verifica-se a inobservância ou a baixa conformidade com os protocolos e medidas de controle de infecção. Conforme Lima, Andrade e Hass (2007) é de extrema importância que cada instituição defina sua situação em termos de microbiota hospitalar bem como a multirresistência e quais são os critérios utilizados para definir cepas multirresistentes. Isso justifica as ações de prevenção e controle das infecções hospitalares que incluem vigilância do perfil microbiológico e de sensibilidade dos microrganismos e uso racional de antimicrobianos. Para Santos (2004), há uma necessidade que ocorra, urgentemente uma mudança consciente e radical no comportamento e de atitude de todos os profissionais de saúde, do consumidor (paciente), dos pesquisadores, dos empresários das indústrias farmacêutica, da administração hospitalar e do próprio governo e de muitos outros envolvidos no processo do controle da resistência bacteriana no contexto da infecção hospitalar, pois, infecção hospitalar controlada significa resistência bacteriana diminuída. CONCLUSÃO Como conclusão do presente estudo fica evidente que o uso inapropriado e abusivo de antibióticos contribui para o aumento progressivo da resistência bacteriana, fato este, que tem merecido atenção especial crescente nos últimos anos. Neste contexto percebe-se que o uso indiscriminado dessas drogas se tornou um grande desafio para a comissão de controle de infecção hospitalar. Sabendo que a R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades comissão tem como finalidade principal controlar e prevenir infecção hospitalar, a mesma deve desenvolver e implementar novas políticas e práticas que assegurem o uso criterioso de antimicrobianos, elaborar estratégias para monitorar o uso destas drogas, como formulários altamente restritivos justificando a necessidade de tal antimicrobiano, e os profissionais da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) devem ser habilitados no controle do uso de antimicrobianos para aconselhamento das prescrições e elaboração de protocolos. Agindo assim, a comissão intervirá de forma efetiva para a promoção do uso racional de antimicrobianos, de forma a minimizar a pressão seletiva sobre as bactérias. Outra estratégia a ser adotada pela comissão é a divulgação do perfil de sensibilidade dos microrganismos prevalentes e do uso de antimicrobianos, para conhecimento do corpo clínico. O controle da resistência bacteriana depende de um raciocínio complexo, envolvendo indicações de uso, protocolos de utilização, formas de administração e questões políticas referentes aos hospitais e interesses da indústria de medicamentos. Destaca-se também, a importância do trabalho multidisciplinar, a fim de que seja promovida uma mudança radical no comportamento e atitude dos profissionais de saúde. O envolvimento destes profissionais é essencial para o controle de infecções hospitalares, principalmente, àquelas causadas por bactérias antibioticorresistentes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, D.; LEOPOLDO, V.C.; HAAS, V.J. Ocorrência de bactérias multirresistentes em um centro de terapia Intensiva de Hospital Brasileiro de Emergências. Rev. Bras. Ter. intensiva, v.18, n.1, p.27-33, Mar. 2006. página BRASIL, Portaria n° 2.616 de 12 de maio de 1998. Expede na forma de anexos, diretrizes e normas para prevenção e controle das infecções hospitalares. 1998. 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Docente do curso de Engenharia Química e do Mestrado em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida, ambos do UNIFAE de São João da Boa Vista-SP. email: [email protected] RESUMO Este artigo se baseou no estudo de uma dissertação de mestrado que evidenciou o processo de conquista da certificação Fair Trade (comércio justo) em uma associação de agricultores familiares, certificada em 2009, no Sul de Minas Gerais. Para transformar esse grupo de agricultores numa associação foram necessárias algumas ações como a implementação de um planejamento estratégico adequado, uma mudança cultural e de gestão, entre outras. Diante desta perspectiva, o movimento social das práticas de comércio justo ajudou a estruturar e embasar a constituição da associação, de modo a identificar implicações positivas no negócio da própria associação e em seus associados, após a conquista da certificação Fair Trade. Sendo assim, esta proposta de pesquisa se apresenta como instrumento para abalizar a relação entre o crescimento econômico das práticas na modalidade de comércio justo no Brasil e em países em desenvolvimento, com enfoque nos impactos econômicos sobre a produtividade no mercado Fair Trade. O processo metodológico será fundamentado na pesquisa bibliográfica, no qual o aprofundamento empírico se deu por meio de pesquisa exploratória, cujos dados foram tratados de maneira qualitativa. Palavras-chave: Certificação Fair Trade. Associação. Cooperativa. Crescimento Econômico. Comércio Justo. ABSTRACT This article was based on the study of a dissertation which showed the achievement process of certification Fair Trade (fair trade) in an association of farmers, certified in 2009 in southern Minas Gerais. To transform this group of farmers in association were necessary some actions as the implementation of an adequate strategic planning, cultural change and management, among others. Given this perspective, the social movement of fair trade practices helped to structure and to support the association's constitution, in order to identify positive implications on the business association itself and its members, after the conquest of certified Fair Trade. Thus, this research proposal is presented as a tool to excel the relationship between economic growth of fair trade practices in sport in Brazil and in developing countries, focusing on economic impacts on productivity in the Fair Trade market. The methodological process will be based on the literature, in which the empirical study be made through exploratory research whose data were treated in a qualitative way. Keywords: Fair Trade Certification. Association. Cooperative. Economic growth. Fairtrade. 27 R E V I S T A página HOMINIS 28 Saúde e Humanidades INTRODUÇÃO O Brasil está entre os países que mais produzem e consomem café e quando se bebe uma pequena xícara é difícil pensar quanto o produtor recebeu do preço pago. Além disso, raramente se pensa em quantas crianças morrem diariamente de fome, miséria, doenças e pobreza, causas que podem ser modificadas por uma condição de vida e trabalho melhores. É isso que o Fair Trade propõe: um componente essencial para modificar a vida das pessoas mais pobres para melhor, priorizando o lucro em prol das pessoas vulneráveis. Esse fenômeno global coloca as pessoas antes dos lucros, focando em um salário justo, a sustentabilidade ambiental e a justiça social. O Fair Trade ou comércio justo é um movimento positivo que envolve alimento e bens. Quando os compradores adquirem produtores de agricultores que trabalham dentro do conceito do Fair Trade, ainda que esses produtores sejam mais caros que os produzidos dentro dos conceitos tradicionais de produção, é preciso compreender o porquê desse acréscimo. Os produtos advindos do Fair Trade geralmente estão localizados em áreas afetadas pela prática desleal para os seus produtos, em áreas localizadas em locais de conflito ou em áreas pobres. O Fair Trade possui as condições e ferramentas para mudar essa situação de vida dos pequenos produtores, tornandoos participantes do comércio internacional e também satisfazendo as suas necessidades sem agredir o meio ambiente. Alguns exemplos dos produtos afetados pelo Fair Trade são: café, algodão, linho, frutas exóticas e outros. Os produtores inseridos no esquema Fair Trade conseguem receber o suficiente ou o preço justo para sustentar as suas famílias, fortalecer a comunidade em que vivem, prover educação para os filhos e muito mais. Porém, é bom compreender que o Fair Trade não pensa apenas na comunidade que será beneficiada pela sua política. O Fair Trade trabalha a nível global. Os produtos agrícolas produzidos dentro do esquema Fair Trade advém de muito trabalho, dedicação, buscando qualidade e preço justo, provendo salários justos e decentes para os trabalhadores, além de providenciar empregos e outras necessidades para a comunidade, tais como educação, conhecimento, proteção ao meio ambiente, saúde, ou seja, o Fair Trade pensa na criação de um mundo melhor para todos. Muitos se questionam sobre o porquê de pagar mais pelos produtos Fair Trade. Se for pensar nos benefícios criados pela política Fair Trade, os produtos se tornam baratos, pois a sua produção busca garantir um mundo melhor não apenas para os produtores, mas também para os consumidores. Adaptar os atores, sejam eles produtores ou consumidores, ao esquema do mercado global, porém dentro dos valores fundamentais e esquemas do comércio justo não é tarefa fácil, pois essa adaptação leva tempo. Os mercados vêm crescendo cada vez mais, as empresas e os produtos vêm evoluindo e para inserir os pequenos produtores nesse mercado é preciso: criar condições para que as relações comerciais diretas entre os produtos e compradores sejam pensadas a longo prazo; o ideal é pensar em uma ação coletiva ou em uma ação cooperativa entre os produtores para que os lucros sejam igualmente distribuídos entre todos e as melhorias também sejam para todos, afinal a comunidade precisa ser o centro das atenções; é preciso modificar as produções agrícolas de maneira a produzir produtos certificados; é preciso ajudar os pequenos produtores a buscarem e encontrarem crédito a preços acessíveis; o trabalho precisa estar inserido dentro das R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades políticas da Organização Internacional do Trabalho, ou seja, sem trabalho escravo, infantil ou forçado e com direito a negociação coletiva; é preciso focar em educação como um forma alternativa de informar aos produtores e consumidores sobre as práticas e sobre o comércio dos produtores envolvidos nas práticas do comércio justo internacional; a gestão ambiental precisa estar no foco das relações entre o homem produtor e o meio ambiente (isso inclui a não produção com pesticidas e herbicidas). Os pequenos produtores rurais encontraram nas práticas do Fair Trade condições para se encaixarem no mercado mundial de modo que pudessem determinar os preços e as condições que os favorecessem. Além disso, encontraram condições para criarem cooperativas que beneficiassem a todos, com preços justos, menos burocracia, menores custos e mais controles independentes dos outros. O Fair Trade também criou condições para o consumo ético e para a negociação realizada de forma justa. Assim, todos os a t o r e s d o Fa i r Tra d e t o r n a m - s e protagonistas de suas próprias vidas, decisões, práticas comerciais, valores, preço, facilidades de cumprimento de prazos, entre outros, não se sentindo mais sozinhos contra os grandes comerciantes mundiais. Isso ocorre porque o Fair Trade regula normas e valores por meio de seus inspetores qualificados de maneira a garantir o cumprimento desses padrões. Enfim, o Fair Trade é um símbolo de solidariedade simbolizando a crença de que todos juntos podem imaginar, idealizar e criar um mundo diferente, justo, social e melhor para todos. Os pequenos produtores rurais perceberam que os mercados estão cada vez mais globais. O mercado é cada vez mais um intercâmbio internacional devido aos avanços da tecnologia e transporte. Assim o preço justo (cooperativas e página sindicatos de agricultores e trabalhadores organizados de maneira a estabelecer um piso mínimo de preços para os produtos), proibição de trabalho forçado e infantil, o esforço em conjunto dos grupos para trabalharem mais diretamente possível com os importadores de maneira a eliminar intermediários e quaisquer custos adicionais fazendo com que os trabalhadores recebam mais lucro pelos seus produtos e ganhando competências empresariais. O lucro alcançado pelas cooperativas acaba por beneficiar toda a comunidade, ajudando-a a crescer. Outro fator importante é a sustentabilidade ambiental, já que os métodos de cultivo e técnicas de produção ecologicamente corretos e destinados a serem sustentáveis para poderem preservar o solo; o uso de produtos químicos é totalmente proibido. Os princípios do Fair Trade conseguem alterar a vida das pessoas, quebrando o ciclo da pobreza, da fome e da desigualdade social, apoiando as famílias dos pequenos produtores e das comunidades de um modo geral. Portanto, o Fair Trade vem ajudando países em desenvolvimento a obterem um melhor n e g ó c i o n o â m b i t o d o c o m é rc i o internacional, já que se trata de uma aliança entre consumidores de países ricos e produtores de países pobres, aumentando a consciência pública, participação social e desafiando as regras comerciais mundiais injustas. A tarefa agora é levar esse modelo de sucesso para mais pessoas, comprovando que todos os parceiros do Fair Trade, num esforço de trabalho em conjunto, podem tornar uma visão ou uma ideia em realidade. Sendo assim, este artigo se apresenta na perspectiva de uma concepção social econômica relacionada às práticas do comércio justo (Fair Trade) articulada à construção de conhecimento na área social e econômica. Parte do panorama geral para 29 R E V I S T A página HOMINIS 30 Saúde e Humanidades o específico, buscando observar em cooperativas e/ou associações certificadas dentro dos critérios de comércio justo no Brasil e em países emergentes, a relevância de se evidenciar o crescimento econômico n o m e r c a d o Fa i r Tr a d e c o m o oportunidades de desenvolvimento e de negócios aos participantes envolvidos no processo. Para tanto, tem como objetivo se apresentar como instrumento para abalizar a relação entre o crescimento econômico das práticas na modalidade de comércio j u sto n o B ra s i l e e m p a í s e s e m desenvolvimento, com enfoque nos impactos econômicos sobre a produtividade no mercado Fair Trade. Quanto ao processo metodológico destinado a este artigo, foi fundamentado na pesquisa bibliográfica, no qual o aprofundamento empírico se deu por meio de pesquisa exploratória, cujos dados foram tratados de maneira qualitativa. RESULTADOS E DISCUSSÃO O comércio justo, comércio solidário ou Fair Trade pode ser definido como “uma prática comercial que busca oferecer melhores condições financeiras a pequenos produtores do terceiro mundo, por meio de mecanismos que têm caráter de alterar a estrutura da cadeia de produção envolvida” (OLIVEIRA; ARAÚJO; SANTOS, 2008, p. 211). A base do desenvolvimento sustentável é a ideia de que é possível, criar ao mesmo tempo, valor nos três polos: sociedade, o meio ambiente e a economia. Trata-se da noção do triple bottom line (pessoas, aspectos sociais; planeta, aspectos ambientais; lucros, aspectos econômicos), lançada por John Elkington, em 1994. Esse triplo balanço social, econômico e ambiental tornou-se necessário para avaliar o desempenho global de uma organização (LAVILLE, 2009). O comércio justo nasceu na Holanda, em 1969. Logo, o movimento atingiu vários outros países, tais como a Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Inglaterra, França, Itália, Suécia e Suíça. E não apenas os países europeus ficaram interessados no movimento, pois os Estados Unidos, Canadá e Japão também se incorporaram ao movimento mundial (INSTITUTO RESSOAR, 2012; WIELEWCHOWSKI, ROMAN, 2012). Em 1990, várias organizações não governamentais e de comércio alternativo que já praticavam o comércio justo, criaram a European Fair Trade Association (EFTA), a International Federation for Alternative Trade (IFAT), a Organização de Certificação de Produtos de Comércio Justo, a Fair Trade Labelling Organization (FLO), a Fair Trade International-Certification (FLO-CERT), instituição vinculada à FLO, com a responsabilidade específica de certificação às organizações participantes (PEDINI, 2011). De acordo com o relatório da FLO (2005a, 2005b), os produtos certificados pelo Fair Trade estão em franca expansão (MACIEL, 2007). Para Santos (2010), para que se possa fazer parte do comércio justo, as entidades precisam respeitar os sete princípios p r o p o s t o s p e l a E F TA . S ã o e l e s : transparência e corresponsabilidade; treinamento e apoio; preço justo/bônus; igualdade de gêneros; adequação a legislação e norma; proteção do meio ambiente; certificação de produtos do comércio justo. O comércio justo criou alternativas para a subsistência e para a desigualdade social, que segundo Weber (2004), a igualdade entre as pessoas se torna de grande importância e valia para a sociedade. Quanto às alternativas, isto acabou levando a conquista da certificação internacional do comércio justo (Fair Trade), contribuindo enormemente para o empowerment dos envolvidos, no caso, pequenos produtores R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades rurais associados. As práticas do Fair Trade surgiram da aplicação dos conceitos de sustentabilidade e do preço justo nas propriedades de pequenos agricultores familiares. Esse movimento nasceu do interesse de promover uma ajuda humanitária aos países do Hemisfério Sul por parte dos países do Hemisfério Norte, de acordo com Pedini (2011). A busca e a conquista da certificação estão associadas a superações e adoção de critérios. O comércio justo opera em comunidades de produtores certificados que adotem métodos baseados em normas padronizadas de produção sustentáveis, tanto nas relações de produção quanto no meio social. Wielechowski e Roman (2012) apontam o Fair Trade como melhoria contígua para condições comerciais, promoção da sustentabilidade e qualidade de vida ao trabalhador. Além disso, observam que se trata de uma iniciativa muito importante, como um programa para modificar a realidade local e elevar o padrão de vida de populações de regiões carentes. Porém existem controvérsias atualmente sobre o funcionamento do mercado Fair Trade. O café pode ser considerado um dos pilares básicos da economia brasileira. Seu cultivo no território brasileiro data do século XVIII, porém a sua expansão deu-se no século XIX. Tornou-se o principal produto de exportação da economia brasileira durante todo o século XIX e XX (a Europa e os Estados Unidos se interessaram pelo produto) ajudando a financiar a indústria brasileira. (REYDON; OLIVEIRA, 2012). O comércio justo é um movimento social que objetiva ajudar os produtores de países em desenvolvimento, para promover a sustentabilidade e para conseguir melhores condições comerciais. O café é o produto Fair Trade mais comercializado no mundo, beneficiando produtores familiares de vários países. Diante do volume de café produzido no página Brasil existem relativamente poucos produtores de café Fair Trade, revelando desconhecimento e dificuldades para obter a certificação. A certificação Fair Trade vem amparando os agricultores familiares para enfrentar novos desafios diante da crescente mecanização agropecuária e globalização. Essas novas funções responderam aos problemas do desenvolvimento territorial sustentável, devido às noções de multifuncionalidade da agricultura e do desenvolvimento local (LAFORGA; EID, 2005; SILVEIRA et al., 2006). Ao atuar nas duas pontas da cadeia produtiva – produtor e consumidor – o comércio justo, ético e solidário, busca possibilitar que o ponto mais fraco consiga se desenvolver, ainda a diversidade cultural (FRANÇA, 2003). No Brasil, ainda se pratica muito a agricultura tradicional. Os planos governamentais não conseguiram mudar essa condição, principalmente em locais com estrutura agrária atrasada e dominada pelos grandes proprietários de terra. Para que esses pequenos produtores possuam condições de atuarem no mercado nacional e até mesmo internacional, é preciso que as políticas de desenvolvimento regional e agrícola recebam nova formulação, transformando-as em empreendimentos modernizados, caso contrário elas tenderão a desaparecer. (VELOSO FILHO, 1998). Para França (2003) “o comércio ético e solidário” ou comércio justo, assemelha-se a essa lógica. Trata-se de uma forma de comercialização em que o objeto produzido é apenas uma das dimensões do ato de comprar. Tão importante quanto o objeto em si, é o território ocupado pelas pessoas que o produziram. Mas pode-se ir além da necessidade de territorialização. É condição necessária para se fortalecer o elo mais fraco da cadeia produtiva, da cultura e 31 R E V I S T A página HOMINIS 32 Saúde e Humanidades do meio ambiente local. Trata-se de uma relação em que o bem comercializado não é o único elemento a ser valorizado. Sendo assim, identificar princípios e critérios que componham um comércio solidário e ético precisa ser legitimamente brasileiro, apoiado em opiniões dos diferentes atores interessados no tema, e não apenas a cópia de um modelo europeu, e que seja coadunado com os interesses das entidades, das empresas, da sociedade civil, das organizações e dos consumidores (FRANÇA, 2003). Como cada vez mais os consumidores estão ficando exigentes com relação aos serviços, aos produtos e ao sistema como estes estão sendo produzidos, os produtos certificados pelo Fair Trade saíram de uma simples estratégia de marketing para comporem um mercado diferenciado. Os consumidores estão verdadeiramente pagando mais para terem este tipo de produto. Desse modo, o café produzido em bases sustentáveis e que atenda ao tripé da viabilidade econômica, responsabilidade social e ambiental está se tornando mais rentável e atingindo ágios de US$ 7 a US$ 20 por saca (RODRIGUES, 2009 apud PRADO, 2011). Sem dúvida, o pequeno produtor se preocupa com os custos das transformações das atividades produtivas tradicionais do comércio sustentável, mas ele também sabe que a preocupação com o ambiente, com os empregados, com os consumidores e com sua família, elementos estes preconizados pela certificação, já está começando valer a pena e dar lucros (PRADO, 2011). Triantafyllou (2003), citado por Pereira, Bartholo e Guimarães (2004), menciona dois tipos de certificação: compulsória e voluntária. A primeira emana de regulamentações de cunho legal, ocorrendo por meio de leis, decretos ou outros e que pode ser aplicada em produtos com alto risco de perigo. A segunda deriva de prática e exigências do mercado, dando confiabilidade aos produtos (PRADO, 2011). Entre as certificações que se voltam para as questões ambientais, o ponto em comum entre elas é a análise em relação ao sistema convencional, a qual se esquece da preservação dos ecossistemas naturais, da proteção ao trabalhador, da fiscalização das relações comerciais, privilegiando apenas o lucro (PALMIERI, 2008; APUD PRADO, 2011). Nos últimos anos, vários selos e normas surgiram motivados pelas associações com as Organizações Não-Governamentais (ONGs). A Rainforest Alliance Certified (RAS) apoia agricultores e trabalhadores rurais em todo o mundo, melhorando os seus meios de subsistência e protegendo o planeta, sendo válido evidenciar que, a FLO–CERT e a Rainforest são exemplos de certificações internacionais que seguem os princípios de sustentabilidade socioambiental. A IBD Certificações, a Fair for Life e a ECOCERT são mais recentes (VIANA; JULIÃO, 2011). A IBD Certificações é uma empresa 100% nacional que desenvolve atividades de inspeção e certificação agropecuária, de processamento e de produtos orgânicos, extrativistas, biodinâmicos e de mercado justo. A ECOCERT certifica produtos oriundos da agricultura orgânica para o mercado interno por meio da ECOCERT Brasil e também atua pela ECOCERT S.A. para os mercados internacionais, sempre primando pela gestão da qualidade, principalmente aplicando os seus conceitos de certificação para os principais mercados mundiais de produtos orgânicos. É credenciada junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Fair for Life oferece aos produtores que buscam a certificação uma combinação entre os rigorosos padrões de comércio R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades justo e social com capacidade de adaptação às condições locais. Certifica não apenas produtos alimentares e não alimentares, tais como cosméticos e serviços turísticos. O momento vem se tornando cada vez mais favorável para que um maior número de pessoas possa ter acesso à informação sobre o Comércio Justo e a Certificação Fair Trade, além do aumento da conscientização dos consumidores. Isto resultará num sistema justo de relações de trabalho, na valorização da cultura local e na remuneração justa do trabalhador. De acordo com estudos desenvolvidos pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE, 2009), o comércio justo já é responsável pela geração trabalho e renda em muitos municípios brasileiros. Embora ele ainda seja uma novidade, já existe no país uma quantidade expressiva de empreendimentos de Comércio Justo e Economia Solidária, gerando mais de dois milhões de postos de trabalho e faturando mais de oito bilhões reais anualmente. A certificação de Comércio Justo assegura o cumprimento com os critérios préestabelecidos e mudanças, podem mudar os requisitos de certificação. Aqueles que gostariam de ser ou já são certificados pelo Comércio Justo Fair Trade devem verificar regularmente os critérios de cumprimento e políticas de certificação pendentes ou concluídas no site do órgão de certificação Fair Trade International-Certification (FAIR T R A D E L A B E L L I N G O RG A N I ZAT I O N INTERNATIONAL, 2011). No Brasil, por conta dos movimentos sociais, os trabalhadores se apropriam mais dos modelos de cooperativas, que a princípio, parecem ser o mais ideal para alavancar os negócios de pequenos produtores, o que por meio desta pesquisa, poderá ser diagnosticado suas reais influências para este tipo de certificação, bem como suas implicações. página Como se diz popularmente, a união faz a força, e isso os pequenos produtores agrícolas conseguem entender melhor quando trabalham em cooperativas orientadas pelos métodos e práticas do Fair Trade. Inclusive os órgãos do Estado, enquanto agente político-jurídico e financeiro dessas cooperativas participam de maneira mais direcionada, contribuindo para o desenvolvimento todo do sistema. Essas instituições governamentais precisam ser capazes de interferir devido às mudanças do mercado em geral e da agricultura em particular, observando se as metas foram alcançadas, sem se esquecer de tornar as suas ações o mais transparente possíveis para que as transformações das estruturas materiais deem suporte à elaboração de políticas econômicas de caráter nacional, como afirma Panzutti (1996). Para Viegas (2012), o sistema econômico vigente atua de duas maneiras sobre a produção agrícola: de uma lado propõe concentração, padronização e exclusão, mas de outro pode possibilitar o desenvolvimento de algumas áreas de acordo com as características de seus produtos, serviços, processos e também dos próprios trabalhadores. Assim, conclui a autora, o Fair Trade poderia ser uma proposta que possibilitaria a inserção de produtores com restrito potencial de inserção no mercado convencional, valorizando aspectos qualitativos até então não considerados tão importantes em função do foco na viabilidade econômica. Logo, para que os pequenos produtores possam ter condições de se desenvolverem e participem ativamente do mercado, é importante que as relações de apoio técnico, organizacional, informacional e subsídios estejam presentes para que as redes funcionem. Assim, pode-se concluir que as práticas do mercado Fair Trade possuem condições de 33 R E V I S T A página HOMINIS 34 Saúde e Humanidades oferecer benefícios importantes tais como: preços estáveis, preço justo, qualidade de vida, oportunidade de investimento em educação e saúde, melhorias agrícolas, chances de aumentar a renda familiar, oportunidades de parceria, prêmios e certificações dentro de uma estratégia global, capacitação de trabalhadores agrícolas, produtos melhores para os consumidores, um impacto positivo para as empresas que adquirirem os produtos, cuidados com o meio ambiente (erosão, gestão de resíduos, preservação da mata nativa, equilíbrio entre a proteção do meio ambiente e bons resultados de negócio). CONCLUSÃO Muitos pensam que o Fair Trade traz uma imagem de pessoas trabalhando felizes e tendo uma boa vida dentro de uma cooperativa democrática, que tudo funciona bem e fácil. Porém, nem tudo é bem assim. As práticas do preço justo realmente são importantes para os pequenos produtores de países emergentes, porém conquistar certificações, mudar mentalidades tradicionais de produção, alterar vidas de várias pessoas ao mesmo tempo não é uma tarefa que se conclua em pouco tempo e muito menos de maneira fácil. É uma fantasia pensar que apontar as práticas do preço justo para os produtos de pequenos produtores agrícolas os ajudará a ter uma vida melhor em pouco tempo. No entanto, as pequenas comunidades agrícolas reunidas em cooperativas geridas pelas práticas do Fair Trade sentem a mudança desde que esses se unam em prol de toda a comunidade, ou seja, em prol de todos, que estejam dispostos a mudar o modo como desenvolvem a agricultura e que compreendam que há muito trabalho a ser feito. Além disso, as organizações que organizam esse tipo de produção precisam ajudar nos primeiros passos, inclusive com obter crédito e fornecendo amparo técnico. Assim, o presente artigo demonstra quais as oportunidades que o mercado Fair Trade pode proporcionar aos pequenos produtores de países emergentes de maneira a proporcionar maior desenvolvimento nos negócios, melhoria da qualidade de vida de todos os participantes no processo. No entanto, salienta-se que esses produtores precisam estar reunidos em cooperativas ou associações para que os seus produtos possam ser certificados e co l o ca d o s d e u m a m a n e i ra m a i s competitiva no mercado nacional e global. Apesar disso, é importante ressaltar que apesar dos desafios propostos pelo comércio Fair Trade, a existência de um comércio ético é uma alternativa para os pequenos produtores, já que muitos passam a ter uma condição de vida melhor de modo geral, preservando o meio ambiente, aumentam a produtividade, conquistam um espaço mais significativo no mercado nacional e global, impedem o t ra b a l h o e s c ravo, i nfa nt i l e co m periculosidade em virtude da não utilização de agrotóxicos. REFERÊNCIAS BARBOSA, A.A. et. al. O processo de conquista da certificação Fair Trade por uma associação de cafeicultores do Sul de Minas Gerais. XXXIII EnANPAD Encontro da Associação Nacional dos Programas de PósGraduação em Administração. Rio de Janeiro, RJ, 2014. BARBOSA, A.A. Associação dos agricultores familiares do Córrego D'antas de Poços de Caldas: um estudo voltado às implicações da certificação Fair Trade. 2014. Dissertação (Mestrado). 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R E V I S T A HOMINIS título: Estudo sobre o perfil da sociedade brasileira em relação à automedicação Saúde e Humanidades página Regiane Souza Santos Aluna do curso de Farmácia da Faculdade Pitágoras Campus Poços de Caldas/MG. Gisela Pizarro de Mattos Barretto Doutora em Ciências de Alimentos. Docente da Faculdade Pitágoras Campus Poços de Caldas/MG. email: [email protected] Yula de Lima Merola(3) Mestre em Saúde. Coordenadora do curso de Farmácia da Faculdade Pitágoras Campus Poços de Caldas/MG. email: [email protected] RESUMO No Brasil, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (2013), cerca de 80 milhões de pessoas são adeptas da automedicação. Este trabalho teve como objetivo conhecer e analisar o perfil da sociedade brasileira em relação à automedicação e avaliar o que faz ela ocorrer. Foi desenvolvido um estudo em Poços de Caldas – MG, em setembro 2013, com pessoas maiores de 18 anos. Conforme os resultados, a maior utilização de medicamentos por automedicação ocorre entre 21 a 35 anos (36%). A classe de medicamentos com maior prevalência constituiu o grupo dos analgésicos, antipiréticos e anti-inflamatórios (37%). Os principais motivos foram dores de cabeça, muscular e cólica (39%). De acordo com os dados obtidos nesse estudo, fica comprovada a prática de automedicação entre a população. Tais resultados reforçam a necessidade de informar a população sobre o uso adequado de medicamentos, promovendo assim o uso racional de medicamentos. Pa l a v ra s - C h a v e : A u t o m e d i c a ç ã o ; Prescrições; Analgésicos. ABSTRACT In Brazil, according to the Brazilian Association of Pharmaceutical Industries (2013), about 80 million people are adept at self-medication. This study aimed to know and analyze the profile of Brazilian society in relation to self-medication and evaluate what makes it happen. A study was developed in Pocos de Caldas - MG in September 2013 with over 18 years. According to the results, the increased use of self-medication for medicines occurs between 21-35 years (36%). A class of drugs constitutes the most prevalent group of analgesics, antipyretics and antiinflammatories (37%). The main reasons were headaches, muscle and abdominal pain (39%). According to the data obtained in this study, it is proven practice of selfmedication among the population. These results reinforce the need to inform the public about the proper use of medications, thus promoting rational use of medicines. Keywords: Self-medication; Prescriptions; Painkillers. 37 R E V I S T A página HOMINIS 38 Saúde e Humanidades INTRODUÇÃO A automedicação é um procedimento caracterizado fundamentalmente pela iniciativa de um doente, ou de seu responsável, em obter, ou produzir e utilizar um produto que, acredita lhe trará benefícios no tratamento de doenças ou alívio de sintomas (PAULO; ZANINE, 1988). Considerando a automedicação como uma necessidade, e inclusive de função complementar aos sistemas de saúde, particularmente em países pobres, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou diretrizes para a avaliação dos medicamentos que poderiam ser empregados em automedicação denominando-os como medicamentos de venda livre (WHO, 1989; APUD INFARMA, 2004). Os medicamentos isentos de prescrição MIP's são os medicamentos aprovados pelas autoridades sanitárias para tratar sintomas e males menores, disponíveis sem prescrição ou receita médica devido à sua segurança e eficácia desde que utilizados conforme as orientações disponíveis nas bulas e rotulagens (WHO, 1993; ABIMIP, 2013). No Brasil, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (2013), cerca de 80 milhões de pessoas são adeptas da automedicação. A má qualidade de oferta de medicamentos, o não cumprimento da obrigatoriedade da apresentação da receita médica e a carência de informação e instrução na população em geral justificam a preocupação com a qualidade da automedicação praticada no País (WHO, 1993; IVANNISSEVICH, 1994). É evidente que o risco dessa prática também exerce uma grande relevância nos riscos implícitos da automedicação (CAMPOSET, 1985; APUD INFARMA, 2004). De acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX, 1999) os medicamentos ocupam o primeiro lugar entre os agentes causadores de intoxicação em seres humanos. Somente em 2002, segundo o sistema, os medicamentos provocaram 26,9% do total de intoxicações registradas no País (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013). Dessa forma, o objetivo desse trabalho foi conhecer e analisar o perfil da sociedade brasileira em relação à automedicação, avaliar o que faz com que haja crescimento na procura de medicamentos isentos de prescrição médica. MÉTODOS Foi desenvolvido um estudo quantitativo com amostra aleatória conduzida no Estado de Minas Gerais na cidade de Poços de Caldas (154.974 habitantes) durante o mês de setembro 2013. No estudo foram incluídas todas as pessoas maiores de 18 anos que buscam medicamentos sem apresentar prescrição médica ou conselho direto do farmacêutico. Foi utilizado como instrumento para coleta de dados um questionário com perguntas fechadas contendo as seguintes variáveis: - nome comercial da especialidade farmacêutica, - os componentes ativos da mesma, - motivo do uso, - a data da última visita ao médico, - idade e o sexo da pessoa que usaria o medicamento e - origem da recomendação do medicamento solicitado. RESULTADOS Dentre os 148 questionários respondidos 98 (66%) foram do sexo feminino e 50 (34%) do sexo masculino. A Figura 1 ilustra a frequência de utilização de medicamentos R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades Figura 1. Frequência das faixas etária dos clientes que adquiriram medicamentos isentos de prescrição médica. A Figura 2 mostra a porcentagem dos medicamentos que apresentam maior frequência de solicitação dos consumidores que adquirem estes produtos sem receita médica. Figura 2. Classes terapêuticas de maior frequência na prática de automedicação. Também foram avaliados os principais motivos que geraram a automedicação. Estes motivos estão representados na Figura 3: Figura 3: Motivos que geraram a automedicação. página DISCUSSÃO A frequência de utilização de medicamentos por automedicação, conforme ilustrada na Figura 1, mostrou que a faixa etária predominante foi a de indivíduos entre 21 a 35 anos (36%) e a menor entre as pessoas com mais de 52 anos. Este comportamento demonstra que as pessoas mais velhas preferem consultar o médico, provavelmente, por que já devem fazer uso de algum medicamento. A classe de medicamentos (Figura 2) com maior prevalência de utilização por automedicação constituiu o grupo dos a n a l gé s i co s , a nt i p i rét i co s e a nt i inflamatórios (37%), provavelmente, porque a população deve considerar que determinados sintomas, que são facilmente resolvidos com o consumo dos medicamentos citados, não necessitam de uma ida ao médico para serem resolvidos. Porém, às vezes, estes sintomas podem estar indicando algo mais grave e se não forem diagnosticados logo podem acometer complicações futuras. Em seguida o grupo de medicamentos para o trato gastrointestinal (16%), que talvez sejam considerados pela população como de pouco risco, ou seja, que não apresentam efeitos colaterais e, por isso, podem ser consumidos sem prescrição médica. Em relação, ao uso de medicamentos caseiros ou fitoterápicos (11%) esta é uma prática que faz parte da rotina de alguns pacientes, pois está ligada a cultura popular. De acordo com Gordon, citado por Paulo e Zanini (1988), o remédio caseiro, muitas vezes, é tido como milagroso, que cura todos os males. De acordo com os resultados obtidos a respeito das classes de medicamentos mais consumidas, os dados sobre os principais motivos que geraram a automedicação correspondem aos dados obtidos, entre eles estão: dores de cabeça, dor muscular e cólica (39%); desconforto abdominal, má digestão (24%); fraquezas e cansaço (15%); 39 R E V I S T A página HOMINIS 40 Saúde e Humanidades alergias (7%); resfriados (10%) e outros (5%). Agrupando algumas das variáveis fechadas do presente estudo observou-se há prevalência na procura de medicamentos que se relaciona a sintomas dolorosos (dor de cabeça, dor muscular, cólica, dismenorreia, outros). CONCLUSÃO De acordo com os dados obtidos nesse estudo, fica comprovada a prática de automedicação entre a população. Ao levarmos em conta a classe terapêutica mais procurada, existe prevalência entre a classe dos anti-inflamatórios, com relatos de dores de cabeça, musculares e cólicas. Tais resultados reforçam a necessidade de informar a população sobre o uso adequado de medicamentos, promovendo assim o uso racional de medicamentos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (Brasil) Lei nº9.787, de 10 de fevereiro de 1999. Estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências. D.O.U – Diário Oficial da União; Poder executivo. Brasília. 11. Fev. 1999. CARMO T. A., FARHAT F. C. L. G., ALVES J. M. Indicadores de Prescrição Medicamentosa: Ferramentas para Intervenção. Saúde em Revista, v.5, n. 11, p. 49-55. 2003. CRUCIOL-SOUZA JM, THOMSON JC, CATISTI DG. Avaliação das prescrições m e d i c a m e nto s a s d e u m h o s p i ta l universitário brasileiro. Rev Bras Educ Med., v. 32, n. 2, p. 188-96. 2008. FARIAS, et al. Indicadores de prescrição médica nas unidades básicas de Saúde da Família no município de Campina grande, PB. 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Coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras de Poços de Caldas. email: [email protected] RESUMO ABSTRACT O artigo aborda a questão da psicose e as This article adresses the question of formas de sua condução, de acordo com a psicanálise lacaniana. No texto de 1955- psychosis and the forms of its conduction, according lacanian Psychoanalysis. In the 1956, Lacan anuncia que não se pode recuar diante da psicose, sendo que o analista deve ocupar o lugar de Secretário text of 1955-1956, Lacan announces it's can not back down before psychosis, and the do Alienado. Partindo desta proposta, analist must be the Alienated's Secretary. utiliza-se de um personagem das histórias Stating this proposal, it makes use of a em quadrinhos, Alfred, o mordomo do character of comic literature, Alfred, Batman, para mostrar qual a forma de condução técnica para a psicose; qual seja, Batman's butler, to show which technician form to psychosis; namely, giving conditions dar condições para conduzir e viabilizar o cotidiano, secretariar o alienado. Palavras-chave: Psicanálise lacaniana, Psicose, Sintoma e Sinthôme. to conduct and to enable the everyday. Key-words: Lacanian Psychoanalysis, Psychosis, Symptom and Sinthôme. 41 R E V I S T A página HOMINIS 42 Saúde e Humanidades INTRODUÇÃO Este artigo aborda a questão da psicose e as formas de sua condução, de acordo com a psicanálise lacaniana. No texto de 19551956, Lacan anuncia que não se pode recuar diante da psicose, sendo que o analista deve ocupar o lugar de Secretário do Alienado. Partindo desta proposta, lançamos mão de um personagem, Alfred, o mordomo do Batman, como aquele que, por estar a serviço de seu patrão, conduz e viabiliza seu cotidiano. Assim, o mordomo Alfred daria ao Batman as condições de sua identidade real (Batman) e as formas de sua identidade secreta (Bruce Wayne). 1. Bruce Wayne, Batman e Alfred Pennyworth Batman surge pela primeira vez em quadrinhos em novembro de 1939. Após a morte dos pais, Bruce Wayne foi criado na Mansão Wayne por seu tio Philip Wayne (Batman Era de Ouro). A versão da Era de Prata é que Bruce Wayne foi criado pelo mordomo Alfred Pennyworth, seu tutor (Batman Era de Prata - 1956 a 1970). A Era de Bronze (1969 ou 1973 a 1985), a mais sombria e solitária do homem morcego, vai fazer de Alfred um grande parceiro – este é o momento, também, de surgimento do Asilo Arkham, de onde saem os vilões e para onde são encaminhados quando cometem crimes e são pegos. Há uma das histórias, R.I.P., que revelaria que Alfred seria, na verdade, o pai de Bruce Wayne. Embora, nesta história, esta suposição seja uma artimanha de um dos 1 As informações sobre Batman foram recolhidas de Hickman (2013) e Manning (2011), além de sites de Comics, identificados ao longo do texto. 2 As fases de produção de revistas em quadrinhos (comics) de super-heróis tiveram várias fases, designadas como Era de Ouro, Era de Prata, Era de Bronze e Era Moderna (atual). De uma para outra, podem mudar os super-heróis, os agrupamentos e as situações, reconfigurando-os. vilões (Dr. Hurt, líder da organização secreta criminosa Luva Negra) para perturbar Batman, é inegável que Bruce Wayne “herda” as características deste pai por adoção. Brevemente, sobre Bruce Wayne e sobre Batman: Os pais de Bruce Wayne, Thomas e Martha, são mortos quando ele tinha 08 anos. O menino seria criado, então, por Alfred e pela Dra. Elise Thompikins, médica do Serviço Social Federal, com quem Alfred teria um envolvimento (amoroso?). Uma das metas de Bruce seria a de vingar a morte dos pais e chega a se candidatar para ser agente do FBI, após a conclusão do período escolar, aos dezessete anos. Não sendo possível cumprir sua meta através do FBI, Bruce parte para viver uma série de aventuras pelo mundo, estudando em universidades europeias e americanas apenas o que lhe interessa. Busca, no mundo do crime, como parceiro de um matador de aluguel, David Caine, conhecer as formas de se pensar clandestinamente. Bruce aprende, também, com o francês Henri Ducard, como ser detetive. Com 21 anos, parte para o Oriente e, com o Mestre Yuro, no Tibet, aprende artes marciais. Aos 25 anos, então, Bruce Wayne retorna a Gotham City, no que se considera o Ano Um de Batman. Brevemente, sobre Alfred: O personagem apareceu nos quadrinhos quatro anos após o lançamento da revista, em 1943. Antes dele, haveria outro funcionário, Jarvis (depois descrito como Jarvis Pennyworth, sendo pai de Alfred em uma das versões), mas, após promessa de amizade de Thomas Wayne, Alfred passa a servir a família (TERRA ZERO, 2012). Alfred Thadeus Craine Pennyworth teria sido agente da Scotland Yard e sido ator; há versões de que teria sido um ex-médico da Marinha Britânica. Sua primeira aparição nos quadrinhos foi em 1943. R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades Com habilidades adquiridas nas antigas profissões, Alfred dá novas competências ao menino Bruce (e ao próprio Batman): ensina-o a imitar vozes alheias (como ator), as artimanhas da investigação (como exagente) e cura suas inúmeras feridas (como ex-paramédico). Alfred é o responsável por várias mensagens e cuidados dirigidos ao Batman, para ajudar a protegê-lo, bem como fomentando as possibilidades de que a identidade de Bruce Wayne seja um disfarce e manutenção do próprio Batman. Neste sentido, Alfred costuma ser chamado “o Batman do Batman”. 2. Psicanálise e Psicose Em Psicanálise, a discussão da clínica é atravessada pelo eixo Complexo de Édipo/Complexo de Castração, que pode ser brevemente definido como a interpolação das vivências de transmissão educativas (vivências edípicas) e o aprendizado dos limites, sendo a morte a experiência balizadora da castração, que, por não poder ser enunciada a partir de sua vivência, inaugura a dimensão simbólica. Assim, as formas de articulação (ditas mecanismos) destes polos axiomáticos indicariam as apresentações clínicas, a saber: Neurose (Recalque), Perversão (Recusa), Psicose (Forclusão) e a Quarta Estrutura (Elisão). Na vertente lacaniana, as manifestações clínicas se configurariam como estruturas a serem discernidas pelo discurso. De um lado, o sujeito responde com uma modalidade clínica ao eixo das vivências edípicas. De outro, responde com os mecanismos ao confronto sofrido pelo confronto à castração. Estes mecanismos são estratégias defensivas: Qualquer tipo de estruturação do sujeito, seja neurótica ou psicótica, é uma estruturação de defesa, no sentido freudiano, no sentido em que Freud fala de p s i c o n e u r o s e d e d e fe s a . É u m a página estruturação de defesa na medida em que se subjetivar, existir como sujeito (barrado pela castração, como na neurose, ou não, como na psicose), obter algum estatuto simbólico, alguma significação é necessário para que o sujeito seja algo distinto do Real do seu corpo, algo Outro e mais do que alguns quilos de carne. Por isso o sujeito se estrutura em uma operação de defesa. (CALLIGARIS, 1989, p. 13) O sujeito se defende imaginariamente, então, do que seria seu destino, veiculado nos ditos e falas das relações com a demanda que acredita ser feita pelo Outro. A operação de defesa implica um certo tipo de metáfora, ou seja, implica — é o próprio da metáfora — que a significação possa prevalecer, possa substituir ao pedaço de carne uma significação subjetiva. Como a metáfora permite isso? Precisa que algo prevaleça sobre a Demanda imaginária da qual seríamos objeto e de preferência um saber sobre esta Demanda mesma. Assim, referidos à demanda somos referidos ao saber sobre a Demanda temos uma significação que nos mantém defendidos, como sujeitos. Esta operação de defesa é a mesma, acredito, para qualquer sujeito que se estruture, que tenha uma significação. Mas o saber com o qual o sujeito se defende, ao qual se refere, não é o mesmo na neurose e na psicose. (CALLIGARIS, 1989, p. 13) O Outro (A) é mais que uma pessoa física, conceituada como outro (a), diz respeito à função que cada um, a partir de sua pessoalidade (Real do próprio corpo) imaginariamente ordenada, cumpre no Laço Social. Dada a impossibilidade de laço natural, a única saída é o Laço Social (LACAN, 1969/70) – a forma como as pessoas se encontram, através da linguagem, no discurso. Em linhas gerais, está-se no Laço Social em nome de algo (uma ideia), direcionando-se 43 R E V I S T A página HOMINIS 44 Saúde e Humanidades ao cuidado do outro. É no e pelo Laço Social que somos reconhecidos (amados) e que n o s e n c o n t r a m o s (ilusoriamente/imaginariamente) protegidos do vazio existencial, no discurso. Na lógica da neurose (mecanismo de Recalque), a metáfora aparece em relação à outra figura de linguagem, a metonímia. As palavras se encadeiam por contiguidade (metonímia) e são retraduzidas por outro conjunto de palavras (metáfora). Assim, está-se, continuamente, dizendo e redizendo o dito. Na psicose, o discurso se configura em uma lógica metonímica em que nem sempre o encadeamento permite a retradução. De acordo com isso, há a dificuldade de encontrar outras palavras que digam a mesma coisa, prejudicando a metaforização do discurso. Portanto, o discurso psicótico é nãoorganizado, carece da articulação metafórico-metonímica, podendo ser considerado um discurso metonímico. Embora respeite a denominação das coisas e a estrutura de linguagem, não se orienta de forma a dar lugar à expressão do posicionamento do sujeito em relação ao Complexo de Édipo/Complexo de Castração. A amarração imaginária, portanto, parece falhar ou não se dar de forma a garantir um posicionamento do sujeito em relação à demanda do Outro; que, em última instância, é a resposta ao lugar que ocupou nas vivências edípicas/de castração. Os chamados sintomas psicóticos (alucinações e delírios), então, seriam tentativas de articular, no Real, o que falta ao psicótico – a amarração imaginária e a articulação simbólica. Esta articulação, ternária, quanto aos três registros – Real, Imaginário e Simbólico – permite as reflexões de Lacan no Seminário 3 (LACAN, 1955/56). Mas soma-se à colocação do Seminário 23 (LACAN, 1975/76), com o quarto nó: o sinthoma (sinthôme). Não muito diferente do sintoma, o sintoma com th é o que designa fazer bem com o próprio sintoma, índice de final de análise e que apresenta Outro lugar para a psicose. No que isso se refere ao Batman? 3. Batman: psicótico? Uma das motivações para este trabalho adveio da leitura do artigo de Vieira (2005), sobre um texto de Lacan (1969/2003), Nota sobre a criança. Neste artigo, o autor menciona sobre Batman: Hoje estamos em um mundo meio psicanalítico, a pessoa chega e fala: 'Estou vindo aqui porque estou me sentindo muito culpada, eu tive um filho com Síndrome de Down'. Isso não é uma culpa indicação de Lacan que é muito preciosa. Sabemos muito bem que uma mãe pode falar isso e ficar dez anos sem que nada aconteça, isso seria uma culpa irreparável, uma culpa atestada. A culpa irreparável não é uma culpa que possibilite trabalho para reparar. Dizendo de outra maneira, para que uma análise comece, é preciso que a culpa se desloque, não seja uma culpa evidente; é preciso que ela se desloque para uma culpa que não se sabe bem do que é, isso faz começar o trabalho de uma análise e se faz quase que naturalmente. Lacan está dizendo apenas que temos de visar um deslocamento nessa culpa, e não achar que ela é o indício de que a haverá análise. Por exemplo, alguém que não quis viajar, o Batman. O Batman era um menino muito rico, seus pais eram os donos da cidade de Gotham City. Ele era também um menino mimado, que um dia forçou a barra com os pais – que estavam cansados – para 3 Não se pode considerar a existência de sintomas na psicose, posto que o sintoma é o retorno do recalcado. Se não há recalque, não há sintoma. R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades ir ao teatro. Quando estavam voltando, um ladrão os assalta e mata seus pais na frente dele. O garoto fica culpado, gravemente culpado. Isso é o que chamaríamos de uma culpa atestada. Essa culpa não leva à análise, leva a um analista. A pessoa vai para o analista porque quer resolver aquela culpa que a angustia demais. Se o analista ou a análise não conseguir um mínimo de deslocamento, ele vai rodar aquela culpa trinta anos, e o próprio sofrimento de estar chorando, e vivendo de novo aquela situação, alimenta o gozo do sintoma. É assim que Lacan diria. Então, o Batman é inanalisável. O Batman seria alguém difícil de analisar, ainda mais depois de ter virado o homem-morcego. (VIEIRA, 2005, p. 17) Se, de acordo com a proposta lacaniana, algum agenciamento das estruturas sempre acontece, mesmo que seja outro, em que sentido haveria a impossibilidade de análise para o Batman? A culpa, por ter impelido Bruce ao Batman, impediria este acesso? Outra indagação: Batman seria psicótico? Batman costuma ser descrito como o mais louco de todos (diz-se que não há nada mais louco que o Batman!). A resposta para essa indagação, à luz da interpretação proposta por este trabalho é que sim, Batman é psicótico, Batman é PARANOICO. Isso pode ser defendido através de vários pontos em sua história, a saber: O problema maior de Bruce Wayne não é a realidade do assassinato dos seus pais, mas a certeza de que é culpado por isso. Esta culpa atestada, intuição delirante caracteristicamente estrutural (LACAN, 1955/56, p. 45), já pode ser reconhecida clinicamente como a assinatura do delírio paranoico, que teria levado Bruce Wayne a ter a crença, a revelação, de que somente e l e p o d e s a l va r G o t h a n C i t y d a criminalidade, somente ele pode caçar os m o n st ro s d a c i d a d e . “O p ró p r i o página fundamento da estrutura paranoica é que o sujeito compreendeu alguma coisa que ele formula, a saber: que alguma coisa tomou forma de palavra falada, que lhe fala” (LACAN, 1955/56, p. 53). O que parece fragmentar sua identidade, que o choca, diz respeito a ele, concernelhe, e é somente disso – da redenção desta culpa através da defesa da cidade – que ele pode dar testemunho (LACAN, 1955/56, p. 119). Somando-se a essa missão grandiosa, podemos também observar Bruce Wayne como prisioneiro de um mundo fechado em si mesmo, em que seu heroísmo se apresentaria como um delírio (organizado, estruturado, persistente, pleno de sentido subjetivo), fundamentando e possibilitando sua existência como Batman. Este delírio característico da paranoia é explicado por uma regressão narcísica da libido, com investimento pulsional direcionado ao próprio EU. Traz uma a s s i n at u ra m a rca d a p o r d eta l h e s importantes que fazem referência a Bruce, como a figura do morcego estar associada aos animais moradores do subterrâneo da mansão Wayne e a lembrança de seu pai, Thomas Wayne, vestido de Zorro nas noites de Halloween, com sua máscara, a roupa sempre preta, a capa e a promessa de aniquilação de tudo aquilo que pudesse ser considerado injusto. Um padrão constante também pode ser identificado na montagem e identificação dos vilões combatidos pelo Príncipe de Gotham. São todos excêntricos, usam 4 Em Batman Begins (2005) e Batman Cavaleiro das Trevas (2008), aparece outro personagem que tem uma função semelhante - Lucius Fox. Fox é amigo e homem de confiança de Bruce Wayne em seus negócios, além de ter sido o responsável pela criação dos artefatos do Batman, chegando a assumir o controle das Indústrias Wayne. Estes filmes, juntamente com O Retorno do Cavaleiro das Trevas compõem a Trilogia de Christopher Nolan. 45 R E V I S T A página HOMINIS 46 Saúde e Humanidades roupas extravagantes e egressos do Asilo Arkham, instituição psiquiátrica para onde voltam após serem capturados pelo Homem Morcego. Os vilões nunca são presos pela polícia, nem mandados para a cadeia ou julgados por um tribunal “comum”, eles voltam para o Asilo Arkham e lá ficam à espera da próxima aventura, que sempre traz o mesmo objetivo que é voltar a perseguir... Batman! Admitida por Bergeret (2006, p. 175) como condição essencial da organização objetal do paranoico, essa relação de objeto entre Batman e (seus) vilões só pode ser considerada na medida em que lhe permite assumir e confirmar a onipotência de seu controle sobre eles. Uma contrapartida narcísica evidente, cuja onipotência o coloca no centro, como agente determinante e criador, ao qual o objeto “deverá sua vida e sua função” (BERGERET, 2006, P. 175). Emocionalmente exausto, James Gordon caiu de joelhos. - O que está fazendo aqui? - Vim porque você precisa de mim. – sussurrou o morcego. – Porque a caçada não terminou... Os monstros ainda estão lá fora. (HICKMAN, 2013, p. 56) Algumas apresentações sobre o tema, nas revistas e nos filmes, parecem dizer também de uma possibilidade obsessiva. Todavia, vale uma nota final a este respeito. Na neurose obsessiva, como em todas as neuroses, há um mito em torno do qual o neurótico se organiza, sendo ele a ficção de sua origem. Assim, poderíamos ver, na história de Bruce, um mito, tal como o mito individual do neurótico (LACAN, 1953)? Não, pois os detalhes de sua história estão estreitamente enlaçados à sua identidade de tal forma que, em nenhum momento, há questionamento sobre eles como verdade absoluta. Na certeza, Bruce se distancia da dúvida que o neurotizaria. E Alfred? Para quê? 4. Alfred: secretário? Se assim for, se Batman é louco, psicótico, paranoico, a consequência é que Alfred é o mordomo de um louco, secretariando seus delírios, a serviço de suas maluquices. Nada distante da proposta de Lacan, no Seminário 3, de que, diante da psicose não se recue, mas que haja um único e só oferecimento: ser o secretário do alienado. Alfred costuma ser mencionado como “o Batman do Batman”, destacando-se, assim, sua função de bastidor, de aparato, de sustentáculo. Desde aí, configurar-se-ia a ação de possível enlaçamento ao psicótico. A referência a um secretariado na psicose aponta para o mesmo lugar: o de estar a postos para toda e qualquer escuta; coisa que, usualmente, os alienistas, diz Lacan (1955/56), não fazem. Também na psicose há um equilíbrio significante-significado, ainda que precário, e se posicionar como alguém que está disposto a ouvir é condicionar o psicótico – ele também – a um lugar de sujeito. Neste momento, Lacan (1955/56) pensava que o delírio poderia funcionar como metáfora (Metáfora Delirante) para substituir a falta do Nome-do-Pai. De acordo com Beneti (2005), a função do secretário do alienado nessa primeira clínica lacaniana, em se tratando de um caso de paranoia, era a de fazer uso da metáfora delirante para preencher a falha simbólica, produzir um esvaziamento do imaginário transbordado de sentido, garantindo, assim, um apaziguamento do sujeito. A metáfora delirante, utilizada de forma acertada pelo secretário do alienado, servia como “ponto de basta”, ancorando o sujeito no Laço Social. O ra , o m o rd o m o A l f re d fa z i s s o brilhantemente! Ele está sempre a serviço do jovem Bruce. Não só atende suas R E V I S T A HOMINIS Saúde e Humanidades solicitações, como também organiza todas as suas relações interpessoais, principalmente nos momentos em que Brune Wayne se encontra demasiadamente fagocitado, nomeado, ordenado pelo Batman. Alfred lembra sempre que ele tem uma vida e que deve aprender a perceber e respeitar seus limites. Os limites de Bruce Wayne, claro! Já que o Batman não tem limites. Entretanto, apesar de secretariar o alienado servindo-se da metáfora delirante como “ponto de basta” ser muito funcional, também pode gerar um custo subjetivo muito alto, condenando o sujeito psicótico a prosseguir infinitamente dependente das ações de seu secretário. Beneti (2005) afirma que, como não há garantia de sustentação do Laço Social pela metáfora delirante, uma vez que o secretário saia de cena, por qualquer que seja o motivo, isso pode facilmente levar a um novo desencadeamento da psicose após um período de estabilização. A solução seria ir além? “Mais além da possibilidade de construção de uma metáfora delirante não haveria outras possibilidades?” (BENETI, 2005, p. 10). Após percorrer uma longa e profícua trajetória de produção teórica, em 1975/76, Lacan aponta que uma apresentação sintomática pode ser o nó de amarração para que a psicose se sustente, sendo o sintoma o quarto elo, uma função reparadora do nó borromeano. Neste outro momento, Lacan (1975/76) apresenta uma clínica baseada no Sinthome (fazer bem com seu sintoma, o estilo sinthomático do falasser), que permite pensar a psicose como uma proposta que deve ser aceita. Na segunda clínica lacaniana, assim como na primeira, o secretário do alienado ainda deve garantir a ancoragem do sujeito psicótico na matriz simbólica, deve continuar fazendo isso estando a serviço do página sujeito psicótico, fazendo por ele na medida da sua necessidade, mapeando a sua errância. Do sintoma ao sinthome, a diferença, a outra possibilidade, a novidade, está em que o secretário do alienado na segunda clínica permite que o sujeito faça uso do seu Saber delirante para inventar a SUA solução, a SUA saída para o sofrimento. Beneti (2005) afirma que o secretário do alienado não deve ocupar o lugar do significante mestre, ao invés disso ele precisa executar o trabalho cuidadoso de, ao mesmo tempo em que dá sustentação ao sujeito psicótico, deixar o lugar do significante mestre vazio para que o sujeito possa produzir ali o seu Sinthome. Nada como um bom secretário, um mordomo, para arcar com tal peso. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como dito anteriormente, este trabalho foi motivado pelo texto de Vieira (2005), em que o autor faz a proposição de um Batman inanalisável. Isso poderia ser aceito se ainda considerássemos que a psicose é resistente ao tratamento psicanalítico, uma vez que a libido narcísica retornaria para o EU do sujeito, criando uma barreira para a transferência ao analista. Lacan (1955/56) vai além, propõe que não se recue frente à psicose e que o secretário do alienado seja, não a babá do louco, mas aquele que tem condições que ouvir o discurso psicótico ao pé da letra, utilizando a metáfora delirante como ponto de basta, garantindo a ancoragem simbólica no furo deixado pela forclusão do Nome-do-pai. E assim como o mordomo Alfred, sem nunca desistir ou recuar, Lacan (1975/76) vai mais-além, abre novas possibilidades quando aposta que o Sinthome pode ser encarado como uma possibilidade de existência, sendo vital para o sujeito psicótico. Propõe que o secretário do alienado não pense na cura, nem tente 47 R E V I S T A página HOMINIS 48 Saúde e Humanidades entender o delírio, muito menos adaptar o s u j e i t o, m a s p r o c u r e m a n e j a r a transferência no sentido da produção do Sinthome, seja ele qual for. Assim, Batman é o Sinthome de Bruce Wayne, sustentado pelo mordomo Alfred. O secretário que o reconheceu na solução inventada pelo próprio sujeito, ainda que ele fosse extravagante, culpado, mascarado e paranoico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATMAN: a trajetória do homem-morcego nos quadrinhos. Disponível em: https://hqrock.wordpress.com/2011/11/0 8 / b at m a n - a - t ra j e to r i a - d o - h o m e m morcego-nos-quadrinhos/ - Acesso em 11 de novembro de 2014. BENETI, A. Do discurso do analista ao nó borromeano: contra a metáfora delirante. Opção lacaniana online, n. 3. 2005. BERGERET, J. Psicopatologia: teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed, 2006. HICKMAN, T. Wayne de Gotham. 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