PESQUISAS SOCIOLINGUÍSTICAS NA COMUNIDADE NEGRA RURAL DA
CAÇANDOCA: A CONCORDÂNCIA DE GÊNERO ENTRE O SUJEITO E O
PREDICATIVO
SOUZA, Antonio Carlos Santana de
PPGLETRAS – UFRGS
NEC/UEMS
GELA-DL/USP
[email protected]
Resumo: Este artigo trata da descrição e da análise da concordância de gênero entre o sujeito e o
predicativo, tendo como amostra de fala a Língua Portuguesa da comunidade negra remanescentes de
escravos da Caçandoca (município de Ubatuba, Estado de São Paulo), sob a perspectiva da
Sociolinguística Quantitativa e com base na Teoria da Variação Linguística Laboviana. Observa-se neste
estudo a característica formal do sujeito, o verbo utilizado, o núcleo e o tipo de estrutura que envolve o
predicativo, a posição do predicativo e o material interveniente entre o verbo e o predicativo. Verifica-se
também a influência das variáveis sociais convencionais: faixa etária, sexo e grau de escolarização. Para
essa análise, 24 informantes (12 homens e 12 mulheres) foram selecionados pelo critério de sexo e faixa
etária correspondendo a 26 horas de gravação em que cada informante responde por cerca 60 minutos de
entrevista. A temática deste trabalho está sendo pouco explorada pelos pesquisadores do Português do
Brasil, e esta dissertação, apesar de não ser necessariamente inédita, é a única de meu conhecimento que
trata ao mesmo tempo de no mínimo três aspectos importantes para a caracterização da pesquisa
Sociolinguística: 1º. da concordância em gênero entre o sujeito e o predicativo; 2º. do Português Popular
do Brasil (onde é relevante o baixo nível de escolaridade do informantes, geralmente analfabetos); 3º.
português falado por afro-brasileiros.
Palavras-chave: Sociolinguística; Teoria da Variação Linguística; Português popular do Brasil;
Abstract:This article deals with the description and analysis of gender agreement between subject and
predicative in a variety of Brazilian Portuguese, based on a corpus of recorded oral speech of the afrobrazilian community by name Caçandoca in the city of Ubatuba, São Paulo state. It follows the
Quantitative Sociolinguistic model of data processing. Based in the Labovian Theory of Linguistic
Variation I conduct the description and analysis of the linguistics and socials variables followings: formal
characteristic of the subject; used verb; grammatical class of predicative; type of predicative structure;
material (words) between the verb and the predicative. The social variables studied were age, sex and
level of schooling, subdivided in three categories: (a) illiterate, (b) one to four years of primary school
instruction, and (c ) one to four years of high school instruction. To this analysis twenty-four informants
(twelve male and twelve female), were selectioned by sex and age corresponding to twenty-six hours of
recording. The topic of this work is not being explored for brazilian portuguese researchers and other
studies on the same subject are unknown, because it broachs three importants aspects that interest to
Sociolinguistic: 1º. gender agreement between the subject and the predicative; 2º. Brazilian Popular
Portuguese (where is pertinent the oral speech of lower class inhabitants of the cities); 3º. portuguese
spoken for afro-brazilians.
Key-words: Sociolinguistic; Theory of Linguistic Variation; Brazilian Popular Portuguese
1.
INTRODUÇÃO
Este artigo é uma prévia do meu livro que se encontra no prelo sobre a minha
pesquisa de Mestrado desenvolvida sob o enfoque variacionista abarcando o fenômeno
da concordância de gênero entre o sujeito e o predicativo dentro de seu contexto
discursivo. As pesquisas realizadas em comunidades afro-brasileiras rurais isoladas
visam a contribuir para um maior conhecimento da realidade cultural das minorias de
origem africana e a reunir elementos que permitam definir a real contribuição desses
segmentos na formação da língua falada no Brasil.
A comunidade escolhida para investigação linguística foi a da Caçandoca
(nome genérico que compreende núcleos como Saco da Raposa, Saco da Banana, Pulso
e Caçandoquinha), localizada no município de Ubatuba - São Paulo na divisa com o
município de Caraguatatuba. Com cerca de 14 famílias nas localidades e cerca de 30
outras que foram expulsas, a comunidade compõe-se de descendentes diretos dos
escravizados da fazenda e dos proprietários com escravizadas negras.
Esta comunidade enquadra-se perfeitamente no perfil da Pesquisa
Sociolinguística: característica de rural, isolada e de difícil acesso; descendentes de
escravos negros; habitantes de diversas faixas etárias, inclusive acima de 80 anos.
O intuito primeiro desta pesquisa é chamar a atenção para a importância do
estudo da fala das comunidades afro-brasileiras isoladas, pois este trabalho pode
oferecer importantes indícios sobre a relevância dos processos de contato entre línguas
na formação do português do Brasil. Além de que esses fatos podem contribuir para
uma melhor caracterização da realidade linguística.
2.
O FENÔMENO EM ESTUDO
2.1 - O Fenômeno em Estudo sob a Perspectiva da Gramática Tradicional
Uma comparação rápida de grande parte das gramáticas do português mostrará
que concordância é um processo que consiste na adaptação flexional dos vocábulos
determinantes às flexões dos vocábulos determinados. Esse processo em língua
portuguesa ocorre tanto entre o verbo e o sujeito, o que se denomina concordância
verbal, quanto entre os constituintes do sintagma nominal (SN), ou seja, entre o núcleo
(N) de um SN (substantivo ou pronome) e seus determinantes (adjetivos, pronomes
adjetivos, artigos e numerais), recebendo a denominação de concordância nominal.
Cunha (1970) e Cintra (1977) afirmam que a concordância não seria uma
exigência “lógica” das línguas, lembrando que a maioria absoluta delas não têm flexão.
A concordância nominal em língua portuguesa é considerada redundante tanto no
aspecto de gênero, quanto no de número, exigindo que o termo subordinado concorde
com a forma do termo subordinante. Além de ser considerada redundante, a
concordância de gênero, especificamente, é também considerada obrigatória ou
categórica positivamente.
Neste artigo a natureza do predicado na gramática tradicional que interessa é a
do predicado nominal, por conter ele o predicativo do sujeito. A clássica formação
Verbo de Ligação + Predicativo do Sujeito foi analisada mais particularmente. Quando
inclui em meus grupos de variáveis linguísticas o verbo utilizado, tinha o claro objetivo
de obter desta estrutura vocábulos pertinentes que me auxiliariam no estudo da
concordância, isto é, “os verbos de ligação ou copulativos servem para estabelecer a
união entre duas palavras ou expressões de caráter nominal, por isso não trazem
propriamente idéia nova ao sujeito, funcionando apenas como elo entre este e o seu
predicativo”1. Na verdade, o que pretendia era colocar a prova o grupo de fatores onde
se encontra o adjetivo. Como há verbos que se empregam ora como copulativos, ora
como significativos, tive que atentar para o valor que apresentavam em determinado
contexto linguístico para classificá-los com acerto e consequentemente não incorrer em
equívocos quanto ao devido valor do núcleo do predicativo.
Para fazer o devido recorte dos predicativos a serem analisados procurei
inicialmente identificá-los pelos verbos de ligação. Comparei para tanto frases do tipo:
Estavas triste.
Andei muito preocupado.
Fiquei pesaroso.
Continuaram silenciosos.
Estavas em casa.
Andei muito hoje.
Fiquei no meu posto.
Continuamos a marcha.2
Nas primeiras, da coluna da esquerda, os verbos estar, andar, ficar e continuar
são verbos de ligação; nas segundas, verbos significativos. Em suma, o predicativo do
sujeito que realmente me interessava era aquele que por meio de um verbo de ligação
conseguia exprimir um atributo, um estado ou um modo de ser do sujeito.3
3.
PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS
O enquadramento teórico da pesquisa foi fornecido pelo modelo da
sociolinguística quantitativa (cf. Labov 1972 e 1982). Este campo é o que abriga o
conjunto de teses que adotam como fundamento a teoria da variação e a consequente
prática sociolinguística:
a) a língua deve ser compreendida como heterogênea e condicionada por fatores
extralinguísticos e em constante mudança;
b) a interação social é um fator importantíssimo para o levantamento e justificativa das
variantes linguísticas e inseparável do domínio da linguagem. As pressões sociais estão
operando continuamente sobre a linguagem, como uma força imanente que atua no
presente;
c) seleção das variantes linguísticas em processo de mudança, ou seja, em curso,
privilegiando-as para se poder analisar a “interimplicação” entre o domínio da
linguagem e a interação social. A primeira representada pela forma linguística e a
segunda pela comunidade social.
1
2
CUNHA, C. (1970). Gramática moderna. 2ª. ed..Belo Horizonte. Editora Bernardo Álvares. p. 65.
CUNHA, C. op. cit. p.65.
3
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 17. ed. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1977. p. 226.
3.1 - A Escolha do Corpus e a Constituição da Amostra
O trabalho de campo feito na comunidade da Caçandoca, teve como objetivo a
constituição de aproximadamente 30 horas de gravação de entrevistas, com um mínimo
de 20 informantes. A realização das entrevistas foi orientada pela literatura
sociolinguística existente sobre esse assunto (cf., por exemplo, Tarallo, 1994).
A etapa introdutória da análise foi a codificação dos dados para o seu
processamento pelos programas VARBRUL. Nesta etapa, cada ocorrência foi
codificada, de modo que o programa pudesse mensurar a interferência das variáveis
independentes sobre a variável analisada. A análise linguística das comunidades de fala
foi concentrada no nível morfossintático. A análise pressupõe ainda um estudo
comparativo dos resultados obtidos.
4.
ANÁLISE DAS VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS
O meu primeiro contato com esta temática de pesquisa começou com a
descrição e análise da concordância de gênero no SN (sintagma nominal) observada na
linguagem dos cafundoenses (Petter, 1995 e Cunha & Souza, 1997:133-141).
Considerado relevante o resultado, parti para o estudo da variação de concordância de
gênero entre o sujeito e o predicativo, este último representado por: substantivo ou
expressão substantivada; adjetivo; pronome e numeral. Tal como nos trabalhos
anteriores, foram considerados os contextos de núcleos de predicativo biformes. A
variável dependente em estudo foi definida em termos binários: presença/ausência de
concordância de gênero por Labov (1972) e quantificados no programa VARBRUL 4. Os
dados analisados perfazem um total de 2413 predicativos. O percentual geral de
ausência de concordância de gênero é da ordem de 7% (180 ocorrências).
Para leitura das tabelas de resultados do Programa VARBRUL deve-se
considerar:
(i) INPUT - ponto de referência para aplicação da regra;
(ii) Significância - medida que define o grau de confiança dos resultados obtidos, são
estatisticamente significativos os índices iguais ou inferiores a .005;
(iii) Peso relativo - resultado da análise probabilística da correlação entre as variáveis
em estudo, quanto mais próximo de 1 (um), mais o fator favorece a aplicação da regra.
4.1 - Variável Característica Formal do Sujeito
Neste grupo de fatores destaquei qual tipo de sujeito favorece a ausência de
concordância com o núcleo do predicativo. Tenho a ressaltar que o sujeito nãopreenchido (968 ocorrências com 43 ausências de concordância), foi aquele que
encontramos no contexto, porém o mesmo não estava explícito.
4
Os programas VARBRUL foram desenvolvidos com o objetivo de implementar modelos matemáticos
que procuram dar tratamento estatístico adequado a dados linguísticos variáveis, analisados sob a
perspectiva da teoria da variação linguística laboviana (cf. Sankoff, 1988).
TABELA 1
CARACTERÍSTICAS FORMAIS DO SUJEITO: ocorrência, frequência da não-concordância e
peso relativo da aplicação da regra de concordância de gênero
Fator
Ocorrências
Sujeito Preenchido
Sujeito Não-Preenchido
Total
Frequência
137/1308
43/925
1445
968
INPUT .95
Peso Relativo
9%
4%
.44
.59
SIGNIFICÂNCIA .000
Fatores e exemplos:
1) Sujeito Preenchido
a) não-concordância:
... ela era escravo ... (Egi74mascNA-Caçandoca-DOM-EGIMAGAL)
... Maria Isabel era todo ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-2)
b) concordância:
... o meu pai foi nascido ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
... advogado foi tudo comprado ... (AFC45fem14-Caçandoca-DOM-ANFECOSI)
2) Sujeito Não-Preenchido
a) não-concordância
... é o segundo ... (Sia80mascNA-Caçandoca-ACS-ITESP-02)
... era o primeiro ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE1)
b) concordância
... foi dois ... (Ton45masc14-Caçandoca-DOM-BENGABAS)
... é morta ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE1)
Neste artigo focalizo apenas a presença/ausência do sujeito. As conclusões
aparentes foram as de praxe: o fator ‘Sujeito não-preenchido’ está relacionado com a
omissão de um pronome-sujeito e na maioria dos casos com a omissão de um
substantivo que o falante relaciona diretamente ao núcleo do predicativo.
4.2 - Variável Verbo Utilizado
A variável ‘verbo utilizado’ foi submetida a uma análise prévia mais
detalhada, cujo objetivo era identificar de qual verbo de ligação o informante fazia uso
para construir a estrutura predicativa. Da lista de verbos a seguir somente registrei as
ocorrências dos três primeiros: SER (2000 ocorrências); ESTAR (265 ocorrências);
FICAR (148 ocorrências); ANDAR; TORNAR-SE (VIRAR); PASSAR (A SER);
CONTINUAR; PERMANECER; PARECER.
TABELA 2
VERBO UTILIZADO: ocorrência, frequência da não-concordância
Fator
SER
ESTAR
Ficar
Ocorrências
132/1868
33/232
15/133
Total
Frequência
2000
265
148
7%
12%
10%
Fatores e exemplos:
1) Verbo SER
a) não-concordância
... foi humilhado ... (Ana77femNA-Caçandoca-ACS-ITESP-02)
... ela era casado ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-2)
b) concordância
... eu sou filha ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
... algum bocadinho de sal era guardado ... (CAS AN IZPECE2)
2) Verbo ESTAR
não-concordância
... elas estão vivo ... (Sia80mascNA-Caçandoca-ACS-ITESP-02)
... a briga estava muito ... (Raq55fem58-Caçandoca-ACS-ITESP-04)
3) Verbo FICAR
a) não-concordância
... ficou desesperado ... (Ast82femNA-Caçandoca-ACS-ITESP-05)
... a mulher não fica sozinho ... (Jor96mascNA-Caçandoca-DOM-JOAOROSA)
b) concordância
... ela ficou viúva ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-2)
... ela ficava sentadinha ... (Iza56Fem14-Cacandoca-AC-IZPECE1)
O grupo de fatores ‘verbo utilizado’ mostrou-se estatisticamente não
significativo. Uma das hipóteses para interpretar este fato é a distribuição não
equilibrada dos dados. Pela frequência mostrada na tabela verifica-se que ocorreu um
número muito superior de ocorrências com o verbo ‘SER’, o que é normalmente comum
em se tratando de estruturas predicativas.
Esse desequilíbrio com certeza afetou os pesos relativos de tal forma que os
teria deixado fora do cômputo geral do Programa Varbrul. Por outro lado, o índice de
significância está muito próximo dos grupos mais significativos como, por exemplo, o
‘núcleo do predicativo’ e a ‘faixa etária’, respectivamente primeiro e segundo grupos
que apresentam peso relativo favorável à aplicação da regra de concordância de gênero,
segundo o mesmo Programa.
4.3 - Variável Núcleo do Predicativo
A variável ‘núcleo do predicativo’ foi dividida em quatro fatores: substantivo
ou expressão substantivada (649 ocorrências com 15 ausências de concordância);
adjetivo (1435 ocorrências com 149 ausências de concordância); pronome (228
ocorrências com 8 ausências de concordância) e numeral (101 ocorrências com 8
ausência de concordância). Chamo a atenção para o fato de que dentro do fator
‘adjetivo’ encontram-se também relacionados as formas participiais que foram
devidamente analisadas na variável ‘tipo de estrutura’.
Pelos resultados evidenciados na tabela a seguir, depreendi que o fator
‘substantivo’ torna a aplicação da regra de concordância de gênero quase categórica;
uma vez que de 649 ocorrências, 634 são de concordância de gênero, obtendo um
percentual altíssimo (Freq. = 98%) e, consequentemente , o mais alto peso relativo (PR.
= .71).
Os dados indicam que, em termos de pesos relativos, há coerência em relação à
hipótese formulada, ou seja, demonstra “ser o adjetivo a categoria gramatical mais
sensível à variação de gênero” (cf. Petter, 1995).
TABELA 3
NÚCLEO DO PREDICATIVO: ocorrência, frequência da não-concordância e peso relativo da
aplicação da regra de concordância de gênero
Fator
Ocorrências
Total
Frequência
Peso Relativo
Substantivo
Adjetivo
Numeral
Pronome
15/634
149/1286
8/93
8/220
649
1435
101
228
2%
10%
8%
4%
.71
.39
.41
.59
INPUT .95
SIGNIFICÂNCIA .000
Fatores e exemplos:
1) Substantivo
a) não-concordância
... ela é filho de escravo ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
... essa era filho ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
b) concordância
... ele era pescador ... (Iza56Fem14-Cacandoca-AC-IZPECE1)
... nós era garoto ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE2)
2) Adjetivo
a) não-concordância
... já estou velho ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
... a dificuldade era duro ... (Jor96mascNA-Caçandoca-DOM-JOAOROSA)
b) concordância
... eu estava meio doido ... (Sia80mascNA-Caçandoca-DOM-ANFECOSI)
... eu fiquei assim abobada ... (AFC45fem14-Caçandoca-DOM-ANFECOSI)
3) Numeral
a) não concordância
... era o segundo ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE1)
... era o terceiro... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE1)
b) concordância
... foi duas ... (Ton45masc14-Caçandoca-DOM-BENGABAS)
... ele era o primeiro ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
4) Pronome
a) não-concordância
... a estrada era nosso ... (Ton45masc14-Caçandoca-DOM-BENGABAS)
... sou eu mesmo ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
b) concordância
... os ponto turísticos são todos ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE2)
... ela ficava toda ... (Gab52fem14-Caçandoca-ACS-ITESP-O3)
Este grupo de fatores revelou-se o mais significativo, ou seja, apresentou peso
relativo favorável à ocorrência dos casos de concordância de gênero, confirmando nossa
hipótese inicial de que o adjetivo era a categoria mais variável no predicativo com peso
relativo (.39), o mais baixo entre os quatro fatores escolhidos, portanto, desfavorecendo
a concordância. Em suma, para a leitura da tabela, quanto maior o peso relativo menor a
frequência de ausências de concordância.
Tive esta certeza quando cruzei este grupo com o demais, inclusive os
estatisticamente não significativos. O resultado em termos de significância continuou
inalterado.
Através dos resultados estatísticos, pude constatar que a variável ‘Núcleo do
Predicativo’ exerce seu efeito sobre todos os outros grupos de fatores da pesquisa, posto
que os percentuais de dois dos fatores (substantivo e pronome), são quase
categoricamente de concordância, embora haja reduzidíssimo número de ocorrências em
um fator (101 numerais). Fato este comprovado pela significância .000, quando do
cruzamento com outras variáveis que se encontram nos outros grupos.
4.4 - Variável Tipo de Estrutura do Predicativo
Com a variável ‘tipo de estrutura do predicativo’, separei todas as construções
ativas, que envolvem predicativos de formas diversas, das construções passivas que
envolvem apenas as formas participiais.
Analisando este grupo de fatores pretendi ver o alcance das conclusões de
Scherre:
“... uma estrutura passiva desfavorece a presença de marcas nas formas sob
análise ... A estrutura passiva seria, em verdade, uma razão aparente no sentido
de inibir marcas de plural nos elementos analisados.” (1991:67)
Quando analisou a concordância de número nos predicativos, a pesquisa de
Marta Scherre chegou à conclusão de que a estrutura passiva se apresentava pouco
marcada. No meu trabalho a estrutura passiva compromete a concordância de gênero.
Vejamos os resultados da Tabela 13.
TABELA 4
TIPO DE ESTRUTURA DO PREDICATIVO: ocorrência, frequência da não-concordância e peso
relativo da aplicação da regra de concordância de gênero
Fator
Ocorrências
Total
Frequência
Peso Relativo
Estrutura ativa
106/1779
1885
6%
.54
Estrutura Passiva
74/454
528
14%
.37
INPUT .95
SIGNIFICÂNCIA .000
Fatores e exemplos:
1) Estrutura Ativa
a) não-concordância
... a comida dela era limpinho ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
... eu estou liberto ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
b) concordância
... ele era alto ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE1)
... o sal era amargo ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE2)
2) Estrutura Passiva
não concordância
... a casa dele foi desmanchado ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
... a mamãe foi humilhado ... (Ana77femNA-Caçandoca-ACS-ITESP-02)
... a primeira igrejinha foi construído ... (Jor96mascNA-Caçandoca-DOM-JOAOROSA)
Pelos resultados expressos na tabela anterior, pude perceber que as formas
passivas em relação às formas ativas atingem um percentual bastante elevado nessa
distribuição.
De acordo com a gramática tradicional o particípio desempenharia
importantíssimo papel no sistema do verbo como o de permitir a formação dos tempos
compostos que exprimem o aspecto conclusivo do processo verbal. O particípio dos
verbos transitivos tem de regra valor passivo e, embora exprimindo o resultado de uma
ação acabada, o particípio não indica por si próprio se a ação em causa é passada,
presente ou futura. Só o contexto a que pertence precisa a sua relação temporal (Cunha,
1970:233).
Ou seja, a forma participial mostra-se um recurso do falante em geral, não só
para tratar do tempo verbal, bem como o de qualificar o sujeito da estrutura predicativa.
Nesse aspecto tenho a acrescentar que os verbos ‘SER’ e ‘ESTAR’ deixam de ter o
mero status de verbo auxiliares como prevê a gramática tradicional, formando os
tempos da voz passiva de ação e tempos da voz passiva de estado, passando a ter uma
espécie de vida própria, visto que na fala dos meus informante eles estão perdendo a
relação temporal (simultaneidade, anterioridade etc.) características destas formas.
Do ponto de vista linguístico, o comportamento dos dados concernentes à
variável ‘Tipo de Estrutura do Predicativo’ está de acordo com o que eu havia pensado
para este grupo:
 na estrutura ativa, os dados têm desempenho coerente com a hipótese formulada, ou
seja, adjetivos não participiais, substantivos, numerais e pronomes favorecem a
aplicação da regra de concordância de gênero e, por esse motivo mais perceptíveis,
obtêm os pesos relativos mais altos, respeitando obviamente a hierarquia prevista
pela gramática tradicional como na disposição acima. Em sentido contrário, a forma
menos recorrente, a passiva, obtêm o peso relativo mais baixo, desfavorecendo a
concordância.
4.6 - Variável Posição do Predicativo
A variável ‘posição do predicativo’ foi inicialmente subdividida em cinco
fatores: Sujeito + Verbo + Predicativo, o que denominei “ordem canônica”; Verbo +
Predicativo + Sujeito; Verbo + Sujeito + Predicativo; Predicativo + Verbo + Sujeito;
Predicativo + Sujeito + Verbo; estas quatro últimas denominei ordem não-canônica.
A seguir temos detalhada a primeira análise com todas a posições.
TABELA 5
POSIÇÃO DO PREDICATIVO: ocorrência, frequência da não-concordância (Análise detalhada)
Posição do Predicativo
Sujeito + Verbo + Predicativo
Verbo + Predicativo + Sujeito
Predicativo + Verbo + Sujeito
Verbo + Sujeito + Predicativo
Predicativo + Sujeito + Verbo
Ocorrências
161/2134
23/48
7/7
4/20
0/9
Frequência
7%
32%
50%
14%
0%Knockout
Total
2295
71
14
24
9
Em Cunha & Souza (1997), quando o Nome se desloca para a direita do
adjetivo (adjetivo + Nome) a percentagem de não-concordância mostrou-se muito baixa.
Nesta análise atual da estrutura predicativa houve uma variação muito significativa. A
estrutura Verbo + Predicativo + Sujeito, durante a transcrição da entrevistas, apresentou
um número razoável de não concordância; feita a quantificação confirmaram-se as
nossas hipóteses, e destaco ainda que este número aumenta quando acrescento a esta
estrutura as outras duas em que o sujeito se encontra deslocado para direita do
predicativo.
Como pudemos observar, a pesquisa estaria comprometida neste ponto com 1
(um) “knockout” (falta de dados que impede a relação presença/ausência, neste caso,
todos os dados concordam em gênero), se continuasse com os mesmos cinco fatores.
Resolvi, então, por agrupar em dois fatores apenas o que diz respeito à ordem regular a
posição das estruturas predicativas.
Vejamos a tabela a seguir:
TABELA 6
POSIÇÃO DO PREDICATIVO: ocorrência, frequência da não-concordância e peso relativo da
aplicação da regra de concordância de gênero
Fator
Ocorrências
Total
Frequência
Peso Relativo
Ordem canônica
161/2134
2295
7%
.51
Ordem não-canônica
19/99
118
16%
.32
INPUT .95
SIGNIFICÂNCIA .000
Fatores e exemplos:
1) Ordem Canônica
a) não-concordância
... ela estava bonito ... (Egi74mascNA-Caçandoca-DOM-EGIMAGAL)
... os beiju ainda não estava pronta ... (Gab52fem14-Caçandoca-ACS-ITESP-O3)
b) concordância
... a mulher do Bernardino é mais preta ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE2)
... esses estão novo ... (Iza56fem14-Caçandoca-ACS-IZPECE1)
2) Ordem Não-Canônica
a) não-concordância
... foi tapeado uma senhora ... (Ton45masc14-Caçandoca-DOM-BENGABAS)
... foi aberta o terreno ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE1)
... foi feito a denuncia ... (Ant47masc58-Caçandoca-DOM-ANSEBEGA)
b) concordância
... fiquei revoltado eu ... (Ton45masc14-Caçandoca-DOM-BENGABAS)
... a minha sozinha ficou ... (BGS85mascNA-Caçandoca-DOM-BENGABAS)
A distribuição das percentagens e a leitura dos pesos relativos, desta vez não
esteve comprometida como em estudo anterior (Souza, 1999), por dois motivos: o
primeiro é que figura na ordem não-canônica a estrutura Verbo + Sujeito +Predicativo
que em análises anteriores teve poucas ocorrências, nesta análise está bem presente; o
segundo é que o número de ocorrências das estruturas em que o sujeito figura à direita
do predicativo era muito baixo, neste corpus analisado foi relevante o seu número.
Com a presente análise, chega-se a uma conclusão com relação ao
favorecimento ou desfavorecimento da presença de concordância ao ocorrer a ordem
não-canônica: a interrupção do fluxo do processamento linear do falante favorece a
ausência de concordância de gênero entre o sujeito e o predicativo.
Percebi, ainda, com relação ao grupo de fatores ‘Posição do Predicativo’, o que
mais se percebe é que o falante usa uma referência anafórica em detrimento de uma
catafórica. Quando ele tenta referir-se a algo no discurso mais à frente ele pospõe
claramente o Sujeito em relação ao Verbo e ao Predicativo, prevalecendo a posição
Verbo + Predicativo + Sujeito.
Assim sendo, o falante, tendo em vista as pressões de uso que atuam sobre seu
desempenho, faz a sua escolha de modo que seja preservada a “competência
comunicativa” na veiculação da mensagem.
Com relação ao desempenho desses fatores na pesquisa, tenho a considerar
que:
 na variável ‘ordem não-canônica’, todos os fatores (com a exceção do “knockout”)
atingem percentual igual ou acima da percentagem geral dos cálculos do Programa
Varbrul que é 7% de não concordância; há de chamar a atenção para a ordem
‘Predicativo + Verbo + Sujeito’, mesmo que o número de ocorrências seja um pouco
baixo ela exibe percentual elevado (50%) de ausência de concordância.
Em resumo, a relevância no que diz respeito à variável Posição do Predicativo
estudada coloca-se da seguinte maneira:
 os falantes da Comunidade da Caçandoca aplicam mais a regra de concordância de
gênero nas estruturas predicativas em que o sujeito se coloca antes do verbo com o
qual se relaciona. Contudo, a concordância de gênero aumenta mais ainda se o
sujeito ocupa posição imediatamente antes do verbo.
 as correlações de concordância de gênero são mais difíceis quando se trata de sujeito
em posição pós-verbal.
4.7 - Variável Material Interveniente entre o Verbo e o Predicativo
Este grupo constituiu-se de quatro fatores que foram ao encontro da proposta
de Scherre (1991:66-67), acrescentando-se o fator ‘pronome indefinido’ que se mostrou
relevante para o meu trabalho.
A análise detalhada e os cruzamentos deste grupo de fatores com todos os
demais não se revelou estatisticamente muito significativo, o que não ocorrera em
análise anteriores. Mesmo apresentando-se com uma distribuição desequilibrada entre
os fatores que o compõem, o estudo das variáveis indicou que a presença de material
interveniente entre o verbo e o predicativo aumenta a percentagem de não-concordância.
O pronome indefinido em estudos já realizados apesar de pouca ocorrência
interfere na concordância do sujeito com o predicativo. A presença de um advérbio,
composto na sua maioria por intensificadores, colabora para aumentar a ausência de
concordância. Faz-se necessário mencionar que o fator ‘demais materiais’, onde se
encontram relacionados os determinantes (artigos na sua maioria), realizado o
cruzamento dos dados, em análise anteriores, com os demais grupos, verificou-se que
este ocorre juntamente com o núcleo substantivo, o que remete diretamente ao trabalho
de Cunha & Souza (1997), onde a presença de artigos desfavorecia a não-concordância.
Vejamos a Tabela 17
TABELA 7
MATERIAL INTERVENIENTE ENTRE O VERBO E O PREDICATIVO: ocorrência, frequência
da não-concordância
Fator
Ocorrências
Total
Frequência
Sem material interveniente
139/1714
1853
8%
Advérbio
20/177
197
10%
Pronome indefinido
8/34
42
19%
13/308
321
4%
Demais elem. intervenientes
Fatores e exemplos:
1) Sem Material Interveniente
a) não-concordância
... Feliciana era casado ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-EGIMAGAL)
... era morta o pai ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-EGIMAGAL)
b) concordância
... ficaram bêbados ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
2) Advérbio
a) não-concordância
... era completamente fechada ... (Ast82femNA-Caçandoca-ACS-ITESP-05)
... mãe foi muito perseguido ... (Ama72femNA-Caçandoca-ACS-ITESP-05)
b) concordância
... o ensino primário era mais profundo ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE1)
... eles já estavam bem velhinho ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE2)
3) Pronome Indefinido
a) não-concordância
... elas foi tudo roubado ... (Ama72femNA-Caçandoca-ACS-ITESP-05)
b) concordância
... o Roque e a Madalena eram tudo pequeno ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOMMARIAGAL-1)
4) Demais Elementos Intervenientes
a) não-concordância
... ela era um moção ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
... elas são os culpado ... (AFC45fem14-Caçandoca-DOM-ANFECOSI)
... eu era um bichão ... (Iza56fem14-Caçandoca-ACS-IZPECE1)
b) concordância
... uma casa era a última ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE2)
... o Tolino era o derradeiro ... (MGC120femNA-Caçandoca-DOM-MARIAGAL-1)
... eles era o bonzinho ... (Ped64masc14-Caçandoca-ACS-IZPECE2)
Ao realizar o estudo sobre a variável ‘Material Interveniente entre o Verbo e o
Predicativo’, o fiz levando em consideração a interferência que esses elementos
poderiam causar na relação sujeito predicativo. Por se postar imediatamente logo após o
verbo eles distanciam consequentemente o sujeito (ou a idéia de sujeito) do predicativo,
podendo interferir diretamente na escolha deste último pelo falante.
Esses dados demonstram que a variável dependente ora analisada não se
correlaciona positivamente com a oposição presença/ausência de elementos
intervenientes entre o verbo e o predicativo, uma vez que os números percentuais
atribuídos aos quatro fatores conjuntamente estão muito acima da média dos outros
grupos. Esse detalhe com certeza concorreu para a não escolha deste grupo nesta
pesquisa.
Isso vem justificar o porquê de a variável sob análise não ter sido selecionada
como estatisticamente relevante para o estudo da concordância de gênero entre o sujeito
e o predicativo.
5.
ANÁLISE DAS VARIÁVEIS EXTRALINGUÍSTICAS
A Sociolinguística de orientação laboviana considera de grande relevância a
relação entre língua e sociedade e, por esse motivo, preocupa-se com o efeito que as
características sociais do falante possam ter sobre seu próprio desempenho linguístico.
Assim sendo, investiguei a correlação da aplicação da regra de concordância de
gênero com três variáveis sociais - grau de escolarização, faixa etária e sexo, descritas a
seguir.
O estudo das variáveis sociais baseado nas frequências (percentagens) indica
que a noção de gênero está próxima da do português brasileiro culto, exceto por um
detalhe que me chamou a atenção: na faixa etária de 40 a 50 anos, a regra de
concordância de gênero não está totalmente internalizada.
Esse fato levou-me a uma outra conclusão inequívoca: a de que deveria sim,
neste trabalho, descartar os dados e as ocorrências da faixa etária de 20 a 30 anos,
porque esta faixa, posso assim dizer, não faz parte da comunidade no que tange a
variedade de fala a que me propus a investigar, pois foram retirados da área antes dos 15
anos e só retornaram, isto é, aqueles que retornaram, após dez ou mais anos, por isso
achei melhor não enquadrá-los neste momento como informantes para a pesquisa. Isso
se deve ao fato de eles estarem residindo no município do Guarujá, onde a maioria das
famílias expulsas das terras se refugiaram, criando e educando lá seus filhos.
Outro fator preponderante foi o de esta faixa etária (20 a 30 anos) não ter
maiores dificuldades com a concordância de gênero, ou seja, já estão quase totalmente
afeiçoados ao português culto, utilizando até mesmo os clíticos acusativos com destreza.
Para Nunes (1993: 207), os clíticos acusativos de terceira pessoa não fazem parte do
vernáculo do português brasileiro. Ao contrário, o uso dessas formas está associado ao
aprendizado escolar, revela grau de instrução elevado e é identificado com língua escrita
e estilo formal.
As afirmações de Nunes vêm ao encontro das palavras de Naro, quando ao
abordar uma posição teórica "clássica" sobre a mudança na língua falada pelo indivíduo
e sua real transformação no decorrer dos anos. Segundo ele, essa teoria é aceita por uma
grande maioria de linguistas desde os gerativistas até os sociolinguístas, e postula que:
"... o processo de aquisição da linguagem se encerra mais ou menos no começo
da puberdade e que a partir deste momento a língua do indivíduo fica
essencialmente estável. Segundo esta posição, a gramática do indivíduo não pode
sofrer mudanças significativas porque o acesso aos dispositivos cognitivos que
possibilitam a sua manipulação fica bloqueado, uma hipótese que se apoia na
psicologia desenvolvimentista. Quaisquer eventuais mudanças seriam apenas
esporádicas: troca de uma palavra por outra, troca de pronúncia de uma palavra
etc." (cf. Mollica (org.), 1992:82).
Portanto, a “interação constante” (do tipo pai / filho) citada por Naro no mesmo
trabalho está comprovada, visto que essas duas faixas etárias (20 a 30 anos e 31 a 39
anos) falam de maneira muito distinta. E vou mais longe na investigação, a segunda
faixa etária destoa das faixas etárias que se sucedem.
Em resumo, esses dados poderiam desviar a atenção para algo que realmente
não me interessa num primeiro momento. A retirada dos dados dos informantes com
idade de 20 a 39 anos deveu-se aos “knockouts” constantes nos grupos de fatores das
variáveis linguísticas, que deixaram de ocorrer a partir dos 40 anos. Na verdade, o
“knockout” não deixa de ser um dado (fator) importante, porque ele me mostrou o
caminho a seguir. Os informantes de 40 a 50 anos são os filhos daqueles que foram
expulsos das terras, por isso viveram sua infância, adolescência e começo da vida adulta
na comunidade. Os informantes de 51 a 70 anos são os tios, primos e irmãos mais
velhos desta geração mais nova. Os informantes com mais de 71 anos é a geração de
filhos dos escravos libertos.
5.1 - Variável Faixa Etária
O grupo de fatores ‘faixa etária’, isoladamente, não se mostrou estatisticamente
muito significativo em estudo anterior (cf. Souza, 1999), uma das razões pode ter sido a
alta concentração de ocorrências na faixa etária agrupada entre 41 a 60 anos, isso teria
desequilibrado a distribuição dos dados. Na análise deste corpus processei a uma
distribuição mais equilibrada, tanto com relação ao número de informantes como a
quantidade de horas gravadas com a mesma pessoa.
O resultado não poderia ser melhor. Dos nove grupos de fatores, este foi o
segundo na sequência dos mais significativos escolhidos pelo Programa Varbrul,
ficando apenas atrás do ‘Núcleo do Predicativo’, isso vem ratificar o equilíbrio de pesos
relativos existente dentro do próprio grupo e em relação aos dos outros grupos.
Vejamos agora a Tabela 18 com os dados sobre a distribuição por faixa etária.
TABELA 8
FAIXA ETÁRIA: ocorrência, frequência da não-concordância e peso relativo da aplicação da regra
de concordância de gênero
Fator
Ocorrências
Total
40 a 50 anos
22/227
249
9%
.45
51 a 70 anos
53/1157
1210
4%
.62
mais de 71 anos
105/849
954
11%
.36
INPUT .95
Frequência
Peso Relativo
SIGNIFICÂNCIA .000
A tabela mostra que existe uma forte correlação entre os fatores do mesmo
grupo, com percentagens e pesos relativos bem equilibrados e revela qual faixa de idade
está mais propensa à aplicação da regra de concordância de gênero entre o sujeito e o
predicativo.
Além disso, a relação entre índices percentuais e pesos relativos não evidencia
em momento algum uma discrepância entre os resultados, descartando-se de imediato
algum problema relativo à má distribuição dos dados ou até mesmo superposição de
algumas variáveis.
Nas pesquisas sobre a concordância de gênero no SN (cf. Petter, 1995 e Cunha
& Souza, 1997) e concordância entre o sujeito e o predicativo (Souza, 1999), ambas
sobre a linguagem da comunidade quilombola do Cafundó, ao cruzar-se esta variável
social com as variáveis linguísticas e a outra social (Sexo, nas duas pesquisas), ela
sempre se revelou muito significativa ao ponto de seus resultados obterem o mesmo
número de índices de Significância (.000) ou próximo a este, em todos os cruzamentos
realizados, mesmo não tendo sido escolhido como estatisticamente significativo na
ocasião. Os dois grupos tidos como os mais estatisticamente significativos no meu
trabalho com o corpus da comunidade do Cafundó, (núcleo do predicativo e material
interveniente entre o verbo e o predicativo), não tiveram tal desempenho, o que justifica
o meu empenho em examinar com um cuidado maior o fator idade, para que não
ocorressem afirmações equivocadas.
Já adianto que o mesmo se verificou com o grupo de fatores ‘Sexo’, que
costuma trazer distribuições altamente equilibradas entre homens e mulheres e que nesta
pesquisa se superou e alcançou diferenças mínimas que ficaram entre 2% a 3% na
frequência.
Esses dois grupos foram de extrema relevância para minha pesquisa, porque
revelaram a distribuição dos índices de não-concordância pelas diferentes faixas etárias
e pelo sexo do falante.
Verifiquei que, independente do sexo, os falante tanto da faixa etária 40 a 50
anos e os acima de 71 anos aplicam menos a regra de concordância, com pouca variação
na percentagem. Há nos falantes da faixa etária 50 a 70 anos um certo equilíbrio no
comportamento linguístico de homens e mulheres. Com relação a esta última faixa
etária, tanto os homens como as mulheres realizam a concordância de gênero, sendo que
entre os primeiros a percentagem é levemente superior, fato esse devido simplesmente à
diferença de ocorrências.
5.2 - Variável Sexo
Nas idas a campo verifiquei algo que pôde ajudar em minha análise da variável
‘Sexo’. Busquei informações a fim de explicar por que os homens apresentam formas
consideradas mais “corretas” que as mulheres. Essa investigação me levou à constatação
de que os homens se aproximam mais da norma culta não em decorrência do grau de
escolarização, mas sim pelo contato com as pessoas de nível culto, principalmente
autoridades de diversos âmbitos e turistas que frequentam as praias da região.
Observemos a seguinte tabela.
TABELA 9
SEXO: ocorrência, frequência da não-concordância e peso relativo da aplicação da regra de
concordância de gênero
Fator
Ocorrências
Total
Frequência
Peso Relativo
Masculino
58/963
1021
6%
.57
Feminino
122/1270
1392
9%
.45
INPUT .95
SIGNIFICÂNCIA .000
Pelos resultados apontados pelas frequências e pesos relativos, percebi que o
homens tendem a se aproximar mais da norma culta que as mulheres.
De acordo com a comunidade, a oposição entre a linguagem do homem e a da
mulher pode determinar diferenças sensíveis que se situam mais no plano lexical. Tais
diferenças constituem um dos interesses da Sociolinguística, que se volta, geralmente,
para a influência do fator sexo em fenômenos de variação estável e mudança linguística,
pois não podemos ignorar que o sexo do falante pode estar correlacionado ao uso de
uma determinada variante linguística.
Dentro de uma visão sociolinguística, Labov (1990) aponta dois princípios
básicos resultantes de pesquisas, nas quais dá ênfase à variável sexo. Ele comenta que,
numa estratificação sociolinguística estável, os homens usam mais as formas ditas
“cultas”, sendo que na maioria dos fenômenos de mudança linguística são as mulheres
que inovam, usando as “não cultas”. E completa dizendo ser interesse maior da
Sociolinguística voltar-se para a influência do fator sexo sobre fenômenos de variação
estável e de mudança linguística, sendo que a análise da dimensão social da variação e
da mudança não pode ignorar que o sexo do falante pode estar correlacionado à maior
ou menor probabilidade de uma variante linguística. Ele termina afirmando que um
lugar comum da nossa cultura é o de que as mulheres são mais preocupadas com a
aparência, com a forma. Daí decorre o maior zelo em vestir-se, o maior gosto pelos
enfeites e a maior inquietude com a preservação da forma física e da beleza. Refletida
na linguagem, essa preocupação poderia traduzir-se na tendência ao maior esmero com
a linguagem, ao emprego de formas valorizadas socialmente. Labov (1990: 69-70).
Assim sendo, talvez possamos inferir que os homens e mulheres das duas
primeiras faixas etárias e homens da terceira se aproximam mais das formas de maior
prestígio social pelo fato de terem oportunidade de interagir com outros grupos sociais,
diferentemente das mulheres da terceira faixa etária que, em sua maioria, viviam e
vivem apenas para as lides domésticas, interagindo somente com os familiares. Fato este
que por si só motivou-me a atentar para a primeira faixa etária que deveriam ter sidos
educados, principalmente, por essas mulheres da terceira faixa etária.
Para Labov, ainda no mesmo trabalho, a análise da correlação entre o fator
sexo e a variação linguística tem de necessariamente fazer referência ao "status social"
das variantes. Segundo ele, a conclusão comum a diversos trabalhos é a de que, dada a
alternância entre uma forma padrão ou mais prestigiada e uma forma não padrão ou
menos prestigiada, as mulheres são mais propensas ao emprego da primeira e os homens
da segunda." Labov (1990: 70).
Tomando por base os dados e os princípios apontados por Labov
anteriormente, verifiquei que a concordância de gênero entre o sujeito e o predicativo na
comunidade da Caçandoca corresponde a um fenômeno estável, pois devemos encarar
os dados ao contrário, ou seja as mulheres informantes utilizam-se mais de uma forma
não padrão ou menos prestigiada em minha pesquisa.
Dessa forma, posso afirmar que os homens empregam mais a regra de
concordância de gênero que as mulheres, devido à variação inerente, ao grau de
escolarização, aliado, provavelmente, ao relacionamento deles com a comunidade
externa.
Conclui-se que os homens são mais propensos ao uso da regra de concordância
de gênero que as mulheres. Em termos percentuais, os informantes analfabetos, de
modo geral, apresentam índices análogos em relação à ausência de concordância de
gênero, posto que as diferenças entre os valores obtidos pelos homens e pelas mulheres
são relevantes. O comportamento dos homens, por sinal, é bastante homogêneo.
Contudo, me parece que, em se tratando de variedades sexuais, a questão não é
tão simples quanto se pensa. Por isso reportamo-nos às observações feitas por Labov
(1972), a respeito da afirmação feita por alguns estudiosos, no sentido de que as
mulheres fazem mais uso da forma de prestígio que os homens. Segundo as
considerações de Labov, seria um erro adotar como princípio geral que as mulheres
conduzem o curso da mudança linguística, pois há também evidências de influências
exercidas pelos homens. Talvez num exame mais detalhado encontremos nos corpus
desta pesquisa evidências para confirmar ou não essa consideração laboviana.
5.3 - Variável Grau de Escolarização
A variável ‘Grau de Escolarização’ serviu para confirmar a hipótese de que
quanto maior for o grau de escolarização do informante mais propensão ele teria de
aplicar a regra de gênero, como também o inverso é verdadeiro, isto é, quanto menor for
o grau de escolarização menos chance terá o informante de usar as regras de
concordância de gênero. Só que neste trabalho aconteceu algo inusitado ao meu ver.
Houve uma lacuna de pelos menos 20 anos em que alguns habitantes foram à escola e
outros não. Neste ponto chega-se à conclusão de que a regra de concordância de gênero
tem como fator principal a vida social do falante, ou seja, a sua formação escolar.
Vejamos, então, a Tabela 22 abaixo, mostrando os resultados referentes à
variável ‘Grau de Escolarização’ na fala dos quilombolas da Caçandoca.
TABELA 10
GRAU DE ESCOLARIZAÇÃO: ocorrência, frequência da não-concordância
Fator
Ocorrências
Total
Frequência
Analfabeto
112/952
1064
11%
1ª à 4ª
51/975
1026
5%
5ª à 8ª
17/306
323
5%
Observando os percentuais relacionados aos falantes analfabetos, verifiquei
que o maior índice percentual veio ao encontro do que eu já esperava: os falantes mais
velhos e com nenhuma escolaridade fazem menos concordância de gênero.
No que concerne aos falantes de 1ª à 4ª séries, observei que eles demonstram
uma sensível elevação dos índices percentuais em direção à concordância de gênero em
relação aos obtidos pelo grupo de falantes analfabetos.
Os falantes de 5ª à 8ª séries, por sua vez, não revelam percentuais próximos aos
preconizados pela norma culta; no geral quem frequenta a escola não deve chegar a este
índice de 5% de não concordância. O que se verifica é que faltam dados precisos sobre
esse fato para uma melhor elucidação e comparação.
Pelo desempenho dos informantes, variando do analfabeto ao de 8ª série,
percebi com bastante clareza que os índices percentuais vão se elevando à medida que
se eleva também o grau de escolarização. Isso comprova a hipótese de que quanto mais
escolarizado for o falante, mais chance ele tem de aplicar a regra de concordância de
gênero, primeiramente no SN e depois nas estruturas sintáticas subsequentes.
Conforme pude depreender dos resultados acima, em termos de percentagens,
os falantes analfabetos atingem resultados muito altos de ausência de concordância de
gênero, mais precisamente, os dois grupos seguintes juntos; os falantes de 1ª à 4ª, por
sua vez, apresentam valor indicando uma certa correlação desse fator em relação ao
fenômeno analisado, semelhantes aos informantes de 5ª à 8ª que apresentam números
demonstrando correlação positiva no sentido da aplicação da regra da concordância de
gênero.
Os resultados percentuais distribuídos nessa tabela mostram, no cômputo geral,
que o grau de escolarização exerce forte correlação com a presença/ ausência de
concordância de gênero entre o sujeito e o predicativo.
Através da literatura sociolinguística tive conhecimento de que o ‘Grau de
Escolarização’ é uma forte variável social para se correlacionar com a oposição
presença/ausência de concordância de gênero no SN.
Observando os percentuais obtidos pelos falantes analfabetos, é de se supor que
a época em que viveram na comunidade não contribuiu para que eles sentissem
necessidade de melhorar seu desempenho linguístico, em outras palavras, eles não
sofreram pressões sociais para usarem formas de prestígio, visto que todos se
dedicavam ao trabalho da terra. Ao contrário disso, os demais informantes já tiveram
maior contato com a cidade, tendo, portanto, oportunidade de relacionamento com
pessoas da classe média escolarizada.
6.
CONCLUSÃO
A correlação das variáveis sociais e linguísticas revelou em que estágio se
encontra o processo de aquisição da regra de concordância de gênero na comunidade da
Caçandoca, talvez indicando retrospectivamente, um longo processo diacrônico, em que
um sistema prévio de flexão de gênero é substituído gradualmente sob a influência da
língua culta.
A investigação dos aspectos apontados nesta pesquisa poderá contribuir não só
para uma melhor compreensão do fenômeno em estudo em dialetos rurais do Brasil,
como também permitirá que se compreenda melhor a natureza do gênero no Português
do Brasil. Devo fazer constar que a intenção a partir de um certo ponto da pesquisa, foi
a de também contribuir com a reconstituição da memória histórica da comunidade.
Observa-se que a idade do falante parece atuar de modo significativo na
comunidade da Caçandoca. Os “mais jovens” nesta pesquisa realizam com menor
frequência a regra de concordância de gênero entre o sujeito e o predicativo (9% de
frequência de não concordância e peso relativo .45), o mesmo ocorrendo com os mais
idosos (11% de frequência de não-concordância e peso relativo .36). Entre os
informantes da faixa etária intermediária ou segunda faixa etária, parece haver um
equilíbrio no uso das variantes, portanto, podemos concluir que eles utilizam com maior
recorrência a regra de concordância de gênero (4% de frequência de não-concordância
de gênero e peso relativo .62).
Com relação ao sexo, percebe-se uma pequena tendência para a aplicação da
regra de concordância de gênero entre os homens; as mulheres (principalmente as da
primeira faixa etária) ao contrário de Labov (1990), não estão inovando, ou melhor não
estão realizando a regra de concordância de gênero, mas segundo o mesmo autor,
através da escola básica e da família, elas conduzem os membros da sociedade aos
primeiros contatos com a linguagem, parecendo iniciar um processo de mudança
linguística. Isso pode estar relacionado ao fato de a regra de aplicação de concordância
de gênero entre o sujeito e o predicativo seja quase categórica juntamente com outras
normas entre os informantes com menos de 40 anos na comunidade da Caçandoca.
Os integrantes da comunidade da Caçandoca utilizam-se de uma modalidade de
língua dita popular que, como é de nosso conhecimento, constitui-se em uma variação
linguística rica em oscilações de formas, apresentando, entretanto, uma extraordinária
uniformidade. Gladstone Chaves de Melo acerca deste tema diz que “ é
substancialmente o português arcaico, deformado, ou se quiserem, transformado em
certo aspecto da morfologia e em alguns da fonética pela atuação dos índios e dos
negros” (1975: 91). A língua portuguesa falada pelos informantes da Caçandoca, tem
decisivamente influências de negroafricanos.
Do ponto de vista do funcionalismo linguístico, há uma busca pela interação
dos fatores internos com os externos ao sistema linguístico. Neves (1996:36) conclui
que esta posição intermediária entre as forças internas e as externas, atuando não apenas
dentro de uma mesma língua, mas também entre diversas línguas, está ligada a “uma
aceitação da variabilidade da língua no espaço e no tempo, isto é, à concepção
fundamental no estudo do uso linguístico - de que as línguas têm um caráter dinâmico.
Ao meu ver, a aplicação desses pressupostos teóricos ao estudo do fenômeno
variável - concordância de gênero entre o sujeito e o predicativo - poderia ser explicada
da maneira que segue: a abordagem tradicional, de um lado, propõe que todos os
elementos flexionáveis do SN (cf. Petter, 1995 e Cunha & Souza 1997) concordem em
gênero com o termo ao qual se referem, mas por outro lado, os fatores internos
(variáveis linguísticas) entram em competição com os fatores externos (variáveis
extralinguísticas), como o grau de escolarização, sexo e, principalmente a idade,
resultando “ nas diversas maneiras de dizer a mesma coisa com o mesmo valor de
verdade” (cf. Tarallo, 1994: 88).
Ao relacionar as formas linguística, os fatores e as funções pude perceber que a
modalidade encontrada nas entrevistas pode ser explicável a partir da natureza da
comunicação humana e, concretamente, a partir da natureza variável das circunstâncias
que cercam o fato linguístico. Na comunidade da Caçandoca um determinado fato
histórico com certeza deve ter contribuído para a formação atual das modalidades
linguísticas: seria o desembarque clandestino de escravos africanos no litoral paulista,
mais precisamente em Ubatuba, conforme relatos dos descendentes de escravos da
comunidade; fato este atestado por Careno (1991) e ruínas históricas existentes no
município de nome “estufa”, que tive a oportunidade de conhecer.
Esse fato histórico aliado a outros, que contribuem para uma maior
compreensão dos dados linguísticos recolhidos, impuseram na pesquisa a necessidade
de uma abordagem que contraria a tendência antiga geral, pois introduz ao lado dos
estudos científicos do sistema da língua, o efeito que sobre eles exercem
condicionadores extralinguísticos que interferem no processo de sua evolução. Tanto os
dados linguísticos quanto os condicionadores são interdependentes e contribuem para
retratar a totalidade da vida das comunidades negras.
Um dado muito relevante foi a abundância de documentos históricos que, ao
menos para mim, comprovam hipóteses como:
a) essa comunidade pode ser chamada de “remanescente de quilombo;
b) os primeiros habitantes devem ter sido desembarcados clandestinamente na região
após a Lei Eusébio de Queirós de 1850.
E ainda, se basear-me nas pesquisas de Careno (1991) Guy (1981 e 1989),
teríamos mais um item:
c) a língua que falam constitui um estágio avançado de um dialeto crioulo existente na
época da colonização, mas que se descaracterizou devido a diversos fatores como a
possível interferências de línguas indígenas e portuguesa.
À guisa de conclusão, posso afirmar que o estudo linguístico das comunidades
afro-brasileiras isoladas que ainda existem é de grande relevância não apenas no âmbito
da linguística, mas pode representar também uma importante contribuição para o
conhecimento da cultura das minorias brasileiras de origem africana, já que se dedica a
um aspecto pouco considerado da cultura desse segmento que vem sendo marginalizado
ao longo do nosso processo civilizatório. Por outro lado, contribui também para reunir
novos dados sobre a real participação das línguas africanas na formação do português
do Brasil; participação esta que, devido ao preconceito e/ou restrições de origem teórica,
tem sido muito negligenciada (cf. Mussa, 1991 e Careno, 1991). Muitas dessas
comunidades constituem remanescentes de antigos quilombos e a busca de sua
identidade histórica e cultural tem, em muitos casos (como o da comunidade de Rio das
Rãs, no alto São Francisco, São Pedro e Nhunguara, no Vale do Ribeira/SP e Cafundó,
SP), um sentido prático imediato, pois a afirmação dessa identidade tem, ao abrigo da
constituição brasileira, implicações diretas sobre uma questão que lhes é de fundamental
importância: a posse da terra. Os dados relativos a sua realidade linguística podem
assim entrar em linha de conta nesse processo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARENO, Mary Francisca. Vale do Ribeira: a voz e a vez das comunidades negras.
São Paulo: Arte & Ciência/UNIP, 1997.
CUNHA, Ana S. de A.; SOUZA, Antonio C. S. de. A Variação da Concordância de
Gênero na Linguagem do Cafundó. In: Anais do XLIV Seminários do GEL. Taubaté:
UNITAU, 1997.
CUNHA, C. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A,
1970.
GUY, Gregory Riordan. Linguistic Variation in Brazilian Portuguese: Aspects of
Phonology, Syntax and Language History. PhD dissertation. University of
Pennsylvania. Ann Arbor: University Microfilms, 1981.
GUY, Gregory Riordan. On the nature and origins of Popular Brazilian Portuguese. In:
Estudios sobre Español de América y Linguistica Afroamericana. Bogota: Instituto
Caro y Cuervo, 1989.
LABOV, W. Sociolinguistic Patterns. Oxford: Blackwell, 1972.
LABOV, W. Building on empirical foundations. In: LEHMAN, W. P. & MALKIEL, Y.
(eds.) Perspectives on historical Linguistics. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins
Publishing Company, 1982. p. 17-92.
LABOV, W. The intersection of sex and social class in the course of linguistic change.
In: Language variation and change. D. Sankoff, Cambridge, University Press. v. 12, nº.
2, 1990.
MELO, Gladstone Chaves de. Língua do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1975.
MOLLICA, M. C. (org.). Introdução à Sociolinguística Variacionista. Cadernos
Didáticos. Rio de Janeiro: CEG/UFRJ, 1992.
MUSSA, Alberto Baeta Neves. O papel das línguas africanas na história do português
do Brasil. Tese de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1991.
NEVES, M. H. M. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
NUNES, Jairo M. Direção de cliticização, objeto nulo e pronome tônico na posição de
objeto em português brasileiro. IN: ROBERTS, I.; KATO, M. A. (Orgs.) Português
Brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: EDUNICAMP, 1993. pp. 207-222.
PETTER, Margarida M. Taddoni. Relatório científico apresentado à FAPESP Projeto
Vestígios de Dialetos Crioulos de Base Lexical Portuguesa em Comunidades AfroBrasileiras Isoladas. São Paulo, 1995.
SANKOFF, D. Variables Rules. In: AMMON, Ulrich; DITTMAR, Norbert;
MATTHEIER, Klauss J. (eds.). Sociolinguistics - An international handbook of the
science of language and society. Berlin / New York: Walter de Gruyter, 1988. p. 984998.
SCHERRE, Marta M. P. A Concordância de número nos predicativos e nos particípios
passivos. In: A variação no português do Brasil. Rio Grande do Sul, UFGRS, Organon
(18): 52-70. vol. 5, 1991.
SOUZA, Antonio C. Santana de. A variação da concordância de gênero entre o sujeito e
o predicativo na linguagem do Cafundó. Estudos Linguísticos XLVI. Seminários do
GEL. Bauru: Universidade do Sagrado Coração, 1999. pp. 208-214.
TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. 4. ed. São Paulo: Ática, 1994.
BIBLIOGRAFIA
AMARAL, A. O dialeto caipira. São Paulo: Secretaria da Cultura, Ciências e
Tecnologia, 1976.
ARENDS, Jacques; MUYSKEN, Pieter; SMITH, Norval. Pidgins and creoles: an
introduction. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 1995.
BAXTER, A. N. A contribuição das comunidades Afro-Brasileiras Isoladas para o
Debate sobre a Crioulização Prévia: um exemplo do Estado da Bahia. Actas do colóquio
sobre “Crioulos de Base Lexical Portuguesa. ed. by Ernesto d’Andrade e Alain Kihm,
7-35. Lisboa: Colibri, 1992.
BORTONI-RICARDO, S. M. The urbanization of rural dialects speakers: a
sociolinguistic study in Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.
BRAGA, Maria Luiza. A concordância de número no sintagma nominal no Triângulo
Mineiro. Rio de Janeiro: PUC. Dissertação de Mestrado, 1977.
BYNON, T. Historical linguistics. Cambridge: Cambridge University Press, 1977.
CHAMBERS, J. K. Sociolinguistic theory. Cambridge: Blackwell, 1995.
CHAMBERS, J. K. and TRUDGILL, P. Dialectology. Cambridge: Cambridge
University Press, 1980.
COUTO, Hildo Honório do. O que é Português brasileiro. São Paulo: Brasiliense,
1986.
DOWNES, W. Language and society. London: Fontana Paperbacks, 1984.
ELIA, S. A unidade linguística do Brasil. Rio de Janeiro: Padrão, 1979.
FASOLD, R. W.; Schuy, R. W. (eds.). Analysing variantion in language. Georgetown:
Georgetown University, 1975.
FERNÁNDEZ, F. M. Metodología sociolinguística. Madrid: Gredos, 1990.
HOLM, J. Pidgins and creoles. Theory and structure. New York: Cambridge Language
SURVEYS, vol. I, 1988.
HUDSON, R. A. Sociolinguistics. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.
JEROSLOW, Helen Mckinney. Creole characteristics in Rural Brazilian Portuguese.
Comunicação apresentada a Conferência Internacional sobre Línguas Pidgins e
Crioulas. Universidade do Havaí, 1975.
LEMLE, M. Heterogeneidade dialetal: um apelo à pesquisa. In: LOBATO, L. (org.)
Linguística e ensino do vernáculo. Rio de Janeiro; Tempo Brasileiro, 53/54: 60-94,
1978.
LUCCHESI, Dante. Variação e Norma: elementos para uma caracterização
sociolinguística do português do Brasil. Revista Internacional de Língua Portuguesa.
Lisboa, nº.12, 1994, pp. 17-28.
MENDONÇA, Renato. A influência africana no português do Brasil. Rio de Janeiro:
Sauer, 1933.
OLIVEIRA e SILVA, G. M.; SCHERRE, M. M. P. Padrões sociolinguísticos. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro/UFRJ, 1996.
OLIVEIRA e SILVA, G. M.; TARALLO, F. Sociolinguística. Cadernos de Estudos
Linguísticos. nº. 20. Campinas: UNICAMP, 1991.
PINTO, I. I. (trad.). Programas Varbrul. Rio de Janeiro: UFRJ, 1989.
RAIMUNDO, Jacques. O elemento afro-negro na língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Renascença, 1933.
ROMAINE, S. Socio-Historical linguistics. Its status and methodology. Cambridge:
Cambridge University Press, 1982.
SANKOFF, D. (ed.). Linguistic variation. Models and methods. New York: Academic
Press, 1978.
SANKOFF, G. The social life of language. Philadelphia: University of Pennsylvania
Press, 1980.
SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. 2. ed., Rio: Livros de
Portugal, 1970.
SILVA-CORVALÁN, C. Sociolinguística. Teoria y Análisis. Madrid: Editorial
Alhambra, 1989.
TARALLO, F.; ALKIMIN, T. Falares Crioulos. Línguas em contato. São Paulo: Ática,
1987.
TARALLO, Fernando. (org.). Fotografias sociolinguísticas. Campinas: Pontes, 1989.
TRAUGOTT, E. C. Pidginization, creolization and language change. In: VALDMAN,
A. (ed.) Pidgin and creole linguistics. Bloomington: Indiana University Press, 1977.
TRUDGILL, P. Sociolinguistics. An introduction. London: Penguin, 1974.
Recebido Para Publicação em 12 de janeiro de 2011.
Aprovado Para Publicação em 28 de fevereiro de 2011.
Download

pesquisas sociolinguísticas na comunidade negra rural da