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Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 10 • julho 2013
“POR DEUS, PELO REI, E PELA TERRA-MÉDIA” - ELEMENTOS
RELIGIOSOS EM O SENHOR DOS ANÉIS DE J. R. R. TOLKIEN
Silas Daniel dos Santos (PROASE – EERP/USP)1
[email protected]
RESUMO: O presente artigo visa mostrar, à guisa de estudo de caso, alguns elementos religiosos
presentes na obra O Senhor dos Anéis, e sua importância para a compreensão da referida obra, do autor J.
R. R. Tolkien . A escolha se deve à inegável densidade do texto, provavelmente parabólico, metafórico e
alegórico, em cuja tessitura indubitavelmente elementos religiosos tem grande peso.
Palavras chaves: elementos religiosos, O Senhor dos Anéis, Tolkien.
ABSTRACT: This article aims to show by way of case study, some religious elements present in the
book The Lord of the Rings, and its importance for the understanding of that work, the author J. R. R.
Tolkien. The choice is due to the undeniable text density, probably parabolic, metaphorical and
allegorical, in which religious elements fabric undoubtedly has great weight.
Keywords: religious elements, The Lord of the Rings, Tolkien.
INTRODUÇÃO
Em nosso país já há um sugestivo corpus de pesquisas na interface religião e
literatura, tanto produção nacional como também traduções, em livros e artigos em
periódicos2. A (re) descoberta da potencialidade epistemológica das artes e da literatura
para o estudo da religião é, paradoxalmente, renovadora (dado ao virtual – e incrível –
desprezo que essa fértil fonte de pesquisa tem recebido) óbvia, vez que há milênio as
1
É Membro do Núcleo de Estudos, Ensino e Pesquisa do Programa de Assistência Primária de Saúde
escolar – PROASE da EERP/USP/Ribeirão Preto/SP; Mestre em Ciências da Religião pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie de São Paulo; Especialista em Didática e Planejamento do Ensino Superior pela
Universidade do Estado de Minas Gerais; Licenciado em Letras pela Universidade do Estado de Minas
Gerais; Bacharel em Teologia pela Universidade Metodista de São Paulo.
2
Inter alia, Zilles (1984, p.337-349); Manzano (1994); Araújo (1996); VVAA (1997); Soethe (1997, p.
205-223); Barcellos (2001); Gross (2002); Caldas (2003. P. 135-156).
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artes e a religião estão visceralmente unidas, a um ponto tal que desconectá-las é como
separar xifópagas.
No que tange à interface religião e literatura, observe-se:
Não é difícil seguir na história a relação entre religião e literatura. Bem cedo
a escrita foi utilizada para transmitir adiante mensagens sagradas. Não que
isso sempre tenha sido feito através de uma sacralização formal dos próprios
textos, como nas tradições religiosas que canonizaram algum conjunto de
obras particulares. Mesmo sem uma tal consagração, os legados espirituais da
humanidade foram sendo registrados por escrito, seja com objetivo de
compartilhar tais conhecimentos, seja com objetivo de preservá-los de um
desaparecimento futuro. (GROSS, 2002, p.8).
Essa citação pode dar entender que somente textos considerados sagrados
podem ser utilizados para o estudo da religião. Na verdade, não é o caso.
Por outro lado, a relação entre literatura e religião de forma alguma é
monopólio de textos a que se atribui algum tipo de sacralidade. Também
desde sempre os textos considerados “profanos” espelharam a religiosidade
que os envolvia. (GROSS, 2002, p. 8-9).
Por oportuno, ressalte-se que a pesquisa na interface literatura-religião/teologia
está em construção. Há diferentes possibilidades teóricas neste vasto campo3. Mas, em
síntese, pode-se afirmar que, independentemente do modelo teórico que se adote, quem
trabalha com essa interface há de prestar atenção a algumas questões bem apresentadas
por (Gross, 2002, p. 10-11), quais sejam:
Como a literatura em geral retrata ou deixa retratar os elementos religiosos da
cultura? Quais os pressupostos religiosos, conscientes ou não, assumidos no
momento da escrita? Que mensagens de cunho espiritual são veiculadas,
voluntária ou involuntariamente? Como os elementos religiosos na cultura
afetam o processo de recepção de uma obra literária? Pode-se considerar a
literatura a-religiosa e a anti-religiosa como apresentando tipos de
sacralizações alternativas às das tradições religiosas atuantes na cultura em
geral? (Gross 2002, p. 10-11).
3
Quanto a diferentes possibilidades de articulação teórico-metodológica da interface literatura-teologia .
Barcellos (2001, p. 55-77).
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O Senhor dos Anéis é uma trilogia do escritor inglês J. R. R. Tolkien4, escrita
no período das duas grandes Guerras Mundiais, ocorridas no século XX. As partes são
chamadas respectivamente de “A Sociedade do Anel”, “As Duas Torres” e “O Retorno
do Rei”, a obra ganhou a sua versão cinematográfica pelas mãos do excelente diretor
neozelandês Peter Jackson, em três filmes separados.
A nossa questão de pesquisa é: que obra é essa que alcançou sucesso, tanto
como livro como filme?
O Romance O Senhor dos Anéis
O livro O Senhor dos Anéis é uma obra de ficção fantástica, escrita em 1936 e
1949 e publicado em 1954.
É uma obra de um professor universitário de literatura
medieval da Inglaterra, que viveu as duas grandes guerras do século XX, uma como
soldado e outra como correspondente de guerra.
A narrativa de O Senhor dos Anéis é uma guerra travada entre duas frentes, que
reivindicam o direito de organizar o mundo segundo os seus próprios valores e virtudes.
È uma temática de crise, um momento de decisões em um universo próprio que possui
história, línguas, geografia, povos, mitologia e culturas. Toda a criação de Tolkien está
expressa no livro, e seu drama é, centralmente o conflito entre o Bem e o Mal.
Quando foi publicada, a trilogia de O Senhor dos Anéis provocou uma grande
sensação na literatura inglesa, porque seu autor, J. R. R. Tolkien, teve a audácia e a
ousadia de criar um mundo que, em seus detalhes culturais e sociais, é uma recriação da
civilização europeia e de suas lendas.
Tolkien conseguiu mostrar de uma forma bastante clara e convincente o seu
mundo aos leitores, porque a terra que ele criou é inegavelmente parecida com o mundo
em que vivemos e, ao mesmo tempo, diferente.
4
John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973) foi o criador do Livro O Habbit e sua sequência O Senhor dos
Anéis. Tolkien foi professor de anglo-saxão, ou inglês antigo, (e considerado um dos maiores
especialistas do assunto) na Universidade de Oxford de 1925-1945, e literatura de 1945-1959.
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O impacto dessa obra foi tal que fez com que se formasse um novo gênero na
literatura Moderna: o dos romances de Fantasia Medieval. Assim, Tolkien tornou-se
muito influente, inclusive, na História da Literatura.
Como a obra O Senhor dos Anéis contém temas vastos e variados, não nos será
possível neste artigo tratar de todos os temas. Dessa forma, abordaremos alguns
assuntos que nos parecem de fundamental importância neste romance: o tema principal
e o fundo filosófico/religioso da trilogia. Bem como as visões sobre o mundo, a vida, o
homem, e a mulheres.
Os Temas e a Religiosidade Presentes em O Senhor dos Anéis
O Senhor dos Anéis está baseado na filosofia cristã. Isso já explica o tema
principal dessa obra, que é:
“existe alguma possibilidade para o ser humano, corrompido por
natureza, ser salvo e realizar a liberdade da vontade?”
(TOLKIEN, 2001).
O que nos faz denotar esse tema é a fala que mais aparece, tanto no livro
quanto no filme: “...Mas o coração do homem é facilmente corrompido.” E é este o
primeiro de todos
o pontos da “doutrina sobre o
homem” do cristianismo: a
pecaminosidade do homem. É o que se chama de “pecado original”que a Bíblia traz,
desde o seu início no livro de Gênesis, no capítulo três.
Mas, na obra de Tolkien, o que seduz o coração do homem a se corromper
constantemente? É o Um Anel5. Esta conclusão vem de uma simples constatação: de
acordo com a Bíblia, o que guia o homem para a sua própria ruína, neste mundo, é o
pecado, desde o pecado original no Éden até hoje: “Neste caso, quem faz isto já não sou
5
O Um Anel é o ponto fundamental na narrativa de O Senhor dos Anéis. Forjado em segredo pelo Maiar,
uma raça de status angelical, Sauron, que havia se corrompido, tinha o poder de controlar os outros anéis
de poder, também forjado por Sauron e oferecidos aos povos livres da Terra-Média: elfos, anões e
homens. Com esta armadilha, Sauron pretendia dominar todos os seres, terras e conhecimentos existentes.
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eu, mas o pecado que habita em mim” (Carta do Apóstolo Paulo aos Romanos 7:17); e
nesta obra , é o Um Anel, que seduz o homem de forma muito semelhante no mundo da
Terra-Média, onde se passa O Senhor dos Anéis.
Mas, então, o que é esse “pecado”? De acordo com a filosofia cristã, o pecado
é “a tendência natural: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu a minha
mãe.” (Salmos 51:5) e habitual do homem fazer o que é errado’. “Arastes a malícia,
colhestes a perversidade; comestes o fruto da mentira, porque confiastes nos vossos
carros e na multidão dos vossos valentes” (Oséias 10: 13). É por isso que o homem, por
cometê-lo, mesmo sem vontade de fazê-lo, o odeia e, ao mesmo tempo, o ama. É a
natureza do homem que está dita na Bíblia: fazer algo que o próprio ser não gosta de
fazer: “Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o
que prefiro, e sim o que detesto”. “Mas, se faço o que não quero, já não sou eu quem o
faz, e sim o pecado que habita em mim”. (Carta do Apóstolo Paulo aos Romanos 7: 15 e
20). No livro, Tolkien fala disso por meio do mago Gandalf, o Cinzento, quando este se
refere a Gollum “(…) Ele ama o anel tão quanto o odeia.” (TOLKIEN, 2001).
Há críticos que interpretam o significado do Um Anel de forma diferente,
dizendo que o Um Anel, sendo o Anel Absoluto, é o símbolo do “poder absoluto”. Mas
essa visão é incorreta, tendo em vista o prefácio do autor na primeira edição da trilogia:
[...] Mas, mesmo que este romance tenha sido escrito durante as Grandes
Guerras mundiais, a sua mentalização é bem anterior, e, portanto, não contém
qualquer retrato delas, [...] nem alguma analogia sobre o poder absoluto que
tentaram formar (a Alemanha ou o Japão, ou mesmo a União soviética). Se o
Mal retratado fosse isso, então este teria sobrevivido. (TOLKIEN, 2001).
A Visão de Mundo em O Senhor dos Anéis
Conforme as palavras de Tolkien acima, não se pode dizer simplesmente que a “trilogia
é o fruto da mitologia e da história da Europa”. Muito pelo contrário, o autor projeta e
recria a visão cristã no seu mundo, Terra-Média, valendo-se dela como seu instrumento
de narração.
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Numa outra obra de Tolkien, chamada O Silmarillion, que é “o princípio” de O Senhor
dos Anéis, aparece a lenda da Criação do Mundo. Diferente do que acontece com os
demais romances de fantasia medieval hoje, o autor conserva a visão monoteísta da
Criação. Assim se inicia a primeira canção de O Silmarillion, a “Ainulindalë”:
No princípio, havia Eru, o Único, que em Arda é chamado de Ilúvatar. Ele
criou primeiro os Ainur, os Sagrados, gerados Poe seu pensamento, [...] os
grandes, entre esses espíritos, são denominados Valar, [...] mas os de grau
inferior são os Maiar [...]. (TOLKIEN, 2001).
Percorrendo outras canções épicas que se seguem, tais como a “Valaquenta” e
a “Quenta Simarillion”, aparece-nos claramente que os Valar são os arcanjos e os
Maiar, os anjos. Voltando à “Ainulindalë”, narra-se um pequeno episódio de uma
rebelião , liderada por um vala, Melkor, que desobedece à vontade de Eru por três
vezes. Eru, furioso, condena o líder e os adeptos desta rebelião. Melkor, guardando
rancor pela condenação, desce à Terra-Média, que estava a se formar, com seus próprios
criados e súditos.
Assim que Eru terminou de formar o Mundo, criou seres racionais, que são
chamados por ele mesmo de “Seus filhos”. Essas raças, dotadas de razão e vigor, são os
elfos e os homens. E começa a Primeira Era.
A fim de eliminar do Mundo o perigo de Melkor, cujo apelido é Morgoth, Eru
envia à Terra-Média uma legião dos Valar e dos Maiar. Morgoth, o arcanjo rebelde, por
sua vez, reúne os seus criados e súditos para enfrentar a legião. Assim inicia-se a guerra
entre os exércitos celestiais, que termina com a vitória dos Valar e dos Maiar, fiéis a
Eru.
Os relatos da Primeira Era coincidem, quase que integralmente, à narrativa
bíblica. De acordo com os livros de Gênesis, Isaías, Ezequiel, o Evangelho de São
Lucas e Apocalipse, Deus, o Único, criou o Mundo e tudo que nele há (Gênesis
capítulos 1 e 2), e ocorreu uma batalha entre os anjos fiéis a Ele e os rebeldes,
seguidores do arcanjo – outrora belíssimo e fiel servo d’Ele (Ezequiel 28: 13-15) –
agora decaído (Isaías 14: 13-14), nos Céus (Apocalipse 12: 7-8). Após essa batalha na
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abóboda etérea, os rebeldes, derrotados (Ezequiel 28:16), vem à Terra (Lucas 10:18;
Apocalipse 12: 9-10).
A Segunda Era, que se inicia após esses acontecimentos, foi um período
governado com os “Três anéis de Poder” dos reis élficos. E junto a eles, os reis dos
homens e os senhores anões. Tudo era governado com a liberdade e a ordem, e a TerraMédia se achava em paz e prosperidade, sem Morgoth.
Mas o servo mais fiel de Morgoth, Sauron, disfarçou-se num anjo reluzente e
grande mago, e enganou o coração dos reis dos homens ao presenteá-los com os “Nove
Anéis”, tornando-os seus servos. Os reis de Angmar tornaram-se os “Espectros do
Anel”, os “nasgûl”, porque não discerniram que os seus Anéis eram parte de um plano
malévolo.
Sabendo disso, Eru, através dos seus fiéis Valar, enviou os “Istari”, que os
povos da Terra-Média chamaram de “magos”. Eles eram da categoria de Maiar, e
tomaram a forma humana. Como existiam desde o princípio, suas formas eram de idade
avançada, e tinham a missão de deter o mal de Sauron.
Então chamaram todos os elfos e homens que não forma seduzidos nem
corrompidos pelo poder do Um Anel de Sauron, e formaram a “Última Aliança” para
resistir à expansão de Sauron. Na última batalha, Sauron perdeu seu dedo e o Um Anel,
perdendo a sua forma; o Um Anel passou a Isildur, o Rei de Gondor e de Anor, como
espólio de guerra. Assim terminou a Segunda era.
Os relatos da Segunda Era também são baseados na Bíblia. No livro de
Gênesis, Satanás, após ser expulso dos Céus, seduz os homens, os filhos de Deus, a
pecarem (Gênesis 3:1-7). Estes, não discernindo a gravidade das consequências de seus
atos, pecam, e a partir desse momento, o pecado os governa, e o mundo é amaldiçoado
(Gênesis 3:17).
Inicia-se a Terceira Era. Os elfos perdem gradativamente os seus poderes, e os
homens encontram-se em queda, pois os seus nobres, chamados númenorianos, foram
quase extintos. É um período instável e imprevisível, um tanto sombrio. O espírito de
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Sauron, que fora derrotado no final da Segunda Era, aproveita-se desta situação e
retorna, querendo recuperar a sua forma e império através de seu perdido Um Anel. Os
magos iniciam a busca também, porque são cientes do plano do inimigo. E é a partir
desse ponto que a linha narrativa sai de O Silmarillion e entra em O Senhor dos Anéis.
O Um Anel foi achado por Sméagol, que vivia às margens do Grande Rio, o
Anduin. Sauron, sabendo da descoberta, levanta um exército formidável para recuperar
o seu império na Terra-Média. Nesta iminência, Saruman, o chefe dos magos, trai Eru e
se alia a Sauron. Para impedir que este crescente e avolumado mal conquiste o mundo,
foi formada a Sociedade do Anel pelos representantes de todos os povos livres – os
homens, os elfos, os anões e os hobbits – para destruir o Um Anel. A tensão aumenta e
explode a chamada “Guerra do Anel”.
Pelo cumprimento da profecia, o Rei retorna e vence o exército de Sauron, e o
Um Anel é destruído por um hobbit: Frodo. A Terra-Média se liberta do mal e volta à
paz. Após a Guerra do anel, os magos e os elfos vão além do Grande Mar, rumo a
Valinor, a Terra da Imortalidade. Os demais membros da Sociedade do Anel navegam
posteriormente à Terra do Oeste, terminando, assim, a Terceira Era.
Não há relatos mais firmados na Bíblia que os da Terceira Era. O terceiro
volume do épico O Senhor dos Anéis, intitulado “O Retorno do Rei”, está baseado
inteiramente no Novo Testamento, em especial no Livro de Apocalipse, por se tratar do
cumprimento da profecia de que “O Rei retorna ao Mundo, poderoso e triunfante, e
acaba para sempre com o Mal” (Apocalipse 19: 11-21).
As Raças e Suas Visões de Vida em O Senhor dos Anéis
Em O Senhor dos Anéis aparecem muitas raças diferentes. Podemos encontrar
principalmente magos, elfos, homens, anões e hobbits. Mas qual será a intenção do
autor ao apresentar essas raças diversas em sua obra? E quais são os seus papéis nesse
mundo da Terra-Média?
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Neste romance, todas as raças foram usadas como “instrumentos” que
enfatizam um determinado aspecto do ser humano.
Magos e elfos. Por serem mais racionais e puros espiritualmente, através de
seus olhos vemos com riqueza de detalhes o lado irracional e pecaminoso dos humanos.
Diante deles, providos da exata consciência do pecado e de seu poder, os homens não
passam de seres que facilmente caem no pecado. Diz o mestre Elrond: “Os homens são
fracos. E por causa deles o Mal ainda sobrevive.” (TOLKIEN, 2001).
Os elfos, além de racionais, são ideais e conseguem se equilibrar no
cruzamento de duas emoções diferentes: a tristeza e a alegria, ambas provocadas pelo
término da Era deles.
Os homens, no entanto, são mais emotivos que racionais. Ma existem duas
espécies diferentes de homens: os primeiros, grandes reis e nobres, chamados
“númenorianos”, mais belos, racionais e possuidores de dom da longevidade, porque
são mais próximos aos elfos; tem muito pouco. Os homens comuns são muito mais
passionais e mais vulneráveis ao pecado. Foi um grupo deles, Angmar, que recebeu de
bom grado os Nove Anéis de Sauron.
Há ainda anões. Eles são corajosos, porém egocêntricos. São também
pragmáticos e realistas. Não são racionais, embora ainda o sejam mais que os homens.
De início, mostram-se muito rudes com estranhos, mas quando se tornam amigo, são
leais até o fim. São sinceros e guardam bastante carinho dentro do coração, sem porém,
demonstrarem. Como lenda europeia sobre os anões é muito difundida entre os povos
germânicos, talvez Tolkien tenha espelhado neles a tendência desses povos.
Por último, temos os hobbits, seres que consideram que o sumo bem seja
comer e viver bem. São muito pequenos, em média 1,10m. Não é à toa que são
chamados de “meio-homens”, ou periannas, que em élfico significa “os pequenos”.
Os habbits mostram bem a fragilidade, a timidez e a humanidade dos homens.
Eles reconhecem que sozinhos não conseguem cumprir a tarefa que lhes é dada. Esse
reconhecimento faz com que consigam resistir a todas as tentações e perigos presentes
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em praticamente todos os trechos de O Senhor dos Anéis. Especialmente Frodo, que
carrega o seu fardo, pequeno, porém pesado, muito sabiamente até o fim.
Nos hobbits, o autor refletiu a típica personalidade britânica, principalmente
dele mesmo. Dizia Tolkien frequentemente nas entrevistas: “Eu sou um hobbit.”
(TOLKIEN, 2001).
A Visão sobre as Mulheres em O Senhor dos Anéis
Na obra de Tolkien aparecem três mulheres, Galadriel, a elfa nobre; Arwen, a
semi-elfa e Ëowyn, a princesa humana de Rohan. Através da especificidade de cada
uma delas, o autor descreve e divide a personalidade da mulher em três tipos.
Primeiramente vem Galadriel, a Elfa. Ela possui uma beleza racional e perfeita,
e por isso é a mais impassível. Ela analisa todas as circunstâncias e acontecimentos da
Terra-Média, mostrando a cada raça que caminho tomar. Por ter este tipo de
personalidade, vem a ela uma grande tentação. Mas ela consegue vencê-la, e vai para
Valinor, a terra dos Valar e da imortalidade.
Depois vem Arwen, a Semi-elfa. Ela, por ser meio elfa e meio humana, tem
uma beleza racional e ao mesmo tempo passional. É por essa razão que a sua beleza é
elogiada tanto por humanos quanto por elfos. A sua racionalidade faz com que ela saiba
aguardar o devido tempo para os acontecimentos, e a sua paixão faz com que lute por
seu grande amor, abrindo mão da sua imortalidade élfica. Tolkien a descreve-a como
sendo a mulher ideal.
Por fim, está Ëowyn, a princesa humana do Reino de Rohan. Ela aparece em O
Senhor dos Anéis como sendo a mulher mais passional, e por assim, a mais dramática e
a mais sofredora. Ela corre de um extremo ao outro, e isso revela que ela possui uma
personalidade forte. Ela está sempre lutando para conquistar ou defender a quem ama,
empenhando todo o seu ser. Por meio dela, o autor mostra que o amor humano é ardente
e passional.
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A Visão Messiânica em O Senhor dos Anéis
O Senhor dos Anéis apresenta uma estrutura cristã. Além do tema principal,
aparece como tema secundário “a profecia e o seu cumprimento”. O autor apresenta,
assim como a Bíblia igualmente apresenta, um messias, e essa figura se baseia
principalmente na concepção do Velho Testamento.
O Velho Testamento mostra duas características para um mesmo messias. Uma
é profética, a outra guerreira. A diferença entre a Bíblia e O Senhor dos Anéis está aqui:
no primeiro, estes dois são apenas uma e mesma pessoa; no segundo, são duas pessoas
deferentes.
Os dois messias são Gandalf, o Mago, e Aragorn, o Rei. Gandalf vai a todas as
terras para unir as forças contra o Mal. Aragorn vai à frente da guerra, conduzindo o
exército reunido. Os dois hobbits, Frado e Sam, que não conseguem cumprir a sua tarefa
pelas próprias forças, avançam, apoiados pelas façanhas destes dois “salvadores”,
podendo se livrar do pecado e assim ganhando a liberdade.
O nome do lugar onde Gandalf se sacrifica é Moria. Moriá é o nome de uma
montanha que aparece no livro de Gênesis (22:1-19), é o lugar onde Abraão ofereceu
Isaque, o seu único filho, a Deus, e é também o lugar onde teve seu filho de volta.
Neste local que apresenta o sacrifício e a ressurreição do messias, Gandalf luta
e vence Balrog um dos anjos decaídos -, morre, e finalmente ressurge. Após este
acontecimento, ele recebe um grande poder, deixando de ser o Mago Cinzento para se
tornar o poderoso Mago Branco.
No Novo Testamento, Jesus, o Salvador, morreu na Cruz e ressurgiu,
recebendo assim todo o poder dos céus e da terra (Mateus 28:18), sacrificando o Seu
próprio ser, para salvar a muitos (João 10:11-18). Em O Senhor dos Anéis, Gandalf se
sacrifica para salvar o restante da Sociedade do Anel.
Aragorn. Desde o início desta obra aparece a profecia do “retorno do rei”, e
isso aponta diretamente a ele. Nos dias normais, ele é um mero guardião, mas, no
terceiro livro de O Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei, ele se transforma num grande
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Rei, demonstrando todo o seu poder, glória e majestade como o Senhor de toda a TerraMédia, cumprindo, assim, a profecia.
Ele surge na obra quando a esperança e a liberdade parecem ter desaparecido
totalmente. Mas ele retorna como o Rei e, com seu grande poder, vence o inimigo. Essa
cena remete diretamente à Bíblia (Apocalipse 19:11-21), em que o Messias, o Rei,
retorna à Terra com um grande exército, vencendo o inimigo, o Príncipe do Mal.
Conclusão
Tolkien em O Senhor dos Anéis, ao apresentar os personagens, utilizou um
recurso visual usando cores. Entre alguns exemplos, estão os dois magos: Saruman, o
Branco, e Gandalf, o Cinzento. Interessante é a variação de cores das vestes deles à
medida que a obra se desenrola. Saruman, que começou com a cor branca, vai
adquirindo várias cores; Gandalf, que era cinzento, e por sê-lo, provocava a
instabilidade nas pessoas, passa a ter uma cor branca após a sua ressurreição.
A contraposição de vozes destes dois personagens é interessante também. A
obra descreve que a voz de Saruman é muito suave e agradável de se ouvir, mas por trás
disso estão todos os seus planos malévolos; Gandalf, pelo contrário, tem uma voz forte
e agressiva num primeiro instante, mas sempre fala a verdade.
Tolkien não utilizou somente estes recursos para descrever os personagens.
Também se valeu de elementos da personalidade humana. Boromir, o filho do Regente
de Gondor, é descrito como um homem de forte personalidade. O seu coração é cheio
de ambições e aspirações, a ponto de desejar o Um Anel, mas, quando toma consciência
do seu mal e se arrepende, passa a defender os companheiros e chega a morrer pela
Sociedade atacada, no esforço de tentar corrigir o seu grande erro. É, assim, um
personagem dramático, que aparece no primeiro filme no momento mais comovente.
No outro lado está Frodo, pintado pela fragilidade e sem fortes marcas de
personalidade. É o Portador do Anel e, embora não seja mais que um pequeno e
humilde hobbit, e por isso mesmo estranho, cumpre sua missão com responsabilidade.
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Por ele visualizar precisamente qual é a sua tarefa, esforça-se de todas as maneiras para
cumpri-la. Este tipo de personagem já aparece na literatura do século XVII, na obra O
Peregrino, de John Bunyan.
Sam. Ele é um servo fiel, atendendo a seu senhor. Por onde quer que vá o seu
senhor, ele o segue como uma sombra, dividindo as alegrias e as tristezas. Não
compreende exatamente qual é a tarefa do seu senhor, tampouco quer saber a fundo,
mas faz de tudo para que Frodo possa realizá-la. Sacrifica-se em todos os momentos da
jornada do portador do Anel, e é por isso que nos encanta. O próprio Tolkien dizia que o
seu personagem predileto é Sam.
Por fim está Gollum. Ele mostra, em todos os aspectos da sua personalidade e
caráter, um pecador, viciado no seu pecado. Aliás, o ponto interessante neste
personagem, segundo Gandalf, é que: “Ele ama o Um anel tão quanto ele o odeia.”
Trata-se de uma criatura que precisa preencher o vazio da sua existência, e no Um Anel
ele vê a solução, pois lhe proporciona segurança e bem-estar, muito embora isso torture
e amaldiçoe. Esse desejo, quase que como uma obsessão, leva-o até o seu próprio fim,
no Monte Destino. A Bíblia nos mostra um ser humano justamente assim: é pecador,
mais odeia o seu próprio pecado, e quer se tornar bom, mas falta-lhe a capacidade e a
coragem (Romanos 7: 15-24).
Estas são as influências dos princípios da filosofia cristã nesta grande obra, que
há muito a se explorar. Estes apontamentos, resalvamos, são confirmados pelo próprio
autor, que disse numa certa entrevista: “As minhas fantasias partiram da minha fé; esta
obra é basicamente um romance cristão.”
REFERÊNCIAS
Bíblia Sagrada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
CALDAS, Carlos. Religião e Literatura: reflexões sobre O Silmarillion. Ciências da
Religião: História e Sociedade, São Paulo, ano 1, n. 1, 2003. Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
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Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 10 • julho 2013
GROSS, Eduardo (Org.). Manifestações literárias do sagrado. Juiz de Fora: Editora
da UFJF, 2002.
TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
______. Mestre Gil de Ham. São Paul: Martins Fontes, 2003.
______. O Salmarillion. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
______. Sobre História de Fadas. São Paulo: Conrad, 2006.
______. O Habbit. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Recebido Para Publicação em 02 de maio de 2013.
Aprovado Para Publicação em 26 de julho de 2013.
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“por deus, pelo rei, e pela terra-média”