Cruzada da Barra: A Guerra Santa pela Qualidade dos Serviços Autoria: Victor Manoel Cunha de Almeida, Flavia d’Albergaria Freitas, Cátia Silva da Costa Moreira Schott RESUMO Este caso de ensino descreve a situação de Claudio Cerqueira, proprietário do posto Cruzada da Barra, localizado em uma zona nobre da cidade do Rio de Janeiro. Em 2013, Claudio faz uma retrospectiva para entender os fatores responsáveis pelo crescimento das vendas durante os dois anos de sua administração. O caso ressalta as ações relacionadas à gestão de pessoas e à qualidade do serviço, permitindo explorar na análise os conceitos da cadeia serviço-lucro de Heskett. O caso é recomendado para a disciplina de Marketing de Serviços, na sessão dedicada ao papel das pessoas na prestação do serviço. 1 INTRODUÇÃO Era uma ensolarada manhã de domingo, quando Claudio Cerqueira, sentado à beira da piscina abriu o jornal. Começou a leitura pela parte que mais gosta, as notícias do seu time: Vasco da Gama. Apesar das boas críticas relativas ao jogo de sábado, eram os resultados do posto Cruzada da Barra que teimavam em ocupar seus pensamentos. Desde que comprara o posto da Barra, os resultados tinham melhorado significativamente, tanto o movimento da pista, quanto as receitas da loja e da troca de óleo. Suas ações sempre foram intuitivas e lhe afligia o fato de não ter certeza sobre o que fazer para manter as vendas nos patamares alcançados. Se nem estava claro o porquê da melhoria das vendas, como saber se ainda havia espaço para crescer? Deixou o jornal de lado e ligou para Alcir, gerente do Cruzada da Barra. Combinou uma reunião para discutirem juntos os desafios e os próximos passos do posto. ANTECEDENTES A família de Claudio tinha larga experiência no ramo de postos de combustível. Seu pai estabeleceu o primeiro posto da família no início da década de 1960. Claudio passou a trabalhar nos postos da família em 1995 e sete anos depois, o pai entregou um posto para ele administrar. Nessa época, o mercado ainda era regulado e o atendimento não se diferenciava muito. Claudio tinha muitas ideias, todavia, sentia certa frustração, pois o pai bloqueava a maioria de suas iniciativas – “ele é um homem de uma época diferente”. Em 2002, decidiu mudar-se com a família para Portugal com o objetivo de abrir um posto. Na época, os postos estavam migrando para supermercados e operavam no formato self service, com margem pequena. Meu diferencial sempre foi o atendimento - como eu construiria esse diferencial num posto self service? Precisava de um volume grande e o retorno só viria em 10 anos, desisti. O desencanto inicial deu lugar a uma nova ideia. Claudio identificou uma oportunidade em Angola, terra natal de Cristina, sua esposa: os ônibus que lá circulavam, tipicamente, eram veículos usados adquiridos no Brasil. Claudio conhecia vários proprietários de companhias de ônibus do Rio de Janeiro, então passou a intermediar o contato entre esses proprietários e os angolanos. Porém, essa ideia não prosperou e ele preferiu retornar ao Brasil. De volta ao Brasil, incentivado e apoiado financeiramente por amigos que fez em Portugal, investiu na compra e venda de imóveis, mas por desalinhamento de interesses entre ele e os sócios, o negócio não prosperou. Foi então que decidiu voltar para o ramo de postos, que era o que ele conhecia e gostava. Desta vez pôde contar com o apoio dos sócios portugueses, que decidiram investir no negócio e tinham uma alta expectativa de retorno. Em dois anos, Claudio já havia adquirido oito postos. Todavia, a complexidade da gestão exigia cada vez mais. Para gerenciar os oito postos, com mais de 200 empregados, precisou montar uma estrutura com supervisores e dedicar-se a parte financeira. Isso resultou em altos custos fixos, que impossibilitavam alcançar o retorno esperado pelos sócios, além de exigir sua permanência constante em um escritório. 2 Nas palavras de Cláudio, “Isso gerou um desconforto na relação com os investidores portugueses. Além disso, viver no escritório, definitivamente, não era o meu perfil”. Decidiu, então, desfazer o negócio com os sócios portugueses e começou a vender os postos, ficando apenas com dois: um BR e um Esso. Foi aí que a BR começou a me pressionar para virar a bandeira do Esso para BR. E fez uma imposição: se eu não aceitasse virar a bandeira do Pequena Cruzada, teriam que aumentar o aluguel do BR. Então decidi vender o BR e ficar só com o Esso. Claudio já havia operado um posto Ipiranga e percebia um diferencial no atendimento da empresa. Além disso, valorizava o KM de Vantagens, o programa de fidelidade em que os clientes acumulam pontos que podem ser trocados por passagens aéreas, entre outras coisas. Assim, no início de 2008, o posto remanescente de Claudio ̶ Pequena Cruzada ̶ recebeu a bandeira Ipiranga. PEQUENA CRUZADA Para formar a equipe do Pequena Cruzada, Claudio aproveitou os melhores colaboradores que havia identificado na operação da sua antiga rede de postos, dentre eles o Alcir, que assumiu a gerência do Jet Oil, serviço de troca de óleo. Na época em que o posto “virou” bandeira Ipiranga, os preços eram os mesmos do posto Shell mais próximo. Claudio então trabalhou para construir uma reputação de qualidade no atendimento, tendo a preocupação de monitorar a satisfação dos clientes por meio de pesquisas. Como resultado de uma dessas pesquisas contratou uma faxineira, fato esse que foi percebido e elogiado pelo cliente que fez a sugestão. À medida que a percepção do atendimento “diferenciado” foi sendo incorporada, Claudio percebeu que “os clientes nem sabiam mais quanto pagavam no combustível” e decidiu adotar uma política de subir gradativamente os preços. O volume médio mensal à época da Esso era de 220 mil, alcançou 380 mil litros em 2012. Claudio percebia que não dava para ter um posto na Lagoa Rodrigo de Freitas, em um bairro nobre do Rio de Janeiro, sem uma boa loja de conveniência. Cristina, esposa de Claudio, sempre foi a responsável pela operação da loja. “A loja de conveniência tem que ter um toque feminino. Uma gerente mulher percebe se a vitrine está feia, percebe detalhes.” A padaria, carro-chefe da loja, adicionava uma dificuldade na gestão da equipe. O maior problema é conseguir pessoas para trabalhar no turno da madrugada. Com a padaria você precisa ter gente para colocar pão no forno cedinho. Minha esposa consegue trabalhar muito bem isso na loja. Para Claudio, a experiência com a operação do Pequena Cruzada tinha se mostrado satisfatória. 3 CRUZADA DA BARRA Em outubro de 2010, Claudio aproveitou uma oportunidade e adquiriu o Cruzada da Barra, um posto localizado na Barra da Tijuca, outra região nobre da cidade, com alto fluxo de carros e concorrência mais acirrada que a enfrentada na Lagoa (ver Figura 1). À sua volta, existem diversos postos (ver Figura 2), todos bem equipados, com trocas de óleo, lojas de conveniência e outros serviços, como lavagem, por exemplo. Assim que assumiu a operação do posto, Claudio fez algumas mudanças. Precisou “dar uma maquiada no posto, trocando forro e iluminação” o que demandou fechar o posto por 20 dias. Além disso, resolveu “dar um choque de ordem para acabar com um ponto de Van e taxi pirata”, o que gerou gastos de R$ 6 mil durante quatro meses para contratação de segurança. Para auxiliar na operação, Claudio deslocou o Alcir, então gerente do Pequena Cruzada, para gerenciar o Cruzada da Barra e montou uma equipe com 46 funcionários distribuídos entre a pista, a loja e o Jet Oil. Pista de Abastecimento O posto Cruzada da Barra apresentou um crescimento significativo de vendas. Em 2009, ano anterior à aquisição, o posto operava com uma venda média mensal de 386 mil litros. Em 2012, as vendas de combustível elevaram-se para 560 mil litros por mês em média (ver Tabela 1). No entanto, Claudio acreditava que o potencial do posto era de 700 mil litros mensais. Os resultados do Cruzada da Barra e Pequena Cruzada credenciaram o revendedor a participar do Clube do Milhão, um programa de reconhecimento da Ipiranga que premia com uma viagem os revendedores que atingem suas metas anuais. Em 2011, em especial, os dois postos foram premiados e, além de Claudio e Cristina, seus filhos também participaram da viagem. Claudio valorizava tanto esse incentivo que quando as metas da Ipiranga chegam são emolduradas em um quadro. Claudio sempre defendeu a importância de alavancar o volume da pista, pois percebe “que toda vez que as vendas de combustível crescem, as vendas da loja e da troca de óleo acompanham (ver figura 3)”. Mas sempre que apresentava essa questão à Cristina, o diálogo era o mesmo: Claudio: Precisamos aumentar as vendas na pista... Cristina: Qual é a novidade? Já te falei, vamos fazer uma promoção. Podemos fazer ... Todavia, a prática indiscriminada de promoções é questionada por Claudio: Será que esse é mesmo o caminho? Eu sempre preferi trabalhar somente com as promoções que a Ipiranga já faz, como o Km de Vantagens. Enquanto o motoboy troca os pontos por um lanche, outros clientes acumulam para resgatar uma viagem na TAM. Atende a todos os públicos e todo mundo sai ganhando. 4 Claudio já pensou diferente em relação à política de preços, mas chegou à conclusão que o foco deve ser o atendimento e não o preço: Não vou trabalhar o mesmo preço se tenho Km de Vantagens e atendimento diferenciado. Minha estratégia sempre foi deixar o cliente entrar no posto, conhecer e nos escolher sem nem saber o preço. Minha estratégia é manter o preço de mercado por 2 ou 3 anos e depois subir. Em 2012, no Pequena Cruzada a diferença de preços era de R$ 0,20 a mais em relação a concorrência, no Cruzada da Barra, essa diferença só alcançava R$ 0,05. Quando comprei o posto da Barra, adotei a mesma estratégia do Pequena Cruzada de manter o preço igual à concorrência durante um tempo. Há uns quatro meses, o mercado subiu para R$ 2,94 e eu acompanhei, mas há dois meses recuou para R$ 2,89 e eu mantive o preço em R$ 2,94. Ainda tenho dúvidas se já era a hora de descolar o preço do mercado. Claudio não valoriza a prática de usar faixas para comunicar o preço: “Não é uma boa estratégia. Se você está com preço bom está ótimo, mas se você quer aumentar o preço e tira a faixa, o cliente logo percebe”. Claudio e Alcir já haviam discutido sobre o posicionamento dos preços e o gerente na ocasião comparou os preços do Cruzada da Barra com outros da região. Eu vejo que aqui na Barra, os postos do Toninho são a referência de preços para o pessoal. Os postos dele estão em bons lugares e ele tem os preços bem competitivos, mas não acho que tenham um bom atendimento. Na região da Barra da Tijuca, Claudio identificou a possibilidade de firmar convênios com empresas para o abastecimento de frotas. Todavia, ele não desenvolveu um trabalho formal de vendas. A iniciativa fica por conta dos Vendedores Ipiranga de Pista (VIPs) que oferecem o convênio quando aparecem carros de empresas para abastecer nos postos. Pago R$ 100,00 para cada VIP que trouxer uma empresa. Eles já ficam de olho quando um carro de frota que não é conveniado vem abastecer. Mas não faço preço diferenciado ̶ o preço é o mesmo da bomba. Dou prazo, faturo e a empresa tem o controle dos abastecimentos. VIP Claudio sempre acreditou que o bom atendimento resulta do trabalho da equipe de pista e ele aproveita os treinamentos que a Ipiranga disponibiliza para capacitar os seus VIPs. “Minha equipe participa de todos.” Além disso, utiliza Alcir como um multiplicador. A rotatividade dos funcionários do Cruzada da Barra é cada vez mais baixa. Claudio credita esse resultado à sua forma de gerir a equipe. Além das gratificações de clientes recebidas pelos VIPs, há programas de incentivos baseados em metas. Tenho que dividir o bolo, não posso querer tudo só para mim, afinal eu preciso deles. Um VIP ganha em média R$ 2 mil por mês, fora a gorjeta. O funcionário é a referência. Se aumento o giro, perco a referência. 5 Além disso, os funcionários têm plano de saúde. A maioria dos revendedores não dá importância para os funcionários e impõem metas de vendas impossíveis para eles. Se, durante o prazo de experiência, não atingirem a meta, são demitidos. Não faço isso aqui. Eu prefiro outra política. Por exemplo, no final do ano, fechei um sítio em Vargem Grande e levei toda a equipe para um churrasco de confraternização. Alcir concorda que a filosofia de gestão de Claudio faz a diferença e relata que muitas pessoas têm interesse de trabalhar lá. Eles são do tipo de patrões que se preocupam e ajudam quando o VIP tem problema em casa. Eu até recebi ajuda para comprar o meu carro. Aqui, temos uma boa condição de trabalho. Eles ajudam a bater as metas e pagam até gratificação para quem não falta. É comum Alcir ouvir um reconhecimento do patrão: “Você não tem hora para sair, briga pelo meu negócio, batalha, tenho que dar uma retribuição”. Claudio e Alcir haviam conversado bastante na última reunião sobre o atendimento do posto. Alcir defendia que o posto já tinha um ótimo atendimento: Aqui é a primeira parada do dia de muita gente e se você atende mal, pode acabar com o dia da pessoa. O VIP tem que conquistar o cliente pelo atendimento e relacionamento. O senhor não lembra da história da Nilda? Ela se prontificou a fazer a bainha do terno de um cliente quando viu que estava desfeita. O cliente nunca mais esqueceu e toda vez que passa aqui fala dessa história. A percepção de Claudio era um pouco diferente. Sinceramente, acho que a concorrência é que se nivela por baixo. Fazemos só o básico: o cliente está indo para o trabalho e quer um atendimento bom e sem demora. AmPm Quando Claudio assumiu o posto, a loja tinha uma venda mensal média de R$ 220 mil. Menos de dois anos depois, essa média atingiu R$ 320 mil (ver Tabela 1). Claudio explica que o Cruzada da Barra tem uma pista grande, que facilita estacionar e ficar mais tempo na loja. A frequência maior da loja é de moradores, funcionários de escritórios e pessoas da academia nova que abriu ao lado. Mas percebo que a loja tem um problema de visibilidade. Pelo lado de fora, não se percebe que a loja é tão grande. Minha ideia é reformá-la para ampliar a “vitrine”. Assim como no Pequena Cruzada, o grande atrativo da loja é o fast food, que representa 40% das vendas. “A padaria e os sanduíches vendem muito e eu testo o mix o tempo todo com novidades”. Claudio realça as diferenças no público dos dois postos: 6 No Pequena Cruzada, tem muitas famílias – filho, avô, neto – que tomam café da manhã com regularidade todos os sábados e gostam de opções saudáveis no cardápio. Já no Cruzada da Barra, tem mais empregadas que tomam café na loja durante a semana. Tem que entender o consumidor daqui. Por não ter uma rede grande, consigo focar. As particularidades dos frequentadores dos postos acabam gerando questionamentos entre Claudio e Cristina sobre o mix da loja. Claudio gostaria de trazer para a Barra todos os produtos com boa aceitação no Pequena Cruzada, como por exemplo, os vinhos, os produtos orgânicos e os charutos. No entanto, Cristina pondera: Você tem que considerar as diferenças de públicos. A coxinha não sai na Lagoa, mas aqui na Barra sim. Lá eu consigo vender charuto de R$ 120,00 e vinho de R$ 80,00. Não sei se aqui a aceitação seria a mesma. Jet Oil O posto Cruzada da Barra fica em uma região com predominância de carros novos que ainda estão na garantia e, portanto, tipicamente trocam o óleo nas revisões das concessionárias. Todavia, Claudio não considera isso um problema: Já aconteceu até de um cliente com um Palio Novo, depois de fazer a revisão na concessionária, preferir repetir a troca no Jet, porque gosta de ver o serviço que está sendo feito e confia na nossa equipe. Sabendo a importância dessa relação de confiança para o Jet Oil, Claudio decidiu manter a equipe de lubrificadores quando assumiu a operação do posto. No entanto, o Jet Oil tem um problema de visibilidade, “ele fica escondido lá atrás”. Para garantir uma integração maior da operação de troca de óleo com a da pista, foi estabelecido um programa de metas e gratificações. O Jet vendia R$ 30 mil quando assumi o posto e o meu objetivo passou a ser R$ 50 mil de vendas por mês. Para isso, fiz uma meta do Jet escalonada com gratificações diferenciadas para o lubrificador. Com esse programa, teve lubrificador que chegou a ganhar até mil reais de gratificação em um mês. Além disso, defini que o VIP tinha que ganhar também. O trabalho de prospecção é feito pelo VIP na pista. O VIP recebe a gratificação se direciona o cliente para o Jet. Nossas vendas já alcançaram R$ 72 mil. Não tem mistério, não posso colocar todo o dinheiro no bolso sozinho. Eles têm que ganhar também. Esse foi o segredo para alavancar o Jet. Mas ele reforça que é preciso ter cuidado nesse processo. O VIP tem que demonstrar honestidade e cordialidade. Uma vez o cliente pediu para verificar o óleo e o VIP confirmou que o óleo estava com um nível bom. Acontece que o concorrente tinha acabado de dizer que cabia 1L. Com isso, ele ganhou o cliente com a honestidade. Temos que vender, mas não temos que empurrar. 7 Alcir utiliza o cadastro dos clientes para alavancar o relacionamento. Temos em torno de três mil clientes cadastrados na troca de óleo e enviamos e-mails periodicamente para eles. Pelo que temos visto, cerca de 60% deles retornam para a próxima troca de óleo. O nosso atendimento é tão bom que os clientes confiam. O cliente pergunta qual é o óleo que deve usar e aceita nossa sugestão, inclusive, quando é mais caro. Também tem quem confia tanto que larga o carro e depois vem pegar. Claudio sempre testa novas formas de aumentar o faturamento do Jet Oil. Um exemplo foi o investimento de R$ 16 mil feito no final de 2011 para aquisição de um equipamento que faz a limpeza do ar condicionado. Outros serviços Além do abastecimento, venda de lubrificantes, loja de conveniência e troca de óleo, o posto conta também com lavagem. No entanto, esse serviço é terceirizado, o que incomoda Claudio. “Sou louco para assumir a lavagem para garantir que o cliente seja bem atendido. Não gosto de terceirização”. Claudio também aproveitou uma área próxima à pista para a venda de carros usados em consignação. “A ideia era ocupar aquele espaço, senão, as madames que vão para a academia param os carros aqui”. Para esse trabalho de venda, ele contratou um gerente específico. A REUNIÃO Na segunda-feira, logo depois do horário do almoço, Claudio, Alcir e Cristina se reuniram no escritório do Cruzada da Barra, em uma pequena sala que fica nos fundos da loja de conveniência. Claudio tinha uma agenda bem objetiva para a reunião: queria discutir sobre os fatores que impulsionaram as vendas da pista, da loja e da troca de óleo; e elencar alternativas de ações para potencializar esses fatores. Claudio abriu a reunião: Nossos volumes de vendas aumentaram desde que assumimos a operação do posto. Percebo que cada vez que as vendas na pista aumentam, as da loja e da troca de óleo também crescem. Mas fico pensando se temos clareza sobre os principais fatores responsáveis pelo nosso desempenho. Só entendendo isso, poderemos manter esse resultado e até trabalhar para que ele cresça. Por exemplo, o que fizemos de diferente em relação ao que existia antes? Como cada uma dessas mudanças pode ter contribuído? O que os nossos clientes valorizam? Como fazer para que nossos clientes continuem nos escolhendo e, além disso, como aproveitar melhor o seu poder de compra? Alcir e Cristina perceberam que a tarde seria longa. 8 APÊNDICES Figura 1 Posto Cruzada da Barra Legenda # 1 2 3 4 5 6 Posto Cruzada da Barra Freeway Ventura Mega Verão Carrefour Novo Ipanema Bandeira Ipiranga Ipiranga Ipiranga Branca Shell Shell # 7 8 9 10 11 12 Posto Jardim Oceânico Barramar Parque das Rosas Alemão Map Barra Koahara Bandeira Shell BR BR Shell Ipiranga BR Figura 2 Mapa dos postos concorrentes da Avenida das Américas 9 Tabela 1 Vendas médias mensais – Pista, Loja e Troca de Óleo Venda média mensal Combustíveis (Vol m3) AM/PM (R$) 386,25 227.246,33 403,92 218.564,67 517,75 290.770,83 560,00 318.223,80 Ano 2009 2010 2011 2012* Jet Oil (R$) 35.163,08 35.300,42 62.424,83 64.464,00 Nota: *média das vendas de janeiro a maio Fonte: Ipiranga 700.000 80.000 600.000 70.000 500.000 60.000 50.000 400.000 40.000 300.000 30.000 200.000 20.000 100.000 10.000 0 Combustível (Vol litros) Am/Pm (Fat R$) fev/12 set/11 abr/11 nov/10 jun/10 jan/10 ago/09 mar/09 out/08 mai/08 dez/07 jul/07 fev/07 set/06 abr/06 nov/05 jun/05 jan/05 0 Jet Oil (Fat R$) Figura 3 Variação dos resultados de vendas Fonte: Ipiranga 10 NOTAS DE ENSINO “Pegue qualquer jornal de comércio, revista sobre gestão ou mesmo periódico acadêmico que dedique espaço aos serviços e chegará rapidamente à conclusão de que a qualidade do serviço é o segredo do sucesso” (Heskett, Jr. Sasser, & Schlesinger, 2002, p.7) Objetivos de Aprendizagem Este caso de ensino foi elaborado para uso em cursos de extensão ou pós-graduação (lato e stricto sensu) e pode ser empregada na disciplina de Marketing de Serviços, mais especificamente na sessão dedicada a participação das pessoas no Serviço. Alternativamente, pode ser usada à critério do professor na disciplina de Fundamentos de Marketing ou Gerência de Marketing, na sessão dedicada ao Marketing de Serviços. Ao final da discussão do caso de ensino, espera-se que os alunos alcancem os seguintes aprendizados: (a) Domínio das variáveis de decisão do composto de marketing na gestão de serviços (7Ps – marketing mix); (b) Compreensão do valor do serviço percebido pelo cliente; (c) Entendimento das relações possíveis entre satisfação dos funcionários e satisfação dos clientes; e (d) Entendimento do impacto dos serviços na lucratividade do negócio, por meio do modelo da cadeia serviço-lucro. Protagonista e Fontes de Informação O caso é apresentado do ponto de vista de Cláudio Cerqueira, proprietário do posto Cruzada da Barra. Foram realizadas entrevistas com o próprio e com o gerente Alcir. As séries históricas de volume de vendas e receitas foram fornecidas pela Ipiranga. Também foram utilizadas fontes secundárias, mais especificamente, websites da Ipiranga e mapas da região. Técnicas Didáticas O caso foi desenvolvido pressupondo a preparação individual prévia dos alunos. Recomendase que o professor disponibilize um período de 30 a 45 minutos para que os alunos discutam o caso em pequenos grupos antes da discussão plenária. Vale ressaltar que, em linha com um processo indutivo de aprendizagem, o caso é autossuficiente para análise e não requer leituras ou pesquisas complementares. Entretanto, quando existe uma preferência didática pelo conhecimento prévio dos conceitos teóricos pelos alunos, o caso pode ser acompanhado ou antecedido de leituras prévias que familiarizem o aluno com os conceitos relacionados ao composto de marketing de serviços (Lovelock & Wirtz, 2006) e o modelo da cadeia serviços-lucro (Heskett, Jr. Sasser, & Schlesinger, 2002). Plano de Ensino O tempo total necessário para a sessão plenária pode variar entre 50 e 80 minutos, dependendo da distribuição típica de horários de aula da Instituição de Ensino Superior. A abertura da discussão em plenário ̶ lâminas 1 e 2 do quadro proposto (ver Apêndice) deve exigir 15 / 20 minutos. A análise das questões do caso ̶ lâminas 3 a 5 do quadro proposto (ver Apêndice) deve consumir 30 / 50 minutos. O encerramento da discussão plenária ocupará os 5 / 10 minutos restantes. 11 Abertura da Discussão do Caso em Plenário A abertura da discussão pode ser usada para facilitar o diagnóstico do caso, mediante as seguintes perguntas: Qual é o público-alvo do Cruzada da Barra? Que serviços são oferecidos pelo posto na administração de Claudio Cerqueira? Com as informações descritas no caso, os alunos podem contribuir na discussão para um mapeamento do público-alvo e dos principais componentes da oferta de valor do posto Cruzada da Barra. Essa é uma oportunidade para aplicar o conceito de marketing mix expandido para serviços (7Ps) (Lovelock & Wirtz, 2006). Um exemplo de mapeamento foi apresentado nas lâminas 1 e 2 do Plano de discussão plenária (ver Apêndice). Análise do Caso em Plenário A seguir apresentamos um conjunto de questões (discussion questions) que poderiam ser usadas para estimular a análise do caso durante a etapa de discussão em plenário: 1. 2. 3. 4. Quais mudanças implementadas por Claudio Cerqueira parecem ter contribuído mais para os resultados obtidos pelo Cruzada da Barra? Como o cliente do Cruzada da Barra percebe o valor do serviço? Quais seriam os fatores considerados pelo cliente ao avaliar o valor do serviço no posto? Os clientes do Cruzada da Barra pareciam satisfeitos? Como saber se o cliente está satisfeito ou não com um serviço? A satisfação do cliente impacta a lucratividade do negócio? De que forma? Quais medidas poderiam ser recomendadas à gerência do Cruzada da Barra para manter ou ampliar o sucesso conquistado? Questão 1: Quais mudanças implementadas por Claudio Cerqueira parecem ter contribuído mais para os resultados obtidos pelo Cruzada da Barra? As mudanças relatadas no caso aparecem sublinhadas nas lâminas 1 e 2 do Plano de discussão plenária (ver Apêndice). A nova administração aumentou significativamente o volume de combustível comercializado, além de aumentar também as vendas dos outros serviços, tanto da loja AmPm, quanto do Jet Oil. É interessante que os alunos priorizem aquelas inciativas que considerem ter apresentado maior impacto no crescimento do volume de vendas do Cruzada da Barra, mediante a análise de cada um dos elementos do marketing mix expandido: a) Preços – A majoração de preços pode melhorar a lucratividade do posto. Os clientes aceitam pagar mais se percebem que estão recebendo um maior valor em troca ou, se simplesmente, o aumento não for considerado significativo. Entretanto, no caso dos combustíveis, um aumento de preços pode desencadear a redução do volume de vendas. b) Produtos / Serviços – Aparentemente, os produtos do Jet Oil, loja de conveniência e lavagem já existiam. Foram introduzidos a venda de automóveis em consignação e o convênio com empresas. A venda de automóveis em consignação gera maior fluxo ao posto, contudo, não responderia pela variação expressiva do volume. Os convênios aumentam a base de clientes e logo, o volume vendido. Porém, vale lembrar que a administração nova não dedicou muitos esforços específicos para esse público. Os VIPs recrutam novas empresas conforme surgem as oportunidades. Não há vendedores dedicados a buscar clientes externamente. Além disso, o preço praticado é o mesmo, apenas com prazo diferenciado. Essas condições dão a entender que os convênios também não seriam a causa primordial do aumento do volume. 12 c) Praça – A localização do Cruzada da Barra define a sua área de influência (trade area). Não há evidências no caso que permitam apontar modificações significativas na área de influência, ocorridas após o início da gestão de Claudio Cerqueira. d) Promoção – A ausência de promoções de preços e faixas, assim como as condições de prazo diferenciadas para convênios remetem às mesmas reflexões descritas nas decisões de preço. As campanhas de incentivos para os VIPs têm um papel motivador para os funcionários que se sentem recompensados em aproveitar todo o potencial de consumo do cliente quando este chega no posto. Essa política pode contribuir para aumento das vendas, tomando-se os devidos cuidados para não empurrarem vendas inadequadas gerando insatisfação nos clientes. O foco da gestão passa a ser um relacionamento duradouro com os clientes. A pesquisa de satisfação realizada periodicamente monitora a taxa de retorno do cliente, bem como sua percepção sobre a qualidade do serviço que ele está consumindo. e) Percepções Físicas – O posto foi reformado. O local também foi melhorado pela retirada do ponto de van, taxis piratas e pelo aumento da segurança. Esses aspectos físicos são importantes, pois sinalizam para os clientes uma ideia de qualidade do serviço, podendo gerar algum volume incremental de vendas. f) Processo – Claudio Cerqueira reconhece a importância e investe nos treinamentos oferecidos aos VIPs pela Ipiranga. Considerando os incentivos dados ao VIP e seus impactos (mencionados no aspecto Promoção), o frentista passa a ter um papel chave no processo do serviço. Ele torna-se o responsável por fazer a conexão entre a pista de abastecimento e os demais serviços do posto. Sua interação com o cliente assume uma importância ainda maior. g) Pessoas – Parece ter sido o aspecto mais radicalmente alterado pela nova administração. Os funcionários ganharam benefícios, têm metas alinhadas com o negócio, faltam menos e apresentam baixa rotatividade. É possível inferir que esses funcionários tornaram-se mais satisfeitos. Em paralelo, a baixa rotatividade pode ser interpretada como um sinal de maior fidelidade do funcionário. Então, esses funcionários mais satisfeitos, tornam-se fiéis ao negócio, e, com metas alinhadas às da gestão, representam os principais pontos de contato do serviço com o cliente. Passam a conhecer os clientes frequentes pelo nome, conhecem seus hábitos, conquistam sua confiança, preocupam-se em saber a opinião dos clientes para alinhar as melhorias dos produtos e serviços, aprimoram suas capacidades de atendimento e melhoram a qualidade do serviço prestado como um todo. Esse ciclo virtuoso parece ter sido fundamental no desempenho da nova administração. Elencados e discutidos os 7 Ps do composto de marketing expandido, o professor pode propor aos alunos a realização de uma análise de sensibilidade dos impactos, tal qual a apresentada no Plano de Discussão Plenária (ver Apêndice) em forma de sinais (+, -, 0). Questão 2: Como o cliente do Cruzada da Barra percebe o valor do serviço? Quais seriam os fatores considerados pelo cliente ao avaliar o valor do serviço no posto? Pode-se especular que um cliente não encontre prazer em ter que abastecer seu carro em um posto de combustível. Trata-se de um “mal necessário” para alcançar o resultado que deseja que é o transporte com conveniência. Na cadeia serviços-lucro, o valor para o cliente decorre de uma razão entre: (i) resultados e qualidade do processo e (ii) preços mais custos de acesso do cliente (Heskett, Jr. Sasser, & Schlesinger, 2002). 13 Os fatores de percepção de valor que surgirem no decorrer da discussão podem ser agrupados conforme os termos da equação de valor. Considere-se, por exemplo, os seguintes fatores listados na lâmina 4 do Plano de discussão plenária (ver Apêndice): a) Resultados gerados para o cliente: transporte com conveniência, consumo de itens de desejo da loja, manutenção do carro, compra de um automóvel, carro limpo e agradável. b) Qualidade do processo / produto: combustível e lubrificantes de qualidade; que o cliente possa abastecer rapidamente; sem filas; sem ter que sair do carro para pagar; que seja atendido com cortesia, competência e de forma ética; que possa passar o tempo da lavagem de forma cômoda, que encontre os produtos que deseja na loja. c) Preço: que seja considerado justo em relação ao valor recebido. Vale notar que valor não pode ser traduzido em preços baixos. Ao contrário, um serviço que agregue muito valor para o cliente diminuirá a sua sensibilidade ao preço. d) Custos de aquisição do serviço: minimização de tempo gasto, aborrecimentos. Nesse ponto, faz-se interessante estabelecer uma conexão com a questão anterior, que mostra que funcionários mais satisfeitos e fiéis podem oferecer um serviço de qualidade superior e, por isso, de maior valor para o cliente. Questão 3: Os clientes do Cruzada da Barra pareciam satisfeitos? Como saber se o cliente está satisfeito ou não com um serviço? A satisfação do cliente impacta a lucratividade do negócio? De que forma? O caso oferece evidências de que os clientes do Cruzada da Barra estavam satisfeitos. Para determinar a sua satisfação em relação a um serviço, o cliente compara o valor recebido com a sua expectativa. As expectativas dos clientes são formadas com base em suas necessidades pessoais, no boca-a-boca, nas experiências anteriores, na propaganda, entre outros fatores. Se a oferta entrega um alto valor para o cliente, atendendo ou superando a sua expectativa, a probabilidade de recorrência da compra aumenta. Em outras palavras, é possível gerar um alto grau de fidelidade do cliente, aumentando a sua lucratividade ao longo do tempo (Kotler & Keller, 2012). No caso, muitos clientes do Cruzada da Barra moram ou trabalham nas redondezas. Assim, um relacionamento de longo prazo torna-se ainda mais importante e deve ser cultivado pela gerência para garantir uma lucratividade crescente. A lâmina 5 do Plano de discussão plenária (ver Apêndice) sintetiza essa parte da discussão. Nesse ponto da discussão, quando se fala em expectativa e satisfação dos clientes, é possível abrir uma “janela teórica” para mencionar ou discutir o modelo de desconfirmação de expectativas (Oliver, 2012) ou o modelo de qualidade dos serviços elaborado por Parasuraman, Zeitham e Berry, comumente chamado de modelo dos gaps ou lacunas (Lovelock & Wirtz, 2006; Kotler & Keller, 2012). A possibilidade de exploração mais detalhada sobre esses modelos deve ser avaliada pelo professor com relação ao aspecto de tempo consumido. Caso o modelo já tenha sido abordado em uma sessão anterior, fica à critério do professor, resgatar o modelo para aprofundar a análise do caso. 14 Questão 4: Quais medidas poderiam ser recomendadas à gerência do Cruzada da Barra para manter ou ampliar o sucesso conquistado? Essa questão foi elaborada com o propósito de incentivar os alunos a propor um plano de ação concreto, ou seja, ir além do diagnóstico da situação. Naturalmente, um caso de ensino não admite respostas certas ou erradas, então, várias medidas podem ser sugeridas. Vale destacar ações que envolvam marketing de relacionamento e satisfação de clientes; monitoramento dessa satisfação mediante pesquisas; estabelecimento de metas e incentivos para os funcionários baseados em indicadores; pesquisas para descobrir novas necessidades dos clientes; aprimoramento dos serviços em resposta a informações obtidas na pista ou no salão de loja; políticas de gestão dos funcionários que visem à motivação; treinamento e autonomia para funcionários do atendimento; garantias de qualidade, dentre outras. Caso o professor tenha abordado o modelo dos 5 gaps na questão anterior, as sugestões dos alunos à gerência do Cruzada da Barra poderiam ser propostas para cada um dos gaps, consolidando o entendimento do modelo. Encerramento da Discussão O encerramento poderia ser usado para cristalizar as relações indicadas pela cadeia serviçoslucro e refletir sobre as generalizações dessas relações para os negócios de serviços. Assim, sugere-se a proposição da seguinte questão para o debate final: As relações entre satisfação de clientes e funcionários e lucratividade podem ser observadas em outros negócios? Quais exemplos poderiam ser citados? São muitos os exemplos possíveis, o que facilita o processo de generalização dos alunos sobre os conceitos aprendidos. Escolas, hospitais, consultorias, companhias aéreas, dentre outros, podem ser citados e rapidamente discutidos. A cadeia serviços-lucro propõe que a participação de mercado não é fator crucial para o sucesso de empresas de serviços. Segundo os autores, o relacionamento de longo prazo com clientes satisfeitos é que levaria as empresas aos melhores resultados, uma vez que o custo de atrair novos clientes é muito maior do que o de manter os atuais. A literatura sugere que há forte relação entre: (1) lucro e fidelidade do cliente, (2) fidelidade do funcionário e fidelidade do cliente e (3) satisfação do funcionário e satisfação do cliente. Essas relações são autoreforçadoras. O valor para o cliente é o elemento central da cadeia e está diretamente relacionado à sua satisfação (Heskett, Jr. Sasser, & Schlesinger, 2002). REFERÊNCIAS Heskett, J. L., Jr. Sasser, W. E., & Schlesinger, L. A. (2002). Lucro na Prestação de Serviços. Rio de Janeiro: Campus. Kotler, P., & Keller, K. L. (2012). Administração de Marketing. São Paulo: Pearson. Lovelock, C., & Wirtz, J. (2006). Marketing de Serviços: pessoas, tecnologia e resultados. São Paulo: Pearson Prentice Hall. Oliver, R. L. (2010). Satisfaction: a behavioral perspective on the consumer. M. E. Sharpe. 15 APÊNDICE Figura 1 Plano de discussão plenária (esquema proposto para o quadro) Fonte: Os Autores 16