COMPARAÇÃO DA PROFUNDIDADE ÓPTICA DO AEROSSOL EM SÃO PAULO OBTIDA POR DISTINTAS PLATAFORMAS Márcia Akemi Yamasoe 1 , Nilton M. Évora do Rosário1, André Cozza Sayão1, Ricardo Almeida de Siqueira1, Charles Ichoku 2 , Paulo Artaxo 3 RESUMO Neste trabalho são comparados valores de profundidade óptica do aerossol obtidos no canal de 670 nm em duas localidades da cidade de São Paulo distantes aproximadamente 15,5 km uma da outra, Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF), Cidade Universitária, e Estação Meteorológica do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (EM), Água Funda, de 2000 a 2003. As medições de grandezas radiométricas foram realizadas com o auxílio de um radiômetro Cimel da AERONET (Aerosol Robotic Network), um radiômetro tipo MFRSR (Multi-Filter Rotating Shadowband Radiometer) e do sensor MODIS (Moderate resolution Imaging Spectrometer) a bordo dos satélites Terra e Aqua. Os resultados mostram que os valores de profundidade óptica derivados pelo algoritmo operacional do MODIS estão subestimados quando comparados aos resultados obtidos com os instrumentos em superfície. ABSTRACT Aerosol optical depth (AOD) at 670 nm is compared at two locations in São Paulo city, Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF), Cidade Universitária, and Estação Meteorológica (EM), Água Funda, apart about 15.5km from 2000 to 2003. At IF, measurements were performed with a Cimel automatic sun/sky radiometer from AERONET (Aerosol Robotic Network) and at AF, measurements were performed with a MFRSR (Multi-Filter Rotating Shadowband Radiometer). Surface retrievals of AOD were compared with results from MODIS (Moderate resolution Imaging Spectrometer) onboard Terra and Aqua satellites, operational algorithm, collection 4. MODIS retrieved AOD are systematically lower than surface values. Palavras-chave: Sensoriamento remoto, profundidade óptica do aerossol, radiometria 1 Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, Rua do Matão, 1226 – São Paulo, SP, 05508-090, fone: 55-11-3091-4682, fax: 55-11-3091-4714, e-mail: [email protected] 2 ESSIC/UMD - Climate & Radiation Branch, Code 613.2, NASA Goddard Space Flight Center, Greenbelt, MD 20771, USA, fone: 1-301-614-6212, fax:1-301-614-6307 or +1-301-614-6420, e-mail: [email protected] 3 Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física, Universidade de São Paulo, Rua do Matão, Travessa R, 187 – São Paulo, SP, 05508-090, fone: 55-11-3091-7016, e-mail: [email protected] INTRODUÇÃO As partículas de aerossol desempenham importante papel sobre a meteorologia e o clima por interagirem direta e indiretamente com a radiação solar. Interagindo diretamente, as partículas reduzem a quantidade de radiação disponível em superfície através da absorção e do espalhamento de radiação solar. Por atuarem como núcleos de condensação de nuvens, elas podem alterar as propriedades microfísicas das nuvens e, por conseguinte, seu albedo e seu tempo médio de permanência na atmosfera, o que pode afetar também o ciclo hidrológico (Twomey, 1977, Kaufman and Nakajima, 1993, Kaufman and Fraser, 1997, Andreae et al., 2004). A absorção de radiação solar pode alterar o perfil termodinâmico da atmosfera, tornando-a mais estável com conseqüências para os fluxos turbulentos de calor latente e sensível, podendo inibir a formação de nuvens (Hansen et al., 1997, Koren et al., 2004). Para que os efeitos das partículas de aerossol possam ser quantificados de forma precisa, é importante o conhecimento de suas propriedades ópticas, dentre elas a profundidade óptica. Este trabalho se propõe a avaliar a profundidade óptica do aerossol obtida (AOD) com o algoritmo operacional do MODIS (Moderate resolution Imaging Spectrometer) com resolução espacial de 10 km para São Paulo, coleção 4. Para tanto, são comparados os resultados derivados via satélite com os obtidos a partir de radiômetros em superfície, seguindo a metodologia de Ichoku et al. (2005). Os autores consideraram vários sítios ao redor do globo nos quais há um radiômetro da rede AERONET (Aerosol Robotic Network) (Holben et al., 1998) com o intuito de avaliar a qualidade da AOD gerada globalmente a partir do MODIS. No caso deste trabalho, pretende-se analisar o comportamento dessa variável especificamente sobre a cidade de São Paulo. MATERIAIS E MÉTODOS As medições em superfície foram realizadas no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, Cidade Universitária (IF; -23° 33’ 43”, -46° 44’ 08”) e na Estação Meteorológica do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofisica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, Água Funda (EM; -23° 39’ 03”, -46° 37’ 03”). No IF, com o auxílio de um radiômetro automático da Cimel pertencente à rede AERONET e na EM com o auxílio de um Multi-filter rotating shadowband radiometer (MFRSR) (Harrison et al., 1994). Os dois radiômetros permitem a obtenção da profundidade óptica do aerossol em 670 nm. De acordo com Rosário (2006), quando os dois instrumentos operaram simultaneamente numa mesma localidade, observou-se uma diferença sistemática de aproximadamente 0,03 na profundidade óptica do aerossol, sendo os resultados do MFRSR sempre maiores do que os da AERONET. No caso do sensor MODIS, a profundidade óptica do aerossol analisada foi a derivada no canal de 660 nm utilizando o algoritmo operacional correspondente à Coleção 4 (Remer et al., 2005). Resumidamente, sobre o continente, é necessário subtrair da medida realizada pelo sensor, a contribuição da reflexão de radiação pela superfície. Na Coleção 4, é utilizada uma relação linear entre a refletância no canal de 2,1 µm, ρs(2,1µm), (que por hipótese não teria influência do aerossol, devido à granulometria predominante deste, consistindo basicamente por partículas menores que 2,5µm de tamanho) e a refletância no visível: para o azul, ρs(0,44µm)=0,25 ρs(2,1µm), e para o vermelho, ρs(0,67µm)= 0,5 ρs(2,1µm). Seguindo a metodologia de Ichoku et al. (2005), médias de AOD em um raio de 50 km ao redor das localidades geográficas do IF e EM foram determinadas para os resultados do MODIS, ao passo que para os radiômetros em superfície foram consideradas médias de AOD 30 minutos antes e 30 minutos após as passagens dos satélites. De acordo com Correia e Pires (2006), essas foram as dimensões espaciais e temporal que resultaram em melhor correlação entre as comparações entre os resultados do MODIS, a partir do algoritmo da Coleção 4, atualmente instalado no CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos) e da AERONET, com uma variação no procedimento de limpeza de nuvens (Pires et al., 2006), considerando várias localidades da América do Sul. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 1 mostra o resultado da comparação entre a AOD obtida pelo MODIS e obtida por radiômetros em superfície. Em ambas as localidades observa-se que a AOD gerada pelo algoritmo operacional do MODIS é subestimada quando comparada com os valores obtidos pelos radiômetros, em particular em situações de altos valores de AOD. Estes resultados corroboram o observado por Castanho (2005) que utilizou uma base de dados menor em seu estudo. Por esse motivo, a autora desenvolveu um modelo óptico dinâmico para o aerossol de São Paulo a partir dos resultados da AERONET e propôs um novo algoritmo para o MODIS com resolução espacial de 1km x 1km. Sayão et al. (2006) compararam valores instantâneos e diários de AOD para o ano de 2002 obtidos pelos dois radiômetros e observaram que a variabilidade espacial da profundidade óptica do aerossol em São Paulo pode ser significativa, o que pode inviabilizar os resultados do algoritmo operacional (de 10km x 10km) do MODIS para esta localidade. 0.5 0.6 Terra Aqua 0.3 0.2 0.4 0.2 0.1 0 0 0.1 0.2 0.3 AOD (670 nm) - MFRSR (a) 0.4 0.5 Terra Aqua 0.3 0.1 0 y = 0.70x + 0.04 R = 0.56 - np =148 0.5 0.4 AOD (660 nm) - MODIS AOD (660 nm) - MODIS y = 0.58x + 0.01 R =0.58 - np = 107 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 AOD (670 nm) - AERONET (b) Figura 1 – Comparação entre médias de profundidade óptica do aerossol (AOD) em 660 nm obtidas para uma região de 50kmx50km centralizado na posição geográfica de instalação dos radiômetros em superfície e de médias horárias de AOD em 670 nm centralizadas no horário de passagem dos satélites a) para o MFRSR instalado na Estação Meteorológica (-23° 39’ 03”, -46° 37’ 03”) e b) para o Cimel da AERONET instalado no Instituto de Física (-23° 33’ 43”, -46° 44’ 08”); np indica o número total de pontos utilizados para obter os coeficientes do ajuste linear; a linha vermelha indica a reta 1:1 e as linhas pontilhadas negras indicam a estimativa de incerteza do algoritmo do MODIS. Dando continuidade ao trabalho iniciado por Castanho, outros esforços estão em andamento para identificar possíveis fontes de erros associados ao algoritmo operacional, como a relação entre as refletâncias de superfície (Siqueira e Yamasoe, 2006). Como um exemplo, é apresentado na Figura 2, um mapa da refletância em 2,1µm medida pelo MODIS a bordo do satélite Terra no dia 31 de julho de 2002. Apesar de não ter sido aplicada a correção atmosférica, observa-se na figura a alta variabilidade da refletância de superfície num raio de 10 km ao redor dos locais de instalação dos radiômetros. Figura 2 – Refletância medida pelo sensor MODIS em 2,1µm no dia 31 de julho de 2001. Os círculos delimitam uma região de 10km ao redor dos locais de instalação dos radiômetros de superfície. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS FUTURAS Comparações entre valores médios da profundidade óptica do aerossol obtida a partir do algoritmo operacional do MODIS numa área de 50km x 50km centrada na localização geográfica de radiômetros em superfície e valores médios, num intervalo de uma hora ao redor do horário de passagem dos satélites Terra e Aqua, obtidos pelos radiômetros foram realizadas em duas localidades da cidade de São Paulo. Em ambos os casos os resultados do MODIS são subestimados. As fontes de erro podem estar associadas à alta variabilidade espacial da profundidade óptica sobre a cidade de São Paulo devido a diferentes fontes emissoras locais, a um modelo óptico de aerossol inadequado para São Paulo ou por uma relação inadequada entre as refletâncias de superfície, para corrigir o seu efeito. Todas essas hipóteses serão investigadas em parceria com pesquisadores do CPTEC e do IFUSP. AGRADECIMENTOS Aos técnicos da Estação Meteorológica do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG-USP pela operação e manutenção do MFRSR, B. N. Holben e equipe pela manutenção da rede AERONET, ao CNPq (processos números 306085/2003-8 e 135433/2005-3), à FAPESP (processo número 04/11553-1) e à CAPES. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andreae, M. O., Rosenfeld, D., Artaxo, P., Costa, A. A., Frank, G. P., Longo, K. M. and Silva-Dias, M. A.: Smoking rain clouds over the Amazon. Science 303, 1,337-1,342, 2004. Correia, A., Pires, C. Validation of aerosol optical depth retrievals by remote sensing over Brazil and South America using MODIS. Anais do XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, 2006. Hansen, J., Sato, M. and Ruedy, R.: Radiative forcing and climate response. J. Geophys. Res. 102 D6, 6831-6864, 1997. Harrison, L.; Michalsky, J. e Berndt, J. Automated multifilter rotating shadow-band radiometer: an instrument for optical depth and radiation measurements. Applied Optics 33, 51185125. 1994. Holben, B. N.; Eck, T. F.; Slutsker, I.; Tanré, D.; Buis, J. P.; Setzer, A.; Vermote, E.; Reagan, J. A.; Kaufman, Y. J.; Nakajima, T.; Lavenu, F.; Jankowiak, I. e Smirnov, A. AERONET – A federated instrument network and data archive for aerosol characterization. Remote Sensing of Environment. 66, 1-16. 1998. Kaufman, Y. J. and Fraser, R. S.: Confirmation of smoke particles effect on clouds and climate forcing. Science 277, 1,636-1,639, 1997. Kaufman. Y. J. and Nakajima, T.: Effect of Amazon smoke on cloud microphysics and albedo Analysis from satellite imagery. J. Applied Meteor. 32, 729-744, 1993. Kaufman, Y. J., D. Tanré, L. A. Remer, E. Vermote, A. Chu, and B. N. Holben: Operational remote sensing of tropospheric aerosol over land from EOS Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer. J. Geophys. Res., 102, 17,051–17,067, 1997. Koren, I., Y. J. Kaufman, L. A. Remer and J. V. Martins.: Measurement of the effect of Amazon smoke on inhibition of cloud formation. Science 303, 1,342-1,345, 2004. Pires, C., Correia, A., Paixão, M.A., Artaxo, P. Estudo da climatologia regional de Coeficiente de Angstrom como extensão do procedimento de cloudscreening da AERONET. Anais do XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, 2006. Remer, L. A., Kaufman, Y. J., Tanré, D., Mattoo, S., Chu, D. A., Martins, J. V., Li, R. R., Ichoku, C., Levy, R. C., Kleidman, R. G., Eck, T. F., Vermote, E., Holben, B. N. The MODIS aerosol algorithm, products, and validation J. Atmos. Sci., 62(4), 947-973, 2005. Rosário, N. M. E. Comparação de profundidades ópticas espectrais do aerossol obtidas para São Paulo a partir de um Multifilter Rotating Shadowband Radiometer e do fotômetro solar da AERONET. Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, 2006. Sayão, A. C., Yamasoe, M. A, Rosário, N. M. E. e Siqueira, R. A. Variabilidade da profundidade óptica espectral do aerossol em São Paulo a partir de um Multi-Filter Rotating Shadowband Radiometer. Anais do XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, 2006. Siqueira, R. A. e Yamasoe, M. A. Estudo da correlação entre a refletância em 2,1 micrômetros e os canais do visível medida pelo sensor MODIS sobre a cidade de São Paulo. Anais do XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, 2006.