FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD
Coleção Educação a Distância
Série Livro-Texto
Vera Lúcia Trennepohl
FORMAÇÃO
E DESENVOLVIMENTO
BRASILEIRO
2ª Edição
Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil
2011
1
 2008, Editora Unijuí
Rua do Comércio, 1364
98700-000 - Ijuí - RS - Brasil
Fone: (0__55) 3332-0217
Fax: (0__55) 3332-0216
E-mail: [email protected]
www.editoraunijui.com.br
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Designer Educacional: Liane Dal Molin Wissmann
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
T794f
Trennepohl, Vera Lúcia.
Formação e desenvolvimento brasileiro / Vera Lúcia
Trennepohl. - 2. ed. - Ijuí : Ed. Unijuí, 2011. 142 p. (Coleção educação a distância. Série livro-texto).
ISBN 978-85-7429-927-3
1. Desenvolvimento - Brasil. 2. Industrialização – Brasil. 3. Política - História. 4. Sociedade brasileira. 5. Cidadania. I. Título. II. Série.
CDU : 321(091)
338(81)
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Sumário
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
CONHECENDO A PROFESSORA ................................................................................................ 7
UNIDADE 1 – BRASIL, QUE PAÍS É ESTE? CARACTERÍSTICAS GERAIS ....................... 9
Seção 1 – Uma Nação em Construção ......................................................................................... 9
Seção 2 – Povo Brasileiro: Formação Étnica, Cultural e Dinâmica Populacional ...............12
Seção 3 – Indicadores Sociais: Educação e Desigualdade ......................................................16
3.1 – Educação .............................................................................................................16
3.2 – Desigualdade .......................................................................................................18
3.3 – Saúde: o papel do Sistema Único de Saúde ...................................................20
Seção 4 – Indicadores Econômicos .............................................................................................22
Seção 5 – O que Entendemos por Desenvolvimento? ..............................................................27
5.1 – De uma Concepção Linear a uma Concepção Estrutural ............................29
UNIDADE 2 – FORMAÇÃO DA SOCIEDADE AGRÁRIA BRASILEIRA .............................33
Seção 1 – O Modelo Primário-Exportador .................................................................................33
1.1 – Ocupação do Território ......................................................................................34
1.2 – Dependência Externa ........................................................................................36
1.3 – Complexo Rural ...................................................................................................38
1.4 – Economia de Subsistência ................................................................................39
Seção 2 – O Processo de Modernização da Agricultura ..........................................................42
2.1 – Revolução Verde – influência externa .............................................................43
2.2 – O Papel do Estado ..............................................................................................44
2.3 – Pacote Tecnológico .............................................................................................45
2.4 – Novos Agentes – infraestrutura ........................................................................46
Seção 3 – A Agricultura no Mundo Globalizado ......................................................................47
3.1 – A Crise e sua Superação ....................................................................................48
3.1.1 – Realidade dos Agricultores e Cooperativas ........................................49
3.1.2 – Os Recursos Para a Agricultura ..........................................................50
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
3.2 – A Modernização da Agricultura Continua .....................................................50
3.3 – Agronegócio .........................................................................................................52
3.4 – A Especialização .................................................................................................54
Seção 4 – Problemas, Desafios e Possibilidades ........................................................................56
4.1 – A Questão Agrária ..............................................................................................56
4.2 – Problema Ambiental ...........................................................................................59
4.3 – Agricultura Familiar ...........................................................................................61
4.4 – Potencialidade Agrícola do Território Brasileiro .............................................62
UNIDADE 3 – FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
DA SOCIEDADE URBANO-INDUSTRIAL .....................................................65
Seção 1 – O Processo de Industrialização Brasileira ................................................................66
1.1 – A Estratégia de Substituição de Importações ................................................69
Seção 2 – O Papel do Estado na Industrialização ....................................................................72
2.1 – O Modelo de Desenvolvimento Nacional e Autônomo ................................73
2.2 – O Modelo de Desenvolvimento de Juscelino .................................................74
2.3 – O Modelo de Desenvolvimento Associado e Dependente ............................76
Seção 3 – As Transformações da Sociedade Brasileira .............................................................79
3.1 – Formação de uma Força de Trabalho Industrial ............................................79
3.2 – Os Reflexos Sociais: o Êxodo Rural e Urbanização ......................................82
Seção 4 – A Crise do Modelo .......................................................................................................84
4.1 – Fim do Milagre ....................................................................................................84
4.2 – O Esforço Pela Estabilização Econômica .......................................................86
4.2.1 – O Governo Sarney e o Plano Cruzado ...............................................87
4.2.2 – O Governo Collor de Mello e o Plano Collor ....................................89
4.2.3 – O Governo FHC e o Plano Real ..........................................................90
Seção 5 – Os Governos FHC e Lula: buscando o crescimento econômico ...........................93
5.1 – O Segundo Mandato do FHC e a Busca do Crescimento Econômico .......93
5.2 – O Governo Lula e a Retomada do Crescimento .............................................94
5.3 – A Globalização e Inserção Brasileira ...............................................................97
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Seção 6 – Desafios e Dilemas do Século 21 ............................................................................ 101
6.1 – Os Desafios da Economia Brasileira ............................................................. 102
6.2 – Os Desafios da Realidade Social ................................................................... 104
UNIDADE 4 – ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E CIDADANIA ................................................ 107
Seção 1 – O que é Política? ....................................................................................................... 107
Seção 2 – Trajetória Histórica da Política Brasileira .............................................................. 109
2.1 – Período Colonial: a Coroa Portuguesa e seus Representantes.................. 110
2.2 – Período Imperial: nasce uma monarquia na América ................................ 111
2.3 – A República: períodos autoritários e períodos democráticos .................... 112
Seção 3 – A República ................................................................................................................ 114
3.1 – Primeira República: o poder das oligarquias agrárias ................................ 114
3.2 – Estado Novo: o populismo autoritário de Getúlio Vargas ......................... 116
3.3 – Fase democrática: a atuação dos partidos políticos nacionais ................ 118
3.4 – Regime Militar: repressão, ditadura e centralização do poder ................. 121
3.5 – Abertura “Lenta, Gradual e Segura” ............................................................ 122
3.6 – Sociedade Democrática: conquistas e desilusões ....................................... 124
3.7 – Avançando o Processo Democrático ............................................................. 126
Seção 4 – Organização Atual e Desafios da Política Brasileira ........................................... 128
4.1 – Organização Atual .......................................................................................... 128
4.2 – Alguns Desafios da Política Brasileira .......................................................... 130
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 139
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 141
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Conhecendo a professora
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
VERA LÚCIA TRENNEPOHL
Minha formação superior iniciou-se em 1987, quando ingressei no curso de Estudos Sociais (Licenciatura Curta) na Unijuí.
No decorrer do curso transferi residência para o Nordeste, criando
a oportunidade de concluir esta primeira etapa de formação
profissio-nal na Universidade Estadual da Paraíba – Campina Grande (PB), em 1990. Nesse mesmo ano fiz vestibular novamente e
ingressei no curso de História (Licenciatura Plena) na UEPB. O
retorno para o Sul criou a necessidade de transferência e a oportunidade de conclusão do curso de História na Unijuí, em 1993. Em
1995 iniciei o Mestrado em Educação nas Ciências, na Unijuí, o
qual concluí em 1997 defendendo a dissertação intitulada “O Ensino de História em questão: os caminhos de uma experiência”,
publicada na Coleção Trabalhos Acadêmico-Científicos, Série Dissertações de Mestrado.
Como professora do Departamento de Ciências Sociais da
Unijuí, desde 1994, tenho trabalhado em diversos cursos de Graduação da unive rsidade, e spe ci alme nte nos compone ntes
curriculares Formação e Desenvolvimento Brasileiro; História do
Brasil; Metodologia do Ensino de História; História das Sociedades, dentre outros. No componente curricular Formação e Desenvolvimento Brasileiro é que venho assumindo mais turmas e atualmente sou coordenadora deste. E, em função disso, tenho produzido alguns materiais didáticos em conjunto com outros professores. Por exemplo, o livro Agricultura Brasileira: Formação, Desenvolvimento e Perspectiva, produzido em conjunto com o professor
Argemiro J. Brum. Também elaborei diversos artigos, que foram
publicados em periódicos, revistas e jornais.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
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Unidade 1
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Brasil, que País é Este?
Características Gerais
Nesta unidade vamos analisar alguns aspectos que são fundamentais para a constituição do Brasil enquanto nação soberana, conhecer um pouco mais da realidade social e
econômica do país, entender uma concepção de desenvolvimento e a partir dela pensar um
projeto de desenvolvimento para o Brasil.
– Seção 1 –
Uma Nação em Construção
O componente curricular FDB tem por objeto de estudo o Brasil (em seu processo de
construção) considerado na sua totalidade complexa – espaço, povo, história, organização
e instituições. O estudo está organizado numa perspectiva histórica e panorâmica, pois
nosso objetivo não é esgotar o assunto, mas despertar o seu interesse, buscando ampliar a
sua base de cultura geral.
Carvalho (2006, p. 71) pode ajudar a explicar melhor nossas intenções:
Educar não significa apenas preparar mão-de-obra e profissionais eficientes (...). Significa principalmente formar cidadãos conscientes de seus direitos e esclarecidos quanto às suas obrigações perante a sociedade. Portanto, além de ensinar as especificidades próprias de cada disciplina e de cada métier, as escolas devem formar cidadãos honestos, leais e solidários para com seus
semelhantes.
A pergunta que perpassa o componente curricular é: Que país é este? Não se pretende
estudar toda a História do Brasil, até porque isso seria impossível em um semestre. O objetivo é lançar um olhar sobre o país em que se vive e conhecer melhor a realidade na qual se
está inserido. Que leitura você faz do seu país? Para essa leitura é fundamental a visão
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Território
No contexto político, o termo
território refere-se à superfície
terrestre de um Estado, seja
ele soberano ou não. É
definido como o espaço físico
sobre o qual o Estado exerce
seu poder soberano, ou, em
outras palavras, é o âmbito de
validade da ordem jurídica
estatal. De acordo com as
teorias gerais de Estado,
diplomacia, relações internacionais e nacionalidade, o
território é uma das condições
para a existência e o reconhecimento de um país (sendo os
outros dois a nação e o
Estado).
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Territ%C3%B3rio>
histórica, de tempo e espaço – de processo. Estamos vivendo o
novo? Vivemos num contexto que está em constante mudança.
Podemos até chegar a constatar que o Brasil tem sérios problemas, mas também tem muitas potencialidades.
Por onde começar? Que questões são fundamentais? Num
contexto em que as mudanças se dão de forma cada vez mais
rápida, que habilidades e competências precisamos desenvolver?
Uma coisa é certa, vivemos numa sociedade democrática, precisamos de sujeitos históricos, pessoas com capacidades de ajudar
a construi r a re ali dade e o futuro do paí s por me i o do
discernimento e da crítica.
Brasil! Um país jovem, com pouco mais de 500 anos de
“achamento”. Nesse período o país buscou constituir-se como uma
Nação
nação, processo que ainda não está concluído, pois existem “dois
é o conjunto de pessoas que
possuem a mesma história e
estão inseridas em um mesmo
padrão cultural.
Brasis”, um que está inserido na nova realidade tecnológica e
outro que continua atrasado, arcaico. Quantos desafios para atingir um maior equilíbrio social!
Num primeiro momento vamos analisar o Brasil considerando o território, a população e a soberania. O Brasil possui
uma área de 8.514.215 km 2, sendo o quinto maior país do mundo em extensão, logo atrás da Rússia, Canadá, China e EUA.
Todo seu território é habitável, o que não acontece com os outros países, que possuem áreas com montanhas, desertos ou geleiras. Quantos desafios isso nos impõe! Quantas potencialidades!
Em função da diversidade climática, de vegetação e de topografia, podemos produzir os mais diversos produtos. E ainda
temos lindas praias, extensa costa marítima, com enorme potencial para pesca, turismo e navegação. Falamos em rios, pensamos també m em pescaria, mas também em possibilidade
energética. Quantas maravilhas! Algumas ainda pouco conhecidas ou exploradas.
10
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
O Brasil é um país extenso e isso traz alguns desafios na sua organização e integração
nacional, principalmente para garantir a sua soberania. Ele é constituído por 26 Estados,
que por sua vez são subdivididos em municípios, mais de 5.000. A Constituição Federal de
1988 definiu que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário”. Os membros do Executivo e do Legislativo são eleitos pelo povo
brasileiro. Já os membros do poder Judiciário são nomeados.
A população vive em um determinado território que considera seu e se organiza por meio de
instituições sociais, religiosas, militares, culturais, educacionais, econômicas e políticas, buscando por seu intermédio garantir a sua soberania. A política assume um papel relevante na constituição de um Estado independente e soberano. E o que é Estado? É mais estável, garante uma
“Nação politicamente organizada”, mas não muda a todo o momento como o governo.
O que fazer para garantir a soberania nacional? Vou relatar um fato verídico, do qual
talvez você já tenha conhecimento, mas está intimamente relacionado à concepção de soberania. Numa palestra nos EUA o senador Cristóvam Buarque foi questionado sobre a Amazônia – sobre a necessidade ou não da sua internacionalização. E foi solicitado a não responder como brasileiro, mas que pensasse sob a ótica humanista. A resposta dele foi que sob
a ótica humanista ela até deveria ser internacionalizada, assim como as reservas de petróleo
do mundo inteiro, o Museu do Louvre (França), o capital financeiro dos países ricos, Nova
York, etc... “Como humanista defendo a internacionalização do mundo; se falar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa”1
O Brasil tem enormes riquezas que podem despertar a cobiça de muitas pessoas ou muitos países. Como o governo brasileiro protege o Brasil diante da cobiça dos estrangeiros? Há
pouco vimos que a população vive num território e que o considera seu. Será que é isso? O
Brasil foi “achado” por Portugal, que o considerou como sendo seu, incluindo os índios que
aqui viviam. A relação de dependência do Brasil foi mudando. Nos três primeiros séculos éramos dependentes de Portugal, depois da Inglaterra e, após a 2ª Guerra Mundial, dos EUA. As
inovações tecnológicas passavam por esses países. O Brasil investiu pouco em educação, pesquisa e tecnologia, por isso ainda importamos alguns produtos de maior valor. Todos precisam
ter um grau de ousadia, de aventura, pois isso faz a diferença na inserção internacional.
O motivo do interesse dos estrangeiros pode ser o petróleo, o urânio e a biodiversidade.
Um país que se quer soberano deve guardar e defender o que é de seu interesse. Como o
Brasil tem um grande potencial em produção, até mesmo terras estão sendo compradas por
grupos estrangeiros, dos mais diversos países. Somos um “gigante” demográfico, territorial
e econômico, mas um “anão” em poder político-militar. Havendo terras disponíveis aparecerão interessados em adquiri-las, isso ocorre em qualquer parte do mundo, e também aqui.
1
Disponível em: <http://www.braile.com.br/publicacoes/publicacoes/SOBERANIA%20BRASILEIRA.doc>. Acesso em: 31 mar. 2001.
11
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
O Brasil tem vários desafios, mas somos um país com grandes potencialidades, algumas já citadas anteriormente. Em função da diversidade climática podemos nos considerar
autossuficientes na produção de alimentos, tanto em diversidade como em quantidade. Isso
não quer dizer que não temos problemas na distribuição.
Temos também um potencial energético. Quanta água! Quantos rios! De outro lado,
porém, temos problemas com relação à energia, com ameaça até mesmo de apagões. A partir
de investimentos podemos recuperar essa fragilidade com facilidade. Onde, porém, buscar
os recursos? Para crescer economicamente precisamos enfrentar esse problema.
E as riquezas da Amazônia? Ali encontramos muita matéria-prima que pode ser usada, por exemplo, na descoberta de novos medicamentos/remédios e outros que poderão ser
aperfeiçoados, mas sem investimentos em educação e pesquisa não teremos condições de
aproveitar esse potencial.
As empresas se instalam em países que oferecem as melhores condições, mas nenhum
país do mundo consegue ser autossuficiente em todos os setores. A questão é saber selecionar o que melhor lhes convém, pois as indústrias podem se instalar num país e importar de
outro o que necessitam, dependendo das condições que lhes são oferecidas. Essas trocas
vêm crescendo, gerando interdependência. Por isso cada país deve investir e construir uma
base científica e cultural, de modo a oferecer produtos de qualidade e garantir a sua inserção mundial.
Estamos vivendo num mundo globalizado, portanto somos um país capitalista que
busca construir a sua autonomia, ser independente.
– Seção 2 –
Povo Brasileiro: Formação Étnica, Cultural e Dinâmica Populacional
Há que se ter sempre presente que uma característica básica do Brasil é a diversidade
cultural, compreensível num país de grande extensão territorial, com meios físicos diferenciados e processos distintos de ocupação econômica, étnica e social. Essa rica diversidade se
transfunde em identidade e brasilidade nos momentos cruciais da nacionalidade, como na
campanha das “Diretas Já”, em 1984.
12
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Quais são as origens do povo brasileiro? A formação do povo
Argemiro Jacob Brum
brasileiro resultou de um processo de miscigenação intenso. Num
primeiro momento contribuíram três elementos básicos: os portugueses, os indígenas e os africanos, mas que durante os séculos 19 e 20 contou também com a participação dos imigrantes
europeus e asiáticos. Dessas matrizes étnico-culturais resultou
um “povo novo”, o povo brasileiro. Cada um desses povos contribuiu e está contribuindo na constituição desta nação, pois esse
é um processo que não está concluído. Nem todos, porém, tiveram o mesmo tratamento. O debate sobre cotas nas universidades reflete um pouco essa diferenciação no tratamento.
De certa forma podemos afirmar que a base de nossa cultura é lusitana. O português transmitiu-nos a língua, a religião, as
artes, a organização familiar e o estilo de vida doméstica, entre
outros. Como também garantiu um país com grande extensão
Professor universitário com
mais de 40 anos de experiência
no Ensino Superior, além de
larga atuação no Ensino Médio.
Integra o quadro docente da
Unijuí. Publicou mais de uma
dezena de obras, entre as
quais: O Desenvolvimento
Econômico Brasileiro e outros
citados nesse material.
territorial. No novo ambiente, contudo, os portugueses incorporaram traços tanto dos indígenas quanto dos africanos.
O povo indígena era constituído por diversos grupos étnicos, mas é impossível saber com exatidão o número de índios que
aqui viviam, pois a chegada dos portugueses resultou no seu quase extermínio. Os índios enriqueceram nossa cultura, porém sua
cultura “em contato com o branco, foi se ndo abafada e
desagregada, perdendo a força de coesão, realimentação e renovação, dentro do processo de evolução espontânea que a fundamentava” (Brum, 2006, p. 28).
Já os africanos foram transplantados à força e na condição
de escravos, jogados num ambiente estranho, onde eram separados os da mesma tribo, dificultando as fugas. Os escravos africanos foram a principal força de trabalho que garantiu o desenvolvimento da economia brasileira durante os primeiros séculos. As
suas culturas foram aviltadas e deturpadas pela escravidão. José
Bonifácio dizia que a escravidão era “... obstáculo à formação de
uma verdadeira nação, pois mantinha parcela da população
subjugada a outra parcela, como inimigos entre si...” (Carvalho,
2005, p. 50). Após a libertação dos escravos não houve políticas
de inclusão social, e isso se refletiu de forma negativa na forma13
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
ção do cidadão brasileiro. Que políticas foram e estão sendo construídas para incluir essa
parcela da população na sociedade brasileira? Isso resolve? Elas estão adequadas para esse
contexto?
Já os imigrantes europeus tiveram um outro tratamento e foram incluídos na sociedade brasileira com mais facilidades. Por exemplo, tiveram acesso a lotes de terras e incentivos
dos governos. Certamente também sofreram para se adaptar a essa nova realidade, alguns
chegaram a retornar para o seu país de origem. Hoje algumas famílias estão recuperando
um pouco da história de seus antepassados. Muitos deles também foram sendo excluídos do
processo de “desenvolvimento” brasileiro, e hoje é possível encontrar também nas favelas
crianças e adultos de olhos azuis.
Inúmeras pesquisas e mesmo o material elaborado pelo professor Argemiro Brum, nos
mostram que hoje é bem-reduzida a parcela de habitantes do país com traços exclusivos de
uma única origem étnica. Perto de 80% da atual população brasileira resulta de algum grau
de mestiçagem, e cerca de 90% do total têm a participação de elementos de origem europeia
(2006, p. 27).
Em diversos municípios do país, talvez até no seu, vamos encontrar pessoas com origens
étnicas bastante diferenciadas, hoje miscigenadas. A integração é um ingrediente fundamental para a constituição da identidade nacional, da brasilidade, e se acredita que “Os preconceitos ainda existentes, abertos ou velados, tendem a ser denunciados e superados. Cada vez
mais pessoas agem nessa direção. Essa integração é um componente fundamental da identidade nacional, da brasilidade, a ser cada vez mais testemunhado pelos brasileiros” (p. 14).
Para avançar no entendimento sobre o Brasil hoje precisamos aprofundar a reflexão
sobre a caracterização do nosso povo. “Fazendo uma análise deste país inconcluso, vemos
um país com problemas históricos não resolvidos, que se acumulam e produzem situações
gravíssimas” (p. 7). Que problemas são estes?
População brasileira! Qual é o seu número? Somos um país com mais de 190 milhões
de pessoas, que precisam comer, vestir, morar, ter acesso à escola, à saúde, etc. Como atender a tudo isso? Quantos desafios para incluir a todos! De outro, somos o quinto maior país
do mundo em número populacional (China; Índia; EUA; Indonésia). Certamente muitos
exportadores, empresários ou investidores olham o Brasil como um potencial mercado consumidor.
A população continua crescendo? A população está crescendo, mas a taxa de crescimento anual está em declínio. Isso significa dizer que ela cresce, mas não mais na mesma
velocidade ocorrida durante o século 20. Entre 1970 e 1980 a taxa de crescimento ficou em
14
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
2,4% ao ano; já depois de 1991 e no início do século 21 baixou para algo em torno de 1,2%
ao ano. Quantos filhos a sua avó teve? Quantos filhos a sua mãe teve? E você, quantos tem
ou pretende ter?
O desafio é encontrar alternativas para incluir toda essa população, especialmente no
mercado de trabalho, dificultado em momentos que a economia brasileira diminuiu o seu
ritmo de crescimento econômico. E, ainda, segundo dados do IBGE, no censo de 2010,
alguns municípios apresentaram redução da população. Qual é a realidade do seu município? Ao se reduzir a população de um município os recursos repassados pelo governo federal
sofrem alterações – diminuem.
A população brasileira foi adquirindo novos contornos. Houve ou não mudança no
perfil populacional? Conforme a análise dos dados apresentados anteriormente, a população brasileira continua crescendo, embora em ritmo menor. Qual é a faixa etária da população que mais cresce? Os dados mostram que a população de idosos tem crescido em escala
bem-significativa.
Dois fatores foram fundamentais para essa mudança: o aumento da expectativa de
vida e a queda das taxas de fecundidade e de natalidade. Em 1940 a expectativa de vida dos
brasileiros era de 41 anos, mudando hoje para mais de 70 anos. Isso significa que as pessoas
estão vivendo mais e as taxas de fecundidade vêm diminuindo, pois em 1970 era de 5,8
filhos, em média, por mulher, e hoje está em torno de 2 filhos por mulher.
O aumento da população de idosos impõe vários desafios para o poder público e para
a sociedade. Que políticas públicas e ações o poder público e a sociedade devem pensar/
programar? Como isso se reflete nas nossas vidas? A Constituição de 1988 já reflete a preocupação com o idoso, levando à elaboração do Estatuto do Idoso, aprovado em 2003. E,
também, a renda dos aposentados tem contribuido para melhorar a vida dos idosos, o que se
reflete de forma positiva na economia do município. Por exemplo, em Ijuí a Agência do
INSS paga cerca de 10 milhões para aposentados.
As pessoas se deslocam no espaço e percebemos que hoje elas estão concentradas nos
centros urbanos. De que forma isso aconteceu? Que desafios isso trouxe ao poder público?
O êxodo rural ocorrido, especialmente a partir da década de 70, provocou um crescimento
repentino e desorganizado das cidades, e teve como consequência o surgimento das favelas
e a carência de serviços básicos para a população (água, esgoto...).
Essa urbanização foi resultado do avanço da industrialização, que atraiu trabalhadores, e a modernização da agricultura no Centro-Sul, em função do avanço tecnológico,
liberou mão de obra. Houve também a expansão de fronteiras agrícolas (nordestinos e gaú15
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
chos). Núcleos urbanos foram se criando próximo aos principais eixos rodoviários. Hoje,
contudo, percebemos que um movimento contrário está se iniciando e algumas pessoas
estão saindo dos grandes centros e retornando às cidades menores, buscando com isso melhorar a sua qualidade de vida. E, com o mesmo propósito, alguns aposentados estão migrando para as cidades do litoral.
– Seção 3 –
Indicadores Sociais: Educação e Desigualdade
3.1 – Educação
No Brasil, com a passagem de um sistema de ensino de elite para uma maior inclusão
das pessoas, os sistemas educacionais estão tendo problemas para garantir o acesso, a qualidade e a permanência do aluno na escola, o que tem contribuído para a evasão, repetência
e um ensino de baixa qualidade. Também as mudanças na sociedade ampliaram o papel da
escola num contexto sempre mutante, em que o cidadão precisa estar capacitado para atuar
numa realidade cada vez mais complexa, desafiando os professores.
A educação é um dos problemas históricos não resolvidos, ou seja, não foi entendida
como prioritária nas políticas governamentais. As taxas de analfabetismo no Brasil ainda
são bastante elevadas, porém esse índice vem melhorando, pois aumentaram as possibilidades de acesso aos bancos escolares em todos os níveis de ensino.
Em pleno século 21 estamos travando uma luta contra o analfabetismo. No século
passado era considerado alfabetizado quem sabia escrever o próprio nome. Hoje a exigência
é maior, pois é necessário saber ler e expressar as ideias com um mínimo de coerência. Além
disso, tomaram forma outros tipos de analfabetos, como o analfabeto digital ou tecnológico,
o analfabeto político, entre outros.
No Brasil aumentou o número de alunos matriculados nos três níveis de ensino, mas
escolas e universidades precisam preparar o jovem para uma sociedade cada vez mais modernizada. Se isso não acontecer, logo teremos uma educação que repõe o problema do
analfabetismo, só que em outro patamar.
16
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Num mundo globalizado, com avanços dos meios de comunicação, da tecnologia,
somos inundados por informações e o desafio é saber selecioná-las e organizá-las, dandolhes significado. O povo brasileiro precisa ser alimentado de saber, de conhecimento, de
cultura.
A primeira constatação que podemos fazer é de que a taxa de analfabetismo vem caindo. No início do século 20 quase 80% da população era analfabeta. Já o analfabetismo
entre crianças de 7 a 14 anos vem diminuindo em ritmo acelerado nas últimas décadas, pois
dos 14% registrados no final dos anos 80, houve um recuo para em torno de 2% em 2007. O
desafio da sociedade e do poder público é garantir que as crianças e jovens concluam pelo
menos o Ensino Fundamental e Médio. É necessário ainda melhorar a qualidade do ensino,
pois não é uma questão de quantidade, mas de qualidade, diminuindo a repetência e a
evasão escolar. Os programas sociais (bolsa escola, bolsa família e outros) podem contribuir
para mudar essa realidade.
Para além dos analfabetos convencionais temos ainda os analfabetos funcionais. O
que é analfabetismo funcional?
No Brasil, consideram-se analfabetos funcionais os maiores de 15 anos que não sabem ler nem
escrever e os maiores de 20 anos com menos de quatro anos de escolaridade formal e que não
consigam usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas ou para a sua autopromoção cultural. Da população adulta brasileira 29,4% eram analfabetos funcionais em 1999 (em outros
países, o conceito de analfabetismo funcional é diferente. No Canadá, por exemplo, a expressão
refere-se a todo adulto com menos de oito anos de escolaridade) (Brum, 2006, p. 50).
Os dados apresentados pelo IBGE mostram que no Brasil um em cada 5 brasileiro pode
ser considerado analfabeto funcional. No final da primeira década do século 21 os índices
estão bem altos; em torno de 20% da população tem dificuldade em ler e escrever frases
simples e interpretar textos.
Ao analisarmos o analfabetismo entre brasileiros acima de 15 anos, percebemos um
índice um pouco mais elevado: em 2010 em torno de 10%, diferente com dos 25,5% de 1980.
A metade desse percentual é de pessoas mais velhas. As diversas políticas destinadas à alfabetização de jovens e adultos têm contribuído para melhorar esse índice. O Movimento
Brasileiro de Alfabetização – Mobral – (1970) visava tão somente a aprender a escrever o
próprio nome, enquanto atualmente a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o Ensino
Supletivo, têm como objetivo a inserção social e econômica das pessoas que não tiveram
acesso à educação no seu tempo de idade escolar.
17
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
No Ensino Superior os índices também estão melhorando de forma significativa, mas
ao compararmos com outros países percebemos que temos ainda um longo caminho a percorrer. Nesse sentido, o Prouni certamente pode contribuir para reverter esse quadro, bem
como o aumento da oferta de cursos na modalidade EAD, que possibilita o estudo em tempos e locais diversos, além de valores de mensalidades mais acessíveis, permitindo que mais
pessoas busquem a sua qualificação.
O atraso educacional em que vivemos se reflete em outras áreas, como o baixo desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, o que se reflete nas exportações, pois exportamos muitos produtos in natura e ainda importamos tecnologia. O desafio é investir mais
nesse setor e possibilitar o acesso das pessoas, melhorando a sua qualidade de vida.
Do ponto de vista educacional, a promulgação de uma nova Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, contribuiu com a descentralização da educação criando
os “sistemas municipais de ensino” e uma maior democratização da escola. Ela definiu que
25% do orçamento deve ser investido na educação. A universalização do Ensino Básico é
um direito da criança. Nesta perspectiva foi aprovado, em 1996, uma nova Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Brasileira, a Lei n° 9.394.
Para além da LDB/96, o governo federal aprovou uma série de normas visando a garantir
uma maior qualidade no ensino. Entre elas podem ser citados os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), as Diretrizes Nacionais para o Ensino Superior, o Exame Nacional de
Desempenho Escolar (Enade), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), entre outras. As
políticas públicas possibilitaram o exercício da criatividade, o que é importante, mas torna-se
necessário pensar nos profissionais da educação e ampliar/modernizar a estrutura da escola.
As autoridades precisam perceber que o dinheiro aplicado em educação não pode ser considerado como gastos/despesas, mas como investimento. E a sociedade precisa ter clareza de
que os reflexos desse investimento se percebe a longo prazo. “A educação é a essência de qualquer sociedade civilizada. Cidadãos civilizados, isto é, cidadãos que têm um comportamento
cívico, não são produtos do acaso, mas sim de um processo educativo” (Carvalho, 2006, p. 71).
3.2 – Desigualdade
Conforme as palavras de Betinho, “A fome é exclusão. Da terra, do emprego, do salário, da educação, da economia, da vida e da cidadania. Quando uma pessoa chega a não ter
o que comer é porque tudo o mais já lhe foi negado” (Costa, 2002).
18
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Nosso país é extenso e com abundantes recursos naturais, mas muito desigual, com
acentuados desequilíbrios sociais e regionais. Por isso mesmo o Brasil é considerado um país
injusto. A excessiva riqueza, a ostentação e o desperdício da minoria contrastam com a
pobreza e a miséria de muitos (Brum, 1997, p. 424).
Nesta perspectiva, precisamos considerar o que destaca Delfin Neto. “O mercado é
muito compatível com a liberdade, mas obviamente é um produtor de desigualdades. E para
que as desigualdades sejam aceitas é preciso que elas partam do mesmo lugar. O homem é
naturalmente diferente. Ninguém quer a igualdade no final, nós queremos igualdade no
começo” (Revista Desafios, 2008, p. 9).
A exposição dos autores apresentados anteriormente, reflete um pouco a realidade
social brasileira. Há uma pergunta que se impõe: O Brasil é o país com a renda mais mal
distribuída? Um país rico não é apenas aquele que gera um grande PIB, mas aquele que
distribui da melhor forma possível essa riqueza produzida entre a população. Certamente
não foi isso que aconteceu no Brasil.
Essa desigualdade social se reflete de forma intensa na sociedade, pois aumenta a
criminalidade e origina outros problemas. Por exemplo, em relação à saúde, temos vários
desafios. De um lado, ocorreu um aumento na expectativa de vida. De outro, as condições
de vida precárias e a presença de doenças infecciosas afetam uma boa parcela da população. Ademais, vemos aumentar doenças que são reflexos da modernidade, como a Aids e o
estresse, pois as pessoas estão trabalhando cada vez mais.
De outro lado, alguns fatores contribuíram para diminuir a pobreza no Brasil na última década. Entre eles podemos destacar:
– política previdenciária – o que beneficiou inúmeros idosos, aumentando a renda das famílias. Em alguns municípios quando o aposentado recebe seus recursos, percebe-se um
aumento das vendas no comércio local. “Em dezembro de 2009, 18,7 milhões de benefícios tinham valor de até um salário mínimo, correspondendo a 69% dos benefícios pagos
pelo INSS.” ...É importante observar que, até o final de 2009, 46,6% dos benefícios pagos
na área urbana tinham valor de até um salário mínimo, correspondendo a um contingente de 7,2 milhões de beneficiários diretos (Mercadante, 2010, p. 296-267).
– políticas de saúde pública – olhar em saúde;
– política de valorização do salário mínimo;
– Programas sociais – Bolsa família.
19
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Isto contribuiu para melhorar de forma significativa a vida de algumas pessoas que
estavam excluídas. Não basta encher o prato, é preciso se preocupar com uma alimentação
equilibrada. Como diz a música dos Titãs: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte...”.
Sem dúvida, a educação é o ingrediente para a inclusão social, econômica e política.
Por intermédio dela vamos ter cidadãos brasileiros preparados, que busquem e garantem os
seus direitos. Quanto mais se ampliar a cultura do povo brasileiro, mais se melhora a sua
qualidade de vida.
3.3 – A saúde: o papel do Sistema Único de Saúde – SUS
Nos últimas décadas do século 20 alguns passos importantes foram dados para melhorar a saúde do povo brasileiro. No final da década de 70, num contexto de abertura política,
a população dos grandes centros começa a se mobilizar para melhorar a sua qualidade de
vida.
Neste período foram criados os Conselhos populares de Saúde, que estarão se preocupando com o saneamento básico, criação de hospitais e centros de saúde, e os profissionais
da saúde se organizaram para defender a sua profissão e os direitos dos seus pacientes.
Criam a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) e o Centro
Brasileiro de Educação da Saúde (Cebes), momento em que elaboram um documento
intitulado “Pelo direito universal à saúde”, em que “afirma-se com ênfase que o acesso à
assistência médica-sanitária é direito do cidadão e dever do Estado” (p. 63).
A mobilização da sociedade brasileira se repercutiu nos trabalhos da Assembleia Constituinte, pois a Constituição promulgada em 1988 vai contemplar, em boa medida, as reivindicações da sociedade e dos especialistas, tornando-a um direito de todos. Foi, então, criado
“o Sistema Único de Saúde (SUS), encarregado de organizar, no plano regional, as ações do
Ministério da Saúde, em que toda a população será beneficiada. No período anterior o
órgão responsável pela saúde do povo brasileiro era o Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (INAMPS/74 – resultante do INPS, hoje INSS), mas usufruiam
somente aqueles empregados que contribuíssem com a previdência social.
No portal do governo consta: “O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores
sistemas públicos de saúde do mundo. Ele abrange desde o simples atendimento ambulatorial
até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a
20
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
população do país.” Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/
area.cfm?id_area=1395>.
Os princípios do SUS constam na Lei Orgânica de Saúde, de 1990, e estão embasados
no artigo 198 da Constituição Federal de 1988. Podemos destacar os princípios da universalidade, integralidade e da equitidade, como também os princípios da descentralização, da
regionalização e da hierarquização da sua organização.
Assim, em 1993 foi apresentada uma Emenda Constitucional visando a garantir financiamento maior e mais estável para o SUS, semelhante ao que a educação já tem há
alguns anos.
No final da década de 90 o problema da saúde ainda estava bem presente na realidade
brasileira, levando, em 1995, o médico Adib Jatene, ministro da saúde, a propor a criação de
imposto especial sobre o movimento bancário de todos os cidadãos, buscando, desta forma,
os recursos para melhorar a saúde.
De acordo com a Lei criada em 1996 sobre a CPMF:
Art. 18. O produto da arrecadação da contribuição de que trata esta Lei será destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde, sendo que
sua entrega obedecerá aos prazos e condições estabelecidos para as transferências de que trata o
art. 159 da Constituição Federal (Lei nº 9311, de 24 de outubro de 1996).
Mediante a CPMF o governo busca recursos para melhorar a saúde do país. Ela
passou a vigorar a partir de 1997 com uma alíquota de 0,2% sobre as operações financeiras. Em julho de 1999 foi prorrogada até 2002 com uma alíquota de 0,38%, quando parte
do recurso também era usada para financiar a Previdência. Em 2007 o governo Lula não
conseguiu prorrogar a cobrança. Para 2011 pode voltar como Contribuição Social para a
Saúde (CSS), em que as movimentações financeiras seriam tributadas em 0,1% e o recurso
todo destinado para a saúde. A questão é saber quem vai encaminhar a recriação dessa
tributação.
No momento várias ações estão sendo desenvolvidas que de certa forma mantenham
sob controle alguns problemas de saúde que estão se recolocando. O que significa a dengue? E a luta contra a tuberculose? Como combater a questão do fumo? O que fazer para
conter o avanço das drogas? Quantas questões estão se tornando problemas de saúde pública? Para amenizar esta realidade foram encaminhados alguns programas de atenção à saúde, como:
21
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– Saúde da família – 1994 – caráter preventivo.
– Samu – 2003 – atendimento pré-hospitalar móvel.
– Upas – 2009 – Unidades de Pronto-Atendimento 24 horas
– Farmácia popular – 2004 – distribuição de medicamento.
– Saúde do Homem – 2009 – Política Nacional de Saúde do Homem.
– Saúde da Mulher – 2003 – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher.
Alguns passos importantes foram dados nestes últimos anos, mas torna-se necessário
encontrar alternativas para a consolidação desses programas, incorporando-os numa política de longo prazo. A humanização da saúde deve contribuir com o povo brasileiro. Para
tanto é necessário envolver as várias facções – sociedade e os diversos profissionais que
atuam na área. Em relação ao trabalhador comenta o coordenador Nacional da Política de
Humanização da Saúde – do Ministério de Saúde, Dario Frederico Pasche: “Não é humano
jornadas de trabalho inacabáveis e salários baixos, isso reflete principalmente no atendimento aos pacientes, que não merecem a insegurança que sentem”, no 4º Seminário de
Administração na Saúde (SAS).
– Seção 4 –
Indicadores Econômicos
A economia atinge diretamente a vida das pessoas, das empresas e do país. O avanço
nos meios de comunicação tornou o mundo “menor ” e hoje ficamos sabendo, quase de
imediato, o que está acontecendo no mundo. Nem tudo, porém, é positivo. Por exemplo, as
crises têm repercussões mundiais, e o capital que estava aplicado em um país hoje, pode não
estar amanhã.
O Brasil possui uma estrutura de produção grande e complexa, que evolui e apresenta, a cada novo momento, novas exigências. Isso porque qualquer país precisa garantir os
bens necessários para a sua população. A estrutura econômica compreende: 1) o processo
de produção, 2) de distribuição e 3) de consumo de bens e serviços.
22
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
1 – Para a concretização do processo de produção são necessários, além da matéria-prima,
os meios de produção e a força de trabalho. Em boa medida as matérias-primas necessárias para a produção no Brasil são abundantes; em alguns casos até exportarmos, pois
somos um país com grande potencial agrícola e com imensos estoques de recursos naturais. Já em relação aos meios de produção existe um conjunto de limitações, pois o constante aperfeiçoamento tecnológico dos processos exige máquinas e equipamentos cada
vez mais sofisticados, cuja capacidade produtiva nacional ainda é reduzida. Com relação ao trabalho, vem aumentando a exigência de qualificação e diminuindo a quantidade
de trabalho necessário para a produção das mercadorias em geral, como reflexo do avanço tecnológico. O escasso investimento em educação tem se refletido de forma negativa
para o trabalhador, pois em muitas situações falta-lhe qualificação para garantir a sua
inclusão no mercado de trabalho. Além disso, a abertura do mercado brasileiro facilitou
a importação de máquinas, melhorando a estrutura de produção, mas por outro lado
contribuiu para o desemprego estrutural.
2 – A distribuição ou a circulação das mercadorias e serviços produzidos no país é problemática. O Brasil é um país continental e as distâncias entre os pontos de produção e de
consumo são enormes, tornando necessários investimentos em transportes, armazenagem, conservação, etc. O percentual de perdas de produtos (especialmente frutas e verduras) na comercialização é muito significativo e os custos são elevados. Tudo isso sofre
influência negativa da má distribuição de renda no país, pois muitas vezes quem tem
necessidade de adquirir um bem não tem dinheiro para tal, enquanto os que têm renda
suficiente adquirem outros bens, por vezes importados.
3 – O consumo está determinado principalmente pela renda dos consumidores, mas também
por aspectos subjetivos como a cultura, os hábitos e a influência da publicidade, da
moda, etc. Assim como nossa estrutura produtiva, nossos padrões de consumo sofreram
forte influência do exterior. Embora persistam hábitos locais típicos, como o chimarrão,
a tapioca, o café, etc., o volume maior de recursos é destinado ao consumo de produtos
globais, como automóveis, eletrodomésticos, roupas de grife, alimentos industrializados,
produtos de higiene, etc... Algumas pessoas consomem mais que outras, com excessos e
carências prejudiciais à qualidade de vida. O Brasil está organizado na perspectiva capitalista, é seletivo e valoriza o ganho econômico em detrimento do social. Os aspectos da
justiça social são sacrificados em nome da eficiência da produtividade e da eficácia do
lucro. A obsessão pelo lucro provoca a concentração da terra, da renda e da riqueza.
O Brasil já enfrentou várias crises, períodos em que se intensificam os processos de
concorrência e da exploração sobre a classe trabalhadora, o que se reflete na diminuição da
arrecadação de impostos, levando consequentemente à redução dos investimentos em políticas sociais.
23
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
PIB
O Produto Interno Bruto
representa a soma (em valores
monetários) de todos os bens
e serviços finais produzidos em
uma determinada região (qual
seja, países, Estados, cidades),
durante um período determinado (mês, trimestre, ano, etc.).
O PIB é um dos indicadores
mais utilizados na
macroeconomia com o objetivo
de mensurar a atividade
econômica de uma região.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Produto_interno_bruto>
A concorrência entre capitalistas excluiu uma parcela dos
empresários, sobrevivendo apenas aqueles que conseguem acompanhar as inovações e as exigências do mercado. Os que permanecem
ampliam seus negócios. O outro problema gerado pelas crises é a
intensificação da exploração da classe trabalhadora. Isso faz com
que os trabalhadores se preocupem mais em manter seu emprego do
que ampliar conquistas. E, também, a “quebradeira” de empresas
ou a incorporação de tecnologia por aquelas que permaneceram,
ocasionaram o fechamento de mais postos de trabalho, aumentando ainda mais o volume de trabalhadores desempregados.
Ao analisar a consolidação e expansão do capitalismo brasileiro percebemos que o Estado tem e teve um papel fundamental na
organização da economia, pois ora ele intervém, ora não. Hoje como
está organizada a economia? Para compreender melhor o país no
seu aspecto econômico, vamos analisar alguns elementos.
Que tal vocês assistirem ao
filme “Ilha das Flores”? <http://
www.casacinepoa.com.br/port/
filmes/ilhadasf.htm#>
Um dos grandes desafios da economia brasileira é retomar
o seu crescimento econômico. Entre 1996 e 2006 o Produto Interno Bruto (PIB), que é o total de bens e serviços produzidos
durante um ano no país, cresceu a uma taxa média de 2,3% ao
ano. Quantas pessoas sonham em voltar ao período do “Milagre
Brasileiro”, no qual o PIB crescia em média a 11% ao ano. Que
maravilha! Quanta oferta de emprego! Essa euforia ocorria num
contexto de achatamento salarial, o qual, porém, nem sempre era
percebido, quando a renda familiar aumentava, pois mais membros entravam no mercado de trabalho. Hoje está ocorrendo a
retomada do crescimento do PIB, mas percebe-se uma maior exigência em termos de qualificação. As pessoas são incentivadas/
conduzidas ao consumismo desenfreado e algumas vezes isso as
leva a trabalhar cada vez mais. A expressão de uma aluna ilustra
bem isso: “Eu moro no interior, o salário dá conta das minhas
necessidades, mas no momento que exigem maior qualificação e
compra de livros o meu salário não chega.”
O final do século 20 e o início do século 21 foram marcados
pelo baixo crescimento econômico, em que, segundo Carvalho
(2006, p. 37), alguns fatores contribuíram
24
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
E ss e fr aco de s empe nho de ve - se , en tr e ou t ra s co is as , à
Política cambial
irr acio na lid ad e da s po l ít icas mo ne tá ria e cambial , qu e
“... trata da relação de valor
entre a moeda nacional – o
real – e as moedas de outros
países, principalmente o dólar
norte-americano”
desestimulam os investimentos no setor produtivo da economia e
em projetos tecnologicamente inovativos, que implicam prazos
de retorno incompatíveis com as taxas de juros e de câmbio praticadas no Brasil. Deve-se também ao dogmatismo dos economis-
(Brum, 1997, p. 499).
tas que têm comandado a economia brasileira nos últimos 25
anos, para os quais o neoliberalismo é a única doutrina capaz de
reconduzir o país ao desenvolvimento.
No final da primeira década do século 21 o Brasil retomou,
aos poucos, o seu crescimento econômico, mas são necessários
ainda, investimentos no setor produtivo, em infraestrutura e em
programas sociais. Como investir, no entanto, se o país encon-
Neoliberalismo
pode ser definido como um
programa político-ideológicoeconômico voltado a viabilizar
a superação da atual crise do
capitalismo. Prega a redução
do tamanho do Estado e
apregoa as virtudes do livre
mercado (Brum, 1997, p. 95).
tra-se endividado internamente? O Brasil foi sempre muito dependente de capital externo, o que levou ao endividamento. A
dívida externa, contudo, já não preocupa mais tanto quanto em
anos anteriores. Em 2010 estava em torno de US$ 200 bilhões,
valor acumulado em reservas cambiais.
Se por um lado, porém, o Brasil está com a dívida externa
sob controle e aumentando a sua pauta de exportações, por outro a dívida interna continua crescendo, pois em 2010 está se
aproximando dos R$ 2 trilhões. Os entes públicos (União, Estados e municípios) gastam mais do que arrecadam e, para cobrir a
diferença, pedem empréstimos ao sistema financeiro. Isso é
preocupante! Ainda mais num contexto em que foram vendidos
os patrimônios públicos.
Diante dessa situação o governo paga juros elevados para
conseguir rolar a sua dívida. A taxa de juros paga pelo Brasil
varia entre 9% a 11% ao ano, enquanto na média dos países desenvolvidos fica abaixo de 1% ao ano. O governo, em âmbito interno, tornou-se o grande captador de recursos para ir rolando a
sua dívida, mantendo as taxas de juros elevadas para garantir os
recursos, inibindo, assim, a retomada do crescimento econômico. Os maiores beneficiários da atual política econômica são os
banqueiros, devido à financeirização da economia. Certamente
isso não foi planejado de forma maquiavélica pelo governo, mas
é resultado da política econômica adotada nas últimas décadas.
25
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Segundo Carvalho (2006, p. 27-29) só em 2005 foram pagos cerca de R$ 157 bilhões
em juros da dívida pública. Já os gastos em áreas sociais foram: R$ 36,8 bilhões em saúde no
ano (esse valor foi gasto em menos de 3 meses de juros); a reforma agrária no período de
2004-2007 previa R$ 6 bilhões por ano (isso foi pago por 14 dias de juros); R$ 16,8 bilhões
investidos em educação (mas desse valor só a metade chega às escolas).
Para sustentar essa estrutura o governo precisa manter uma política elevada de impostos, o que se reflete de forma negativa para a sociedade e no processo de produção. Os
impostos estão presentes em praticamente todas as atividades e produtos que consumimos
e/ou produzimos. Está embutido no valor que pagamos pela energia, pelos imóveis, carros,
telefone e outros. Está presente até mesmo no salário do trabalhador. Alguns argumentam
que os impostos são um “mal necessário”. Quanto trabalhamos para pagar esses impostos?
(Os cálculos indicam que trabalhamos 5 meses num ano para pagar os impostos. Seria tudo
isso?). Ou melhor – Os impostos estão ou não se revertendo para uma melhora na vida da
população?
O que fazer para mudar essa realidade? Brum (2006, p. 14) argumenta que
A construção da identidade do país decorre de um passado compartilhado por seus habitantes,
assumido historicamente, e, principalmente, de um projeto futuro. Um conjunto de valores
compartilhados e assumidos coletivamente. Esse é o desafio central colocado aos brasileiros:
que país nós somos hoje? Que país queremos ser no futuro? Como podemos fazer a travessia do
que somos para o que queremos ser? Claro que os brasileiros são muito capazes. Precisamos
criar condições para que todos possam participar dessa construção coletiva. Um projeto de
nação não vem do céu por descuido; é criação e construção do povo. É tarefa nossa, embora
devamos estar abertos ao intercâmbio com todos os outros povos. Qualificar a nossa gente é o
ponto de partida...
Na próxima seção vamos refletir sobre algumas questões propostas por Brum. Que
país queremos ser? Como vamos fazer a travessia do que somos para o que queremos? O que
é desenvolvimento? Que desenvolvimento queremos? O que fazer?
26
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– Seção 5 –
O que Entendemos por Desenvolvimento?
O Brasil é ou não um país desenvolvido? Aprofundar a reflexão sobre desenvolvimento
tornou-se central no mundo de hoje, ou seja,
É a palavra-chave; a grande idéia-força. A busca do desenvolvimento é a grande aspiração
comum dos homens e dos povos, na atualidade. Por essa razão, é importante refletir sobre o
conteúdo dessa idéia-força para cuja realização convergem os esforços das pessoas, das nações
e da humanidade (Brum, 2006).
Para trabalhar o conceito de desenvolvimento vamos usar o material elaborado
por Brum especialmente para alunos que precisam conhecer a realidade de seu país e
buscar alternativas, projetando um futuro diferente, melhor. Vários autores se dedicaram a estudar e aprofundar o conceito de desenvolvimento, ocorrem divergências de
i nt e r pr e t aç ã o, m as n i n g ué m di s c or d a q u e o c or r e ra m v á r i a s e v o lu ç õ e s e u m
aprofundamento desse conceito. Outra constatação que podemos fazer é a confusão
entre os conceitos de: crescimento, progresso, modernização e desenvolvimento, que
passamos a definir agora.
Segundo Brum (2006, p. 17-18) crescimento “é um fenômeno natural, espontâneo,
que pode ocorrer mesmo independentemente da vontade. Na economia, é o aumento quantitativo na produção de bens e serviços, decorrente da conjugação de fatores favoráveis,
geralmente obtido de forma deliberada.”
Ele define a modernização como
processo que consiste, sobretudo, na adoção de padrões de consumo, de comportamento, de
instituições, equipamentos e tecnologia, valores e idéias característicos de sociedades mais avançadas, sem importar necessariamente em transformações na estrutura econômica e social. Portanto, um processo de modernização pode ser compatível com uma situação de dependência.
Geralmente quem pode importar mais são as regiões e as camadas sociais mais ricas, que têm
mais poder aquisitivo. “Daí, uma das conseqüências seria a consolidação e permanência de uma
sociedade dual, dicotomizada: regiões e classes ricas e regiões e classes pobres, com os decorrentes conflitos e tensões (Brum, 2006, p. 18)
27
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Já o progresso é
um fenômeno mais ou menos espontâneo, mais ou menos indefinido, baseado na crença de que,
haja o que houver, o futuro será sempre melhor do que o presente. A palavra, historicamente, está
impregnada da filosofia – o positivismo – de Augusto Comte e traz uma conotação de crença
ingênua no poder da humanidade (deificação da humanidade). Esse filósofo francês tinha por
divisa “o Amor por princípio, a Ordem como meio e o Progresso como fim”. Exerceu forte influência
sobre a intelectualidade brasileira nas últimas décadas do século 19 e início do século 20, sobretudo entre os republicanos, que nele se inspiraram ao introduzir o lema “Ordem e Progresso” na
bandeira brasileira da República, em substituição à coroa imperial da bandeira do Império
(Brum, 2006, p. 17-18).
E, por fim, define o desenvolvimento como
um processo mais amplo de transformações profundas, abrangendo a totalidade do ser humano
e todos os aspectos da sociedade que se desenvolve, de forma contínua, integrada, global, planejada, endógena, dinâmica, solidária, equilibrada e harmônica, a partir do potencial criador de
cada indivíduo, dos grupos sociais e da sociedade toda, buscando a melhoria das condições de
vida, em tudo e para todos, com os cuidados requeridos para garantir a sua continuidade futura
por tempo indefinido (Brum, 2006, p. 18).
O autor salienta que o
tema desenvolvimento entrou progressivamente no repertório das pessoas e dos povos a partir
do término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Os economistas foram os primeiros a
estudar o assunto. Daí o enfoque predominantemente (ou exclusivamente) econômico que lhe
foi dado – e que em parte ainda conserva. Com base em tais estudos, os Estados Unidos da
América, grandes vitoriosos do conflito, apresentavam-se, então, perante o mundo, como a
nação desenvolvida, usando como critério (único) de mensuração a sua renda média per capita
de US$ 7.000, enquanto outros países entre os mais prósperos mal chegavam a US$ 1.000
(Brum, 2006, p. 18).
Observe que para atingir o desenvolvimento, segundo essa concepção, era necessário
imitar a nação líder do mundo, os Estados Unidos, o grande vencedor da 2ª Guerra Mundial.
No Brasil percebemos essa busca pelo acelerado crescimento econômico durante o governo
de Juscelino Kubitschek, que teve como slogan “50 anos em 5 anos”. Às custa de que ocorreu esse crescimento? Isso será retomado na Unidade 3.
28
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
5.1. De uma concepção linear a uma concepção estrutural
A concepção linear foi marcada pela visão economicista, quantitativa. O que isso significa?
De acordo com ela, o subdesenvolvimento era considerado uma etapa atrasada do desenvolvimento. Conseqüentemente, para os chamados países subdesenvolvidos alcançarem o desenvolvimento, bastava que acelerassem o seu crescimento econômico. Desenvolvimento era entendido
apenas como simples crescimento (Brum, 2006, p. 20).
Isso ocorre de forma intensa, no Brasil, durante o governo de JK.
No momento em que pesquisadores de outras áreas (filósofos, historiadores, antropólogos...) se interessam por discutir desenvolvimento, transitamos de uma visão restrita e
puramente econômica para outra, que passa a considerar outros aspectos da realidade.
...O critério da renda média per capita tem a sua importância, mas, por si só, é insuficiente para
caracterizar o padrão e a qualidade de vida das pessoas e dos povos. Outros critérios econômicos, sociais, políticos, culturais, éticos e morais também são importantes e devem ser considerados (p. 20).
A concepção linear divide o mundo entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos, como também em regiões atrasadas e avançadas. A pergunta que se colocava era: Como
os países subdesenvolvidos podiam se tornar desenvolvidos? Nesse contexto, tendo por base
a concepção linear, era necessário acelerar o crescimento econômico, pois o subdesenvolvimento era considerado uma etapa atrasada do desenvolvimento.
Nas últimas décadas
...passou-se a ter uma visão de totalidade das inter-relações que se operam numa determinada
sociedade e também entre os países e respectivos povos. Isto é, uma compreensão estrutural do
fenômeno desenvolvimento-subdesenvolvimento. Daí que, sem mudança profunda das estruturas, não há como operar-se o desenvolvimento (p. 20).
Na visão estrutural, segundo Brum (2006, p. 20),
tanto o subdesenvolvimento como o desenvolvimento são dois aspectos de um mesmo fenômeno,
ambos os processos são historicamente simultâneos, estão vinculados funcionalmente e, portanto, interatuam e se condicionam mutuamente, dando como resultado, de um lado, a divisão do
29
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Protocolo de Kyoto
mundo entre países industriais, avançados ou “centros”, e países
É um tratado internacional com
compromissos mais rígidos
para a redução da emissão dos
gases que provocam o efeito
estufa, considerados, de
acordo com a maioria das
investigações científicas, a
causa do aquecimento global.
subdesenvolvidos, atrasados ou “periféricos”; e, de outra parte, a
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Protocolo_de_Quioto>
repetição deste processo dentro dos países subdesenvolvidos em
áreas avançadas e modernas e áreas, grupos e atividades atrasadas, primitivas e dependentes...
A raiz do problema do desenvolvimento e do subdesenvolvimento está no tipo de relação que os países e regiões desenvolvidas mantêm com os países e regiões subdesenvolvidas, marcado
pela dependência.
Nesse sentido, o desenvolvimento é um processo de transformação global, conscientemente desejado e assumido por todos solidariamente. Não consiste somente no aumento de bens
produzidos e da renovação tecnológica de produção, mas na
ampliação do acesso. Brum (2006, p. 21) lembra que “O ser humano é o grande valor. O desenvolvimento é feito por ele e para
ele. Conseqüentemente, a chave do desenvolvimento encontrase na valorização do homem, através do seu aperfeiçoamento
moral, cultural e técnico.”
Na concepção estrutural o subdesenvolvimento era entendido basicamente pela ausência de um povo como sujeito histórico, dono de seu próprio destino, em que a elite controla os meios
de uma eventual emancipação, manipulando a massa para garantir seus interesses. “Subdesenvolvimento e condição existencial de desumanismo; desenvolvimento e crescente humanização
(Brum, 2006, p. 22).
Podemos caracterizar dois modelos vigentes até então. O
predatório, que visa a resultados econômicos, sem compromisso
com a realidade social e ambiental. Ele agride o meio ambiente e
exclui parcelas da população, levando à falta de recursos naturais e a uma possível crise planetária.
Como mudar isso? Aprofundando a consciência ecológica e
a consciência social. A Conferência Ecológica Internacional –
ECO/92 – realizada no Rio de Janeiro, resultou em várias iniciativas, tais como: a Agenda 21 (lançada em julho de 2000), o Protocolo de Kyoto e a criação de organizações não governamentais
30
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
(ONGs), consequências diretas dessa tomada de consciência. Embora alguns países tenham
se recusado a assinar o protocolo, criaram-se também muitas Agendas 21 nacionais, regionais e locais, que apontam para um novo padrão de desenvolvimento.
Nessa lógica a alternativa que surge é o desenvolvimento sustentável, que tem como
fundamento o respeito ao homem e ao meio ambiente. “...Esse novo padrão de desenvolvimento busca conciliar, nos quadros da democracia, a eficiência econômica, justiça social e
equilíbrio ambiental...” (Brum, 2006, p. 23).
O desenvolvimento contemporâneo é um processo dinâmico, necessariamente diferenciado, e deve considerar os traços culturais e históricos de cada país ou região, respeitando as suas potencialidades. Nas palavras de Brum (p. 24), ele “Visa à progressiva
humanização dos homens e do mundo.”
Até aqui analisamos vários aspectos da realidade brasileira (diagnóstico) e avançamos
o nosso entendimento sobre o conceito de desenvolvimento. Isso, porém, não basta, pois
precisamos pensar num projeto de desenvolvimento para o Brasil que envolva a todos. Segundo Brum (p. 24), “Só se desenvolve o povo que estiver decidido a desenvolver-se.” Esse
desenvolvimento deve estar centrado no ser humano como o agente e o destinatário, ou
seja, o sujeito e o objeto.
Esse projeto deve contemplar as distintas realidades regionais, estaduais e locais, buscando melhorar o padrão de vida da população. É preciso fomentar o desenvolvimento da
ciência e das tecnologias modernas, aumentando a produção, mas também garantir o acesso efetivo a esses bens e serviços a toda a população brasileira. Para tanto é fundamental
que a sociedade construa um projeto de desenvolvimento baseado na ótica do desenvolvimento estrutural.
Na concepção de Brum (2006, p. 25-26), um programa de desenvolvimento supõe:
– Estudos aprofundados da realidade, em todos os aspectos, a fim de conhecer as necessidades presentes, suas razões históricas e as exigências previsíveis em relação ao futuro;
– Fixação dos objetivos e das metas a serem atingidos;
– Determinação dos meios necessários e das fontes onde serão conseguidos;
– Conjugação de esforços, em que a ação dos poderes públicos, sensibilizando a consciência
nacional, estimule e auxilie as diversas iniciativas privadas.
31
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Para avançar ainda mais no nosso entendimento sobre o
Brasil vamos, nas Unidades subsequentes, retomar alguns aspectos da trajetória histórica do país que contribuíram com a definiPara aprofundar as temáticas
apresentadas nessa unidade,
ver também:
Brum, Argemiro J. O Brasil no
contexto mundial. 3. ed. Ijuí:
Ed. Unijuí, 2006.
ção da realidade brasileira. Para pensar o projeto de desenvolvimento para o Brasil precisamos conhecer a realidade atual do
país, como o seu processo histórico, considerando o que disso
ainda é válido hoje; ou mesmo para não propormos o velho achando que é o novo.
Brum (2006, p. 31) recomenda o “... exame retrospectivo, o
ontem sempre poderia ter sido melhor. Mas o passado não se muda;
só o futuro se constrói. O primeiro pode ser reinterpretado à luz
do presente e do projeto e desafios para o amanhã. A pluralidade
desse contributo é fermento e riqueza – e pode ser ainda mais. A
atitude mais adequada não é lamentar ou renegar o passado;
conhecê-lo melhor, sim. Principalmente para assumir com mais
consciência e determinação o que somos e construir o que podemos, devemos e desejamos ser ”.
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Unidade 2
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Formação da Sociedade Agrária Brasileira1
Nesta Unidade vamos analisar de forma panorâmica a sociedade agrária brasileira,
que foi cada vez mais se urbanizando. Para compreender adequadamente a sua organização vamos fazer 3 recortes: 1º) o modelo primário exportador e a economia de subsistência
– ou seja, a agricultura até 1940; 2º) a agricultura entre 1940 e 1980, em que houve o
estabelecimento e consolidação da modernização da agricultura e 3º) agricultura pós-1980
– período em que a modernização continua, sofre influência do mundo globalizado e problemas, desafios e possibilidades se apresentam.
Até 1940 quase 80% da população vivia no campo. As pessoas procuravam produzir
praticamente tudo o que a família necessitava. Já entre 1940 e 1980 vivenciamos inúmeras
mudanças, introduzidas com a modernização conservadora da agricultura, levando a uma
reestruturação, uma nova lógica de organização – a capitalista. Certamente isso atingiu as
pessoas de forma diferente: alguns permaneceram no campo e outros migraram para os centros urbanos. A crise do capitalismo mundial, no final da década de 70, levou a mudanças
na política agrícola brasileira. A modernização da agricultura ainda está em andamento;
mudanças ocorreram e continuam acontecendo e isso atinge a sua vida e também da sua
família, onde quer que você viva. O que significava viver no campo na década de 40 e o que
se percebe hoje? Que desafios são postos para as pessoas que permanecem no campo?
– Seção 1 –
O Modelo Primário Exportador
A formação da sociedade agrária brasileira e a estrutura fundiária estão intimamente
ligadas ao processo de ocupação do território brasileiro, à prática da agricultura e ao papel
que o Brasil desempenhou no cenário mundial – sobretudo nos primeiros quatro séculos de
1
A produção desta Unidade foi a partir de: Brum, Argemiro J.; Trennepohl, Vera L. Agricultura brasileira: formação, desenvolvimento
e perspectiva. 3. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004. Esta obra aprofunda algumas das temáticas, mas não tem o objetivo de esgotar o
assunto.
33
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
sua história. Para estudarmos o primeiro recorte desta unidade, ou seja, o modelo primárioexportador e a economia de subsistência, faremos ainda uma outra subdivisão: 1) Ocupação do Território, 2) Dependência Externa, 3) Modelo Primário-Exportador e 4) Economia
de Subsistência.
1.1 – Ocupação do Território
No contexto das grandes navegações europeias foi “descoberto” o Brasil. O móvel das
grandes navegações e dos grandes descobrimentos foi o comércio, ou mais precisamente os
lucros que ele poderia proporcionar. Em Portugal, país católico, o objetivo oficialmente definido era “dilatar a fé e o império”. Na prática, mais o Império do que a fé.
Até 1530 a relação econômica dos europeus com a terra descoberta por Cabral limitava-se à troca de produtos obtidos com os índios (pau-brasil, macacos, papagaios, etc.), por
produtos europeus de pouco valor (espelhos, enfeites...), além de machados, facas, facões e
cunhas de ferro, úteis para facilitar o corte e preparo da madeira tintorial. Nesse período
cada vez mais outros países começam a se interessar por esse comércio.
Nesse sentido, havia chegado o momento de a Coroa Portuguesa defender a Colônia,
sob pena de vir a perder o seu domínio. Ela não dispunha de recursos para custear, por
conta própria, o peso da colonização de uma área tão extensa. Como saída para esse problema, passou a tarefa para a iniciativa privada. Até mesmo a expansão marítima foi realizada
pela burguesia comercial, sedenta de lucros.
A primeira forma de distribuição da terra no território que viria a ser o Brasil iniciou-se em
1534, com o sistema de capitanias hereditárias, abrangendo a faixa litorânea desde Pernambuco
até o Rio da Prata. O donatário recebia certo número de léguas de terras, demarcadas no litoral
por acidentes geográficos e se estendendo paralelamente para o interior. O donatário comprometia-se a explorá-la e protegê-la. A terra recebida era de grande extensão, e, para garantir a
sua colonização, o donatário repartia essas terras em sesmarias e as distribuía a seus colonos,
podendo estes subdividir suas terras para outros. Para regular a relação entre ambos foram
elaborados a carta de doação e o foral, documento que estipulava os direitos e deveres dos
colonos. As capitanias, além de serem hereditárias, eram também inalienáveis e indivisíveis.
Com a morte do pai, substituía-o o filho primogênito, do sexo masculino.
O sistema de capitanias hereditárias fracassou, o que levou a Coroa a criar o Governo
Geral, em 1548, ficando os donatários subordinados juridicamente aos governadores gerais.
Iniciava-se, assim, a prática de uma lenta política de reincorporação das capitanias ao patrimônio
régio, concluída em 1759. Foi um processo de centralização do poder na Coroa Portuguesa.
34
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
A Lei da Sesmaria foi criada por Portugal em 1375, tendo como objetivo incentivar a
produção em todas as terras agricultáveis do reino, com o propósito de diminuir as importações, principalmente a do trigo. No Brasil essa Lei foi instituída durante a criação das capitanias e, depois, continuou no Governo Geral. Muitos colonos receberam suas terras, mas
tiveram dificuldades em legalizá-la. No início da ocupação as terras eram tomadas por mata
e nunca haviam sido cultivadas; em função disso o beneficiário tinha um prazo (máximo de
5 anos) para fazer a terra produzir, ou perderia a concessão. A concessão de terras era feita
pela Coroa àquele que julgava merecedor. O colono, para ter acesso, precisava ter interesse
e capital para explorá-las.
No Brasil havia abundância de terras e escassez de gente. Portugal, por sua vez, também não possuía excedentes populacionais. As pessoas, quando vinham para o Novo Mundo, queriam enriquecer e voltar. Assim, só viriam se recebessem uma grande extensão de
terra. Uma sesmaria de uma légua quadrada (que variava de 4 a 6,6 km) equivalia a 4.356
hectares. Muitas vezes não ficavam apenas em uma sesmaria. Nos dois primeiros séculos de
colonização, a lei não estabelecia limites para a propriedade, a não ser para o donatário
(dez léguas). No final de 1695, uma carta régia estipulou o limite máximo de uma sesmaria
de cinco léguas, reduzidas para três, dois anos mais tarde.
Em geral o latifúndio não era dividido por herança, cabendo, inteiro, ao filho
primogênito do sexo masculino. Dessa forma, a grande propriedade foi a base quase exclusiva da ocupação do território e da economia brasileira ao longo dos primeiros quatro séculos. E, no Brasil, foi acompanhada pela monocultura e pelo trabalho escravo.
Em 1822, com a emancipação política, foi revogada a legislação relativa ao sistema de
sesmarias. A ausência de legislação abriu caminho para uma corrida desenfreada pela posse
de terras. De um lado constituiu-se fazendas de muitas léguas; de outro, pequenos lotes
ocupados por negros libertos, caboclos e brancos pobres.
A independência brasileira foi caracterizada como simples arranjo de cúpula, pois se mantiveram, na essência, as estruturas arcaicas do passado e da dependência. A população excluída continuou nessa condição, sendo possível encontrar algumas pessoas com grandes extensões de terra e também famílias pobres vagando de lugar em lugar, buscando se estabelecer.
Diante dessa realidade, o grupo político liderado por José Bonifácio de Andrada e
Silva defendia a aprovação e aplicação imediata de uma nova política de terras, que nada
mais era do que uma Reforma Agrária. Claro que isso não foi aprovado, pois batia de frente
com a estrutura latifundiária, levando até mesmo ao fechamento da Assembleia Nacional
Constituinte, em 1823, por um golpe de Estado. O que prevaleceu? Seria o latifúndio?
35
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Capitalismo mercantil
“... compreendia normas e
concepções gerais de política
econômica que pressupunha a
intervenção do Estado. (...)
Partia do princípio de que só
podia haver ganho de um
Estado quando ocorria prejuízo
de outro. E o ganho para si
devia ser obtido atraindo e
retendo a maior quantidade
possível do estoque mundial
de metais preciosos...”
(Brum, 1997, p. 123).
Na metade do século 19 aumentava o número de escravos
alforriados, avançavam as políticas que visavam à libertação dos
escravos negros e chegavam cada vez mais imigrantes ao Brasil.
Os grandes proprietários estavam preocupados em garantir mão
de obra para suas grandes lavouras. Para tanto, seria necessário
tornar mais restrito o acesso à terra, assegurando a disponibilidade de trabalhadores.
Até então as terras eram doadas. Nessas circunstâncias, tratou o Império brasileiro, por sua classe dirigente, de legislar sobre
o processo de posse da terra. Dom Pedro II promulgou a Lei nº 601,
de 18 de setembro de 1850, criando a primeira Lei de Terras do
Império do Brasil. Essa lei estabelecia: “Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja a compra.”
Daí em diante as terras só poderiam ser compradas em praça pública e à vista. Para sua legalização, os proprietários tinham despesas com a medição e a selagem das escrituras. Aqueles que haviam
recebido sesmarias, ou se atribuído a posse delas, regularizaram
suas posses e transformaram-nas em propriedade privada.
A Lei consagrou e fortaleceu o latifúndio no Brasil e impediu o acesso à propriedade da terra aos pobres (índios, negros,
mestiços e brancos). Libertou-se o trabalhador, porém aprisionouse a terra.
1.2 – Dependência Externa
O Brasil foi uma Colônia oficial de Portugal e sua ocupação
foi organizada, durante três séculos, sob a influência dominante
dos interesses do capitalismo mercantil. O mercantilismo garantia exclusividade da metrópole sobre o comércio de sua Colônia,
ou seja, tudo o que era importado ou exportado passava por Portugal. Em função de sua fragilidade, Portugal teve de fazer concessões a grupos portugueses, a luso-brasileiros, a comerciantes
brasileiros, a holandeses, e se submeter a tratados com a Inglaterra, pois recebia proteção econômica e militar desse país (Brum,
1997, p. 124).
36
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Nos primeiros quatro séculos podemos caracterizar o Brasil como um país dependente,
primeiro de Portugal e depois da Inglaterra. Em âmbito interno o poder estava concentrado
nas mãos dos grandes proprietários e grandes comerciantes, dedicados à exportação e importação. Nesse período a economia brasileira funcionou predominantemente em função de
interesses externos, o que levou à instalação da monocultura, ou seja, uma organização em
ciclos econômicos.
A dominação externa foi possível devido ao apoio interno. A Coroa Portuguesa monopolizou e regulou o comércio da sua Colônia, o que internamente foi feito pelos comerciantes e grupos econômicos por ela autorizados. Eles cobravam impostos, definiam os preços
dos produtos exportados e dos importados, estes geralmente tinham os preços elevados. Essa
elite, que representava cerca de 2% da população, controlava a sociedade, reproduzindo
internamente a dominação de poucos sobre muitos.
A sociedade brasileira foi organizada tendo como base as necessidades e interesses
dos outros.
Como parte integrante do Império Português, na condição de Colônia, o Brasil não tinha destino
próprio. Integrava o projeto da Metrópole. Em decorrência, não existia nem foi configurado em
função de si, mas em função dos interesses externos. O que interessava não era o Brasil em si, mas
o que ele podia oferecer, o que dele era possível extrair. (...) objetivo de manter essa situação de
dependência, para que a Colônia continuasse indefinidamente como produtora de gêneros alimentícios e matérias-primas e importadora de produtos manufaturados. Da mesma forma, procurou cercear o desenvolvimento da educação, da cultura e das ciências, impedindo ou dificultando o surgimento de uma elite intelectual local que viesse a liderar um processo de emancipação, que, obviamente, a Metrópole não desejava (Brum, 1997, p. 126).
Nos primeiros quatro séculos tivemos alguns acontecimentos, tais como a emancipação política, a abolição da escravatura e a proclamação da República, que não abalaram o
domínio da aristocracia rural, ou seja, quem era excluído continuou sendo.
Somente na década de 20 – um século após a Independência –, é que o processo de
ruptura com o passado colonial adquiriu dimensões mais expressivas e consistentes. E o
Brasil, então, começou a transição para se tornar um país industrializado e, posteriormente,
com uma agricultura cada vez mais modernizada.
37
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Ciclos econômicos
“... pode ser definido como o
período em que determinado
produto, beneficiando-se da
conjuntura favorável do
momento, se constitui no centro
dinâmico da economia, atraindo
as forças econômicas – capitais
e mão-de-obra – e provocando
mudanças em todos os outros
principais setores da sociedade,
como na criação de novos
equipamentos...”
(Brum, 1997, p. 131).
Três ciclos marcaram profundamente a vida brasileira:
o açucar, o ouro e o café.
Os ciclos menores foram:
o algodão, a borracha e o
cacau. Os subciclos do gado
e do fumo tiveram função
complementar (p. 132).
1.3 – Complexo Rural
A partir do “achamento” o Brasil foi incorporado ao Império Português na condição de colônia de exploração, permanecendo assim por mais de 300 anos. O Brasil não tinha destino
próprio, produziu e forneceu à Metrópole o que interessava a ela
e ao mercado europeu.
Nos séculos 16 e 17 o produto que interessava ao mercado
europeu era o açúcar, tornando-se, portanto, a base econômica
do Brasil. O clima era apropriado para o cultivo da cana-de-açúcar, no entanto era necessário garantir mão de obra para a produção, problema resolvido com a escravidão (indígena e depois
negra). Já os recursos para a colonização foram buscados com os
holande s e s, que cui daram
també m do tran sporte e
comercialização, o que muda somente a partir de 1642, quando
Portugal se aproxima da Inglaterra, tornando-se dependente desse
país. Mais tarde essa mudança se reflete no Brasil.
A exploração da terra foi baseada na grande propriedade, na
monocultura e na escravidão. O poder ficava concentrado nas mãos
de uma minoria, os senhores de terra, donos de tudo e que tudo
podiam. A produção ne ssas propri edade s e ra quase
autossustentável, e os produtos importados eram: vinho, azeite,
bacalhau, sal e tecidos. Os engenhos de açúcar que se instalaram
nesse período se constituíram em amplas estruturas, não só de moagem e fabrico de açúcar, mas de tudo o que havia na propriedade.
A produção da cana-de-açúcar e os demais ciclos econômicos exigiam extensas áreas de terra, tanto pela necessidade de
produção em larga escala destinada à exportação quanto pelo
volume elevado de recursos a serem investidos na instalação dos
engenhos e compra de escravos. A produção de açúcar não era
empresa para pequenos proprietários isolados; alguns até tentavam, mas tornavam-se dependentes da estrutura do engenho.
Em consequência, “as doações (de terras) foram em regra
muito grandes, medindo-se os lotes por muitas léguas. O que é
compreensível: sobravam as terras, e as ambições daqueles pio-
38
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
neiros, recrutados a tanto custo, não se contentariam evidentemente com propriedades pequenas; não era a posição de modestos camponeses que aspiravam no Novo Mundo, mas de
grandes senhores e latifundiários” (Prado Júnior, 1949, p. 41). Teria isso contribuído para a
constituição do latifúndio?
A partir do século 17 a produção de açúcar perde força e outros produtos foram assumindo a mesma forma de organização dos engenhos, como o café. A produção estava voltada para a exportação, explorando mais e mais os recursos naturais do Brasil, usando num
primeiro momento como mão de obra os escravos e depois os imigrantes. Outro ciclo econômico ocorrido no século 18 foi o do ouro e do diamante.
Durante a Primeira República (1889-1930) o café inúmeras vezes recebeu apoio do
governo federal e do governo de São Paulo. A crise da década de 1920 afetou o principal
produto de exportação do Brasil, o que foi amenizado pelo governo por meio do “Convênio de
Taubaté” – 1906 –, que visava a garantir os lucros dos cafeicultores.
1.4 – Economia de Subsistência
Historicamente tem-se dado grande ênfase aos produtos para exportação que caracterizaram os ciclos econômicos brasileiros, repassando a ideia de que a atividade econômica
nos primeiros quatro séculos se resumia quase que apenas a essas atividades. Ao lado das
grandes culturas voltadas ao mercado exterior, no entanto, tiveram relativa importância
produtos que visavam a alimentar a população, muitas vezes caracterizada como economia
de subsistência, isto é, atividades acessórias destinadas ao consumo interno e a garantir o
funcionamento da economia de exportação (Brum; Trennepohl, 2004, p. 20).
O setor da economia de subsistência apresentava variadas formas e tipos de organização:
– a produção de gêneros de consumo realizada na grande propriedade rural e destinada à
alimentação dos membros da família senhorial e dos que nela trabalhavam.
– o abastecimento de vilas, centros urbanos, que se ocupavam principalmente da administração, do comércio e serviços, revelava-se um problema. Para atender a essa necessidade,
surgem unidades produtivas de pequeno porte, gerenciadas pelo próprio proprietário e sua
família, às vezes com a ajuda de algum escravo. Em parte esse abastecimento contou
também com a participação dos índios.
39
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– na região aurífera a população foi atraída pelo ouro. Desenvolveu-se também ali atividade
subsidiária, a economia de subsistência, por meio do cultivo de gêneros alimentícios em
pequenas propriedades, e, em propriedades maiores, a pecuária, complementada pela produção de derivados de leite (queijo, principalmente), de caráter artesanal/industrial, o que
fez de Minas Gerais, há muitas décadas, o Estado possuidor do maior rebanho bovino do
país, bem como destacado produtor de laticínios.
– os imigrantes – que se estabeleceram principalmente em São Paulo, Minas Gerais e no Rio
de Janeiro (Vale do Paraíba) –, acompanharam o ciclo do café, contribuindo como mão de
obra e na produção de alimentos. Esses imigrantes e seus descendentes vão atuar no
comércio, na indústria e na agricultura (adquirem áreas de terra). No RS as áreas de mata
foram colonizadas por imigrantes europeus, que se organizaram em pequenas propriedades familiares.
Durantes os primeiros séculos fica evidente a preocupação da Coroa Portuguesa com
o problema da fome, pois buscou ampliar a produção de gêneros alimentícios a fim de gerar
um excedente para o abastecimento dos núcleos urbanos. Os grandes proprietários rurais,
no entanto, sempre resistiram ao cumprimento das determinações da Coroa. Para eles, a
grande lavoura a que eram destinadas as melhores terras, era muito mais rendosa, não lhes
interessando outras culturas para além do atendimento às necessidades do próprio engenho
ou fazendas.
No setor da economia de subsistência inclui-se também a pecuária – uma atividade de
relativa expressão, mas acessória dos ciclos econômicos principais –, pela sua importância
na ali me ntação e no transporte , princi palmente . O gado e ra cri ado à solta por
pernambucanos, baianos, paulistas e gaúchos. A organização de uma fazenda de gado não
exigia grandes recursos. Com o tempo as fazendas foram melhorando sua estrutura e o
trabalho era, em geral, livre. A criação de gado foi também a primeira atividade econômica,
nos primeiros séculos da colonização, a promover a ascensão social de homens oriundos das
camadas pobres da população.
Os imigrantes contribuíram na produção e constituição da economia de subsistência.
Ao chegarem em São Paulo eles eram enviados para as grandes fazendas de café, nas quais
substituíam, como assalariados ou pelo regime de colonato, os escravos, sendo-lhes vedado
o acesso à propriedade da terra antes de decorridos três anos da sua entrada no Brasil. Já
nos Estados do Sul (RS, SC e PR), as áreas de mata foram colonizadas por imigrantes europeus de várias nacionalidades; com base na pequena propriedade familiar, com trabalho
duro e forte senso de economia, iam construindo relativa prosperidade.
40
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Nos primeiros tempos as propriedades eram doadas, e, a partir de 1875, deviam ser
compradas, geralmente com cinco anos de prazo para completar o pagamento. Inicialmente
o tamanho da propriedade era de 77 hectares, depois reduzido para 48 hectares e, finalmente, de 1875 em diante, a colônia passou a ter 25 hectares, mas o imigrante que tivesse
recursos podia adquirir mais de uma colônia.
Na pequena propriedade familiar, vencidas inúmeras dificuldades, sobretudo nos primeiros anos, dedicavam-se à policultura (milho, trigo, feijão, arroz, mandioca, abóbora, canade-açúcar, centeio, aveia, etc.) para o consumo da família e para venda no mercado. A par
da lavoura, havia a criação de aves e animais domésticos e para o trabalho, como galinhas,
suínos, gado vacum e cavalar, que forneciam ovos, carne, leite, queijo, nata e manteiga
para a mesa geralmente farta, além de energia para a preparação da terra, transporte e lazer.
Os produtos produzidos pelos imigrantes eram vendidos em “bolichos”, pois os colonos não produziam tudo o que necessitavam. Eles vendiam o seu produto e de imediato
adquiriam aqueles itens que não produziam, como sal, açúcar, ferramentas, etc. Os proprietários das casas de negócios, por sua vez, encaminhavam os produtos aos comerciantes
maiores ou atacadistas nos principais centros urbanos.
A agricultura familiar utilizava os recursos e a fertilidade natural do solo brasileiro.
Para a produção e a transformação de alguns produtos usavam energia humana, animal, da
água e do vento. O trabalho era árduo e envolvia todos os membros da família. Alguns
imigrantes vão aos poucos assumindo atividades nos centros urbanos, como no comércio,
na produção de artesanato e na pequena e média indústria, atendendo às necessidades da
população cada vez mais numerosa.
Nas primeiras décadas do século 20 ocorreram algumas dificuldades, como: 1) a ampliação dos minifúndios – devido à partilha de herança; 2) o esgotamento da fertilidade
natural do solo; 3) a migração, principalmente de famílias recém-constituídas, rumo às novas fronteiras agrícolas ainda disponíveis, fundando novas colônias, nas quais se reproduzia mais ou menos o mesmo processo.
Na década de 1950 a agricultura tradicional entrou em crise e passou a ser substituída por um novo
modelo, batizado de “Modernização Conservadora da Agricultura”. Modernização conservadora
porque não contemplou a reforma agrária. Ao contrário, o novo modelo, sendo mais adequado à
média e grande propriedade, possibilitou a reaglutinação de minifúndios e pequenas extensões de
terra. Também favoreceu a expansão da grande propriedade, sobretudo nas novas áreas de fronteira
agrícola em outros Estados e regiões (Centro-Oeste e Amazônia) (Brum, 2004, p. 26).
41
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– Seção 2 –
O Processo de Modernização da Agricultura
Na Seção 1 você estudou como se deu a formação da sociedade agrária brasileira: a
ocupação do território, a agricultura e a estrutura fundiária. Nesta Seção vamos estudar as
mudanças ocorridas com a modernização da agricultura, entre 1940 e 1980.
A partir da década de 40 a agricultura brasileira passou por profundas transformações, ocorridas por meio da modernização no setor. Neste momento foi sendo incorporado
ao processo o uso de máquinas e insumos cada vez mais modernos, o que levou a mudanças
nas relações sociais e de produção.
Como se estruturou a modernização da agricultura? O que influiu nas relações de produção? Com a modernização da agricultura ocorreu a introdução do capitalismo no campo, que,
por sua vez, levou à reorganização e à emergência de novos interesses. Isso significa dizer que a
produção capitalista destina-se, antes de tudo ao mercado, buscando cada vez mais o lucro.
O móvel da produção passou a ser cada vez mais o mercado, o lucro e a acumulação
de capital, e não mais a simples satisfação das necessidades do produtor rural e de sua
família. Para a acumulação de capital foi importante a intensificação da urbanização, efetivada a partir de 1970, o que aumentou a demanda por produtos agrícolas. Dessa forma,
constitui-se um crescente mercado interno para os produtos agrícolas e agroindustriais,
ampliou-se o mercado de trabalho e as terras experimentaram um processo de valorização.
O campo, então, transforma-se num importante mercado para máquinas e insumos
modernos produzidos pela indústria. Além disso, devido ao emprego de insumos modernos,
recuperaram-se ou transformaram-se terras antes consideradas imprestáveis.
Dessa forma a terra deixou de ser um recurso natural disponível, pois, com as mudanças tecnológicas da agropecuária, ela passou a ser usada como garantia na obtenção do
crédito rural subsidiado, tornando-se um bem altamente valorizado. Além da renda natural
obtida pela exploração extensiva de grandes áreas, os proprietários puderam contar com o
arrendamento.
O avanço do capitalismo na produção agrícola teve como consequência um processo
de exclusão – o êxodo rural. A agricultura mecanizada absorvia pouquíssima força de trabalho e, por isso, foi responsável por grande parte do êxodo rural, que se deu mediante a
expulsão dessas terras dos trabalhadores assalariados, dos agregados e dos pequenos proprietários rurais e suas famílias.
42
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
2.1 – Revolução Verde – influência externa
A estratégia internacional contemplava a realidade local de crise da agricultura tradicional. Respondia, portanto, a uma necessidade de alternativa diante do declínio da produção agrícola, nos padrões então vigentes. Em âmbito externo ocorreu em sintonia perfeita
com a expansão do capitalismo mundial e habilmente conduzido pelos grandes grupos econômicos norte-americanos (e mundiais), pela chamada “Revolução Verde”, expandindo os
seus negócios no mundo, na consolidação da nova fase do sistema capitalista a partir da 2ª
Guerra Mundial.
A 2ª Guerra Mundial constitui-se num marco importante no processo de desenvolvimento capitalista internacional, pois ao final do conflito bélico abriram-se novas perspectivas para a expansão do capital. Após a reconstrução da Europa, os países capitalistas buscaram ampliar seus investimentos e para isso os países em desenvolvimento mostravam-se
atraentes.
A “Revolução Verde”, liderada por grandes grupos econômicos, tinha como objetivo o
aumento da produção agrícola no mundo, mediante o desenvolvimento de sementes adequadas para os diferentes solos e climas e resistentes às doenças e pragas, bem como a
adoção de técnicas agrícolas mais modernas e eficientes. Essa imagem humanitária ocultava os interesses de grandes grupos econômicos, que buscavam a transnacionalização. Ela
serviu de carro-chefe para ampliar no mundo a venda de insumos agrícolas modernos: máquinas, equipamentos, implementos, fertilizantes, defensivos, pesticidas, além da
comercialização e de financiamento aos países que aderissem ao processo de modernização.
No Brasil percebe-se a presença internacional a partir de 1943, quando Nelson
Rockfeller, um dos chefes de um poderoso grupo econômico (Fundação Rockfeller), visitou o
país e fundou três empresas vinculadas ao grupo:
a Cargill, ligada principalmente à comercialização internacional de cereais e à fabricação de
ração; a Agroceres, destinada a pesquisas genéticas com o milho e a produção de sementes de
milho híbrido, e a EMA (Empreendimentos Agrícolas), voltada à fabricação de equipamentos
para a lavoura (Brum, 1988, p. 46).
O Grupo Rockfeller também melhorou a sua estrutura no país-sede, fundando em 1953,
nos EUA, o Conselho de Desenvolvimento Agrícola (ADC). O governo norte-americano passa
a cooperar com o processo de expansão da modernização da agricultura, criando a Agência
Internacional para o Desenvolvimento (Usaid). Assim, os países em desenvolvimento foram
incorporando a ideia e as corporações transnacionais ampliando o seu campo de atuação.
43
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
A partir de 1965 foi dado um novo impulso à “Revolução Verde” por meio da
internacionalização da pesquisa agrícola. Foram criados centros internacionais de pesquisa
(EUA, México, Colômbia...), o que desarticulou os centros nacionais, tanto no setor privado
como no setor público. Os patrocinadores das pesquisas agrícolas introduziram novas variedades de trigo, arroz, milho e outros produtos, subordinando os países em desenvolvimento
aos interesses das corporações transnacionais, que ficaram dependentes dessas inovações
tecnológicas.
Os grupos econômicos (Rockfeller e outros) fechavam o círculo de dominação, pois
emprestavam aos governos o dinheiro que era usado pelos agricultores para adquirir os
maquinários e insumos modernos, em sua grande maioria produzidos por suas próprias
empresas multinacionais. Além disso, controlavam a comercialização internacional dos grãos.
2.2 – O Papel do Estado
A modernização da agricultura exigiu mais investimentos no processo de produção.
Onde os agricultores vão buscar os recursos para financiar a sua modernização? Certamente não vai ser mais no vizinho! Neste sentido, o Estado desempenhou um papel decisivo,
pois forneceu crédito rural, concedeu incentivos fiscais e subsídios, investiu em pesquisa,
em extensão rural, definiu o preço mínimo e o seguro agrícola.
O governo brasileiro também assumiu a responsabilidade de efetivar a modernização
da agricultura e, para tanto, criou vários organismos para acelerar e financiar o processo,
tais como:
– associações estaduais: Associação de Crédito e Assistência Rural (Acar), em MG, e Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Ascar), no RS. Mais tarde (década de 70) o
papel dessas associações será assumido pelas Ematers (Empresas de Assistência Técnica e
Extensão Rural).
– associação nacional: Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (Abcar – Brasília),
criada em 1956.
– o SNCR (Sistema Nacional de Crédito Rural), em 1965, que proporcionou uma oferta
ilimitada de crédito para a agricultura, aliada à compra estatal e ao seguro total (Proagro).
Expandiu-se assim a produção de novas culturas, mas de outro lado subordinou-se o
agricultor à fiscalização e à assistência técnica.
44
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), criada em 1973, para a pesquisa. Para difundir as inovações tecnológicas, tivemos a Embrater (Empresa Brasileira de
Assistência Técnica e Extensão Rural) e nos Estados o papel será assumido pelas Ematers.
Para os agricultores foi fundamental o incentivo do Estado; mas à custa de que isso
aconteceu? O capital vinha de empréstimos obtidos nos grandes bancos internacionais. O
financiamento contemplava os mais diversos produtos, mas nem todas as culturas foram
beneficiadas da mesma forma.
Os investimentos financiavam o agricultor, que adquiriu máquinas e insumos, como
também as indústrias que transformavam a matéria-prima fornecida pelo campo e aquelas
que forneciam produtos para o setor. A clientela era o produtor modernizado ou modernizável.
Com terras esgotadas e a produção em declínio, o agricultor descapitalizado não teve
outra alternativa a não ser aceitar o crédito subsidiado, oferecido de forma “generosa” pelo
sistema bancário institucionalizado (principalmente o Banco do Brasil). No contexto de
modernização o agricultor necessitava de mais recursos para aumentar a sua produção,
adquirindo máquinas, implementos, insumos. Havia grande disponibilidade de recursos,
que nem sempre foram investidos na agricultura. Nesse período ocorreram muitos desvios.
Você já ouviu falar em “trigo papel”, “adubo papel”, “calcário papel”, “semente papel”?
Que tal você buscar informações sobre isso?
Tudo ia muito bem até ocorrerem os primeiros tropeços da soja, em 1978 e 1979, quando duas estiagens seguidas reduziram a colheita. A crise do capitalismo mundial atingiu a
agricultura brasileira, levando a um redirecionamento das políticas agrícolas, o que vamos
estudar na Seção 3.
2.3 – Pacote Tecnológico
O “pacote tecnológico” instituído no Brasil foi desenvolvido cientificamente nos grandes centros de pesquisa do exterior. O argumento era de que a tecnologia usada na agricultura até então estava ultrapassada, retrógrada e inadequada e deveria ser substituída por
um novo sistema “cientificamente elaborado”.
Os objetivos estratégicos da modernização eram o aumento da produção e a substituição dos antigos equipamentos por máquinas cada vez mais sofisticadas e de alto valor,
como: tratores, colheitadeiras, automotrizes, plantadeiras, ordenhadeiras mecânicas, etc.
Essas máquinas e equipamentos eram em sua grande maioria produzidos por multinacionais,
mas também por fábricas nacionais.
45
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Houve um crescimento extraordinário na mecanização, relacionado à fase áurea da
cultura da soja e às facilidades de crédito subsidiado. Alguns maquinários operavam com
30% de capacidade ociosa, insuficientemente utilizados, elevando os custos de produção.
Isso atingiu de forma intensa o pequeno proprietário, que nos anos seguintes teve grandes
dificuldades para renovar os seus equipamentos.
Outra mudança foram as inovações físico-químicas, com a incorporação dos fertilizantes industriais, agrotóxicos, produtos veterinários, etc. O sistema de rotação de culturas,
adubação orgânica e descanso de terras foi substituído pelo uso de novos insumos químicos. As inovação físico-químicas ocorreram com o uso intenso de fertilizantes, agrotóxicos e
produtos veterinários.
Além disso, por intermédio das inovações biológicas, inúmeras variedades de sementes
e de animais foram criadas e difundidas. Por exemplo, o milho híbrido, altamente produtivo
e geralmente mais precoce que as variedades comuns.
O Estado teve uma participação na produção de tecnologia por meio da Embrapa,
que concentrou seus esforços na geração de inovações biológicas – por exemplo, o milho
híbrido.
As inovações deram-se de forma impositiva e as pessoas não estavam suficientemente
preparadas para usar todo esse aparato tecnológico, ocorrendo acidentes de trabalho e envenenamentos com o uso inadequado dos agrotóxicos. E, ainda, foram causados danos ao
meio ambiente: com o desmatamento e o envenenamento das águas, muitos pássaros e
peixes desapareceram e nos rios e arroios diminuiu o fluxo de água.
2.4 – Novos Agentes – Infraestrutura
A “modernização da agricultura” contribuiu para o aumento da produção brasileira
de grãos, mas para tanto foi necessário desembolsar recursos, melhorar as rodovias, portos,
sistema de transportes, armazéns, etc., e também criar instituições que passaram a ter um
papel fundamental, como as cooperativas, os bancos, indústrias e empresas de comercialização
e outras.
Os granjeiros sentiram as primeiras dificuldades no momento do cultivo mecanizado e
em grande escala do trigo. Para resolver essas dificuldades criaram, apenas em 1957, 20
cooperativas no RS.
46
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
A expansão do trigo e da soja, com duas safras anuais na mesma área de terra, impulsionou ainda mais o moderno cooperativismo, que assumiu um caráter acentuadamente
empresarial, com atuação cada vez mais ampla, diversificada e complexa. Os gaúchos vão
abrir novas fronteiras para a produção da soja, o que é acompanhado pela organização de
cooperativas.
Além da armazenagem, comercialização e transporte da produção, as cooperativas
criaram, também, uma estrutura comercial para fornecimento de insumos para a lavoura e
de consumo em geral, por meio de supermercados. Instalaram também indústrias de esmagamento de grãos (soja), produzindo óleo, farelo, rações, e intermediaram os financiamentos agrícolas oficiais (repasses). Algumas chegaram a prestar serviços nas áreas da saúde e
da educação. Como consequência temos a inviabilização das casas comerciais, vendas ou
“bolichos”, pois as cooperativas assumiram o seu papel. Assim como o agricultor, as cooperativas também foram atingidas pela crise de 1980.
– Seção 3 –
A Agricultura no Mundo Globalizado
Nesta Unidade em que vamos continuar estudando a agricultura brasileira foram feitos três recortes. O primeiro foi o modelo primário exportador e a economia de subsistência.
O segundo tratou da modernização da agricultura, o que aconteceu entre 1940 e 1980.
Agora passamos para o terceiro recorte: a agricultura pós-1980.
O capitalismo transformou a estrutura fundiária brasileira, os processos de produção e o
mundo rural, ficando difícil pensar em termos de uma sociedade agrária; o correto é pensar em
uma sociedade brasileira. O processo de mudanças se renova e continua em andamento, como
referimos na seção anterior. Atualmente a agricultura está fortemente marcada pela globalização.
O processo de modernização decorrente do capitalismo foi heterogêneo, excludente e
parcial, pois se concentrou em algumas regiões, como o Sul, o Sudeste e o Centro-Oeste,
que se voltaram principalmente à exportação. Já as regiões Norte e Nordeste ficaram à
margem do processo. O fato é que assim como não visava à inclusão de todas as pessoas,
esse processo também não buscou a inserção de todas as regiões e essa realidade tende a ser
agravada ainda mais no mundo globalizado.
47
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Os avanços da tecnologia da informação estão cada vez mais presentes no campo,
principalmente para o grande proprietário. O agricultor consegue monitorar a sua fazenda
e obter com isso mais produtividade. É possível identificar o momento exato de plantar,
colher e identificar focos de pragas.
3.1 – A Crise e sua Superação
No início da década de 80 a grande maioria da população brasileira vivia nos centros
urbanos. De um lado isso foi necessário para garantir a mão de obra para a indústria; de
outro, impôs enormes desafios para o setor agrícola, pois alguém tinha de produzir para
alimentar essa população, uma vez que o mercado estava crescendo. Pelo tamanho do território e pela disponibilidade de terras cultiváveis, o Brasil é vocacionado a ser um grande
país agrícola, atendendo às necessidades de sua população e também contribuindo, expressivamente, para a alimentação da população mundial.
A agricultura é uma atividade fundamental na vida de um país. Ela fornece a base da
alimentação da população e matéria-prima para as indústrias. Analisando sob essa perspectiva é possível entender por que alguns países dão elevados incentivos para esse setor.
Até o final da década de 70 o Brasil fazia o mesmo, porém naquele período aconteceram mudanças no setor agrícola brasileiro que foram reflexos da crise do capitalismo. As
duas últimas décadas do século 20 foram marcadas principalmente pelas crises do petróleo
(1973 e 1979), o combustível básico que movimenta o mundo. Na primeira os preços quadruplicaram (de US$ 3 para US$ 12 por barril) e na segunda dobraram (US$ 16 para mais de
US$ 30 por barril). Isso levou a um aumento nos custos de produção, pois o petróleo era o
combustível básico que movia os maquinários introduzidos com a Modernização. E, mais,
criou problemas na balança comercial, pois importávamos cerca de 50% desse combustível.
A década de 80 também foi marcada pela crise da dívida externa dos países emergentes
e dos subdesenvolvidos. Diante do forte endividamento da maioria desses países e do processo recessivo generalizado, os grandes bancos internacionais, que antes emprestavam dinheiro com facilidade, suspenderam o crédito e elevaram as taxas de juros, o que pôs o
Brasil numa situação de sufoco.
Em razão da suspensão dos créditos externos o governo brasileiro não teve mais condições de financiar a agricultura como fizera nas décadas anteriores. Devido à crise do capitalismo, a economia brasileira foi reestruturada e ajustada ao mercado internacional. Retiraram-se progressiva e rapidamente os subsídios ao crédito, colocando o agricultor e a agri48
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
cultura no livre-jogo do mercado – era o neoliberalismo. O Fundo Monetário Internacional
propôs programas de ajuste que visavam a combater o déficit público, o que impediu o Tesouro Nacional, via Banco do Brasil, de continuar financiando a agricultura por meio de
subsídios. E, mais, a elevação dos preços dos maquinários e dos insumos, que aumentou os
custos de produção, e a retração do mercado interno devido ao arrocho salarial, trouxeram
sérios problemas para o agricultor.
A crise teve reflexos imediatos na agricultura brasileira, levando os agricultores e as
cooperativas a se defrontarem com sérias dificuldades. Isso vamos aprofundar nas duas
subseções a seguir.
3.1.1 – Realidade dos Agricultores e Cooperativas
A manifestação dos sojicultores ocorrida no início de 1980, o chamado “protesto da
soja”, quando colocaram os seus maquinários na rua e em frente às agências do Banco do
Brasil, reflete a insatisfação dos agricultores diante das políticas agrícolas. Naquele momento
o inimigo declarado era o governo (Delfim Netto – ministro do Planejamento), devido à instituição de um confisco sobre a exportação de soja. As dificuldades não se limitavam apenas a
isso, pois era preciso repensar o binômio trigo-soja, sustentado pelos subsídios estatais e pela
conjuntura desfavorável do mercado internacional. Essas manifestações vão continuar nos
anos seguintes, pois a agricultura sofre por questões climáticas e de preço até os dias atuais.
No início da década de 80 tanto os produtores rurais quanto as suas cooperativas
estavam com sérios problemas – ou seja, endividados. O governo estabeleceu uma política
de renegociação das dívidas dos agricultores, mas não teve como verificar quem aplicou e
quem não aplicou os recursos na produção. Alguns utilizaram os recursos oficiais de forma
inadequada, mas também foram beneficiados. A partir de 1996 tivemos programas que visaram a dar um novo fôlego para o agricultor, como a securitização das dívidas até R$ 200 mil
e o Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa) para as dívidas acima de R$ 200 mil.
Parecia uma boa alternativa, mas alguns, mesmo assim, não conseguiram honrar os seus
compromissos. Os pequenos agricultores e assentados também receberam apoio do governo, e pelo Pronaf tiveram tratamento diferenciado.
Nesse contexto de reestruturação também as cooperativas foram beneficiadas por um
programa de financiamentos. Em 1998 foi criado o Programa de Revitalização das Cooperativas de Produção Agropecuária (Recoop), que objetivou reestruturar, modernizar e capitalizar essas instituições. A imagem das cooperativas que tiveram problemas com seus administradores ficou desgastada perante a opinião pública, problema que demorou um pouco
mais a ser sanado.
49
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
3.1.2 – Os Recursos para a Agricultura
O Estado brasileiro não teve mais as mesmas condições de apoiar a agricultura como
o fez no passado, particularmente no início da “Modernização Conservadora da Agricultura” (1940-1980), e um dos motivos é que atualmente se produz muito mais do que naqueles
anos. A ação pública, hoje, se faz presente por meio da pesquisa, da assistência técnica, da
fiscalização e do crédito a juros módicos.
Um passo importante para dar um novo fôlego à agricultura foi a renegociação das
dívidas dos produtores rurais e suas cooperativas, o que foi concluído em 2001. Mesmo que
o governo não esteja dando o mesmo apoio ao setor agrícola, hoje os agricultores podem
buscar os recursos em cooperativas e empresas de comercialização. Nestes casos, o produtor
rural vincula sua produção, comprometendo-se a entregar, por ocasião da colheita, a parcela da safra correspondente ao valor do financiamento dos insumos adquiridos para efetivar
o plantio e proteger a lavoura.
Os reflexos negativos da crise do setor rural se estenderam para a sociedade, principalmente aquelas dependentes das safras agrícolas. Em algumas regiões circulou um menor
volume de dinheiro, marcadamente em municípios menores, com base econômica na pequena propriedade rural, quase inviabilizada. Também os setores que integram o complexo
agroindustrial, sobretudo as indústrias de máquinas, implementos e insumos, foram atingidos pela retração da demanda, agravando o quadro social com o aumento do desemprego.
O comércio, igualmente, experimentou anos de dificuldades e relativa retração nos negócios.
De certo modo e até certo ponto, também enfrentaram retração as agências financeiras
estabelecidas nessas praças.
3.2 – A Modernização da Agricultura Continua
Os avanços introduzidos com a modernização da agricultura iniciada em 1950 continuam. Prova disso é que entre 1990 e 2004 a área plantada com grãos aumentou 24% e a
produção teve um crescimento de 108%. Isso foi possível devido à incorporação de máquinas sofisticadas e novas técnicas de produção, que contribuíram para a redução do desperdício e para o aumento da produtividade. Até na pecuária podemos constatar o reflexo da
modernização, pois reduziu-se pela metade o tempo de abate do gado bovino e aumentou
significativamente a capacidade de produção das vacas de leite, além de ter diminuído de 60
para 42 dias o tempo de abate dos frangos.
50
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Esses fatos exigem um novo perfil de produtores, principalmente com novos conhecimentos na produção, na gestão e na
informação de mercado. Como garantir isso ao agricultor? Nem
todos conseguiram incorporar a tecnologia, pois ela foi mais adequada principalmente às grandes (e médias) propriedades.
Quantas mudanças provocadas pelo avanço da tecnologia!
Estaria mesmo acontecendo a segunda Revolução Verde, conforme defendem Brum e Trennepohl (2004, p. 68)? A segunda “Revolução Verde”, agora em curso, caracteriza-se pela possibilidade de criar e produzir novos produtos, com base em inovações
tecnológicas, fruto da Engenharia Genética, que permite
redesenhar organismos animais e vegetais e colocá-los à disposição da agricultura e da sociedade.
Segundo esses autores (2004, p. 69) o cientista e agrônomo
norte-americano Norman Ernest Borlaug explica que sem o avanço tecnológico precisaríamos de 1 bilhão de hectares para atingir
a quantidade da produção atual – o que seria impossível. E acrescenta que o futuro das novas gerações depende da biotecnologia.
Além dos investimentos em biotecnologia está ocorrendo
uma interação entre indústria farmacêutica e química, dando
origem a uma nova indústria, que vem sendo chamada de
biociências. Nesse sentido, pesquisas já em curso, realizadas por
grandes grupos econômicos, buscam criar organismos genetica-
Transgênicos
Transgênicos (transgénicos em
Portugal) são organismos que,
mediante técnicas de Engenharia Genética, contenham
material genético de outros
organismos. A geração de
transgênicos visa a um artigo
transgênico biológico e a
obtenção de organismos com
características novas ou
melhoradas relativamente ao
organismo original. Resultados
na área de transgenia já são
alcançados desde a década de
70, na qual foi desenvolvida a
técnica do DNA recombinante.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Transg%C3%AAnicos>
OGMs
OGMs é a sigla de Organismos
Geneticamente Modificados.
São organismos manipulados
geneticamente, de modo a
favorecer características
desejadas pelo homem. OGMs
possuem alteração em
trecho(s) do genoma realizadas por meio da tecnologia
do DNA recombinante ou
Engenharia Genética.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Organismo_geneticamente
_modificado>
mente modificados (transgênicos) que tenham, também, qualidade nutricional superior aos até agora produzidos com o emprego de insumos químicos, inclusive prevenindo doenças.
A biotecnologia trata da tecnologia da vida, em que produtos sofrem alterações genéticas a partir da interferência do homem. Esses processos são realizados em laboratórios e objetivam
alterar a estrutura dos seres vivos e das plantas, tornando-os mais
resistentes. Isso significa um rompimento das formas tradicionais
de reprodução dos seres vivos, pois será possível a partir desse
momento a transferência de genes de plantas para animais e viceversa. Todo transgênico é um OGM, mas nem todo OGM é um
transgênico. Se o organismo-alvo for modificado geneticamente
51
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
por um ou mais genes provenientes de um organismo de uma mesma espécie do organismoalvo, este é considerado um OGM e não um transgênico. É o caso do tomate longa vida
(Brum; Trennepohl, 2004, p. 72).
A lógica de produção dos transgênicos não é diferente da dos métodos tradicionais de
hibridização, que cruzavam variedades de um mesmo produto buscando ganhar qualidade.
Já os transgênicos misturam seres completamente diferentes, como plantas, bactérias e vírus, dos quais é retirado um gene para desenvolver essa ou aquela qualidade. A soja
transgênica, patenteada pela Monsanto, por exemplo, recebeu um gene retirado de uma
bactéria, que confere à planta resistência a um dos herbicidas mais usados (glifosato).
Na sociedade vamos encontrar pessoas que são a favor e outras que são contra os
transgênicos. Os primeiros argumentam que há redução dos custos de produção, os outros
alegam que eles prejudicam o homem e o meio ambiente. A dúvida continua, restando ao consumidor exercer o direito de escolher entre os produtos orgânicos, convencionais e transgênicos.
Se houver a concretização do que é proposto por esses avanços da biotecnologia, tanto os produtores quanto os consumidores poderão ser beneficiados, pois isso contribuirá
para o avanço nutricional de vegetais e para o combate a doenças infecciosas. Cabe lembrar, porém, que a manipulação equivocada dos genes pode trazer riscos tanto para o meio
ambiente como para a saúde humana. Torna-se, portanto, indispensável o acompanhamento e a fiscalização de todos esses produtos e compete a todos, especialmente aos governos,
exercer criteriosa vigilância.
3.3 – Agronegócio
O agronegócio ou complexo agroindustrial é o setor mais dinâmico da economia brasileira. Ele é constituído por atividades econômicas que integram a agricultura, a indústria,
o comércio e o setor financeiro. Esse processo foi intensificado com a modernização da
agricultura, pois era necessário produzir/fornecer produtos necessários para a agricultura e
vice-versa. Nesse setor o Estado também assumiu um papel fundamental.
O agronegócio está voltado prioritariamente para os interesses da grande propriedade,
em boa medida àquela que consegue incorporar os avanços tecnológicos, muitos deles importados, e que se volta principalmente para a exportação. Nesse propósito é importante
ampliar o mercado consumidor desses produtos. A China, por exemplo, será por um bom
tempo o destino dos produtos brasileiros, pois a metade da população daquele país ainda
não está incluída no consumo.
52
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Os destinos das exportações brasileiras estão voltadas para a Ásia e a União Europeia,
que em 2009 absorveram quase 60% do total. Claro, os principais mercados, se os considerarmos individualmente, são a China, os EUA, Rússia e Alemanha (Mercadante, 2010, p.
169).
O Brasil já é uma potência mundial na agropecuária. em 2007 contava com o maior
rebanho comercial do mundo, a maior produção de laranja, de café e de cana-de-açúcar,
possui a segunda maior produção de soja e a terceira de milho. E, mais, temos a possibilidade em ultrapassar os Estados Unidos na produção de soja. Os EUA são hoje o maior produtor agrícola do mundo, mas já esgotou a sua fronteira agrícola, enquanto o Brasil tem ainda
uma grande área disponível a ser ocupada na produção.
Nesse sentido, o agronegócio brasileiro mostra-se com forte competitividade internacional, basicamente devido ao progresso técnico e à observância das exigências sanitárias impostas pelo mercado externo. Isso requer a identificação e rotulagem dos produtos
agropecuários, de modo a possibilitar o rastreamento e a comprovação de sua origem.
Além do país ser um grande produtor de alimentos, ele tem se destacado em produção
e fornecimento de agroenergia. “Atualmente o país dispõe de 46 usinas de biodiesel, 417
usinas sucroalcooleiras, e o principal desafio para o futuro é desenvolver novas tecnologias
para consolidar a posição brasileira de principal produtor e exportador de agroenergia.” A
ampliação da produção de etanol não levou à diminuição na produção de alimentos. Entre
2002 e 2008 a produção saltou “de 362,4 milhões para 571,4 milhões de toneladas. No
mesmo período, a área dedicada à produção de grãos, cereais e oleginosas passou de 43,9
milhões para 47,8 milhões de ha, ...” (Mercadante, 2010, p. 171).
Em quantidade o Brasil aumentou as suas exportações, mas precisamos exportar
qualidade, ou seja, colocar produtos com maior valor agregado no mercado, pois é isso
que vai melhorar o nosso saldo na balança comercial e gerar certo dinamismo na economia interna, gerando até mais emprego. Para tanto é necessário fazer uma análise dos
diversos produtos, das possibilidade e viabilidade. Certamente, transformar a soja (farelo,
por exemplo. O que significaria ter de exportar farelo?) não vai trazer muitos ganhos, mas
temos várias alternativas.
Ao analisar a balança comercial do agronegócio, constatamos que o Brasil é dependente do exterior no que se refere aos fatores de produção, como fertilizantes, máquinas e
implementos e defensivos, e superavitário nos demais setores, ou seja, nos produtos da
agropecuária e da agroindústria.
53
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Além disso, a agricultura tem alguns “gargalos” que dificultam a sua eficiência e sua
competitividade, sendo necessário investir em rodovias, portos e silos. A expectativa é de
que o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) contribua para reverter essa situação.
Outro fator que tem trazido dificuldades ao agronegócio, especialmente às exportações, é a política de subsídios praticada nos EUA, Europa e Japão. Os EUA se colocam
como os principais produtores de alimentos no mundo, dominando o setor e usando a
agropecuária como arma perante as demais nações. Temos como exemplos os embargos
contra a ex-URSS e o Iraque, quando trocavam petróleo por alimentos.
A situação dos produtores europeus é um pouco diferente. A maioria faz parte de uma agricultura familiar, com pequenas e médias extensões de terra. Como eles tiveram sérios problemas com a
falta de alimentos durante as duas grandes guerras mundiais do século 20, não desejam mais depender dos alimentos externos e buscam a sua autossuficiência, mesmo a um alto custo.
No Japão, o setor primário também é subsidiado. Esta é uma necessidade, pois o país
é um arquipélago vulcânico com poucas áreas agricultáveis. Além disso, após diversas guerras e penúrias alimentares, os japoneses não aceitam mais viver na dependência total dos
alimentos estrangeiros, o que levou o governo a subsidiar a agricultura local.
Assim, várias questões emergem: 1) É possível avançar no processo de abertura econômica?; 2) O Brasil pode alcançar a redução das alíquotas ao menos em setores específicos?;
3) Como o Brasil pode defender os seus interesses?; 4) O que é preciso fazer?; 5) Que inserção interessa? O Brasil deve subsidiar a agricultura?
O fato incontestável é que os países desenvolvidos investem pesado na agricultura. A
União Europeia terminou a década passada investindo entre 80 e 90 bilhões de dólares
anuais em subsídios ao seu setor primário. Os EUA desponibilizaram entre 25 e 30 bilhões
de dólares. No Japão ficou entre 40 e 50 bilhões de dólares. E no Brasil?
Isso explica por que o governo brasileiro tem insistido em manter o setor primário no
centro das negociações internacionais. O objetivo é buscar junto aos países emergentes e
desenvolvidos um recuo em seu protecionismo.
3.4 – A Especialização
É crescente o número de pessoas vivendo nos centros urbanos, e alguém precisa se
especializar na produção dos mais diversos produtos para atender a essa demanda. Nesse
sentido, várias agroindústrias surgiram para atender esse mercado, até mesmo cooperativas.
54
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
As agroindústrias tiveram um papel fundamental na transformação dos mais diversos produtos. Certamente algumas você
conhece, como a Souza Cruz, a Avipal, a Parmalat, a Sadia, a
Perdigão e outras. A produção integrada proporcionada por esses grupos levou à ampliação da produção com a participação de
Diversificação
Independentemente de ela ser
promovida pelas cooperativas
ou pela agroindústria, tem
como objetivo a reprodução do
capital (Brum; Trennepohl,
2004, p. 42).
um maior número de agricultores. As cooperativas também desempenharam um papel de importância por meio da instalação
de suas fábricas de óleo de soja e rações e, mais tarde, de
lacticínios. No RS um bom exemplo é o da Cooperativa Central
Gaúcha de Leite Ltda. (CCGL).
A CCGL vendeu, em 1998, seu
parque industrial e a marca (Elegê)
para a Avipal, comprometendo-se
a não operar no mercado do leite
por 10 anos. Vencido o prazo, a
CCGL voltou a operar com uma
unidade de fabricação de leite em
pó, em Cruz Alta.
O Brasil, em razão do clima, tem possibilidade de produzir
os mais diversos produtos, o que pode ser ampliado com a produção de sementes adequadas a cada clima e solo.
Além dos produtos tradicionais, outros vêm sendo incorporados à produção agrícola brasileira e alguns produtos antes des-
Fruticultura
O Brasil é o terceiro produtor
do mundo de frutas frescas –
depois da China e da Índia.
Seria reflexo da preocupação
com a “alimentação saudável”?
tinados à subsistência são cultivados empresarialmente, visando
o mercado tanto interno quanto externo. A seguir algumas possibilidades de diversificação:
– as frutas frescas – manga, uva, mamão, maçã, melão, banana
e laranja;
Reflorestamento/
florestamento
Com fins comerciais, ligado a
grupos industriais, está
acontecendo na Metade Sul do
RS. Isto está ocorrendo no teu
município?
– a floricultura – alta lucratividade;
Etanol
– a piscicultura – aumento da presença de peixe na dieta alimentar e os “pesque-pague”;
– o turismo no meio rural – hotéis-fazenda;
– a pecuária – maiores rebanhos do mundo;
– o reflorestamento/florestamento – ligado a grupos industriais
– Ex.: Votorantin Celulose e Papel (VCP).
Etanol – No início de 2007, durante o governo Lula, o presidente Bush visitou o Brasil. As discussões durante o encontro
giraram em torno da substituição da gasolina por etanol, o que
proporcionaria o consumo ecologicamente limpo. O Brasil se tornaria o mega-abastecedor do consumo automotivo norte-ameri-
O etanol (CH3CH2OH), também
chamado de álcool etílico, é
uma substância obtida da
fermentação de açúcares,
encontrada em bebidas como
cerveja, vinho e aguardente, bem
como na indústria de perfumaria.
No Brasil tal substância é também
muito utilizada como combustível
de motores de explosão,
constituindo assim um mercado
em ascensão para um combustível obtido de maneira renovável e
o estabelecimento de uma
indústria de química de base,
sustentada na utilização de
biomassa de origem agrícola e
renovável.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Etanol>
55
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
cano e europeu. Estaria nosso país preparado para a produção especializada e em grande
escala de álcool? Esse projeto vem em benefício de quem? Garante a inclusão de todos? São
questões para se refletir e debater.
Biodiesel – tem se colocado como alternativa para o setor agrícola brasileiro. Para
converter o óleo vegetal de soja, canola e girassol, bem como gordura animal em Biodiesel,
a tecnologia global e projeto é 100% brasileiro. Por exemplo, em novembro de 2010 foi inaugurada em Ijuí a filial da “Camera S.A.”, cuja matriz fica em Santa Rosa, atuando no setor
do agronegócio desde 1971. A transformação respeita os padrões de qualidade e segurança
operacional especificados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), Gás Natural e
Biocombustíveis.
As diversas culturas citadas anteriormente requerem investimentos em tecnologia,
agricultores com conhecimentos técnicos, gerenciais e mercadológicos, além da boa qualidade e bons preços dos produtos. Esses produtos têm perspectiva de expansão, pois, além do
crescimento do mercado interno, aumenta a demanda no mercado internacional, desde que
os produtos atendam a algumas exigências.
– Seção 4 –
Problemas, Desafios e Possibilidades
Chegamos à última seção dessa Unidade, na qual estudamos a formação e o desenvolvimento da agricultura. Nas últimas décadas o setor agrícola avançou, mas ainda temos
alguns problemas e desafios do setor. As subseções a seguir vão destacar e analisar a questão agrária, o problema ambiental, a viabilidade para a agricultura familiar e, por fim, a
extensão territorial como um potencial agrícola.
4.1 – A Questão Agrária
No que diz respeito à posse e divisão da terra no início do século 21, temos de um lado
uma minoria de grandes proprietários e, de outro, uma maioria de pequenos produtores.
Com exceção das áreas colonizadas por imigrantes europeus e seus descendentes, depois da
Independência (1822), e por imigrantes asiáticos (japoneses), a partir de 1908, e das roças
56
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
de pouca expressão voltadas à produção para a subsistência, em que se instituiu a pequena
propriedade rural, a base da ocupação do amplo espaço territorial brasileiro foi a grande
propriedade fundiária. A necessidade de ocupar o imenso território, aliada à ambição de
grandes senhores, consolidou o latifúndio no Brasil e o poder da oligarquia agrária, em
torno de cujos interesses atuava o setor público.
O que é, no entanto, a reforma agrária? Segundo Brum e Trennepohl (2004, p. 46), é
uma intervenção deliberada do Estado nas bases do setor agrícola para a modificação da
estrutura agrária de um país, ou região, com vistas a uma distribuição mais equitativa da
terra e da renda agrícola. É uma opção governamental, uma decisão política e planejada
para orientar o desenvolvimento de acordo com determinada linha de pensamento. Ao modificar a propriedade da terra, a reforma agrária tem o poder de mudar as relações de forças
entre as classes sociais.
A reforma agrária não é uma questão de hoje. Ela perpassa toda a história do Brasil,
principalmente a partir da emancipação política. Várias tentativas foram feitas para reformar a estrutura fundiária no país, mas tiveram poucos resultados efetivos, pois oportunidades históricas não foram aproveitadas. Elas ocorreram durante o governo de Getúlio Vargas
(anos 50), de João Goulart (anos 60) e durante o governo dos militares. Nesses períodos
surgiram movimentos de rebeldia locais e regionais, que revelaram as profundas desigualdades sociais e as aspirações de melhoria de vida das populações marginalizadas, porém foram
facilmente esmagados em nome da ordem vigente.
Em 1980, num contexto de abertura política, surgiu o Movimento dos Trabalhadores
Rurais sem Terra (MST), que se articulou nacionalmente e por vários anos teve a simpatia e
o apoio de parcela significativa da população, o que lhe aumentou a força. A imagem do
Movimento, porém, foi se desgastando devido à radicalização das posições, ao escasso sucesso de parte dos assentamentos e acusações de desvio ou uso indevido de recursos públicos e de créditos subsidiados, amplamente divulgados na mídia.
Na segunda metade da década de 90 foi elaborado um programa de reforma agrária
que assentou várias famílias e teve o apoio do governo, mas os resultados dessa ação são
considerados tímidos.
Alguns desses assentamentos vivenciam sérios problemas, pois muitas famílias ainda
não conseguiram superar o estágio da agricultura de subsistência e dependem de cestas
básicas fornecidas pelo governo. Acrescente-se que alguns lotes não estariam sendo cultivados pelos beneficiados, pois teriam sido vendidos, arrendados ou abandonados. Obviamente
esses argumentos são usados por aqueles que são contra a reforma agrária.
57
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Já os assentamentos que prosperaram trouxeram benefícios para a sociedade, tais como
o aumento do poder de compra das famílias, a ativação do comércio local, a melhoria da
alimentação, o fortalecimento dos laços familiares, a qualificação da organização política e
a geração de postos de trabalho – entre outros.
Para concretizar, verdadeiramente, a reforma agrária, seria necessário melhorar as condições nos assentamentos, o que significa que, além do acesso à terra, é preciso garantir e
assegurar crédito, assistência técnica, apoio à comercialização, investimentos em
infraestrutura e na preservação ambiental, além de proporcionar a assistência médica, o
acesso à educação, o saneamento, a habitação e a alimentação. Os agricultores precisariam
ser qualificados para não continuarem a organizar e gerenciar a propriedade como seus
avós faziam, posto que estamos vivendo num outro contexto, muito mais exigente.
A realidade no Brasil de hoje não é a mesma de 1950. De lá para cá muita coisa mudou. O duro e desgastante trabalho manual de então e a tração animal (boi e cavalo) foram
em geral substituídos por máquinas e equipamentos cada vez mais sofisticados, velozes e
eficientes, aumentando dezenas ou centenas de vezes a capacidade de trabalho e produção.
Não se pode ignorar que a agropecuária brasileira passou por profundas transformações
nos últimos 30, 40 anos, inclusive pela pressão e temor provocados pela ação do Movimento
dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e outros movimentos sociais que lutam pela reforma agrária. Em decorrência dessa pressão e do medo de invasões ou desapropriações,
parcela expressiva dos então latifúndios improdutivos, mantidos como reserva de valor, foram transformados em modernas empresas rurais e grandes propriedades passaram a conquistar crescentes índices de produtividade.
O agronegócio avançou e adquiriu importância na balança comercial brasileira e na
geração de empregos. Por sua vez, esses avanços contribuíram significativamente para tornar
a agropecuária brasileira uma das mais competitivas do mundo. Assim, o processo de “Modernização Conservadora da Agricultura” (sem reforma agrária) resolveu o problema econômico,
pois ocorreu um aumento significativo da produção (de alimentos e matérias-primas).
De forma contraditória, o problema da fome é uma realidade que afeta milhões de
brasileiros, mas não é consequência de falta de produção. Esse problema contribuiu para o
surgimento de vários movimentos sociais: os dos sem-terra – MST, os sem-comida, os semteto, os sem-emprego, os sem-escola, os sem-atenção-à-saúde. Promover a inclusão dessas
pessoas se faz urgente para diminuir a pobreza, evitando problemas como a insegurança, a
violência e outros, pois tais mazelas têm um preço para a sociedade. As novas tecnologias
estão excluindo ainda mais os trabalhadores dessa classe social, pois muitos não estão preparados para garantir a sua colocação no mercado de trabalho.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
4.2 – Problema Ambiental
Como você acompanhou ao longo desta Unidade, a modernização da agricultura deuse de forma desordenada, trazendo sérios problemas para o meio ambiente e para o agricultor, que teve sua saúde prejudicada e o meio ambiente poluído por resíduos e embalagens
que levam anos, décadas ou séculos para se decomporem. Os agrotóxicos aplicados em
doses exageradas contribuíram para o desequilíbrio do agroecossistema com o surgimento
de novas espécies de pragas devido à extinção de inimigos naturais.
Hoje os agricultores, diante de algumas exigências colocadas pelo poder político, estão mais conscientes e adotam algumas medidas que podem melhorar a sua vida e a de seus
descendentes. O Brasil está sendo considerado líder no ranking mundial em recolhimento de
embalagens vazias de agrotóxicos. Para isso contribuiu o Instituto Nacional de Embalagens Vazias (Inpev). Os Estados com maior índice de recolhimento são Bahia, Paraná, São
Paulo, Mato Grosso, Maranhão e Rio Grande do Sul. Segundo o Inpev, o índice de retirada
de embalagens vazias de agrotóxicos do meio ambiente é de 50% do total comercializado no
Brasil, enquanto nos EUA é de cerca de 25%.
A responsabilidade pelo recolhimento das embalagens ficou com as empresas que vendem ou venderam os agrotóxicos, com os produtores rurais e com as indústrias fabricantes.
A empresa que vende o produto tem um ano para recolher os vasilhames na propriedade e o
agricultor recebe um comprovante que atesta a entrega das embalagens. Em Ijuí, por exemplo, o que é coletado é encaminhado para uma empresa de reciclagem em Passo Fundo.
A poluição gerada pelos agrotóxicos não foi o único problema criado. O não aproveitamento agrícola de algumas áreas era visto como um desperdício, o que levou à eliminação
de muitos banhados, que cumpriam uma função ecológica. Seu papel era fundamental na
preservação da flora, dos rios e dos lagos, mantendo os níveis de água de pequenos riachos
em períodos de seca.
Como consequência o Brasil viveu (e ainda vive) um processo de devastação ecológica. Entre as causas citam-se: o desmatamento, a mineração, os cultivos intensivos, a criação de animais sem planejamento correto e a irrigação inadequada do solo. Estudo realizado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) de Petrolina – PE, por exemplo, revela que ocorre um processo extremamente preocupante de degradação ambiental no
semiárido nordestino: cerca de 12% dos solos da região (ou 20 milhões de hectares). A
desertificação ocorre devido à degradação ambiental, ao uso intensivo da terra em áreas de
solos férteis (empobrecimento acompanhado de erosão) e ao acelerado processo de derrubada da caatinga para plantar pastagens (Brum; Trennepohl, 2004, p. 90).
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
A degradação ambiental também ocorreu em áreas de colonização por imigrantes europeus, em fins do século 19 e no século 20, no Rio Grande do Sul. Este Estado também
sofre com o processo de desertificação (arenização), o que vem ocorrendo na região de Alegrete, na zona da Campanha gaúcha.
A partir dos anos 90 o Brasil tem alcançado alguns progressos, como controle de queimadas, reflorestamento e exploração sustentada, pois é possível retirar, por exemplo, madeira da mata sem destruir o ambiente, desde que as árvores jovens sejam preservadas para
exploração futura.
Essa conscientização aponta para a necessidade do estabelecimento de um novo padrão produtivo, portanto rejeita o desenvolvimento predatório, que agride o meio ambiente
e não tem compromisso com o social, visando somente a resultados econômicos. Essa agricultura sustentável tem como fundamento o respeito ao homem e à natureza.
Como mudar essa realidade se alguns países estão preocupados apenas com o fator
econômico? As emissões de carbono, grande responsável pelas mudanças climáticas e pelo
aquecimento global, cresceram 10%. Nos EUA, que não assinaram o Protocolo de Kyoto,
essas emissões deram um salto de 18%. Estados Unidos, os países da União Europeia e a
Rússia lançaram na atmosfera 382 bilhões de toneladas de dióxido de carbono nos últimos
50 anos, quantidade superior às emissões de todos os demais países (um exemplo comparativo: EUA: 186,1 bilhões de toneladas; Brasil: 6,6 bilhões de toneladas) (Salgado, 2001).
No Brasil, por exemplo, para o campo foi retomado o Código Florestal elaborado no
dia 15 de setembro de 1965, em que o desmatamento ainda não era tão intenso como o do
contexto atual, mas torna-se cada vez mais necessário pensar ações que amenizem o problema ambiental. Esta Lei levou a um amplo debate na sociedade, mas chegamos em dezembro de 2010 sem aprovação no Congresso.
Para tanto, foi encaminhado pelo deputado federal Aldo Rebelo o projeto que modifica
o Código Florestal brasileiro. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
está pressionando para que a votação ocorra. De outro lado, colocam que o governo Lula
teria uma proposta que estaria atendendo parte do que os ambientalista e produtores estão
reivindicando. Ao que tudo indica isso será um desafio para o próximo governo, pois a lei
em vigor não atende à realidade atual.
Se persistirem os padrões atuais de produção, consumo e desperdício, o planeta Terra
terá dificuldades para fornecer em abundância todos os recursos naturais que os seres humanos necessitam. Para corrigir esse rumo é necessário avançar na conscientização de todos os segmentos da sociedade. E, mesmo sendo um processo lento, é imperioso caminhar
decididamente nessa direção.
60
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
4.3 – Agricultura Familiar
Falar de agricultura familiar nos remete à produção levada a efeito em pequenas propriedades. Em número de estabelecimentos agrícolas ela é a mais expressiva, pois garante o
sustento da família, distribui renda e gera postos de trabalho, sendo de grande importância
para um país como o Brasil, que precisa incluir pessoas.
O que é agricultura familiar? Hoje, a definição de agricultura familiar está vinculada
ao número de empregados e ao tamanho da propriedade. O Ministério da Agricultura, para
encaminhar o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), considerou como agricultores familiares aqueles que têm até dois empregados e área inferior a
quatro módulos. O tamanho destes varia de região para região. Na região de Ijuí/RS, por
exemplo, a área de um módulo rural é de 20 hectares.
A agricultura familiar busca a sua viabilização. Para tanto precisa produzir um produto que garante uma renda anual, mas é interessante ter um segundo ou até mesmo um
terceiro produto que possibilite uma renda mensal. Ela caminhou na perspectiva da diversificação, que não pode ser confundida com a antiga policultura. Com a intensificação da
urbanização os produtores rurais precisavam produzir para atender a esse mercado em crescimento. Hoje não é necessário produzir tudo o que se necessita no campo, mas deve-se
buscar a especialização, e o que for produzido precisa ser de boa qualidade e ter bom preço.
A tendência é buscar seu espaço no mercado, que é competitivo e exigente.
O setor rural gera menos renda que o industrial e o de serviços. Em média, o ganho do
trabalhador rural é menor que o do trabalhador urbano, como também daquele que está na
informalidade, sendo esta a realidade de quase todos os países, inclusive daqueles considerados desenvolvidos.
A produção realizada nas pequenas propriedades pode visar tanto ao mercado externo
quanto ao interno. Esses novos espaços, entretanto, impõem ao agricultor novas e rigorosas
exigências, tanto tecnológicas quanto gerenciais, objetivando um produto de qualidade e
com bom preço.
A agricultura familiar tem importante papel a desempenhar na sociedade, mas precisa
se organizar nessa nova lógica de reprodução do capital. Ela necessita da presença constante do Estado, que pode contribuir de várias formas:
– financiando de forma subsidiada a produção. O Pronaf é uma alternativa interessante
para viabilizar essa forma de produção.
61
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– qualificando o trabalho do agricultor. Hoje há em cada Estado uma Emater – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural –, que busca auxiliar os agricultores tanto na elaboração de
projetos quanto na assistência técnica, pois faz extensão rural. Será que isso é suficiente?
– avançando as pesquisas. Para tanto a Embrapa tem um papel fundamental.
– garantindo acesso à terra. O Banco da Terra pode garantir a permanência dos jovens
agricultores no campo. Hoje muitas famílias não sabem se algum dos filhos vai dar continuidade às atividades. Esse programa pode contribuir com a questão agrária e com o
novo processo de reforma agrária, pois é necessário encontrar alternativas para manter
essas pessoas no campo. Não adianta pensar em reforma agrária se não houver preocupação com aquelas pessoas que ainda estão na lida do campo. O programa garante os recursos financeiros para a aquisição da terra, mas precisa também prever recursos para a
infraestrutura e a capacitação dos proprietários.
Os pequenos proprietários são em número significativo, portanto constituem um potencial em mercado consumidor. Além de produzirem eles consomem os mais diversos produtos. Por exemplo, segundo o último censo agropecuário do IBGE (1995/1996), dos 800
mil tratores adquiridos por agricultores no Brasil, 320 mil estavam em propriedades com
menos de 50 hectares. Quanto mais eles avançarem no seu processo de inclusão, mais a
economia brasileira tende a ganhar.
A agri cultura fami li ar também te m conquistado espaço nas grandes fe iras
agropecuárias. Foi destaque, por exemplo, na Feira Internacional de Tecnologia Agrícola
em Ação (Agrishow), realizada entre 26 de abril e 1º de maio de 2004 em Ribeirão Preto
(SP). Nessa feira ocorreram demonstrações de equipamentos voltados exclusivamente para
a agricultura familiar. E daí, é ou não um potencial?
Esse tipo de agricultura precisa encontrar alternativas para garantir a sua inserção no
mundo globalizado. Para tanto os agricultores devem buscar opções para a produção em
escala e se organizar preferencialmente em cooperativas. Assim, aumentam a quantidade
da produção e podem garantir maior qualidade para os seus produtos.
4.4 – Potencialidade Agrícola do Território Brasileiro
O Brasil é o quinto país do mundo em extensão territorial. Tem uma área total de 851
milhões de hectares. Desse total, cerca de 282 milhões estão produzindo, sendo 220 milhões
de hectares ocupados com pecuária extensiva e 62 milhões de hectares com lavouras. O
62
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
grosso da produção de grãos, no entanto, dá-se em pouco mais de 40 milhões de hectares,
enquanto outros 20 milhões destinam-se ao cultivo de cana-de-açúcar, laranja e outras
culturas permanentes.
Algumas áreas são consideradas inadequadas à produção agropecuária, tais como a
Amazônia Legal, as reservas florestais e indígenas, as unidades de preservação fora da Amazônia, as áreas de reflorestamento, as áreas alagadas por represas, os centros urbanos, os
rios, os lagos, as estradas e os parques de lazer, cujo conjunto perfaz o total de 463 milhões
de hectares (54,4% do território total do país).
Mesmo assim o Brasil dispõe de 106 milhões de hectares de terras férteis agricultáveis
à espera de sua incorporação ao mapa agrícola nacional. Trata-se de uma área equivalente
aos territórios da França e da Espanha somados (ou mais que o dobro da atual área produtora de grãos do Brasil). Onde fica?
– no Cerrado brasileiro, em processo intenso de ocupação econômica;
– na Amazônia Legal – teria mais de 40 milhões de hectares adequados à prática da agricultura, passíveis de serem cultivados sem prejuízo ao meio ambiente, e no sudeste do Estado
do Pará, onde se encontram cerca de 20 milhões de hectares agricultáveis.
Quanta terra para incorporar! Que potencial! Segundo Brum e Trennepohl (2004, p.
101), o engenheiro Paulo Vivacqua, presidente do Corredor Atlântico do Mercosul, afirma
que O Brasil é, hoje, desde que se invista em infraestrutura e logística de integração, o único
país do mundo capaz de gerar, na terra, empregos em massa, e até de baixa qualificação. E
de que só o Brasil tem abundância de terras, água, minerais e mão de obra, o que estaria
escasso no mundo.
Toda essa potencialidade agrícola brasileira preocupa principalmente o maior produtor agrícola do mundo – os EUA. O governo americano já foi alertado do potencial agrícola
do Brasil. Em relatório divulgado no início de 2004, o USDA informou que o Brasil pode
elevar facilmente a atual área de 52 milhões de hectares cultivados para cerca de 170 milhões de hectares.
Nem tudo são flores, todavia. O potencial agrícola do Brasil tem limites. O Brasil não
é um país generoso em termos da qualidade de seu solo. Além da baixa fertilidade natural,
cerca de 80% dos solos brasileiros apresentam elevado grau de acidez, o que requer altos
investimentos (calcário, fertilizantes, defensivos) para a correção dessas deficiências. Para
resolver esses e outros problemas que podem surgir é preciso um volume expressivo de capital, tecnologia e capacidade gerencial.
63
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Atraídas pela expansão do mercado, indústrias de máquinas agrícolas transnacionais estão se transferindo para o Brasil.
Segundo o diretor-presidente da Kepler-Weber (Panambi/RS), uma
Para aprofundar as temáticas
apresentadas nesta unidade
ver também:
Brum, Argemiro J.;
Trennepohl, Vera L. Agricultura brasileira: formação,
desenvolvimento e perspectiva.
3. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004.
das três maiores produtoras de silos do mundo
É fácil explicar por que as indústrias de máquinas e todo tipo de
tecnologia estão vindo para o Brasil. Dos 300 milhões de hectares
da agricultura no mundo, 150 milhões estão no Brasil. Os outros
150 milhões até têm boas terras, mas enfrentam o problema da
escassez de água (Abreu, apud Nogueira, 2003, p. 31).
Ao conhecermos todas as deficiências, as pesquisas podem
corrigir em parte as limitações e melhorar as condições postas
pelo mundo natural. Áreas que eram consideradas impróprias para
a agricultura foram tornadas aptas com a incorporação de insumos
e a criação de variedades de sementes adaptadas aos diversos tipos de solo e de clima, como é o caso da promissora região do
Cerrado brasileiro, que atinge áreas de 15 Estados. Em tudo, porém, deve-se ter o maior cuidado, pois se a natureza não dá saltos, ela pode pregar sustos.
Pelo tamanho do território e disponibilidade de terras
agricultáveis, o Brasil é vocacionado a ser um grande país agrícola no século 21, atendendo às necessidades de sua gente e,
também, contribuindo expressivamente para a alimentação da
população mundial.
64
Unidade 3
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Formação e Desenvolvimento
da Sociedade Urbano-Industrial
Chegamos à terceira Unidade deste livro, após termos passado pelo estudo do Brasil
atual e suas características e pela análise da agricultura brasileira. Agora o objetivo é
aprofundar a compreensão sobre o surgimento e o desenvolvimento da sociedade urbanoindustrial brasileira, suas fases e o estágio atual.
Durante os quatro primeiros séculos após o seu “achamento” o Brasil foi um país agrário, organizado na perspectiva primário-exportadora e mergulhado numa situação colonial.
O açúcar e demais ciclos econômicos contribuíram para a formação da sociedade agrária
brasileira. A vila ou cidade, num primeiro momento, foram prolongamentos do engenho,
mas em muitas situações sofriam com a fome. O poder econômico e, portanto, o poder político, esteve em boa medida concentrado nas mãos dos grandes latifundiários.
A partir de 1920 dá-se a ruptura com o passado colonial. Nesse período novos interesses surgem, e também novas classes sociais, o que contribuiu para a reestruturação do poder econômico, levando os governos a investirem mais no setor industrial, mas sem descuidar da agricultura – principalmente do café. Embora tenha avançado muito com relação a
sua situação inicial, o Brasil ainda é um país dependente economicamente. Como esclarece
Brum (1997, p. 163), “ao exportarmos matérias-primas, estamos exportando virtualidades,
possibilidade de ser. Essas matérias-primas recebem a forma e o significado que lhes imprimem os que concebem e operam a sua transformação”. Nesse sentido, temos muitos desafios
a enfrentar, precisamos agregar valor aos produtos produzidos no país. Para tanto é fundamental o investimento em educação e pesquisa. Justamente para entender todo esse processo de formação urbano-industrial, vamos dividir esta Unidade em 5 seções, sendo a primeira
sobre o processo de industrialização brasileira, a segunda sobre os modelos de desenvolvimentos instituídos até 1980, a terceira abordando a crise econômica e seus reflexos sociais,
a quarta apresentando as alternativas construídas para a estabilização econômica e, finalmente, a quinta e última seção apresenta algumas possibilidades e desafios da política econômica atual.
65
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– Seção 1 –
O Processo de Industrialização Brasileira
No período colonial identificamos alguns fatores que poderiam ter contribuído para a
evolução industrial ou mesmo que dificultaram esse processo. O engenho de açúcar era
considerado uma empresa agroindustrial, pois tinha aparelhos mecânicos como a moenda,
a caldeira e a casa de purgar. “Aliás, o maior e mais complexo empreendimento econômico
existente no mundo, na época. No interior dele poderia ter germinado a diversificação de
atividades e também a manufatura, não fosse a mentalidade escravocrata” (Brum, 1997, p.
127). No final do século 19 o engenho tradicional foi sendo substituído pelas modernas
usinas de açúcar, mas isso não se refletiu em outros setores.
E mais, no momento em que Portugal estabelece uma relação intensa e de caráter
dependente com a Inglaterra, o desenvolvimento industrial ficou ainda mais distante do
Brasil. Isso podou qualquer possibilidade do desenvolvimento de uma manufatura própria e
passamos a importar os produtos que a Colônia necessitava.
Em razão do avanço do ciclo do ouro e atividades pastoris, surgiu em Minas Gerais, e
em menor escala no Rio de Janeiro e outras cidades, um surto manufatureiro que não deixava nada a desejar aos produtos que vinham da Inglaterra. Esse promissor surto industrial
foi destruído pelo Alvará de 1785, assinado pela Rainha D. Maria, a Louca, decretando que
o Brasil precisava de colonos e cultivadores, e não de artistas. Já em 1809 D. João baixou
um alvará incentivando a instalação de fábricas e manufaturas, mas no ano seguinte assinou novo tratado com a Inglaterra, que inviabilizou a produção local. Para concretizar a
emancipação política, o Brasil fez seu primeiro empréstimo, em bancos ingleses, e assinou
um tratado de comércio (1827), pelo qual os produtos ingleses continuavam a ter taxas
alfandegárias privilegiadas (Brum, 1997, p. 128-129).
Essa realidade mudou pouco durante a Primeira República, pois o poder político
estava nas mãos dos cafeicultores, cujos interesses concentravam-se em incentivar a produção do café. Mesmo num contexto pouco propício para o avanço industrial, algumas
fábricas foram surgindo, o que foi mudando de forma mais significativa nas primeiras décadas do século 20.
66
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
A partir dos primeiros anos do século 20 o café passou a
enfrentar uma crise de superprodução, que provocou a queda de
preços. O governo brasileiro estabeleceu o Acordo de Taubaté
(1906), que visava a garantir os ganhos dos produtores rurais.
Para tanto utilizava “ recursos públicos, provenientes do orçamento, de emissões e até de empréstimos externos. Com tais recursos,
o governo adquiria e armazenava os excedentes da produção anual
Acordo de Taubaté
Em fevereiro de 1906, na
Convenção de Taubaté, os
governadores dos Estados de
São Paulo, Minas Gerais e Rio
de Janeiro fizeram um acordo
com os cafeicultores, que
abrangia uma política de
valorização do café (Brum,
1997, p. 173).
de café sem colocação no mercado. Em contrapartida, os produtores comprometiam-se a não expandir suas lavouras...” (p. 173).
Com seus ganhos garantidos, muitos produtores continuaram
ampliando a produção, o que dificultou ainda mais a situação.
As mudanças que ocorreram no Brasil precisam ser analisadas e compreendidas num contexto de transformação global.
Outras influências externas
serão analisadas posteriormente, como: 2ª Guerra Mundial
(1939/1945);
internacionalização do capital;
intervenção do Estado na
economia; prosperidade pós
1945...
Para tanto vamos considerar três fatores. Outros também influíram e são importantes, mas não vamos estudá-los nesse momento.
O primeiro aspecto a ser considerado é a Primeira Guerra
Mundial (1914 a 1918), cujo resultado principal foi a redefinição
das relações de poder no mundo, com o deslocamento da
hegemonia da Europa para os Estados Unidos da América. A
partir de então o Brasil busca uma aproximação cada vez maior
com os EUA, tanto é que o primeiro empréstimo junto a essa potência acontece em 1922. Em âmbito interno, a guerra teve reflexos positivos, pois o bloqueio econômico durante o conflito dificultou as relações comerciais – as exportações e as importações.
Havia chegado o momento de intensificar a produção para atender à demanda. E o Brasil, que antes exportava algodão para a
Alemanha, agora podia usar essa matéria-prima para intensificar
a produção têxtil internamente. Nesse sentido, os imigrantes podiam contribuir com sua experiência, seu capital e, principalmente, com o mercado consumidor.
O segundo fator foi a vitória da Revolução Socialista, na
Rússia, em 1917. Até esse momento socialismo/comunismo era
um sistema que constava em livros e na cabeça de algumas pessoas, mas agora ele estava sendo posto em prática, com pretensão de se expandir para o mundo. A partir desse momento o capi67
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Keynes
O inglês John Mainard Keynes
advogava o fim da liberdade
absoluta do mercado (laissezfaire) e a necessidade de
intervenção do Estado na
ordem econômica, garantindo
o pleno emprego, contendo a
ganância dos capitalistas e
promovendo o equilíbrio
social. O keynesianismo
inspirou a New Deal (Nova
ordem) – Estado de bem-estar
social (Brum, 1997, p. 192).
talismo teve de rever o seu processo de exploração. Muitas leis
trabalhistas surgiram nesse contexto, pois tinha aumentado muito
o número de trabalhadores. Havia chegado a hora de lhes fazer
algumas concessões, evitando assim mudanças mais profundas.
E o terceiro aspecto está relacionado com a primeira crise
de superprodução. O mundo inteiro sofreu o impacto de uma profunda crise econômica caracterizada pelo excesso de produção e
pela falta de mercado para os produtos, cujo sinal mais evidente
foi a quebra da Bolsa de Nova York em outubro de 1929, o que
abalou o capitalismo mundial. A crise do capitalismo e a ameaça
Industrialização por
Substituição de Importações
Produzir no Brasil o que
antes era importado
de outros países.
de um sistema alternativo (o socialismo soviético) levaram a uma
reestruturação econômica e exigiram uma maior intervenção do
Estado na economia, regulando e direcionando investimentos.
Novas ideias passam a receber atenção e ampliar sua influência
na definição dos rumos da humanidade. “Keynes advogava o fim
da liberdade absoluta do mercado (laissez-faire) e a necessidade
de intervenção do Estado na ordem econômica, garantindo o pleno emprego, contendo a ganância dos capitalistas e promovendo
o equilíbrio social” (Brum, 1997, p. 192).
No plano interno a Revolução de 1930, considerada o
desaguadouro dos descontentes, obteve apoio da maioria dos setores que se opunham ao sistema oligárquico. Foi o primeiro movimento de âmbito nacional, causou mudanças significativas e
abriu uma nova fase na evolução histórica brasileira. Foi, porém,
um movimento liderado por políticos tradicionais, que não visavam a mudanças estruturais profundas. Uma parcela da elite se
antecipou, conforme o que escreveu o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada, para Getúlio Vargas: “Façamos
nós a Revolução antes que o povo a faça”.
A Revolução de 1930 tornou-se um marco para a História
brasileira, pois a partir dela o Estado passou a assumir uma posição claramente favorável à industrialização. As forças que assumiram o poder optaram por um modelo de desenvolvimento baseado num Estado forte e numa política de industrialização por substituição de importações. Assim, segundo seus divulgadores, buscavam tirar o Brasil do atraso e impulsioná-lo rumo ao progresso.
68
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
1.1 – A Estratégia de Substituição de Importações
A nova orientação econômica buscava um desenvolvimento nacional e autônomo, em sintonia com a ideologia dominante
no mundo. No Brasil, o despertar da consciência nacionalista
ocorreu quando os brasileiros começaram a se perceber em um
país periférico e dependente, e não mais aceitar essa condição.
Alguns setores da sociedade se organizaram com o objetivo de
superar o atraso histórico, o que para eles só poderia ser atingido
mediante a intensificação da industrialização, considerada fundamental para a independência econômica.
O nacionalismo se manifestava pela utilização independente das potencialidades do país e o Estado foi considerado o principal protagonista das transformações. No Brasil havia um mercado consumidor expressivo, que precisava ser abastecido, e a
estratégia deveria seguir a lógica da substituição de importações,
ou seja, produzir no país o que antes vinha do exterior. Partiu-se
de produtos mais simples e menos exigentes, como os bens de
consumo não duráveis, até atingir os mais complexos e sofisticados, que exigiam mais capital e tecnologia, como os bens de con-
História do carro
no Brasil
No início do século 20 os
meios de transporte eram os
bondes e as carruagens, que
rodavam graças à força de
cavalos ou burros. Na capital
gaúcha apareceu no dia 15 de
abril de 1906 o automóvel
modelo francês De Dion
Bonton, à gasolina. A primeira
aparição ocorreu à força de
empurrões, pois ninguém
sabia colocá-lo em movimento.
A salvação foi encontrada na
Casa de Detenção, na qual
estava um presidiário italiano
que era motorista e mecânico
no seu país de origem – o
Pepe. Em função desse
conhecimento o preso
conquistou a sua liberdade,
tornando-se “chauffeur” (Zero
Hora 15/4/2006).
sumo duráveis e, especialmente, os bens de capital.
Nesse sentido, o processo de industrialização brasileiro pode
ser dividido em três fases bem distintas, que acontecem numa
sequência histórica, embora ocorram situações de sobreposição
em que elas se interpenetram:
1º) a produção de bens de consumo imediato ou não duráveis
(alimentos, roupas, etc.);
2º) a produção de bens de consumo duráveis (eletrodomésticos,
automóveis, etc.);
3º) a produção de bens de capital e de insumos básicos (máquinas, equipamentos, etc.).
Na primeira fase, oportunidade na qual foram produzidos
bens de consumo não duráveis, buscava-se atender as necessidades imediatas da população. Para tanto, não eram necessários
69
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
grandes investimentos, nem mão de obra muito qualificada, e os produtos podiam ser confeccionados em pequenas unidades, atendendo o mercado local. Os principais ramos industriais da época foram o têxtil, da alimentação e bebidas, vestuário, calçados, chapéus, etc.
Essas indústrias eram geralmente de base familiar, que após “as duas guerras mundiais
criaram as condições para que muitas oficinas de conserto se transformassem em indústrias
de máquinas e equipamentos, embora de limitado nível de sofisticação tecnológica” (Brum,
1997, p. 215).
São Paulo acabou assumindo a dianteira do processo de industrialização, pois ali se
concentrava o maior volume de capital e de imigrantes (mercado e experiência). E, num
primeiro momento, o processo de urbanização foi mais intenso nos grandes centros, criando
um mercado consumidor concentrado num determinado espaço, até porque o setor de transportes ainda era pouco desenvolvido. Os industriais reinvestiam seus lucros e expandiam
seus negócios, proporcionando maior acumulação capitalista, mas eles dependiam de produtos importados, uma vez que havia carência de indústrias de base, como cimento, ferro e
aço e algumas máquinas.
A Segunda Guerra Mundial (1939-45) deu um novo impulso à industrialização brasileira, pois o país durante o conflito vendeu produtos para aqueles que estavam envolvidos
na guerra, acumulando assim um superávit na balança comercial. Ao término do conflito o
Brasil era um grande credor internacional, com um saldo acumulado de 700 milhões de
dólares. Esses recursos, porém, foram mal aplicados e com eles foram adquiridos produtos
supérfluos e quinquilharias (artigos de plástico) e alguns bens imóveis supervalorizados (Embaixada brasileira em Londres). O esbanjamento era explicado como uma ajuda “magnânima” do Brasil, um esforço “solidário” para ajudar a recuperar os países atingidos pelo conflito. “Ainda não havíamos aprendido que nas relações internacionais não há magnanimidades, mas apenas interesses e negócios” (Brum, 1997, p. 212).
A Segunda Guerra é considerada um marco divisório do capitalismo internacional. O
mundo era um antes e outro depois desse conflito. A partir de então ocorreu um período
intenso de internacionalização do capital e expansão dos monopólios, ou seja, as
multinacionais passaram a se fazer presentes nos mais diversos países, inclusive no Brasil.
A partir da década de 50 o Brasil passou para a segunda fase do processo de industrialização, a produção de bens de consumo duráveis, que logo se tornou o setor mais dinâmico
da economia brasileira. Nesse tempo a indústria de bens de consumo imediato já havia
alcançado alto grau de expansão e diversificação.
70
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
A produção de bens de consumo duráveis é marcada pela instalação da indústria
automotiva, de eletrodomésticos e de eletroeletrônica. Pelo seu grau de sofisticação, ela
exigiu maior volume de capital, de tecnologia e de mão de obra qualificada, além da produção em escala, capacidade gerencial, etc., recursos esses em que o Brasil tinha carência.
Para resolver esse problema se intensificou o processo de abertura econômica e atração de
capitais internacionais. O slogan do governo de Juscelino Kubitschek, de crescer “50 anos
em 5”, reflete bem essa realidade.
A produção desses bens de consumo duráveis concentrou-se nos grandes centros, mas
para tanto era fundamental investir em infraestrutura. A energia era essencial para a produção, mas também para ampliar o mercado consumidor, e a telefonia para garantir a
interligação rápida entre regiões e Estados. No momento em que um dos setores estratégicos era o automobilístico, o país optou pelo setor rodoviário como forma prioritária de escoamento de produção. Outro fator que passou a ser fundamental foi a propaganda. Os meios
de comunicação, cada vez mais modernos, divulgavam os novos produtos, criando novas
necessidades. Os produtos se destinavam para o consumo de uma parcela reduzida da população, ou seja, a de alto poder aquisitivo.
A terceira fase da industrialização brasileira foi a de produção de bens de capital e
insumos básicos. Ela se tornou prioridade efetiva a partir de 1974, no governo Geisel, embora durante os governos de Vargas e de Kubitscheck ela já tivesse recebido atenção, pois as
guerras tinham dificultado a importação e já apontavam para a vulnerabilidade do Brasil
nesses setores. Justamente por isso a sua expansão ocorreu com forte apoio oficial. O país
completou o processo de substituição de importação com êxito razoável, o que “colocou o
Brasil na posição de país mais industrializado entre as nações em desenvolvimento ou países emergentes, com parque industrial relativamente moderno e sofisticado” (Brum, 1997, p.
217).
No final da década de 70, contudo, o Brasil foi abalado pela terceira crise do capitalismo. O país, nessa década, tinha uma economia bastante fechada, encontrando dificuldades
em acompanhar a espantosa velocidade das revoluções tecnológicas que estavam ocorrendo nos processos produtivos. Nesse período ocorre o esgotamento do modelo de industrialização, instituído desde 1930, e chega o momento de buscar uma maior inserção na economia mundial. Nas décadas anteriores foi intensificado o processo de industrialização por
substituição de importações. E, hoje, que alternativas se colocam no mundo globalizado?
Que fase é essa que estamos vivendo? Estas e outras questões serão analisadas a partir da
Seção 4.
71
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– Seção 2 –
O Papel do Estado na Industrialização
No início do século 20 muitos
municípios não tinham energia
elétrica. Em algumas cidades/
localidades a luz oferecida à
comunidade provinha de um
“locomóvel”, uma máquina a
vapor sobre rodas. Essa
iluminação iniciava-se ao
escurecer e terminava à meianoite. Devido à modernização
da agricultura e da industrialização brasileira, foram
necessários investimentos em
infraestrutura, como em
hidrelétricas, rodovias, etc. Por
exemplo, em Ijuí, em 1920, um
estudo mostrou que os rios da
cidade podiam produzir a
energia de que o município
necessitava. A partir daí as ruas
e cidades foram iluminadas
com a força da cascata do Rio
Potiribu – Usina Velha.
Durante o processo de industrialização, que se estendeu de
1930 a 1980, descrito na seção anterior, o Estado cumpriu um
papel importante no desenvolvimento brasileiro, atuando em áreas
em que a iniciativa privada não tinha condições ou não queria
assumir. E, mais, os governantes consideravam que a sociedade
brasileira não estava suficientemente organizada para assumir
essa responsabilidade e que necessitava de um Estado forte,
interventor, que conduzisse o processo de desenvolvimento capitalista no país.
Nesse sentido, a industrialização brasileira só pôde ser levada adiante com a participação do Estado, pois era necessário
elevado volume de capital e de demorado retorno. É o caso dos
investimentos em infraestrutura (transporte, energia, comunicações) e na produção de insumos básicos (ferro, aço, petróleo...).
Então, a partir de 1940 várias empresas estatais são criadas, como
a Companhia Siderúrgica Nacional, a Usina de Volta Redonda, a
Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), a Petrobras e
a Companhia Vale do Rio Doce, entre outras.
Além de atuar como empresário, o Estado estimulou a industrialização brasileira por meio de créditos, subsídios, isenção
e incentivos fiscais. Ele foi o principal agente para o avanço capitalista no Brasil, o que trouxe alguns prejuízos sociais, pois dava
a entender que a sociedade não era capaz de reger o processo de
industrialização sem a tutela do Estado, projetando uma ideia de
paternalismo. Ele deveria ser público, estar a serviço do conjunto
da sociedade, mas foi apropriado por uma reduzida classe economicamente dominante e posto a serviço de interesses privados ou
corporativos. Em boa medida ele foi privatizado, primeiro pelos
grandes proprietários de terra e, mais recentemente, pelos donos
do capital.
72
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Apesar de manter muitos aspectos comuns ao longo de todo esse período de meio
século, o Estado modificou significativamente sua forma de atuar, em consonância com os
ideais dos ocupantes do poder e as circunstâncias econômicas e políticas vigentes. Em função de suas características fundamentais pode-se caracterizar basicamente três modelos de
atuação do Estado ou três projetos nacionais de desenvolvimento que serviram de referência para as políticas públicas postas em prática.
A seguir vamos conhecer os seguintes modelos: a) modelo de desenvolvimento nacional e autônomo – tentativa; b) modelo desenvolvimentista de Juscelino, c) o modelo de
desenvolvimento associado e dependente.
2.1 – O Modelo de Desenvolvimento Nacional e Autônomo
O governo de Getúlio Vargas, que desencadeou o processo de industrialização do Brasil, seguiu uma linha de atuação coerente com o contexto mundial da época, cujas características fundamentais permitem denominá-lo de um modelo de desenvolvimento nacional e
autônomo. Buscava superar o subdesenvolvimento e transformar o país em “potência autônoma”. Para isso, “...Os nacionalistas sustentavam a necessidade de controle pelo Estado
da infra-estrutura (transportes, comunicações, energia) e da indústria básica, ficando as
outras áreas da atividade econômica nas mãos da empresa privada nacional. Sem chegar a
recusar em princípio o capital estrangeiro, insistiam na necessidade de só aceitá-lo com
muitas restrições, seja quanto à área dos investimentos, seja quanto aos limites à remessa
de lucros no exterior ” (Fausto, 2000, p. 426).
O governo continuou dando atenção à agricultura, mas apoiou fortemente o setor
industrial, baseado na empresa nacional, que deveria liderar o processo de acumulação de
capital e ampliar as atividades produtivas. Muitas indústrias se expandiram voltadas ao
mercado interno e, para tanto, foi necessário progressivamente melhorar os salários, o que
ampliou o mercado consumidor.
O desenvolvimento nacionalista de Vargas concedeu favores aos empresários, dandolhes proteção diante da concorrência externa, incentivos e créditos subsidiados, tornando
os ricos mais ricos, sendo chamado em função disso de “mãe dos ricos”. A política de Vargas,
durante o Estado Novo, não contemplava a democracia, ocorrendo crescimento econômico
e justiça sem democracia (Brum, 1997, p. 208).
73
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Após a Segunda Guerra Mundial, num primeiro momento os EUA voltaram seus esforços para a reconstrução dos países da Europa, que haviam sido atingidos pelo conflito. O
Plano Marshall reflete essa preocupação. A partir da década de 50 começam a sobrar recursos na Europa e o Brasil passa a ser visto como um país interessante para se investir, até
porque muitas indústrias precisavam recuperar um mercado que antes era delas, dado que
antes dos dois conflitos o Brasil importava muitos produtos transformados na Europa e nos
EUA. Como os países em desenvolvimento não podiam fazer o tempo retroceder, buscaram
participar desse novo processo, instalando suas indústrias no país, aproveitando matériaprima, mão de obra barata e incentivos do governo brasileiro.
2.2 – O Modelo Desenvolvimentista de Juscelino
A década de 50 apresentou características muito especiais para o desenvolvimento
econômico no mundo inteiro. Superados os horrores da guerra e parte de seus traumas,
reconstruídos os principais parques produtivos europeus, ampliou-se a velocidade do crescimento econômico e surgem múltiplas possibilidades de avanços produtivos em diversas áreas.
No Brasil estava praticamente superada a etapa da substituição de importações de bens de
consumo não duráveis e chegara a hora de “avançar para um novo patamar de industrialização: indústria de bens de consumo duráveis, insumos básicos e bens de capital. Para
tanto, havia necessidade de grande volume de capital e alta tecnologia. E o país não dispunha nem de um, nem de outro” (Brum, 1997, p. 226).
Para resolver esse problema o governo brasileiro abriu as portas para o capital externo
e as empresas multinacionais e lançou seu Plano de Metas com o slogan que se tornou
famoso, de avançar “50 anos em 5”. O governo de Juscelino Kubitscheck adotou uma postura distinta de Vargas, pois, “Além de ampliar a atividade do Estado na área econômica,
assumiu uma posição francamente favorável à entrada de capitais estrangeiros, concedendo-lhes estímulos e facilidades” (Brum, 1997, p. 233). Ele estimulou a entrada no país de
investimentos estrangeiros, atraiu as empresas multinacionais e buscou recursos na sociedade e no exterior esperando, com isso, situar o Brasil num patamar mais avançado, consolidando a indústria de bens de consumo duráveis.
A nova estratégia do capital internacional não favorecia o desenvolvimento independente. Os países desenvolvidos diminuíram os empréstimos e buscaram investir no setor produtivo, forçando a abertura das economias nacionais aos investimentos de risco estrangeiros,
mas continuaram concedendo créditos para o setor público investir em infraestrutura. Assim,
as empresas multinacionais foram ocupando os setores mais dinâmicos e rentáveis da econô74
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
mica brasileira e assumiram o controle sobre muitas das empresas de bens de consumo duráveis (veículos, eletrodomésticos, eletroeletrônicos), além de posição de destaque nas indústrias
química, farmacêutica, naval e de equipamento elétrico. Assumiram, portanto, um papel decisivo na segunda fase da industrialização brasileira, bem como na terceira fase.
Para efetivar o Plano de Metas e construir Brasília, o governo de JK usou recursos externos e emissões inflacionárias para financiar o seu projeto de desenvolvimento. Ele imaginava
que desencadearia um processo inflacionário se imprimisse papel-moeda para pagar o funcionalismo e não se pagasse obras produtivas (Brum, 1997, p. 239). Não foi isso que aconteceu,
pois a inflação cresceu de forma significativa nos anos seguintes, o que levou à diminuição do
poder de compra da população, desequilíbrios dos preços, aumento nas tensões sociais, etc.
A inflação foi usada como mecanismo de poupança forçada, via confisco salarial, deixando problemas a serem resolvidos pelos governos futuros. O capital externo entrou no
Brasil em grande escala, tanto sob a forma de investimentos diretos quanto de empréstimos
ao setor público. Os empréstimos externos foram usados principalmente para financiar a
construção de obras públicas, que foram muitas. “No período de 1955 a 1961 entraram no
Brasil US$ 2,18 bilhões, sendo que mais de 95% desses recursos foram aplicados nas áreas
prioritárias do governo” (p. 245). Isso explica o aumento considerável da dívida externa
brasileira, que atingiu US$ 3,9 bilhões no final de 1960.
As subsidiárias de multinacionais se tornaram grandes investidoras no Brasil. No período “desenvolvimentista”, por exemplo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(atual BNDES) concedeu mais empréstimos às companhias estrangeiras (6,9 bilhões de cruzeiros) do que à indústria nacional (6,5 bilhões de cruzeiros). Essas companhias estrangeiras, além de usarem os recursos nacionais, buscavam com frequência empréstimos no exterior, junto as suas matrizes ou ao sistema financeiro.
As vantagens, as isenções e os privilégios concedidos às empresas estrangeiras permitiam
que elas importassem do exterior, de suas matrizes, máquinas e equipamentos obsoletos, valorizando-os como se novos fossem, sem restrição de qualquer espécie quanto aos similares de
fabricação nacional. A empresa General Motors S.A., por exemplo, transferiu para o Brasil uma
fábrica de veículos há cinco anos desativada na cidade de Detroit, nos EUA. A Volkwagen
aproveitou o dinheiro da venda de cinco mil carros ao Brasil para iniciar aqui a sua hoje poderosa indústria montadora de veículos. Aliava-se a vontade política interna de um crescimento
econômico acelerado aos interesses do capital estrangeiro em instalar-se no país (p. 247).
As multinacionais procuram manter em suas matrizes os laboratórios, permanecendo
com o controle sobre os bens de capital, tecnologia e o domínio do capital. Em 1960 o progresso industrial era uma realidade, mas a inflação também. O Brasil tornou-se ainda mais depen75
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Indexação
É a vinculação a um índice.
Neste caso está vinculado ao
índice de inflação, em que os
reajustes dos preços eram
feitos de acordo com a inflação
passada e empurrava para
cima a inflação do futuro.
Muitas vezes os agentes
econômicos acresciam
aumentos em função da
expectativa inflacionária ou
objetivando ganhos extras de
lucratividade.
dente. De fato, durante o governo JK, o país cresceu, se modernizou, mas reformas estruturais não foram realizadas, tais como: reforma agrária, reforma tributária, reforma urbana, etc.
Alia-se a isso uma profunda crise econômica, social e política que provocou a renúncia de Jânio Quadros em 1961, e o golpe
de Estado que derrubou João Goulart em 1964. Foi justamente
contra a sua proposta de Reformas de Base que ocorreu o levante
conservador que instituiu o Regime Militar no Brasil, por longos
21 anos.
2.3 – O Modelo de Desenvolvimento Associado e Dependente
http://www.portacurtas.com.br/
genero.asp?query=2#
Durante o Regime Militar (1964-1985) os governantes centralizaram o poder político, militarizaram o aparelho estatal e mantiveram sob controle as organizações populares, mas conservaram o entusiasmo pelo crescimento econômico, que deveria vir
acompanhado do avanço tecnológico, com um Estado forte, eficiente e interventor. Eles consolidaram o desenvolvimento industrial via substituição de importações.
Eles buscaram o “aumento da expressão do Brasil como potência mundial”, por meio do fortalecimento do poder nacional.
Consideravam o componente econômico uma das vigas básicas
para concretizar os seus objetivos, e o que importava, ao menos
na primeira fase, era o crescimento econômico global, não propriamente a maneira como estivesse ele distribuído entre os membros da sociedade. E isso exigiu sacrifício de sucessivas gerações
(Brum, 1997, p. 302-303).
Nesse período o Brasil cresceu e se modernizou. O Estado
teve um papel importante para a viabilização do projeto elaborado pelos militares, pois deveria interferir no planejamento econômico e social, e direcionar investimentos que, em boa medida, vinham do exterior. A intervenção do Estado na economia
ocorreu também mediante o controle salarial e de preços na
indexação da economia. E a estatização, criticada por eles no
76
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
governo anterior, passou a ser um instrumento bastante usado, pois no início do Regime
Militar foram criadas várias empresas do governo, e isso favorecia o capital e a expansão
industrial.
Para que o capital internacional voltasse a investir no Brasil, o governo buscou maior
controle sobre as agitações sociais. Os militares eram favoráveis ao capitalismo, mas não
acreditavam no capitalismo liberal. “Sustentavam a necessidade de um Estado forte e eficiente, com participação efetiva no planejamento e na regulamentação da economia, de modo a
aproveitar as vantagens e evitar os problemas do capitalismo” (p. 303).
Os militares defendiam um modelo de desenvolvimento capitalista baseado numa aliança entre capitais do Estado, multinacionais e locais. A ideologia nacionalista era bastante
difundida nos meios militares, estabelecia forte vinculação entre nacionalismo e estatização,
mas o que se percebeu foi uma participação cada vez maior dos investidores internacionais
(p. 303).
Entre 1964 e 1985 o Brasil vivenciou períodos de baixo, médio e grande crescimento
econômico. O país estava enfrentando sérios problemas, como inflação alta, estagnação
econômica, déficit crônico na balança de pagamento, déficit público, perda do poder aquisitivo e baixa credibilidade externa. Para melhor entender a evolução do crescimento econômico durante o Regime Militar, podemos organizá-lo em quatro períodos.
Nos primeiros quatro anos do ciclo militar (1964-1968) o crescimento econômico foi
modesto, com taxas médias anuais de 3,6%. Essa estagnação econômica era reflexo da política de combate à inflação, mas garantiu o sucesso posterior, pois recuperou a credibilidade
externa e retomou o fluxo de capitais que voltaram a investir no país (p. 327).
No “Milagre Brasileiro” (1968-1973)
...o crescimento econômico foi catapultado para um patamar altamente expressivo, registrando
a taxa anual média de 11,2% – um extraordinário desempenho que representou quase dobrar o
tamanho da economia brasileira em apenas seis anos. Esse crescimento foi puxado, sobretudo,
pela expansão industrial e de serviços, com taxas médias anuais de 13,1% e 11,7%, respectivamente, enquanto a agricultura apresentou um ritmo médio menor, de 3,9%. Nesse período muitos
empregos foram gerados, a arrecadação de impostos aumentou, e podemos entender porque
algumas pessoas gostariam que esse período voltasse (Brum, 1997, p. 328).
Entre 1974 e 1980 a taxa anual média de crescimento foi de 6,9%, ainda bastante
expressiva, porém em declínio. A partir daí, no entanto, a economia brasileira entrou em
recessão. Muitas pessoas se perguntam: Como os militares conseguiram realizar um cresci77
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
mento acelerado, acima das reais possibilidades do país, ao longo de vários anos consecutivos? Por que não foi possível manter o ritmo da expansão econômica na década de 80? O
que mudou na década de 80?
Na década de 80 o processo de abertura política se ampliou, pois o mundo viveu a sua
terceira crise mundial do capitalismo. Uma coisa era governar o país quando havia um alto
índice de crescimento econômico, outra era fazê-lo quando essa realidade muda, levando a
sociedade a questionar o modelo vigente. Entre 1930 e 1980 o país ampliou o seu processo
de modernização, mas não se tornou a grande potência sonhada pelos militares.
Durante o período militar
a economia expandiu-se. O país industrializou-se. Multinacionais prosperaram. Grandes grupos econômicos nacionais de formaram. Várias fortunas consolidaram-se. Mas o Estado endividou-se, externa e internamente. Sua situação financeira deteriorou-se. Perdeu a capacidade
de poupança e investimento. E diminuiu a possibilidade de conceder subsídios e incentivos
fiscais ao setor privado. Endividado e tecnicamente falido, o Estado perdeu as condições de
continuar a ser o principal agente condutor e financiador do desenvolvimento brasileiro (Brum,
1997, p. 459).
A partir de 1980 tornou-se necessário um processo de redefinição do papel do Estado,
que se defrontava com sérias dificuldades e precisava encontrar meios para equilibrar as
contas públicas internas, ou seja, só gastar o que arrecadasse.
Hoje, o problema da dívida interna é maior do que o da dívida externa. Para recuperar as
finanças públicas os governos, durante a década de 90, encaminharam algumas reformas:
a) Reforma administrativa – buscou reduzir os gastos com o funcionalismo, mantendo-o em
60% da receita, incentivando as demissões voluntárias.
b) Reforma da Previdência – reduzir gastos com previdência. Três fatores contribuíram para
acentuar ainda mais as dificuldades do setor previdenciário: trabalhadores rurais
beneficiários, sem nunca terem contribuído; aumento de 43% no salário mínimo, em 1995;
aumento da aposentadoria pública – pelo medo da reforma administrativa.
c) Reforma tributária e fiscal – simplificar o sistema tributário – definir o que cabe à União,
Estados e municípios, porém esta reforma não apresentou avanços significativos. Ao contrário, foi criado mais um imposto que deveria ser provisório, mas que permanece até
dezembro de 2007 – a CPMF.
78
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Outra forma instituída para resolver o problema financeiro
foi a intensificação da privatização, pela qual as empresas do Estado são vendidas. Das 74 empresas, 52 já tinham sido privatizadas
no final de 1996. Uma das estatais maiores e mais rentáveis foi
privatizada em 1998, a Companhia Vale do Rio Doce. Mesmo com
as privatizações, entretanto, a dívida pública continuou aumentando, pois a maior parte do pagamento foi feito com títulos públicos, desvalorizados no mercado, mas que o governo honrou.
O que se constata é que o Brasil, a partir de 1990, passou a
fazer parte do circuito internacional de valorização do capital
financeiro, adotando o modelo de desenvolvimento neoliberal,
avançando o processo de privatizações, abertura econômica e
desregulamentação. Essa participação internacional ocorreu no
período anterior por meio de fluxos de mercadorias e do capital
produtivo. O país, a economia e os agentes econômicos foram
submetidos ao “choque do capitalismo”. O Estado reduz sua presença e sua proteção, deixando as empresas mais expostas às leis
de mercado e da concorrência (Brum, 1997, p. 461).
Para entender melhor o que
ocorreu durante o Regime Militar
você pode assistir aos filmes:
Pra Frente Brasil
Em 1970 o Brasil inteiro torce
e vibra com a seleção de
futebol no México, enquanto
prisioneiros políticos são
torturados nos porões da
ditadura militar e inocentes
tornam-se vítimas dessa
violência. Todos esses acontecimentos são vistos pela ótica
de uma família quando um dos
seus integrantes, um pacato
trabalhador da classe média, é
confundido com um ativista
político e “desaparece”.
Sinopse disponível em: <http://
www.interfilmes.com/
filme_14223_Pra.Frente.Brasil(Pra.Frente.Brasil).html>.
Acesso em: 27 fev. 2008.
O que é isso,
companheiro?
– Seção 3 –
As Transformações da Sociedade Brasileira
Os processos de industrialização e de modernização da
agropecuária no Brasil produziram uma série de mudanças nas
características da sociedade brasileira. Para discorrer sobre, esta
seção se subdivide em duas: a) Formação de uma força de trabalho industrial, e b) Reflexos sociais – êxodo rural e urbanização.
3.1 – Formação de uma Força de Trabalho Industrial
Em 1964, um golpe militar
derruba o governo democrático
brasileiro e, após alguns anos
de manifestações políticas é
promulgado, em dezembro de
1968, o Ato Institutucional nº 5,
que nada mais era que o golpe
dentro do golpe, pois acabava
com a liberdade de imprensa e
os direitos civis. Nesse período
vários estudantes abraçam a
luta armada, ingressando na
clandestinidade, e, em 1969,
militantes do MR-8 elaboram
um plano para sequestrar o
embaixador dos Estados
Unidos no Brasil (Alan Arkin)
para trocá-lo por prisioneiros
políticos, que eram torturados
nos porões da ditadura.
num primeiro momento, pelos escravos e, depois, também pelos
Sinopse disponível em: <http://
www.interfilmes.com/
filme_14060_O.Que.E.Isso.
Companheiro.-(O.Que.E.Isso.
Companheiro.).html>.
imigrantes, como já vimos na Unidade 2 deste livro. Antes da
Acesso em: 27 fev. 2008.
A classe trabalhadora industrial foi constituída no Brasil,
79
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
CLT
A Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) foi criada
pelo Decreto-Lei nº 5.452, de
1º de maio de 1943, e sancionada pelo então presidente
Getúlio Vargas, unificando toda
legislação trabalhista então
existente no Brasil. Seu
objetivo principal é a regulamentação das relações
individuais e coletivas do
trabalho. Foi assinada em
pleno Estádio de São Januário
(Club de Regatas Vasco da
Gama), que estava lotado para
a comemoração da assinatura
da CLT.
abolição alguns escravos negros trabalhavam em manufaturas e
buscavam, com isso, comprar a sua alforria. Após a libertação,
muitos negros foram para as cidades, onde tiveram de se contentar com o trabalho assalariado mais humilde, como o do serviçal
doméstico, da construção civil, ou seja, em atividades que exigem maior esforço físico. Já muitos dos imigrantes tornaram-se
mão de obra assalariada, tanto no campo como nos centros urbanos, e é a partir desse momento que ocorre uma maior valorização do trabalho e o envolvimento de toda a família nas atividades econômicas.
No início do século 20, a maioria do proletariado atuava
como: funcionário público, ferroviário ou portuário, e somente
uma minoria trabalhava em estabelecimentos “industriais”, que
usavam ferramentas e máquinas manuais. O avanço da industrialização contribuiu para a ampliação do mercado de trabalho, o
que levou muitas pessoas a saírem do campo.
O governo que assumiu, em 1930, precisou criar alguns mecanismos para manter sob controle esse proletariado. A política
trabalhista buscou “ reprimir os esforços organizatórios da classe
trabalhadora urbana fora do controle do Estado e atraí-la para o
apoio difuso do governo” (Fausto, 1995, p. 335) . Nessa época a
função dos sindicatos era de “colaborar com os poderes públicos
na conciliação dos conflitos trabalhistas”, atrelados ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (11/1930), que intermediou
as relações entre capital e trabalho. O Estado considerava que
nem os empresários e nem os trabalhadores estavam suficientemente organizados para dispensarem sua tutela. Nesse período,
greves e outros movimentos reivindicatórios foram proibidos e
severamente reprimidos.
Essa classe trabalhadora cresceu muito nas primeiras décadas do século 20, o que levou o governo Vargas a decretar um
arsenal de leis protetoras: jornada de 8 horas, concessão de férias,
salário mínimo, repouso semanal remunerado, previdência social,
entre outras, que foram reunidas, em 1943, na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
80
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Valendo-se do seu populismo, Vargas aliciou as camadas sociais de menor poder aquisitivo por meio de uma prática política paternalista, clientelista e cartorial, em que o Estado
exerce a tutela da sociedade, sindicatos e demais organizações sociais. Ele se apresentava
como defensor dos pobres e dos oprimidos. Fez algumas concessões para não realizar mudanças na estrutura de poder dominante. Já os sindicatos ficaram atrelados ao Estado e o
governo, em algumas momentos, se antecipou às reivindicações da classe trabalhadora.
O governo aumentou as ofertas para o ensino formal, o que ficou evidente com a
própria criação do Ministério da Educação e da Saúde (1930) e do Estatuto das Universidades Brasileiras (1931). Buscou formas de qualificar mão de obra para trabalhar nas indústrias.
A qualificação da mão de obra por meio do ensino formal levava muito tempo; para resolver
o problema foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial(Senac). Na linha assistencial e recreativa tivemos
o Serviço Social da Indústria (Sesi), Serviço Social do Comércio (Sesc) e Legião Brasileira de
Assistência (LBA).
Na década de 50 ocorreu um processo ainda mais intenso de modernização e foi
necessário ampliar os benefícios educacionais oferecidos para um número maior de pessoas,
pois a sociedade avançava em seu processo de modernização. A educação assume um
sentido pragmático, que era o de qualificar a mão de obra, como também possibilitar o
acesso da população carente aos benefícios públicos garantidos pelo Estado de Bem-Estar
Social.
Mesmo avançando para o período democrático (1945/64), poucas mudanças ocorreram na estrutura sindical, que estava voltada ao assistencialismo médico, social e jurídico.
Já no início da década de 60 ocorre um pequeno impulso, pois os trabalhadores urbanos e
do campo buscam melhorar as suas condições de vida, mostrando algum avanço na consciência política de classe, o que foi logo controlado com a instituição do Regime Militar. Nesse
período inúmeros funcionários foram expurgados e aposentados, e tem início um processo
intenso de perseguição a pessoas que eram contra o regime, os “subversivos”.
Como os militares precisavam de recursos para financiar o seu projeto de expansão
econômica, uma das medidas adotadas foi a expropriação salarial dos trabalhadores. Neste
sentido, foi seguida uma política de contração dos salários, exceto dos vencimentos mais
altos de profissionais com ensino superior, administradores e executivos de empresas e os
altos funcionários das estatais. Igualmente beneficiou o segmento das chamadas profissões
liberais. Isso se refletiu de forma positiva na classe média alta, que teve o seu poder de
compra aumentado, contribuindo para a retomada do crescimento econômico. A maioria
dos trabalhadores, contudo, teve seus salários achatados, pois os reajustes eram sempre
81
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
inferiores às taxas da inflação. Como os sindicatos estavam impedidos de qualquer reivindicação, excluiu-se a maioria dos assalariados do direito de usufruir do crescimento econômico (Brum, 1997, p. 332).
A crise do final da década de 70 (e início de 1980) levou a classe trabalhadora a se
organizar e buscar melhorias salariais. Achatamento salarial num período de grande crescimento não era tão problemático como num período de crise, pois a expansão industrial que
ocorreu durante o Regime Militar contribuiu para que mais membros da família buscassem
uma colocação no mercado de trabalho, ampliando a renda total, o que levou algumas
pessoas a sonharem com o período de “vacas gordas”.
No contexto dessa crise econômica ocorre o processo de abertura lenta, gradual e segura, levando os sindicatos e a população a se organizar, exigindo o fim do Regime Militar. Os
movimentos iniciados no ABC paulista desencadearam uma mentalidade mais aberta e uma
consciência mais crítica em torno da realidade sindical. Nesse período ocorreram inúmeras
greves em São Paulo e no Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul houve uma grande mobilização
dos professores estaduais, que buscavam melhorias salariais e qualidade no ensino.
Como vimos, a política econômica e social no período militar foi perversa, o que poderia ter sido amenizado com serviços públicos eficientes. Não foi isso o que aconteceu, contudo, pois os investimentos em educação, saúde, habitação e alimentação foram relegados
a segundo plano. Algumas ações foram postas em prática, porém não nas proporções que se
fazia necessário.
3.2 – Os Reflexos Sociais – Êxodo Rural e Urbanização
Como vimos, entre 1930 e 1980 ocorreu a industrialização brasileira e a modernização
da agricultura, o que contribuiu para que o Brasil crescesse, se modernizasse. A intensificação da industrialização brasileira causou significativas alterações no plano social. Novas
oportunidades de emprego foram geradas, melhorando a qualidade de vida de grande parte
da população. A classe trabalhadora urbana cresceu e não podia mais ser desconsiderada
em suas aspirações. Getúlio Vargas teve clareza da nova realidade e criou um arsenal de leis
protetoras, algumas delas vigentes até hoje, contribuindo com a ascensão social.
Durante os “50 anos em 5” do governo de JK o Brasil deu um salto econômico quantitativo e qualitativo, mas isso trouxe desequilíbrios sociais, pois houve um processo intenso
de concentração econômica – de renda, de riqueza, de terra e de grandes empresas –, social
e espacial. Acreditava-se que era possível desenvolver o país a partir de um centro econômi82
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
co forte, e, em função disso, os investimentos de infraestrutura foram canalizados para esses
grandes centros. Também ocorreram reivindicações por reformas estruturais, que eram necessárias mas não foram realizadas, como: a reforma tributária, cambial, agrária e urbana.
A industrialização atraiu a força de trabalho e a modernização da agricultura liberou
trabalhadores rurais, fazendo com que muitas pessoas se deslocassem do interior para os
grandes centros urbanos. Esse movimento migratório, conhecido como êxodo rural, ocorreu
no mundo inteiro e, no Brasil, foi mais intenso entre 1960 e 1980. Muitas pessoas, em razão
de suas dificuldades financeiras, foram empurradas para as periferias urbanas, formando
grandes aglomerados de favelados, não por opção, mas por falta de alternativa. Os municípios não estavam preparados para receber um número tão elevado de pessoas numa velocidade tão grande, pois não havia planejamento urbano nem capacidade de investimentos em
infraestrutura.
Na década de 60 ocorreu à diminuição do ritmo das atividades econômicas e o aumento da inflação, gerando o crescimento da taxa de desemprego, a redução do poder aquisitivo
dos salários e a queda na arrecadação do governo. Os militares, que assumiram o comando
do país durante esse período, enfrentaram esses problemas, mas para eles interessava, sobretudo, o crescimento econômico. A política econômica adotada no Brasil tinha como referência os padrões norte-americanos, atingindo aqui somente 20% da população, e era caracterizado pelo forte controle salarial, indexação e controle de preços e estatização das
decisões econômicas. Os aspectos sociais como educação, saúde pública, habitação, foram
relegados para segundo plano, reduzindo-se o seu percentual de investimento.
O avanço de um parque industrial moderno contrastava cada vez mais com a pobreza de grande parcela da população. Uma declaração do presidente Médici reflete bem
esta realidade: “A economia vai bem, mas o povo vai mal”. Os salários e as políticas públicas são ferramentas importantes para a distribuição de renda. Houve um processo intenso de achatamento salarial, ou seja, o trabalhador teve seu poder de compra diminuído,
porém algumas pessoas nem se deram conta desse processo, pois em muitas situações o
poder de compra das famílias melhorou pelo fato de que a esposa e/ou os filhos também
tinham seu emprego. Obviamente muitos sentiram fortemente o processo de achatamento salarial, mas o país estava vivendo numa ditadura e a classe trabalhadora tinha pouca
possibilidade de reivindicar, de mudar essa realidade. Entre 1964 e 1985 ocorreu um agravamento dos problemas sociais, pois o Regime Militar buscou atender às necessidades da
elite, intensificando os mecanismos de repressão, excluindo, dessa forma, a maioria da
população.
83
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Em função do fraco desempenho econômico do Brasil e da maioria dos países em desenvolvimento, a década de 80 foi considerada como “Década Perdida”. Nem tudo era negativo, porém. Tanto é que esse mesmo período foi também chamado de “Década Ganha”, pois
a sociedade mudou muito.
Fez a transição pacífica do regime autoritário para o regime democrático. Construiu instituições democráticas capazes de resguardar as liberdades políticas, garantir o princípios da cidadania e os direitos individuais, políticos e sociais. A sociedade civil avançou no fortalecimento
de suas organizações. A democracia recolocou-se como valor a ser preservado e vivenciado, sem
que qualquer partido político, segmento ou setor da sociedade se disponha a afrontá-la. A população participou de um processo de auto-amadurecimento – através de experiências e duros
fracassos – e aprendeu que a superação da crise não se dará por passe de mágica, milagre ou
decreto. Exige esforço prolongado e uma dose de sacrifício coletivo, a partir de um projeto
nacional hegemônico, responsavelmente assumido e administrado (Brum, 1997, p. 439).
– Seção 4 –
A Crise do Modelo
4.1 – Fim do Milagre
No final dos anos 70 e ao longo da década de 80 o Brasil diminuiu sensivelmente o seu
ritmo de crescimento econômico, sofrendo com longos anos de estagnação. Nesse período a
sociedade brasileira fez a transição pacífica do regime autoritário para o regime democrático, a sociedade avançou no fortalecimento de suas organizações e a democracia se colocou
como valor a ser recuperado, preservado e vivenciado. O último governo militar, conduzido
pelo presidente Figueiredo, buscou administrar a crise e viabilizar o processo de abertura
política. Nessa fase o Brasil foi administrado em função da dívida externa e dos interesses
dos credores internacionais. Segundo Brum (1997, p. 425), duas foram as principais razões
da crise econômica brasileira entre 1980 e 1990: o esgotamento do projeto de desenvolvimento eatabelecido em 1930 e a falta de um novo projeto.
Nesse período ficou evidente o esgotamento do modelo de desenvolvimento capitalista
centrado na industrialização por substituição de importações, tendo o Estado como indutor,
financiador e investidor, e o capital internacional como principal agente privado. O cresci84
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
mento econômico, até então puxado principalmente pela expansão industrial, foi interrompido pela quebra financeira do Estado e pela perda de credibilidade internacional do país e
do governo.
Os recursos para financiar o Projeto de Desenvolvimento Brasileiro eram de origem
externa e esta fonte passou a reduzir o volume de recursos emprestados e também a
cobrar parcela daqueles tomados anteriormente, afinal, os países capitalistas desenvolvidos também foram atingidos pela crise do capitalismo no final da década de 70, e tiveram de buscar alternativas para diminuir ao máximo o impacto em suas economias. A
partir desse momento mudaram completamente as políticas de financiamento e investimento no Brasil.
As duas crises do petróleo (1973 e 1979) elevaram o seu preço, aumentando também
os custos de produção e de transporte das mercadorias. E a crise da dívida externa contribuiu decisivamente para a falta constante de recursos para financiar o projeto de desenvolvimento brasileiro.
Para compensar a falta de recursos externos o governo brasileiro usou o endividamento
interno, a partir do final dos anos 70, para financiar o seu projeto de desenvolvimento. A
situação era complicada, pois os países só vendiam petróleo ao Brasil com pagamento no
ato – à vista. Assim,
Através do lançamento de mais e mais títulos públicos, captava a poupança privada e financiava
a execução dos projetos em andamento, o pagamento de juros e outras despesas. Acabou desvirtuando, assim, a finalidade da dívida mobiliária pública e dos seus títulos, que deviam destinarse basicamente à execução da política monetária. Em conseqüência, o governo e o país caminharam rápido para o torvelinho da chamada ciranda financeira, desviando recursos substanciais
do investimento produtivo para a especulação (Brum, 1997, p. 336).
Isso se refletiu nas condições efetivas de financiamento do Estado, aprofundando
suas dificuldades. A crise foi agravada pela queda na receita tributária, pagamento de
altas taxas de juros e aumento dos gastos com o setor público, entre outros. No período
anterior foram criadas inúmeras estatais, fundamentais para garantir o processo de industrialização, mas o seu papel era o de oferecer produtos e serviços a preços inferiores ao
custo, como forma de viabilizar a rentabilidade do capital privado. Uma das alternativas
adotadas para enfrentar os problemas financeiros do Estado foi a venda do patrimônio
público – a privatização.
O Estado brasileiro, devido às dificuldades financeiras, tornou-se
85
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
o principal captador de recursos privados para o financiamento do elevado déficit público e a
rolagem da volumosa dívida pública interna. Quase a totalidade dos recursos financeiros disponíveis no mercado passou a ser desviada do setor produtivo para a especulação financeira, em
função da dívida pública, interna e externa. Com isso, desvirtuou-se também a função básica do
sistema bancário brasileiro: captar a poupança disponível na sociedade e aplicá-la no financiamento do setor produtivo (Brum, 1997, p. 434).
O colapso financeiro ocorreu, sobretudo, na esfera federal, mas rapidamente se estendeu para os Estados e municípios, com raras exceções. O Estado perdeu sua capacidade de
investir e foi obrigado a buscar alternativas para a situação do descontrole das finanças
públicas e da inflação (p. 435).
A inflação abalou de forma significativa as atividades econômicas e as políticas de
preços e salários, trazendo sérias dificuldades para a sociedade brasileira. Em 1983 ela ultrapassava os 200% ao ano e em 1990 estava em 1.476,5% ao ano. Nesses dois anos a taxa
anual de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ficou abaixo de zero. “Diante do processo inflacionário galopante, os agentes econômicos empenharam-se mais em defender-se
da inflação e buscar ganhos sem risco através da especulação financeira do que em modernizar seus empreendimentos econômicos, incorporar novas tecnologias, reduzir custos e
aumentar a produtividade e a competitividade (p. 435-436). Menos postos de trabalhos foram gerados, perdas enormes ocorreram no poder de compra dos salários, contribuindo também com a transferência de renda do trabalho para o capital.
4.2 – O Esforço Pela Estabilização Econômica
A situação do país no início da década de 80 era preocupante. Tanto é que Tancredo
Neves e sua equipe econômica identificaram como aspectos que asfixiavam a economia
brasileira: a recessão econômica; os elevados índices de inflação – acima de 2000%; o déficit
do setor público e a elevada dívida interna; a dívida externa e a sangria dos juros; a defasagem dos preços dos serviços prestados pelo setor público; os desequilíbrios na distribuição
de renda e o desemprego (Brum, 1997, p. 402). Após o diagnóstico era necessário encontrar
alternativas para reverter essa realidade. Para tanto, vários planos foram elaborados e postos em prática, mas alguns problemas ainda hoje persistem.
Durante as décadas de 80 e 90 vários planos econômicos foram elaborados e instituídos, com o objetivo de controlar a inflação, estabilizar a moeda, renegociar a dívida externa
e retomar o crescimento econômico. Além de recuperar a estabilidade econômica interna, o
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
país foi posto diante do desafio de conquistar uma inserção competitiva na economia mundial, pois o mundo vive um período de abertura de fronteiras e de globalização das relações
econômicas.
A seguir vamos analisar alguns aspectos dos três principais planos de estabilização
econômica executados: Plano Cruzado, Plano Collor e Plano Real. Além destes, nós tivemos
vários outros, que também foram importantes, mas cujas características são muito semelhantes e por isso optamos por não estudá-los nesse momento.
4.2.1 – O GOVERNO SARNEY E O PLANO CRUZADO
O primeiro presidente do período democrático (pós-1985), José Sarney, ficou com a
responsabilidade de derrubar o “entulho” autoritário e instituir um plano econômico que
desse um novo fôlego e um novo impulso à economia brasileira. Os primeiros meses do
governo foram caracterizados pela prolongada agonia de Tancredo Neves e pela fragilidade
do presidente em exercício. Em 1985 o quadro econômico era menos grave do que em anos
anteriores, pois o avanço das exportações (farta safra agrícola) e a queda das importações
contribuíram para um saldo positivo na balança comercial e também para o aumento da
credibilidade do governo. “Mas o problema da dívida externa e interna subsistia a longo
prazo, assim como o da inflação, que chegou a 223,8% em 1984 e 235,5% em 1985” (Fausto,
2000, p. 520).
Nesse contexto, a equipe econômica do governo lançou, por meio de uma terapia de
choque, em fevereiro de 1986, meses antes das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, o Programa de Estabilização da Economia – o Plano Cruzado. Este Plano contou
com grande apoio e participação da sociedade brasileira, e seus principais objetivos eram
controlar a inflação e reorientar a economia, conciliando-os com o crescimento econômico
e com a melhora do poder aquisitivo dos salários.
Algumas medidas do Plano Cruzado:
– mudança do nome da moeda – substituição do cruzeiro desmoralizado pelo cruzado;
– desindexação – ou seja, o aumento do preço das mercadorias e dos serviços não iria mais
ocorrer com base nos índices da inflação passada, mas segundo as regras da oferta e procura, pois o governo considerava que a inflação futura ficava embutida nos reajustes dos
preços, a chamada “inflação inercial”.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– congelamento de preços e salários. O salário mínimo foi reajustado pelo valor médio dos
últimos seis meses, mais um abono de 8%. Reajustes posteriores ocorriam toda vez que a
inflação chegasse a 20%, quando era disparado o “gatilho”, que significava um reajuste
automático. Aumentos adicionais poderiam ocorrer mediante livre-negociação entre patrão e empregado, desde que não fossem repassados aos preços.
Para contribuir com a execução do Plano o governo convocou “as brasileiras e os
brasileiros” a se tornarem seus fiscais. O congelamento dos preços e o ajuste dos salários
pela média contribuíram para o aumento do poder de compra da população. O congelamento teve uma boa aceitação na sociedade brasileira, e as pessoas, com o aumento de suas
rendas, foram às compras. O aumento do consumo fez com que muitos produtos desaparecessem das prateleiras, pois haviam sido congelados a preços inferiores ao custo de produção. Como o aumento do preço não era permitido, a solução que muitos empresários encontraram foi trocar a embalagem do produto com o objetivo de caracterizá-lo como novo. O
medo do retorno inflacionário fez com que muitas pessoas fizessem estoque de produtos em
casa. Essa atitude também contribuiu para que alguns produtos começassem a faltar nos
supermercados e fossem adquiridos somente por meio do pagamento de ágio (um adicional
pago além do preço que constava na tabela).
Em julho de 1986 o governo lançou o “cruzadinho”, um conjunto de medidas corretivas que tinha como objetivo reduzir o consumo e incentivar a poupança e os investimentos.
Essa ação atingiu principalmente a classe média, pois se instituiu o empréstimo compulsório na compra de carros, de gasolina e álcool, de dólares para viagens e de passagens aéreas
ao exterior. Ocorreu também o aumento das importações, não acompanhada pelo aumento
das exportações, gerando um certo desequilíbrio nas contas externas.
A satisfação inicial do povo refletiu-se diretamente nas eleições de 1986, que escolheu
os novos governadores de Estado, os senadores e os deputados constituintes, com ampla
vitória do partido que apoiou o governo, o PMDB. No período eleitoral já estavam visíveis
algumas dificuldades do Plano, mas o discurso dos candidatos governistas era de otimismo
e de continuidade do congelamento, inclusive com ameaças aos setores que boicotavam a
oferta normal de bens. Para alguns destes políticos a solução para a falta de carne bovina
nos açougues passava pela busca compulsória de bois no pasto. Como se isso fosse possível!
Logo após a eleição o governo fez diversos ajustes na tentativa de salvar o Plano e
manter a estabilidade. O Plano Cruzado II, como ficou conhecido, causou frustração, revolta e desencantou a população em relação ao governo, aos políticos e ao próprio país. Ainda
no governo Sarney, outros Planos foram elaborados e postos em prática, mas não tiveram a
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
mesma repercussão e nem o mesmo apoio da população, como os planos Bresser e Verão.
Esses Planos trouxeram várias perdas para a sociedade brasileira, que em algumas situações busca ressarcimento na Justiça.
4.2.2 – O Governo Collor de Mello e o Plano Collor
Após 29 anos sem eleições diretas para presidente da República, o povo brasileiro voltou às urnas e escolheu Fernando Collor de Mello, que prometeu “liquidar o tigre da inflação com um único e certeiro tiro”. Ele teve uma rápida ascensão, pois foi eleito com a
imagem de alguém que significava o avanço (moderno), mas acabou por frustrar a todos.
Durante o primeiro ano de governo perdeu apoio e capacidade de instituir políticas, quadro
que foi se agravando até a data da renúncia/impeachment.
Os principais desafios do governo Collor eram o controle da inflação, a renegociação
da dívida externa e a elaboração de um plano exequível. O seu plano econômico estava
embasado no pensamento neoliberal, que defendia as privatizações, a desregulamentação e
a abertura econômica. Tratava de avançar de um período de grande intervenção do Estado
para um capitalismo moderno, baseado na eficiência e na competitividade dos setores privados. As relações econômicas deveriam ser reguladas pelo mercado e o desenvolvimento deveria ser liderado pelo setor privado nacional e internacional.
No dia seguinte a sua posse o presidente anunciou o “Plano Collor ”, ressaltando que
não iria penalizar os pobres, mas os ricos. A inflação de março de 1989 a março de 1990
chegava a 4.853%, o que de fato estava preocupando a sociedade.
Algumas medidas do Plano:
– mudança do nome da moeda – o cruzado novo foi substituído pelo cruzeiro
– confisco do dinheiro da conta corrente e da caderneta de poupança. Valores superiores a
Cr$ 50.000,00 ou, no caso do overnight, se tivesse, Cr$ 25.000,00 foram bloqueados por 18
meses e depois liberados gradualmente – “operação torneirinha”;
– salários pré-fixados e depois negociados entre patrões e empregados;
– todos os preços retroagiram a 12 de março;
– cortes dos gastos públicos com demissões de funcionários e privatizações;
– o Plano também previu a abertura econômica.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
No início do Plano a inflação foi reduzida, e para atingir esse objetivo foi retirado o
máximo possível do dinheiro em circulação para evitar a corrida ao consumo, mas isso também contribuiu para a maior recessão da história do Brasil. Houve aumento do desemprego,
pois empresas e agricultores foram atingidos fortemente pelas medidas estabelecidas pelo
governo. O Plano não deu certo e ainda trouxe sérios prejuízos para a sociedade. A política
econômica foi desastrosa, mas Collor aparecia na mídia pilotando aeronaves, jet skies, fazendo caminhadas ou praticando esportes. Mostrava uma personalidade forte e era vaidoso.
Quem não lembra da expressão “tenho aquilo roxo”?
O Plano Collor II, lançado para remendar o anterior, também não obteve sucesso, pois
toda a credibilidade do governo havia sido abalada pelas denúncias feitas por Pedro Collor,
irmão do presidente. Em 1991 a sociedade estava insatisfeita com os resultados efetivos da
política econômica e das demais políticas adotadas pelo governo. O sentimento era de indignação, tanto com relação à política econômica quanto pelas denúncias de corrupção,
devido ao mau uso do dinheiro público. Isso tudo levou ao processo de impeachment do
presidente, que ainda tentou a renúncia na última hora, assumindo o vice-presidente Itamar
Franco, que tinha dois objetivos básicos: 1) o resgate da ética na administração pública (e
na política) e 2) preparar o país para um novo plano de estabilização econômica.
4.2.3 – O Governo FHC e o Plano Real
Fernando Henrique Cardoso assumiu o comando do Ministério da Fazenda no governo de Itamar Franco. Sua equipe elaborou um novo Plano de Estabilização Econômica – o
Plano Real. Este Plano tinha como objetivo central buscar o controle da inflação, a grande
culpada pela crise brasileira. O Plano foi elaborado e não previa surpresas. Foi amplamente
discutido no Congresso, com os agentes econômicos, nos meios de comunicação e com a
sociedade. Ele efetivou-se em três fases: a) ajuste fiscal – buscar equilíbrio das contas públicas; b) instituição da URV – um indexador que regulou preços e contratos; c) real – consolidado em 1/7/94 – moeda forte e de poder aquisitivo forte.
A elaboração e a coordenação do novo plano econômico contribuíram decisivamente
para a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República em 1994,
pois se apresentou como a pessoa mais bem-preparada para colocar o Plano Real em prática. Após eleito deu continuidade a um projeto cuja meta principal era a estabilidade dos
preços e o controle da inflação, ou seja, a estabilidade econômica. Para tanto, empenhou-se
em realizar as reformas do Estado, renegociar a dívida externa e abrir a economia para
investimentos estrangeiros, buscando com isso a retomada do crescimento econômico tão
esperado pela sociedade.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Segundo Brum, alguns encaminhamentos foram importantes para o sucesso desse Plano, tais como:
– política cambial e as reservas – novamente ocorreu a mudança do nome da moeda, com
o cruzeiro sendo substituído pelo real. Além disso, por meio da “âncora cambial” o governo vinculou a moeda nacional ao dólar, aumentando a sua credibilidade. Essa medida
deveria ser provisória, mas continuou até 1999, e elevou o montante de reserva cambial,
que compreende o volume de dólares e haveres que o Brasil tem de outros países. Um bom
saldo significava que o país tinha condições de atender seus compromissos financeiros e
fazer importações (Brum, 1997, p. 499-503).
– política monetária, de créditos e de juros – com essa política o governo buscava administrar e controlar o dinheiro posto à disposição dos agentes econômicos e da sociedade,
empregado para conter a inflação, segurar preços e sustentar a moeda. A regra é manter
sob controle o dinheiro em circulação. Por meio das altas taxas de juros no crédito o
governo regula o mercado (oferta e demanda) (Brum, 1997, p. 503-505).
– equilíbrio das contas públicas internas – com isso buscava disciplinar as despesas do
governo, que deveria gastar só o que arrecadava. Num período de inflação alta isso era
facilmente camuflado, pois os governos ganhavam com aplicações e o adiamento dos pagamentos. Com inflação estabilizada, porém, essa realidade muda, levando a sérios problemas para o poder público. No momento em que o governo gasta mais do que arrecada
ele precisa recorrer a empréstimos, aumentando sua dívida, paga juros elevados e pressiona a inflação para cima. Para recuperar as finanças públicas o governo buscou realizar
reformas, como Reforma Administrativa, Reforma da Previdência e Reforma Tributária e
Fiscal, mas que não ocorreram de forma profunda. Buscou ainda acelerar as privatizações,
mas tudo isso não diminuiu a dívida pública (Brum, 1997, p. 520-536).
– política salarial – desindexação – salário desatrelado da inflação e negociado entre empregado e empregador, ficando o governo com a responsabilidade de fixar o salário mínimo. O
Plano Real buscou a contenção dos salários para segurar o consumo e manter os preços
estáveis, pois estas medidas favoreciam a redução do déficit público e a competitividade
das exportações. A livre-negociação entre patrões e empregados, numa realidade de desemprego, resulta na preocupação do trabalhador em manter o que tem, ao invés de obter
novos ganhos, consequentemente diminuindo a força sindical (Brum, 1997, p. 536-538).
O Plano Real não atingiu a todos da mesma forma. Alguns foram beneficiados e outros nem tanto. Num contexto de sobrevalorização do real, os brasileiros que exportavam
foram muito prejudicados, pois os produtos do país eram muito elevados em âmbito externo.
91
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
De outro lado, o aspecto positivo foi o controle inflacionário, o que veio acompanhado de
uma maior estabilidade dos preços, e o brasileiro passa a ter condições de fazer um planejamento dos gastos.
O grande desafio do momento era a estabilidade econômica. No entendimento de
Brum (1997, p. 452) significava controlar a inflação, recuperar a confiança na moeda,
equilibrar preços e salários, acertar as contas externas, sanear as finanças do poder público e retomar o crescimento econômico. Nos quatro primeiros anos ocorreram avanços, porém insuficientes, no saneamento das finanças públicas e na retomada do crescimento econômico, fundamental para a geração de emprego, aumento da arrecadação e
inclusão social.
De outro lado, a política econômica do governo FHC conseguiu uma melhor organização da economia brasileira. O controle da inflação refletiu-se de forma positiva na sociedade, que passa a ter maior segurança para planejar os seus gastos, além de reduzir as suas
perdas salariais. Como o governo ficou com a responsabilidade de definir somente os reajustes do salário mínimo, estabeleceu uma política de recuperação de perdas, o que significou
reajustes salariais acima da inflação. Os demais trabalhadores buscaram, por intermédio de
seus sindicatos, garantir seus reajustes, pois foi instituída a livre-negociação entre patrão e
empregado.
Durante o mandato do governo de FHC foi renegociada a dívida externa, com alongamento de prazos de pagamento e diminuição da sangria de recursos. Para financiar o seu
projeto, no entanto, o governo acentuou o endividamento interno, e para garantir os recursos necessários teve de aumentar os juros, o que se refletiu de forma negativa na retomada
do crescimento econômico e aumentou de forma significativa a dívida interna. Manteve,
também, uma política de juros altos para atrair capitais externos, necessários para garantir
o êxito do Plano Real. Estes vários fatores inibiram a retomada do crescimento econômico,
tão almejado pela sociedade brasileira.
FHC foi reeleito para um segundo mandato, e, a partir de 1999, adotou uma política
econômica de flutuação do câmbio, esperando com isso reduzir a taxa de juros. A economia
precisava retomar o crescimento e para isso era necessário investir no setor produtivo. Diante da política de juros elevados, no entanto, as pessoas e os investidores preferem investir no
setor especulativo. Nesse período, o país foi atingido pelas crises externas, levando o Banco
Central a elevar juros, o que vem diminuindo nos últimos anos.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– Seção 5 –
Os Governos FHC e Lula: buscando o crescimento econômico
No primeiro mandato do governo de FHC foram dados alguns passos importantes para
uma maior estabilidade econômica, mas era necessário avançar esse processo, pois alguns
problemas ainda não tinham sido resolvidos ou mesmo amenizados. Com a aprovação da
reeleição em 1997, FHC pode se candidatar para continuar na Presidência. Ele se apresentou como idealizador do Plano Real e com o argumento de que 4 anos eram insuficientes
para concretizar tudo o que foi pensado. Uma das questões centrais para o segundo mandato seria a retomada do crescimento.
A possibilidade de reeleição também garantiu um segundo mandato para o Presidente
Lula, que foi eleito em 2002 e reeleito em 2006, com a possibilidade de cumprir dois mandatos consecutivos de 4 anos cada.
5.1 – O SEGUNDO MANDATO DE FHC E A BUSCA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO
O presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito para um segundo mandato, no
primeiro turno, com 53% do total dos votos. Ele tomou posse no dia 1º de janeiro de 1999,
momento em que o Brasil apresentava a menor taxa de crescimento econômico, e,
consequentemente, a maior taxa de desemprego, o que contribuiu para o aumento das mobilizações sociais, pois a sociedade via o seu poder de compra diminuindo a cada dia.
O governo brasileiro buscou reduzir o déficit público, continuando com o processo de
privatizações, mas mesmo assim a dívida interna ainda estava crescendo. Por exemplo, entre 1994 e 1999 ela passou de 108 para 328 bilhões de reais. E, a dívida externa, neste
mesmo período, foi de 148 para 241 bilhões de dólares, o que constituiu vários desafios para
o governo de FHC neste segundo mandato.
Para o aumento das dívidas contribuiu a política cambial, pois o governo buscou garantir a valorização da moeda brasileira, o Real, o que muda somente a partir de 1999, quando o
governo adotou uma política econômica de flutuação do câmbio, esperando que isso influísse
na redução da taxa de juros, e, consequentemente, ocorresse maior investimento no setor
produtivo. Não foi isso, porém, que aconteceu. Diante da política de juros elevados, no entanto, as pessoas e os investidores continuaram investindo no setor especulativo; e, ainda, as
crises externas atingiram também o Brasil, levando o Banco Central a elevar juros.
93
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Neste final de século o controle inflacionário foi garantido pela política de juros elevados, que se refletiu de forma negativa na retomada do crescimento econômico e,
consequentemente, ampliou a concentração de renda. A política econômica adotada refletiu a recomposição dos interesses, manifestando a hegemonia do capital financeiro, setor
que mais tem lucrado. Atingimos uma maior estabilidade, mas à custa de quê?
Os governos brasileiros redefiniram sua política econômica, buscando a inserção competitiva no mundo. A partir do governo Collor o Brasil se abriu comercialmente, reconhecendo sua opção pelo neoliberalismo, que significava abertura econômica, privatizações,
desregulamentação, Estado mínimo.
A sobrevalorização do real criou sérios problemas para a produção nacional, pois o
Brasil foi invadido por produtos importados, o que fez com que uma pequena parcela da
população vibrasse com a possibilidade de adquirir esses produtos, mas também contribuiu
para a quebradeira das indústrias nacionais e dificultou as exportações (devido à política de
câmbio). Desta forma, os preços dos produtos brasileiros tiveram dificuldades em competir
no mercado externo, o que gerou mais desemprego e diminuiu a arrecadação de impostos.
De outro lado, a política de câmbio elevada favoreceu os importadores de máquinas e equipamentos, que tornaram o parque industrial mais moderno, o que trouxe reflexos positivos
e negativos para o país e para a sociedade brasileira.
Nos últimos anos, mesmo com o câmbio livre, a moeda nacional continuou de certa
maneira valorizada, repercutindo de forma negativa nas exportações brasileiras, mas continuou contribuindo com a importação de máquinas mais sofisticadas. Estes e outros fatores
colaboraram para inibir a retomada do crescimento econômico, e, consequentemente, a
geração de mais empregos.
5.2 – O GOVERNO LULA E A RETOMADA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO
Após dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, em 2003 foi a vez de Luiz Inácio
Lula da Silva chegar ao poder. Sua eleição só foi possível graças a uma ampla aliança de
forças políticas, não necessariamente coesas quanto ao projeto a ser posto em prática, que
foi complementada por um conjunto de “garantias” formalizadas durante a campanha por
meio da “Carta aos Brasileiros” (junho de 2002, disponível em: <http://www2.fpa.org.br/
portal/modules/news/article.php?storyid=2324>), pois estava ocorrendo fuga de capital e
elevando o chamado “Risco Brasil”. Lula triunfou com uma promessa mista entre mudança
(o determinante seria baixar os juros) e continuidade (cumprir os compromissos assumidos
pelo governo anterior) (Sader, 2003, p. 190-191).
94
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
A sociedade brasileira depositou suas esperanças no governo Lula, esperando que ele
fizesse as mudanças almejadas, dentre elas uma ruptura na política econômica. O que ocorreu, no entanto, foi a continuidade da política neoliberal adotada desde o governo Collor.
Este governo encontrou a economia mais bem-estruturada, com a inflação mais ou menos
estabilizada, com a dívida externa sob controle, mas, de outro lado, com sérios desafios a
enfrentar, tais como: promover a retomada do crescimento econômico e encontrar alternativas para enfrentar a acentuada dívida social.
A política de juros elevados, câmbio sobrevalorizado, alta carga tributária, infraestrutura
precária e a falta de investimentos, têm contribuído para o reduzido crescimento econômico. Para tanto, tornava-se necessário ajustar a política cambial, reduzindo aos poucos a
taxa de juro, o que era também necessário para manter sob controle a inflação, que dava
sinais de retomada.
Como durante a campanha eleitoral o Risco Brasil aumentou, os primeiros anos do
mandato do governo Lula foram também dedicados para conter esta instabilidade, provocada
pelos especuladores do mercado financeiro internacional. Para contornar essa situação, o
governo indicou para a Presidência do Banco Central Henrique Meireles, que tinha um
grande reconhecimento internacional. Mediante uma política monetária ortodoxa e a defesa do equilíbrio fiscal, ele manteve sob controle a inflação e conquistou a confiança internacional.
Ocorreu também a aproximação do governo Lula com vários países, ampliando, desta
forma, a pauta de exportação brasileira. O presidente tornou-se importante liderança no
âmbito mundial, em que o seu discurso era em defesa de países, como o Brasil, que tinham
sérios problemas sociais.
No segundo mandato do governo Lula, iniciado em 2007, percebe-se um amadurecimento da economia brasileira, contribuindo para a retomada do crescimento econômico. Ao
analisarmos o século 20 percebemos que o Brasil teve períodos de bom crescimento econômico quando houve injeção de capital externo e quando ocorria aumento do mercado consumidor. Por exemplo, as previsões feitas pela equipe do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) indicam um crescimento de investimentos, que em 2007 foi de 10% e em
2008 foi de 9,6%, o que foi puxado principalmente pelo item máquinas e equipamentos, em
2006 cresceu 9,6%, deverá crescer 14,8% em 2007 e 13,3% em 2008. O ambiente favorável
estaria sendo impulsionado pelo incremento da capacidade instalada, aumento na demanda interna e estabilidade econômica, o que tem atraído investimentos do setor privado (Souza, 2007).
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Neste momento se percebe uma ampliação do mercado interno, em que ocorreu a
redução dos juros e o aumento dos prazos de financiamento. O setor que tem se beneficiado
é o imobiliário, que buscou recursos por meio da venda de ações na Bolsa de Valores. Algumas políticas sociais (bolsa família), elevação do salário mínimo e a política de créditos para
os trabalhadores e aposentados, podem contribuir para ampliar ainda mais o consumo, o
que gerou também mais emprego.
A crise de 2008/2009 não abalou a economia brasileira como em momentos anteriores.
O presidente chegou a considerar ela como “marolinha”. Claro, algumas medidas foram
necessárias para conter o reflexo dela no país. Por exemplo, o governo reduziu o IPI para
automóveis e alguns eletrodomésticos.
A exemplo do que aconteceu em outras épocas a política cambial continua ora se
refletindo de forma positiva, ora de forma negativa na sociedade, ou seja, barateando o
custo dos bens de capital importados, mas dificultando a concorrência no mercado internacional para os exportadores. O que se percebe é um certo otimismo com relação à economia
brasileira, mesmo que o PIB não atinja os patamares do período do “milagre econômico”,
mas estamos caminhando para um crescimento econômico que, esperamos, seja mais prolongado.
A qualidade de vida das pessoas está melhorando de forma significativa, o que se percebe no momento que as classes C, D e E estão consumindo mais, pois a economia estabilizada dá a possibilidade para o consumidor planejar os seus gastos, fazendo uma programação de longo prazo.
O Brasil tem algumas fragilidades que precisam ser enfrentadas para contribuir para
que o país consiga garantir um crescimento de longo prazo. Um dos fatores problemáticos
diz respeito à infraestrutura e à logística, e, também, à educação, que influi diretamente no
nosso desenvolvimento científico e tecnológico e, de forma indireta, na saúde, na desigualdade, ou seja, na qualidade de vida das pessoas.
De outro lado temos alguns fatores que podem se refletir de forma positiva no desenvolvimento brasileiro. Por exemplo, o pré-sal está gerando amplas perspectivas, desde que
isso seja bem-administrado. Os recursos provenientes do pré-sal podem contribuir para diminuir a dívida interna, como também gerar mais recursos para serem investidos para qualificar o crescimento econômico, e diminuir a desigualdade social.
Além do pré-sal temos também a expectativa de investimentos que estão sendo feitos
para a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e Olimpíada de 2016, em que, além de modernizar estádios, serão necessárias mudanças em outros setores, como, por exemplo, infraestrutura.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
O fato é que no início do século 21 já não existe mais o inimigo comum a ser derrotado, mas é preciso construir e pôr em prática um projeto de desenvolvimento para o Brasil,
baseado em estratégias de longo prazo, e não apenas garantir a estabilidade econômica e a
continuidade das políticas até então adotadas.
5.3 – A GLOBALIZAÇÃO E A INSERÇÃO BRASILEIRA
A globalização é secular e acentua as relações entre países. A partir de 1980 ela atinge
uma nova etapa como parte da expansão capitalista, visando a ampliar mercados e garantir
a obtenção de lucros crescentes, ou seja, a produção e a venda ocorrem no mundo. Os
países e empresas, para garantir sua inserção internacional, precisam investir cada vez mais
em tecnologia, investimentos de grandes montantes que, para serem viabilizados, exigem a
ampliação de seus mercados. Percebem-se mudanças substanciais nas relações econômicas,
beneficiando aqueles que controlam a tecnologia e o capital.
A partir da globalização ocorre um processo intenso de integração espacial, em que
mercadorias, capitais e pessoas circulam com facilidade. Os avanços nas telecomunicações
possibilitam que o capital seja investido em qualquer parte do mundo. “Para os grandes
investidores, os países são vistos apenas como oportunidades de fazer bons negócios – ou de
não fazê-los. Não se preocupam com o país em si – sua soberania, sua história, o seu povo
ou sua cultura. Vêem-no apenas sob a ótica do lucro” (Brum, 1997, p. 75).
A globalização financeira permitiu que capitais fossem investidos nos setores produtivos e outros no especulativo, na “ciranda financeira”. O primeiro tipo de investimento pode
ser útil e contribuir com o crescimento do país receptor. Já o que é investido na especulação
gera muita insegurança. Ele tem sua utilidade, pois ajuda a financiar a dívida pública dos
governos e pode ser útil financiando, em curto prazo, a produção de algumas empresas,
aquelas que buscam recursos na Bolsa de Valores. Diante de qualquer turbulência deslocam-se de um país para outro, e, ainda, no financeiro, criam-se os bancos 24 horas, redes
ligam bancos, corretores, Bolsas de Valores, surgindo novos atores, como os de fundos de
investimentos e os fundos de pensão. O desafio que se impõe é o de criar mecanismos que
garantam um controle sobre essas transações.
As empresas se instalaram nos mais diversos países buscando atender o mercado interno e externo. As exportações podem impulsionar o crescimento econômico em âmbito interno, gerar empregos, favorecer com a distribuição de renda. O interessante é que até a década de 70 as corporações internacionais precisavam se esforçar para convencer os governos.
Hoje os governos esforçam-se para atraí-las, fornecendo incentivos fiscais e vantagens.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Aqui, há que se fazer uma distinção entre os países que se mantiveram como meras
plataformas de exportação, e os que adotaram uma estratégia desenvolvimentista, tornando-se Novos Países Industrializados (NICs). Os primeiros não lograram obter desta conjuntura impulsos dinamizadores de longo prazo, como ocorreu no caso dos segundos. Os NICs
asiáticos, ou “tigres”, dinamizados a partir da articulação com o capitalismo japonês e,
posteriormente, a ascensão econômica do mundo chinês, fará da Ásia Oriental o polo mais
dinâmico da economia mundial (Vizentini, 1996, p. 32).
A globalização e regionalização operam dentro das regras da OMC (Organização
Mundial do Comércio), da economia de livre-comércio, atendem às exigências da expansão
capitalista e buscam ampliar seus lucros e mercados. Como resultado aprofundam-se as
desigualdades sociais e se alarga o abismo entre ricos e pobres, sejam indivíduos, regiões ou
nações. Os blocos econômicos são uma face da globalização, pois, para a inserção na competição internacional, são necessários volumosos investimentos em pesquisa, propaganda e
tecnologia, tornando-se o mercado um fator decisivo. Os mercados nacionais tornaram-se
pequenos demais diante dos investimentos necessários para a competição globalizada.
No contexto da globalização, o Brasil acentuou a sua participação a partir da década
de 90, em que avança o seu processo de abertura econômica, mundializa os mercados e a
produção. Segundo Gonçalves
até o final dos anos 1980, havia fortes restrições, e até mesmo proibições, quanto à importação de
bens (por exemplo, automóveis) e serviços (por exemplo, turismo). Havia, também, limitações
relativas à captação de recursos externos (por exemplo, não era permitido capital estrangeiro nas
bolsas de valores brasileiras) e a investimentos de brasileiros no exterior. Ainda que a indústria
brasileira fosse uma das mais internacionalizadas do mundo, com expressiva presença de empresas transnacionais, havia restrições quanto à entrada de capital estrangeiro em diversos setores
(bancos, energia elétrica, petróleo, telecomunicações, etc.) (Gonçalves, 2003, p. 91-92).
Contribuindo com esse processo, a Constituição Federal de 1988 destaca algumas diretrizes dessa inserção.
Segundo Brum
Constituição Federal estabelece as diretrizes básicas e os parâmetros de atuação do Brasil na área de
relações internacionais. Seu Artigo 4 afirma que o Brasil deve seguir os princípios da independência
nacional, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os Estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo,
cooperação entre os povos e concessão de asilo político. A Constituição também expressa que o
Brasil deve buscar a integração econômica, política, social e cultura dos povos da América Latina,
visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações (Brum, 2006, p. 81).
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
A abertura do mercado brasileiro, que se intensificou a partir de 1990, possibilitou o
ingresso de bens de consumo e de produção, possibilitado pela redução dos impostos de
importação. A entrada de máquinas e equipamentos industriais de última geração favoreceu a modernização do parque industrial brasileiro, aumentando a sua capacidade competitiva, mas de outro lado elevou os índices do desemprego estrutural. Além disso, contribuiu
para a falência de algumas indústrias nacionais, que tiveram dificuldade de incorporar
tecnologia. Certamente esse quadro seria diferente se o Brasil estivesse produzindo os equipamentos importados, mas para tanto seria necessário ter investido antes em educação e
pesquisa.
As relações internacionais são marcadas por interesses, em função dos objetivos nacionais de
cada país. Outra marca cada vez mais evidente no mundo de hoje é a interdependência. Há que
se distinguir, no entanto, entre interdependência vertical e interdependência horizontal. A
interdependência vertical é inaceitável, se funda na desigualdade e implica subordinação, que
impede o efetivo desenvolvimento e a participação igualitária nos processos decisórios de caráter geral. É preciso atuar no sentido de substituir a interdependência vertical, onde ela existir, por
uma interdependência horizontal, baseada na cooperação e em oportunidades econômicas e
culturais equitativas, e que supõe a igualdade e parte da independência (Brum, 2006, p. 85).
No início do século 21 o volume de produtos fabricados nas indústrias de bens de
capital no Brasil são insuficientes para atender às necessidades do mercado interno. Assim,
importamos máquinas, equipamentos e alguns produtos siderúrgicos. O maior volume de
importados, no entanto, é do setor de bens de consumo.
O desenvolvimento de setores de transporte, comunicações e informação, decorrente
dessa descentralização, uniu locais isolados, permitindo o surgimento das indústrias globais. Elas se deslocam com grande facilidade, tanto em âmbito interno quanto externo.
Esta é uma característica também das empresas brasileiras, que modernizaram seus processos e são, hoje, também multinacionais, pois se fazem presentes nos mais diversos países.
Temos até uma empresa estatal que está presente em outro país – a Petrobras –, terceira
maior empresa de petróleo do mundo.
Entre 1930 e 1980 vários investimentos foram realizados pelo Estado em infraestrutura,
garantindo o avanço industrial. Após esse período isso muda, e hoje temos inúmeras reclamações com relação à falta de investimentos nesse setor (estradas, portos...), fundamental
para que a economia avance e tenha condições de competir com o mercado internacional.
Por exemplo, durante o governo de FHC tivemos problemas de energia elétrica, sofremos
com o “apagão”. Quem deve assumir essa responsabilidade? O setor privado? Que empresas? E como fica o Estado?
99
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
A nova etapa do capitalismo brasileiro, instituído a partir de 1990, impõe outros desafios para o Estado. “O país, a economia e os agentes econômicos estão sendo submetidos a
um ‘choque de capitalismo’. O Estado reduz sua presença e sua proteção, deixando as empresas mais expostas às leis do mercado e da concorrência” (Brum, 1997, p. 463).
Neste contexto, a iniciativa privada tem assumido, progressivamente, os investimentos na produção, na indústria básica, na infraestrutura, em setores que antes ficavam sob a
responsabilidade do Estado, que reduz progressivamente sua atuação e seus investimentos
no setor econômico para aumentá-los nas áreas sociais.
Com a redefinição do papel do Estado ocorreram privatizações, desregulamentação no
processo de relações econômicas, permitindo que o mercado atue livremente segundo as leis da
concorrência. Os recursos para financiar o projeto de desenvolvimento brasileiro estão sendo
buscados junto ao setor privado, público e externo. Até mesmo o PAC é, em boa medida, garantido por investimentos do setor privado. O Brasil está retomando o seu processo de crescimento
econômico, em busca de dar atenção a questão ambiental e garantir uma maior inclusão social.
Os países que mais cresceram foram os emergentes, de certo peso econômico, como a
China. Esse país certamente vai crescer por mais alguns anos, pois ainda pode avançar em
termos de consumo. Já a Europa não tem crescido na mesma proporção, mas a população
também está estagnada, e foi abalada pela crise ocorrida na Grécia.
A globalização possibilitou que vários países que estavam atrasados crescessem. Houve um processo de ampliação dos padrões ocidentais de consumo, que estão sendo aceitos
em boa parte do mundo. Nos próximos 20 anos essa realidade não vai mudar muito. De
outro lado, se percebe um baixo crescimento econômico dos países desenvolvidos, entre eles
o EUA, o que pode se repercutir de forma negativa para os países em desenvolvimento, pois
necessitam desse mercado.
A crise financeira de 2008/2009 é uma comprovação do processo de deterioração da
economia norte-americana, o que de certa forma atingiu vários países. Neste contexto emergem os chamados Brics, composto por países como Brasil, Rússia, Índia e China, que muito
avançaram o seu processo de desenvolvimento. O mundo se move em oposição ao
unilateralismo.
Os países participantes do Brics enfrentaram bem a crise de 2008/2009. No Brasil, por
exemplo, as medidas encaminhadas nas duas últimas décadas contribuíram para que ele se
tornasse um país maduro e com melhores condições para enfrentar a crise. Já os EUA se
posicionaram como um país hegemônico no início do século 20, o que está sendo colocado
em xeque neste início do século 21.
100
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Transcorridos mais de 20 anos da instituição do neoliberalismo, percebemos que a crise
não foi resolvida e, ainda, se ampliaram alguns problemas como: insegurança, violência,
desnacionalização, maior vulnerabilidade externa, baixo crescimento, deterioração das relações de trabalho, deficiências na saúde e educação, corrosão e corrupção política, etc. – que
são, hoje, mais graves e mais percebidos e sentidos por parte da sociedade. Para que mudanças aconteçam, o Brasil, no entanto, precisa estar atento às exigências do mercado externo,
buscando mais competitividade por meio da incorporação de tecnologia, ser eficiente, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade dos produtos. De outro lado, não pode descuidar
do mercado interno, melhorando o poder de compra da população, pois é o quinto país do
mundo em população. Da mesma forma, deve buscar fortalecer as pequenas e médias empresas, uma vez que estas criam muitos empregos, garantindo a inclusão e gerando renda.
Em relação à questão externa, segundo Argemiro, Brum,
Para passar dos propósitos à prática, além de fatores externos, o processo de mudança depende
do poder e da vontade nacional. Nas relações entre os governos e povos, os outros nos objetivam.
Para não sermos reduzidos a meros objetos e usados a serviço dos interesses dos outros países,
precisamos responder a essa objetivação com a nossa subjetividade, isto é, com a nossa personalidade nacional. Um dos nossos grandes desafios, como povo, é trabalhar intensamente para
construir e fortalecer essa entidade chamada personalidade nacional brasileira, e colocá-la a
serviço da PAZ (Brum, 2006, p. 86).
– Seção 6 –
Desafios e Dilemas do Século 21
O século 20 foi marcado por grandes avanços nos aspectos tecnológicos, nas democracias, no comércio internacional e na integração econômica e social dos povos, mas agravou determinadas questões, que precisam ser enfrentadas no século 21. Dentre elas podemos destacar o consumo de energia e a necessidade de maior produção neste setor, assim
como os padrões de consumo e produção que ameaçam o equilíbrio ambiental. Temos, ainda, a violência urbana e o terrorismo internacional, que crescem devido à má distribuição
da riqueza no planeta.
Vamos aprofundar o estudo dessas questões nos próximos subitens: Os desafios da
economia brasileira e Os desafios na realidade social.
101
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
6.1 OS DESAFIOS DA ECONOMIA BRASILEIRA
Nas últimas décadas os governos brasileiros se debateram pela estabilidade econômica. Nada poderia desviar o foco dos esforços do combate à inflação e da busca do equilíbrio
das contas públicas internas e externas. Ao longo desses mais de 20 anos, no entanto,
novos desafios e novas possibilidades foram se configurando.
O contexto mundial passou por transformações muito importantes, resultando em novas
possibilidades e novos riscos nas relações econômicas internacionais. A crise do final da
década de 70 foi sendo superada pela articulação de poderosos interesses hegemônicos de
diversos países no enfrentamento dos problemas econômicos. Nessas últimas décadas houve um processo intenso de concentração e centralização de capital. De outra parte, o fim da
guerra fria, com a desintegração da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a
consolidação dos Estados Unidos como superpotência mundial, representam a configuração de uma nova ordem mundial, em que os centros de decisões deslocam-se dos Estados
nacionais para os conglomerados econômicos multinacionais.
Neste contexto, podemos destacar alguns dilemas que o Brasil precisa enfrentar.
– A questão energética – crescimento da produção e consumo – o Brasil necessita enfrentar
os seus dilemas nas questões energéticas, fundamental para o seu desenvolvimento neste
início do século 21. Não há país no mundo hoje que não esteja às voltas com este dilema,
e sua falta pode produzir um caos tanto para a vida das pessoas como para a economia. O
mundo necessita sempre mais de petróleo, carvão, gás, eletricidade, energia nuclear e,
agora, biocombustíveis. O uso sempre ascendente de energia, entretanto, é incompatível
com a crise ecológica. Quanto mais energia se consome mais pressão se exerce sobre os
recursos naturais, sobre o meio ambiente.
– Fontes alternativas de energia – reduzir emissões, portanto, significa mudar a matriz
energética e aí começa um dilema que o planeta precisa enfrentar. Buscar fontes alternativas de energia que emitam menos gases poluentes, mas isso implica alocar mais trabalho e capital, o que muitas vezes não é visto com bons olhos pelo sistema produtivo. Nesse
debate situa-se o Brasil, que anunciou de forma ousada – em Copenhague – seu compromisso de reduzir voluntariamente entre 36% e 39% de suas emissões até 2020. O que fazer
para cumprir essa meta?
Em relação ao consumo: Quem obrigará os mais ricos a consumirem menos? Deixarão
de comprar carros utilitários esportivos enormes e potentes – poluidores? Viajarão menos?
Comprarão menos? Comerão menos? O que fazer diante desse aumento nos crescimentos de
produtos que, além de exigirem mais energia, ainda acabam poluindo o meio ambiente?
102
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Estas mudanças vão ter um maior impacto se forem pensadas no coletivo. Há um
discurso que diz “que cada um deve fazer um esforço” como se isso resolvesse as coisas.
Hoje isso não é suficiente, pois o enfrentamento precisa ocorrer a partir de uma decisão
política, pois se o governo e as grandes empresas decidem investindo no transporte rodoviário, de nada adiantará que eu circule de bicicleta.
Hoje se apresenta a questão do baixo carbono. Alguns pesquisadores colocam que
isso é uma grande oportunidade para uma nova etapa do capitalismo, já estão há muito
tempo investindo em ciência, tecnologia e inovação. Assim, essas tecnologias poderão ser a
solução para a crise energética.
– Atos terroristas, que é o uso da violência sistemática, com objetivos políticos, contra
civis ou militares que não estão em operação de guerra. Existem muitas formas de se praticar o terrorismo, como: religiosos praticam atentados em nome de Deus; os mercenários
recebem dinheiro por suas ações; os nacionalistas agem movidos por um ideal patriótico e
ideólogo, e armam bombas motivados por uma determinada visão de mundo. Muitas vezes
o que se vê é uma mistura de tudo isso, com desespero e ódio, no intuito de se impor ante ao
outro.
Nesta perspectiva, poderíamos citar vários atos terroristas, mas nos ateremos ao que
aconteceu no dia 11 de setembro de 2001, nos EUA. De outro lado, muitos historiadores e
intelectuais avaliam que as bombas atômicas jogadas pelos Estados Unidos sobre o Japão,
em agosto de 1945, foram o maior atentado terrorista já praticado até hoje. Esta forma de
coação ou pressão sobre a sociedade já foi usado em vários momentos.
– Crises – o Brasil enfrentou muito bem a crise de 2008/2009, mas certamente outras virão.
Para tanto é importante o avanço na política econômica e social do Brasil, buscando, com
ela, construir uma inserção mundial autônoma.
– O meio ambiente – no Brasil, nos últimos anos, nos defrontamos com a “fúria” do clima,
o que deixou várias vítimas aqui e também no mundo todo, o que só será amenizado se
caminharmos na perspectiva de um desenvolvimento sustentável.
Os modelos de desenvolvimento vigentes no mundo, neste início de século e de milênio, são
predominantemente predatórios. Os países que ocupam a vanguarda são os que mais agridem o
meio ambiente. Ao mesmo tempo, evidencia-se cada vez mais a concentração da riqueza em
benefício de uma minoria da humanidade, com agravamento da exclusão social. De fato, constata-se a existência de uma crise planetária. O planeta Terra não terá possibilidade de fornecer em
abundância todos os recursos naturais de que os seres humanos necessitam, se continuarem a
viger por muito tempo ainda os padrões de produção, consumo e desperdício atualmente domi-
103
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
nantes. Por outro lado, não há como realizar a aspiração de desenvolvimento para todos os povos
e para a humanidade inteira, dentro de tais padrões, altamente agressivos contra a natureza.
Esta é uma constatação preocupante. Principalmente tendo em vista que, como mostra a experiência, qualquer processo de mudança profunda só ocorre com bastante lentidão. Mais ainda
quando estão em jogo poderosos interesses, como é o caso (Brum, 2006, p. 22-23).
Para tanto, é fundamental avançar o processo de construção de um Projeto de Desenvolvimento para o Brasil.
6.2 – OS DESAFIOS DA REALIDADE SOCIAL
A análise da globalização não pode se esgotar no seu aspecto econômico, pois ela é
muito mais ampla e chega até a mundialização da cidadania. “No estágio atual, tornamonos, todos, cidadãos do mundo e, enquanto tais, somos chamados a pensar também as
grandes questões da humanidade” (Brum, 1997, p. 83). A tendência é uma uniformização
dos padrões culturais, de gostos e valores, assim como o Inglês se tornou a língua universal
usada na informática e na música. Ou seja, no momento em que um país passa a fazer parte
desse mundo globalizado, sua população precisa aprender outras línguas, o que se torna
necessário para ampliar as relações comerciais.
A etapa do domínio do capital beneficia alguns e excluem outros, agravando os problemas sociais. Esses reflexos negativos decorrem da característica de acumulação de capital, que visa ao lucro. Isso não mudou, mas o que se constata é uma maior conscientização
dos problemas enfrentados pela humanidade, o que pode fazer a diferença. Muitas das dificuldades poderiam ser amenizadas ou até resolvidas se tivéssemos a ampliação do mercado
de trabalho, a oferta de um salário digno e mais investimentos em políticas públicas.
Nesta perspectiva, a seguir destacamos algumas questões que temos ainda a avançar,
como:
– Políticas sociais – na falta de reformas estruturais que trariam maior inclusão social, o
combate à desigualdade promovida pelo governo Lula ficou limitado aos gastos
assistenciais do Estado, como Fome Zero, Bolsa Escola, apoio à agricultura familiar, renda mínima. Programas que buscam resolver o problema de forma imediata são importantes, mas devem ser de curto prazo. Certamente com o Programa Bolsa Escola as crianças
que estão estudando podem melhorar o seu futuro, e consequentemente o da sociedade
brasileira, mas chega um momento que não se pode só “dar o peixe, é necessário ensinar
a pescar ”.
104
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– garantir qualificação ao trabalhador – até 1980 era muito mais fácil obter uma
colocação no mercado de trabalho, e facilitava ainda mais se esse profissional possuísse
qualificação. Nas décadas seguintes, com a economia estagnada, vimos a oferta de emprego
diminuir significativamente, principalmente para aqueles com baixa qualificação. O êxodo
rural, somado à diminuição da renda, ao desemprego e às poucas oportunidades de trabalho, fez crescer as favelas em regiões periféricas. Tudo isso contribuiu para a exclusão e
favoreceu o avanço da violência e do crime.
O avanço tecnológico pressupõe mão de obra qualificada. Nesse sentido, o conhecimento assume um papel fundamental, pois valorizam-se as ideias e a capacidade de organizar informações para, depois, compreendê-las. Nos últimos anos tem crescido a oferta de
emprego que exige maior escolarização. De um lado um elevado índice de desemprego e, de
outro, trabalhadores pouco qualificados. Entre esses, temos vários outros desafios, como:
– Combate às drogas – o poder público precisa encontrar alternativas para controlar o avanço
das drogas (tanto legais como as ilegais), pois isso tem abalado as pessoas, a sociedade e
as instituições. Para conter o avanço torna-se necessário controlar o tráfico/traficantes, o
que requer um engajamento mundial.
Esses são apenas alguns dos desafios do governo da presidente Dilma, mas precisa
avançar a qualificação, estimular a criatividade e garantir a atualização permanente dos
brasileiros. O governo até pode continuar a política de transferência de renda, mas necessita encontrar mecanismo de melhorar os ganhos efetivos da classe média.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem já tem mais de 60 anos, e seu objetivo
é debater mundialmente questões que visam a melhorar a vida dos seres humanos em sociedade. No Brasil, muitas das conquistas foram contempladas na Constituição de 1988. Em
função disso, estão sendo colocados na pauta do debate questões, como: trabalho infantil,
pedofilia, exploração sexual de crianças e adolescentes, acolhimento aos imigrantes, violência doméstica – Lei Maria da Penha –, entre outras.
Para que mudanças mais importantes aconteçam é fundamental buscar mecanismos
para esclarecer a população, que se emociona com o que acontece em uma novela e não
percebe que é realidade, que pode estar acontecendo próximo a sua casa. As pessoas precisam ser despertadas para acompanhar e estar atentas para o que está sendo debatido na
sociedade, tendo claro que todos têm direitos, mas também deveres.
105
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
106
Unidade 4
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Organização Política e Cidadania
– Seção 1 –
O Que é Política?
Para começar essa caminhada faz-se necessário refletir um pouco sobre política. Nada
mais justo, então, que ler o poema de Bertolt Brecht – O Analfabeto Político
O pior analfabeto é o analfabeto político: ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel,
do sapato e do remédio, depende das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se
orgulha e estufa o peito, dizendo que odeia política. Não sabe o imbecil que, de sua ignorância
política, nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante, e o pior de todos os bandidos, que
é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais
(Revista Mundo Jovem, 1989).
Algumas pessoas não sabem o que é política, qual o papel do homem na política e até
que ponto o cidadão comum também é político. O desconhecimento a respeito do que seja
política está explícito nos seguintes enunciados: “tenho nojo de política”; “não gosto de
política”; “não dou palpite porque não entendo nada de política”; “os políticos são todos
iguais”; “os políticos são todos ladrões”; “políticos quando chegam ao poder só querem
roubar ”. Essas e outras expressões mostram o quanto a sociedade é despolitizada, tem uma
visão simplista do mundo, do Brasil. O desafio é superar o senso comum, ampliando a base
de cultura geral.
Nesse sentido, vamos analisar as três grandes fases da política brasileira: o período
colonial, o imperial e republicano, e como não podia deixar de ser, a exemplo das outras
unidades, analisaremos a organização política atual e seus desafios. Para tanto vamos primeiro melhorar o nosso entendimento de política.
107
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
O que é política? Segundo o dicionário, política é a “Ciência do governo dos povos,
arte de dirigir as relações entre Estados”; “arte ou ciência de governar; arte ou ciência da
organização, direção e administração de nações ou Estados, entre outros”; segundo João
Paulo II, “uso legítimo do poder para alcançar o bem comum da sociedade”. Assim, política
é coisa séria, muito diferente de politicagem (politicalha, politiquice, politiquismo), que é a
política de interesses pessoais, de troca de favores.
A política é fundamental para a organização e o funcionamento da sociedade, enquanto um coletivo. No momento em que uma parcela da população se omite ou não participa de forma consciente da política, essa sociedade pode vir a beneficiar parcela da população ou alguém individualmente. Para que essa sociedade funcione a contento, é necessário
definir regras, normas e criar instituições que contribuam positivamente para a relação entre os indivíduos. Para que se alcance os resultados desejados é necessário o comprometimento de todos, tanto na elaboração dessas regras quanto na prática.
O desconhecimento do que é política e do papel dela na sociedade leva muitas pessoas
a percebê-la como algo externo as suas vidas e que diz respeito ao Estado ou mesmo aos
políticos profissionais. Em outras palavras, é como se votar de 4 em 4 anos fosse o suficiente. No Brasil, a possibilidade de as pessoas escolherem seus representantes e atuarem de
forma mais próxima na definição dos rumos da sociedade é algo bem recente e talvez seja
este o motivo pelo qual elas não estão acostumadas a interferir nos rumos da sociedade.
Isso certamente é reflexo “das sociedades autoritárias, em que as pessoas são acostumadas
a ser tuteladas e a não interferir de maneira eficaz nos rumos da coletividade” (Aranha,
1989, p. 29).
O cidadão tem o direito e o dever de interferir, de dizer o que pensa, de fazer uso do seu
poder, de participar na organização e funcionamento da sociedade, respeitando o ditado
popular que sentencia que “o direito de um termina onde se inicia o direito do outro”. A
essência da democracia está na tolerância, no aceitar ideologias e culturas diferentes, mas
no momento em que temos um percentual expressivo de analfabetos e altos índices de desigualdade econômica, social e cultural, alguns vão ter mais condições que outros para exercer a sua cidadania.
Se a política é a arte de governar, de gerir o destino do país, do Estado, do município,
ela pode ser entendida como conquista, manutenção e expansão do poder. Como fazer para
ter o poder político? Numa sociedade democrática todos têm, em tese, o poder de escolher os
seus representantes, mas em função dos altos índices de desigualdades anteriormente citados, algumas pessoas pensam apenas em resolver o seu problema imediato.
108
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
E para governar? Para buscarem sua eleição os representantes políticos precisam estar organizados em partidos políticos, que constituem o elo entre a população e o poder público. A
população tem o poder de interferir nos rumos do país, e uma das
formas é no momento da escolha de seus representantes, porém
depois de o tê-lo eleito, esquece de acompanhar o trabalho dos
parlamentares. O não acompanhamento desses representantes
facilita que muitos deles desrespeitem à coisa pública e trabalhem em benefício próprio, usem o poder que lhes foi delegado
Partido político
“É uma agremiação de
cidadãos, unidos por interesses e ideais comuns, que
procuram concretizar por meio
de um programa, buscando
para tanto a conquista do
poder e o exercício do
governo. É o instrumento por
excelência de mediação entre a
Nação e o Estado – ponte entre
o poder e o povo...” (Brum,
1988, p. 19).
pela sociedade de forma inadequada.
Parlamentarismo
Existem duas formas de república: a presidencialista (presidente – chefe de Estado e de governo) e parlamentarista (presidente – chefe de Estado). No Brasil vivenciamos ambas as experiências, mas prevaleceu o presidencialismo. O parlamentarismo foi
adotado no Brasil em dois momentos, em 1847, durante o Impé-
Nesse regime o presidente é
chefe de Estado, mas sem
poder governar de fato. Ele
pode indicar o primeiroministro – chefe de governo –,
que deve ser aprovado pelo
Legislativo.
rio, e em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. Durou pouco
mais de um ano e o plebiscito restituiu os poderes a João Goulart
em janeiro de 1963.
Para entender e compreender a política brasileira precisamos analisá-la considerando o contexto em que foi gestada e
pensada. Então vamos começar do princípio.
Para ampliar seus conhecimentos sobre política você pode
assistir à fita “Política é
participar” –, encontrada em
algumas escolas.
– Seção 2 –
Trajetória Histórica da Política Brasileira
Nesses mais de 500 anos, o Brasil passou por três grandes
fases de organização política. Como Colônia era dependente de
Portugal, governado pelo rei português, que tinha todos os poderes. Após a Independência (1822) transformou-se em Império, sob
o comando de um imperador (D. Pedro I e depois D. Pedro II). Em
1889 a Proclamação da República colocou novas perspectivas
para as escolhas políticas a serem feitas.
109
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
2.1 – Período Colonial:
a Coroa Portuguesa e seus Representantes
No período colonial o Brasil estava subordinado a Portugal, organizado segundo os
interesses daquele país e daqueles que o apoiavam internamente. As leis, os direitos e
deveres dos brasileiros eram fixados pelo rei português, que era absolutista, ou seja, o rei
possuía amplos poderes e sua vontade era lei. Os interesses da metrópole no plano interno eram garantidos pelos governadores gerais e vice-reis, e os interesses dos grandes proprietários eram representados pelas Câmaras Municipais, constituídas pelos “Homens
Bons”.
Apenas uma pequena parcela da população era privilegiada e recebia várias concessões econômicas. Quem tinha o poder econômico tinha também o poder político. Esse grupo
organizou o país segundo os seus interesses, excluindo a maioria da população, que buscou
por meio de vários movimentos regionais conquistar os seus direitos.
Como vimos na Unidade 2, a primeira forma de organização do poder local ocorreu
por meio das capitanias hereditárias, que não teve êxito. Isso levou o governo português a
criar os governos-gerais e centralizar o poder. A sede da primeira capital do Brasil foi Salvador, construída na capitania da Bahia.
No final do século 18 os portugueses já tinham avançado Brasil adentro. Isso muda
ainda mais em 1808 com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, e “a metrópole vira
colônia e a colônia vira metrópole”. A partir desse momento vamos ter várias mudanças,
pois D. João VI organizou no país toda uma estrutura administrativa. Nomeou ministros de
Estado, estruturou Secretarias públicas, instalou Tribunais de Justiça, criou o Banco do
Brasil, inaugurou a Biblioteca Real, o Jardim Botânico, entre outros. Isso, porém, não alterou a vida de miséria da maioria da população.
Mais tarde D. João retorna a Portugal e deixa seu filho D. Pedro aqui no Brasil. Os
portugueses pretendiam recolonizar o Brasil, reconquistando antigos privilégios comerciais
para a burguesia metropolitana. Ressalta-se que a permanência de D. Pedro teve apoio dos
grandes proprietários e alguns comerciantes, que recolheram inúmeras assinaturas pedindo
a ele que ficasse, e oito meses depois é decretada a “Independência” do Brasil, dando início
à segunda fase da política do país: a Monarquia.
110
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
2.2 – Período Imperial: Nasce uma Monarquia na América
O processo de independência no Brasil foi “atípico”, pois dele não se originou nenhum
confronto armado como nos demais países da América, sendo comandado pelas classes dominantes do país, que tinham como objetivo manter seus privilégios. Externamente teve o
apoio da Inglaterra, que visava a ampliar o mercado para os seus produtos industrializados,
mas pagou para obter esse apoio, dando início ao endividamento externo brasileiro.
A organização política do Brasil do Império nesse período pode ser dividida em: 1º
Reinado, em que a tarefa principal de D. Pedro foi consolidar a independência; o Período
Regencial – caracterizado pela disputa entre as elites regionais pelo poder central; o 2º
Reinado, que instituiu o parlamentarismo, pois D. Pedro II era menor de idade (14 anos).
O Brasil foi o único país da América que após a independência não instituiu a República, mas uma forma monárquica de governo. Em 1824, durante o Império, foi imposta por
D. Pedro I a primeira Constituição brasileira. Entre outras questões ela estabeleceu a organização do poder em: poder Judiciário, poder Legislativo, poder Executivo e poder Moderador. O Poder Moderador era exclusivo do imperador e estava acima dos demais poderes. O
sistema eleitoral era elitista, o que significava que para ser eleitor era preciso ter 25 anos ou
mais e uma renda mínima acima de 100 mil. Quem tinha uma renda de 400 mil réis podia se
candidatar a deputado e se tivesse 800 mil ao Senado.
A maioria da população era excluída, marginalizada, pois nesse período 70% dela era
mulata, índia ou negra e apenas 30% da população era branca, e desse percentual apenas
2% detinham o poder político. Ora, numa sociedade basicamente rural, comandada pela
oligarquia, com precários sistemas de comunicação e baixa escolarização, a possibilidade
de participação ficou restrita a uma parcela mínima da população.
A impopularidade de D. Pedro I foi aumentando até resultar em sua abdicação, em
1831, quando tem início o Segundo Reinado. Nesse período foram organizados formalmente os primeiros partidos políticos brasileiros – o Liberal e o Conservador – porém sem grandes
divergências ideológicas. Ambos contavam com o apoio dos grandes proprietários de terras
e escravos, mantendo afastada a maioria da população. Eles se intercalavam no governo e
as disputas eleitorais eram acirradas, pois ambos visavam ao controle do poder. Houve períodos em que eles governaram juntos, a chamada era da conciliação (1853-1868). Para a
grande maioria da população, um ou outro no poder não significava mudanças nos encaminhamentos políticos, tanto que se dizia que “nada mais conservador do que um liberal no
poder ”.
111
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Coronelismo
Nesse período buscou-se uma maior integração nacional e
Na República, os coronéis,
elementos das classes dominantes, eram intendentes
(prefeitos), controlavam o
poder político local – no
município (Brum, 1997,
p. 166).
foram construídas estradas de ferro que contribuíram para a modernização de algumas cidades/vilas e para o escoamento da produção
– basicamente de café. Também várias leis foram criadas para pôr
fim à escravidão no Brasil, consolidada só em 1888 com a Lei Áurea,
sendo o Brasil o último país da América a libertar seus escravos.
Vários fatores contribuíram para a crise da Monarquia, tanto
o fim da escravidão quanto o fortalecimento do exército. Após o
término da Guerra do Paraguai (1870) os problemas nacionais
cresceram e o governo imperial mostrava-se incapaz de solucioná-los,
o que levou ao seu descrédito. Nesse contexto foram criados os
partidos republicanos regionais. Três eram os grandes partidos:
1) Partido Republicano Paulista (PRP); 2) Partido Republicano
Mineiro (PRM); 3) Partido Republicano Riograndense (PRR).
Esses partidos e as respectivas oligarquias que os controlavam
expressavam os interesses econômicos dos grandes proprietários
rurais de um determinado Estado e tinham a sua base de apoio
nos coronéis locais (municípios).
2.3 – A República: Períodos Autoritários e Períodos Democráticos
Em 1889 foi instituída a República no Brasil, que mudou a
forma de governo, mudou a bandeira e elaborou uma nova Constituição. O sistema de governo adotado foi o presidencialista. Os
mais de cem anos de República foram intercalados por períodos
autoritários e períodos democráticos, em que várias Constituições
foram aprovadas, visando a respaldar as ações dos governantes,
mas quando isso não era suficiente usavam Atos Institucionais,
decretos, medidas provisórias.
Ao estudarmos a República percebemos que o Brasil viveu
três períodos sob o autoritarismo. Na verdade a República já nasce
autoritária. O poder entre 1889 e 1930 “expressava-se através do
coronelismo, das oligarquias regionais e da política do café-comleite” (Brum, 1997, p. 180). Os partidos estavam organizados regionalmente, defendendo os interesses das oligarquias. O povo brasileiro não tinha possibilidade de escolher os seus representantes do
Executivo e ainda sofria constantes pressões, pois o voto não era
112
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
secreto. Alguns achavam que o grande proprietário sabia melhor em quem votar. Desse
modo uma pequena parcela do povo brasileiro é quem escolhia, realmente, o presidente da
República.
Outro período de grande centralização política ocorre entre 1930 e 1945, tendo aprofundado
sua fase mais cruel de perseguições durante o Estado Novo, pós 1937. Nesses 15 anos o país foi
governado por Getúlio Vargas e o povo brasileiro permaneceu sem a efetiva possibilidade de
escolher os seus representantes. Partidos políticos foram extintos para serem recriados em 1945;
foi decretada a censura aos meios de comunicação, rígido controle sobre instituições sindicais,
além da nomeação de “interventores” locais, pelo poder Executivo, para “garantir a lei e a ordem”. Embora tenha sido um período negro da nossa História, em que muitas pessoas sofreram
perseguições, o presidente obteve o apoio da grande maioria da população. Ele foi a figura
política mais importante do século 20.
O terceiro período autoritário ocorreu entre 1964 e 1985. Nesses 21 anos o povo brasileiro
não teve a possibilidade de escolher o Presidente da República, e, em alguns momentos, nem o
governador. Os militares não queriam deixar transparecer a face autoritária do regime e em
função disso permitiram o funcionamento de dois partidos políticos: Arena, que apoiava o governo, e MDB, que fazia uma oposição consentida. Dessa forma, mais uma vez a sociedade
brasileira foi excluída da participação política, pois os governantes buscavam neutralizar os que
eram contra o regime, os subversivos.
Entremeando esses períodos de autoritarismo houve dois períodos democráticos. O primeiro ocorreu entre 1945 e 1964, quando foram criados os partidos nacionais no Brasil,
obedecendo a um sistema pluripartidarista, que permitia aos cidadãos votarem em um presidente da República pertencente a uma chapa e em um vice-presidente pertencente a outra.
Como resultado dessa possibilidade foi eleito para presidente, em 1960, Jânio Quadros, que
pertencia a uma chapa, e, para vice, João Goulart, de outra chapa. Os problemas aparecem
quando Jânio renunciou e deveria assumir o vice-presidente. Um grupo de militares e outros
da UDN não queriam permitir que Jango, como era chamado João Goulart, assumisse, pois
ele significava a continuidade da política de Vargas, que eles tanto combatiam. Foi construída
e posta em prática uma medida conciliatória – o parlamentarismo –, que vigorou de 1961 a
1963, quando foi abolido por um plebiscito que restabeleceu o presidencialismo. Além disso,
um grupo de conspiradores conseguiu depor o presidente da República em 1964, instalando
o Regime Militar.
O segundo período democrático brasileiro foi instaurado em 1985, quando o primeiro
presidente da República eleito foi escolhido pelo Congresso Nacional, não pela sociedade
brasileira, pois as “Diretas Já” não tinham sido aprovadas. Só 29 anos após é que o povo
113
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
brasileiro voltou a eleger o representante do poder Executivo,
Fernando Collor de Mello, o qual foi acusado de corrupção e, em
1992, sofre o impeachment.
Para melhor compreender os
períodos autoritários e os
períodos democráticos
precisamos olhá-los num
determinado contexto.
Nesse sentido, se você deseja
ampliar os seus conhecimentos sobre a política brasileira
poderá assistir ao
documentário produzido por
Boris Fausto – TVs escolas
sobre a História do Brasil. Ele
faz uma análise do Brasil desde
o seu descobrimento até o
início do século 21.
A população não desanima e deposita por duas vezes as
suas esperanças em FHC e depois em Lula. É durante o governo
de FHC que foi aprovada a reeleição, beneficiando-o e mais tarde também a Lula.
– Seção 3 –
A República
3.1 – Primeira República: o poder das oligarquias agrárias
No início da República dois grupos representavam a força
política do país. Um era a elite regional, organizada em partidos
regionais, que buscavam a descentralização política, ampliando
os poderes do Estado. O outro grupo era constituído pelos militares, que pretendiam obter a centralização do poder e estavam
preocupados em garantir a unidade nacional, sendo estes os primeiros a governar o Brasil.
Durante a Primeira República (1889 a 1930) o poder político
estava concentrado nas mãos das oligarquias, quando algumas
poucas pessoas comandavam o país, segundo os seus interesses.
Com o coronelismo, as oligarquias regionais e a política do cafécom-leite, eles garantiram sua permanência no poder durante várias décadas, e, por meio da política dos governadores, evitaram os
choques políticos entre o governo federal e as oligarquias estaduais
no Congresso, pois ela consistia na troca de favores.
Em âmbito federal, durante a Primeira República o controle do poder político foi garantido mediante uma aliança construída
entre as oligarquias paulista e mineira, que se revezavam no po114
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
der, a chamada política café-com-leite. Na época os Estados mais importantes eram SP, MG
e RS. Os dois primeiros tinham maior peso populacional e econômico, pois produziam o
principal produto de exportação do Brasil – o café. Assim sendo, tornaram-se o principal
eixo político, representado pelo PRP e PRM durante as três primeiras décadas, revezando-se
no poder. As oligarquias estaduais se articulavam com os coronéis, que controlavam o poder
local, que, por suas vez, pressionavam o eleitor. Era o conhecido voto de cabresto.
Durante esse período a oposição não tinha vez, pois o voto não era secreto e a fraude
estava presente desde a elaboração da lista dos votantes até a contagem dos votos. Quase a
totalidade dos presidentes foi eleita com mais de 90% dos votos.
O poder das oligarquias só foi abalado pela crise da década de 20, quando o principal
produto de exportação do Brasil, o café, foi afetado pela queda de seu valor. Associada a esse
fato, a intensificação da urbanização fez emergir outros interesses, levando alguns setores da
sociedade a questionar a ordem estabelecida e buscar um novo rumo para o país. De um lado,
a crise econômica atingiu a classe que dava sustentação política ao governo na Primeira
República, e, de outro, a emergência da burguesia, que buscava espaço no cenário político. A
oligarquia rural foi obrigada a compartilhar o poder com a burguesia e com o proletariado.
Nesse período ocorreram, também, algumas ações que expressam a insatisfação com a
Primeira República, como o movimento Tenentista. Foram fundados três partidos: o PCB –
Partido Comunista do Brasil (1922); o Partido Democrático (1926) e o Partido Libertador
(1928). Alguns políticos tradicionais percebem o perigo dessas mobilizações e procuraram
assumir o seu comando, preocupação que ficou evidente quando o presidente de Minas
Gerais, Antônio Carlos de Andrada, escreveu uma carta de apoio a Getúlio Vargas, sugerindo a adesão ao movimento: “Façamos nós a Revolução antes que o povo a faça”.
Os desentendimentos se intensificaram ainda mais com o rompimento da chamada
política “café-com-leite”. Washington Luís (paulista) indicou para a sua sucessão um candidato paulista – Júlio Prestes –, quando seria a vez de um mineiro assumir a Presidência.
Inconformadas, as oligarquias tradicionais de oposição se uniram e criaram a Aliança Liberal, lançando as candidaturas de Getúlio Vargas à Presidência e João Pessoa à Vice-Presidência, os quais elaboraram um programa de reformas avançado para a época, como: o voto
secreto, a criação de leis trabalhistas e o incentivo à produção industrial.
O Rio Grande do Sul foi se tornando o ponto de convergência das forças de oposição
à ordem oligárquica estabelecida. Ele foi considerado o centro de articulação do movimento
político nacional, que, com destacada participação popular, procurou alterar o curso da
História pelo voto ou pelas armas.
115
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Nas eleições de 1930 o vencedor foi Júlio Prestes, porém os derrotados questionaram o
resultado. A revolta contra as velhas estruturas ganhou força após o assassinato de João
Pessoa, candidato a vice-presidente junto com Getúlio, levando à união da oposição. A luta
armada estourou no RS, mas espalhou-se também para os Estados de Minas Gerais, Paraíba
e Pernambuco. Devido ao avanço da guerra civil, os militares depuseram no dia 24 de outubro o presidente em exercício, Washington Luís, algumas semanas antes do fim do seu mandato. O poder foi entregue a Getúlio Vargas, que tinha sido o líder do movimento. A Revolução de 1930 foi o primeiro acontecimento que reflete certa organização nacional e representa o desaguadouro dos descontentes.
3.2 – Estado Novo: o populismo autoritário de Getúlio Vargas
A Revolução de 1930 deu início a uma nova fase na política brasileira, que se estendeu até 1945, conhecida como Era Vargas. Ela foi liderada por políticos moderados e liberais, com divergências entre si, porém nesse período nenhuma classe era forte o suficiente
para se impor diante de outra. Assim, Getúlio Vargas centralizou o poder, acomodou interesses e intensificou a industrialização, com grande participação do Estado. Vamos ter o país
governado por ele durante 15 anos, retornando mais tarde por mais 4 anos, totalizando 19
anos na Presidência.
A partir desse momento o Brasil agrário cedeu lugar ao Brasil moderno, sob a hegemonia
crescente dos valores e interesses do setor urbano-industrial. As “novas” facções políticas
acreditavam que para impulsionar o Brasil para o progresso era suficiente substituir as elites
dirigentes do país. Os descontentes estavam convencidos de que, antes de tudo, era preciso
resolver o problema político, que, para eles, se resumia simplesmente em afastar do poder as
tradicionais elites dirigentes, que já tinham dado sobejas provas da sua incapacidade de
governar e enfrentar os grandes problemas nacionais, e, em substituição, colocar outra gente no poder (Brum, 1997, p. 181).
A Era Vargas pode ser dividida em três fases: 1) o governo provisório (30 a 34), 2) o
governo constitucional (34 a 37) e, 3) governo ditatorial (37 a 45). O governo provisório foi
assumido por Getúlio Vargas, principal líder da Revolução de 1930. Algumas ações realizadas nesse período visavam a sua permanência no poder, como o fortalecimento do Exército
Nacional. Nesse período a ação partidária era quase inexistente, os partidos políticos foram
extintos; o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais foram dissolvidas; governadores e prefeitos foram substituídos por interventores.
116
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Para melhorar a sua credibilidade política, Vargas criou Ministérios e elaborou leis que
favoreceram os trabalhadores. Com a criação do Ministério do Trabalho, da Indústria e do
Comércio, por exemplo, ele racionalizou o conflito de classes, garantindo a continuidade
segura do desenvolvimento capitalista e atrelou os sindicatos ao Estado. Diante da emergência das massas urbanas, tratava de lhes fazer concessões, e com isso inúmeras leis sociais
e trabalhistas foram criadas, para, em 1943, reuni-las na CLT.
Além disso, no dia 24 de fevereiro de 1932 Vargas promulgou o Código Eleitoral, dando maior legitimidade ao processo eleitoral. As principais mudanças foram: criação da Justiça Eleitoral, voto secreto, direito de voto para as mulheres e redução da idade para votantes, de 21 para 18 anos. Cabe lembrar, entretanto, que ele fez a Lei, mas praticamente impediu a sua aplicação.
A oligarquia e a burguesia paulista, com apoio de setores de Minas Gerais e do Rio
Grande do Sul, desencadearam um movimento chamado de Revolução Constitucionalista
(1932), que buscava a elaboração de uma nova Constituição e questionava o governo provisório prolongado. Esse movimento foi controlado pelo governo, mas teve como resultado
as eleições (3/5/1933) para a Assembleia Constituinte, sendo a Constituição promulgada no
dia 16 de julho de 1934, a qual tinha um teor liberal-democrático e várias semelhanças com
a Constituição de 1891. A nova Carta assegurou maior poder ao governo central, preparando o caminho para o Estado Novo.
Após a constitucionalização, em 1934, dois grupos políticos, com ideologias diferentes, se destacavam: os integralistas e os aliancistas. A ação integralista reproduzia, em versão brasileira, ideias fascistas e criou a Ação Integralista Brasileira (AIB), que tinha como
uma de suas metas o combate ao comunismo. Já a “Aliança Nacional Libertadora” era contra os integralistas, e seus membros foram chamados de aliancistas. Ela reunia várias tendências e a principal era a comunista. Sua proposta era popular e revolucionária para a
época. O governo temia a expansão de suas ideias e fechou a sede da ANL. Eles reagiram e
tentaram organizar um golpe armado chamado de “Intentona Comunista” (1935). Esse
movimento foi esmagado, mas abriu caminho para a ditadura de Vargas, pois assustou a
classe média e deu pretexto para se instituir no país um regime autoritário.
Após o golpe do Estado Novo (1937), Vargas ficou no poder até 1945, período esse
marcado pelo autoritarismo. “Nessa fase de poder arbitrário, houve cerceamento das liberdades dos cidadãos, censura à imprensa, repressão, perseguições, prisões, tortura e exílio. E
também, por outro lado, malícia política, concessão de favores e suborno para atrair adversários menos radicais e mais sensíveis às práticas do fisiologismo” (Brum, 1997, p. 195).
117
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Fisiologismo
Atitude de se posicionar
politicamente de acordo com
as propostas que melhor
atendem os seus interesses
particulares. Ele se manifesta
de variadas formas, como:
apego de muitos políticos às
benesses do poder; utilização
dos cargos públicos para obter
benefícios pessoais, ou de
grupos, entre outros. No
conjunto da sociedade se
expressa na atitude e na
conduta de buscar servir-se do
poder (governo) ou dos
amigos no governo para
atender interesses particulares
(Brum, 1988, p. 37).
Lançando mão da centralização do poder, Vargas
dissolveu o Congresso Nacional, as assembléias legislativas estaduais e as câmaras municipais; destituiu os governadores dos estados, substituindo-os por interventores federais, subordinados ao
poder central; limitou a ação dos estados e de suas polícias;
prestigiou e fortaleceu o Exército Nacional, uma importante base
de apoio e sustentação do poder. Essas medidas centralizadoras
foram repetidas... inclusive com a dissolução dos partidos políticos e a nomeação dos prefeitos municipais pelos respectivos
interventores dos estados (Brum, 1997, p. 195-196).
Para garantir sua prolongada permanência no poder foram
importantes: a política trabalhista e o populismo. As leis trabalhistas tornaram a classe trabalhadora menos pobre e em razão
Populismo
disso ele foi considerado o “pai dos pobres”. E devido a conces-
Trata-se de uma prática política
paternalista, clientelista e
cartorial, em que o Estado
exerce a tutela da sociedade –
e sobre os sindicatos e demais
organizações, regulando a vida
de tudo e de todos (Brum,
1997, p. 198).
sões feitas à classe empresarial, também foi caracterizado como
“mãe dos ricos”. O Estado assume a postura de protetor dos mais
fracos e oprimidos, com isso satisfazendo às necessidades imediatas da população, porém sem alterar a estrutura de poder político, econômico e social.
Para a crise do Estado Novo contribuíram fatores externos
e internos. No âmbito externo, com o fim da Segunda Guerra
Mundial a questão da democracia passou a ser algo fundamental. Internamente Vargas tentou fazer a transição do sistema autoritário para o democrático, contando para tanto com o apoio
dos trabalhadores. Isso, porém, descontentou as pessoas que haviam apoia-do a revolução. Ele foi afastado da Presidência, mas
não da vida política.
3.3 – Fase Democrática:
a atuação dos Partidos Políticos Nacionais
A primeira experiência democrática vivida no Brasil foi reflexo do descontentamento com o governo autoritário de Vargas,
que tentou fazer a transição para o período democrático dispondo medidas liberalizantes, como o encaminhamento de eleições
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
para presidente e vice-presidente da República, senadores e deputados federais para 2 de
dezembro de 1945. Também aboliu a censura, anistiou os presos políticos e criou dois partidos: Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
A oposição ao governo criou a União Democrática Nacional (UDN). Entre 1945 e
1964 tivemos um sistema multipartidário, em que surgiram os primeiros partidos políticos
nacionais. Em 1964 o Brasil contava com 13 partidos.
Nesse período tivemos a primeira experiência democrática representativa na história
da política brasileira. A sociedade podia escolher os seus representantes para o governo
federal, estadual e municipal, como também os senadores, deputados federais e estaduais e
vereadores. Vargas, que continuou atuando na vida política brasileira, se candidatou nas
eleições de 1945 para deputado e senador em vários Estados. Como isso era possível? Nesse
período, pela legislação eleitoral vigente, era permitido ser candidato em mais de um Estado. O mais curioso é que ele se elegeu em todos os Estados em que se candidatou, mas
optou por assumir como senador pelo Rio Grande do Sul. A aprovação de Vargas era tão
grande que nas duas décadas posteriores os candidatos eleitos para a Presidência da República foram aqueles que contavam com o seu apoio.
As décadas de 50 e 60 apresentaram como característica essencial a instabilidade política brasileira, em que paira constante ameaça de golpe militar. Alguns acontecimentos
desse período mostram isso: em 1954 o suicídio de Getúlio Vargas e sua denúncia de que
“forças ocultas” pretendiam tomar o poder; em 1955 Juscelino Kubitschek venceu as eleições presidenciais, mas políticos e militares conservadores tentaram impedir a sua posse.
Ele assumiu e concluiu o seu mandato, pois as expectativas dos conspiradores foram contempladas. Seu Plano de Metas mudou os rumos da política econômica.
Nas eleições de 1960, pela primeira vez na História do Brasil um candidato de oposição venceu as eleições para presidente da República. Como o voto não era vinculado, foi
eleito para presidente Jânio Quadros e para vice-presidente João Goulart, candidato de
outra chapa e principal herdeiro político de Vargas. O presidente renunciou após quase sete
meses, frustrando seu partido (UDN) e seus aliados, fortalecendo a ala golpista, que tentou
impedir a posse de Goulart, mas tiveram de recuar diante da mobilização popular pela Legalidade.
O Movimento da Legalidade, liderado por Leonel Brizola, foi um vigoroso movimento
popular que estava disposto a enfrentar e derrotar o movimento golpista. Buscava garantir a
posse de Jango, que no momento da renúncia se encontrava na China, tendo que enfrentar
um longo caminho para o seu retorno ao Brasil. Nesse contexto de instabilidade política foi
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
construída e aceita a proposta conciliatória de instituição do parlamentarismo. O conchavo
político que permitiu a conciliação evitou o enfrentamento violento, mas impossibilitou também o estabelecimento das “ reformas de base” reclamadas pela população.
Jango assumiu o governo, mas nem sequer tomou medidas objetivas para manter o
controle sobre as Forças Armadas, conservando em seus postos a maioria dos comandantes
golpistas. Dessa forma, deu oportunidade para que os conservadores organizassem o golpe
de 1964 dentro da própria estrutura do governo federal.
Em âmbito externo, o que descontentou o capital internacional foi a Lei da Remessa
de Lucros (jan./64), que estabelecia a obrigatoriedade de registro na Superintendência da
Moeda e do Crédito (Sumoc) do capital que entrasse, repatriação, lucros, dividendos, juros
e amortizações. A remessa de lucro para o exterior podia ser no máximo de 10% ao ano.
Acima desse limite era repatriação de capital, não podendo ultrapassar os 20%. Essa medida
bateu de frente com os investidores externos, levando-os a apoiar os golpistas. A organização foi interna, mas teve apoio logístico dos EUA.
Durante o governo de João Goulart deu-se o avanço do populismo. No dia 13 de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, Jango anunciou um conjunto de medidas, tais como a encampação das refinarias particulares de petróleo, a autorização para a
desapropriação das terras subaproveitadas às margens de rodovias, ferrovias e açudes da
União e a regulamentação da Lei do Inquilinato, estabelecendo normas para o tabelamento
dos aluguéis de imóveis residenciais. Além disso, Jango proclamou a necessidade de mudanças na Constituição e o propósito de enviar imediatamente ao Congresso Nacional projetos de lei para a realização das principais reformas preconizadas, entre elas a reforma
agrária... (Brum, 1997, p. 297-298).
A mobilização “anti-Jango” e a ação conspiratória precisavam convencer a maioria
dos militares, de tradição legalista, de que o presidente e seu governo estariam se afastando
dos preceitos constitucionais e de que as Forças Armadas deveriam intervir. Esses argumentos foram dados aos conspiradores justamente em função do discurso de Jango, anunciando uma série de medidas, e para realizá-las precisaria alterar a Constituição, o que o fez
perder boa parte de sua base de apoio.
Após convencer os militares legalistas, os conspiradores, para conquistar a sociedade,
usaram o sentimento familiar e religioso, de que Deus deveria salvar o Brasil do comunismo.
O padre Peto (americano) foi o líder da marcha de aproximadamente 500 mil pessoas que
entoavam o seguinte slogan: “A família que reza unida permanece unida”.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
No final de março as Forças Armadas, com o apoio de setores da sociedade civil e
políticos representativos, depuseram João Goulart e assumiram os poderes da soberania do
Estado. O presidente acabou exilado na República Oriental do Uruguai, e muitos líderes
políticos foram presos ou exilados.
3.4 – Regime Militar: repressão, ditadura e centralização do poder
A partir do golpe de 1964 foi então instituído o Regime Militar no Brasil. Foi a primeira vez que a cúpula das Forças Armadas assumiu diretamente o poder e muitas funções de
governo, entre elas a indicação dos próximos presidentes. A intenção inicial do grupo que
assumiu o poder em 1964 era “livrar o país da corrupção e do comunismo, restabelecer a
ordem e restaurar a democracia” .
O Brasil estava vivendo uma crise interna, uma vez que muitos investidores ficaram
receosos de continuar investindo no país. Os militares buscaram recuperar a credibilidade
externa, “arrumaram a casa”, o que para eles significava ter maior controle sobre os movimentos sociais, ou seja, interromper a política populista.
Os vitoriosos buscaram consolidar a nova ordem mediante desmantelamento e controle sobre as organizações de esquerda. O aparelho do Estado e algumas empresas estatais
tiveram os cargos de chefia assumidos por militares, e algumas lideranças civis que participaram do golpe tiveram negada a possibilidade de participação no governo, e alguns deles
(Carlos Lacerda e Ademar de Barros) foram até mesmo cassados.
Os militares se uniram para derrubar Jango, mas o grupo era heterogêneo. Parte dele
pretendia eliminar o populismo, o comunismo e depois restaurar a democracia. Outros achavam que a democracia era incompatível com o momento histórico, defendendo um período
mais longo no poder.
As mudanças julgadas como necessárias foram impostas por meio de atos institucionais
(AI – conjunto de normas instituídas pelo governo, que se sobrepunham à Constituição Federal)
e atos complementares. Durante os primeiros anos vários AIs foram baixados, a exemplo:
– AI/1 – 1964 – fortaleceu o poder do Executivo e reduziu o poder do Legislativo.
– AI/2 – 1965 – estabeleceu eleições indiretas para presidente e vice-presidente da República, extinguiu os partidos políticos existentes, permitindo o funcionamento de apenas duas
organizações partidárias, que vieram a ser a Aliança Renovadora Nacional (Arena), de
apoio ao governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição consentida.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– AI/3 – 1966 – instituiu eleições indiretas também para governadores dos Estados e prefeitos de capitais, municípios de segurança nacional e estâncias hidrominerais (demais municípios – direta), o que só mudaria em 1982.
– AI/4 – 1967 – reconvocou o Congresso para aprovar o novo texto constitucional, elaborado por uma comissão escolhida pela cúpula militar.
– AI/5 – 1968 – considerado um golpe dentro do golpe, e sem prazo para terminar, dando
poderes ditatoriais ao presidente da República.
A sociedade foi excluída, mandatos e direitos políticos foram cassados, organizações e
líderes sindicais, estudantis e camponeses sofreram repressões e perseguições, meios de comunicação foram censurados e as práticas de tortura foram intensamente usadas. Esse clima levou o medo e a insegurança à população brasileira. Os militares centralizaram o poder
político na alta cúpula militar e fizeram as mudanças que julgavam necessárias,
desconsiderando a grande maioria da população. Para isso os Atos Institucionais foram
fundamentais.
O presidente Médici foi considerado o governo “campeão” no emprego do poder ditatorial e da violência contra a sociedade. Para esconder a face cruel de seu governo gastou
uma verba significativa para melhorar a sua imagem. Nessa propaganda usou o seguinte
slogan: “Brasil – ame-o ou deixe-o”, que na prática significava “apoie o regime ou abandone o país”, e foi justamente nesse período que muitas pessoas desapareceram. De outro
lado, economicamente o Brasil experimentou um grande crescimento, chamado de “Milagre
Econômico”. Para completar, a Seleção Brasileira de Futebol ganhou a Copa do Mundo de
1970.
No final da década de 60 surgiram grupos guerrilheiros, que se organizaram para lutar
contra o governo, pois acreditavam que por métodos pacíficos era impossível derrotar a ditadura. Esses movimentos foram severamente reprimidos, seus líderes perseguidos e quase todas
as organizações desmanteladas pela ação rigorosa do governo. Diga-se de passagem que essas ações sofreram influência da Revolução Cubana, que, ao contrário daqui, obteve êxito.
3.5 – Abertura “lenta, gradual e segura”
O governo Geisel (1974-1978) iniciou o processo de transição para o regime democrático, tendo como principal preocupação fazê-la de forma lenta, gradual e segura. Vários
fatores contribuíram para que se avançasse na abertura política:
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
– o fim do período considerado como “Milagre Brasileiro” e a crise dos anos 80.
– devido à crise, a sociedade questiona o modelo vigente e se une contra o inimigo comum –
os militares.
– a sociedade civil avançou na reconquista da cidadania. Nesse processo algumas instituições tiveram um papel fundamental, tais como a Igreja, a Ordem dos Advogados do Brasil,
a imprensa, os sindicatos.
– no âmbito externo influíram as pressões exercidas pela imprensa europeia e norte-americana, além da posição adotada pelo governo dos EUA, na época presidido pelo democrata
Jimmy Carter (l977-1980), colocando a bandeira dos direitos humanos como uma das
diretrizes de sua política externa – uma forma de apressar o término das ditaduras militares em países da América Latina.
No intuito de quebrar a força da oposição, Geisel encaminhou algumas medidas, por
exemplo:
– o “pacote de abril”, lançado em 1977, que editou um conjunto de medidas, entre elas
eleições indiretas para governadores dos Estados; criou a figura de “senador biônico”
(não era eleito pelo voto popular. E dizia “sim” a todas as propostas do governo); mandato
de seis anos para o futuro presidente da República; aplicação da “Lei Falcão” para a
propaganda eleitoral nos meios de comunicação social (rádio e televisão).
– a nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos, em 1979, abolindo o bipartidarismo. A nova lei
extinguiu a Arena e o MDB, tornando obrigatório o uso da palavra “partido” na denominação das novas organizações partidárias que fossem criadas a partir daquele momento.
A Arena virou Partido Democrático Social (PDS) e o MDB transformou-se em Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Essa mudança possibilitou a criação de vários
partidos políticos, alguns existentes até hoje: Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Popular (PP), entre outros.
– a aprovação da Lei da Anistia – em 1979 – possibilitou que muitos exilados políticos
retornassem ao país. Cabe ressaltar, entretanto, que essa lei acabou beneficiando tanto os
torturadores quanto os exilados. “... Ao anistiar ‘crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política’, a lei abrangia também os
responsáveis pela prática da tortura. De qualquer forma, possibilitou a volta dos exilados
políticos e foi um passo importante na ampliação das liberdades públicas” (Fausto, 2000,
p. 504).
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Diretas Já
“Diretas Já” foi um movimento
civil de reivindicação por
eleições presidenciais diretas
no Brasil, em 1984. Na época a
possibilidade de eleições
diretas para a Presidência da
República no Brasil se concretizaria na aprovação da proposta
de Emenda Constitucional
Dante de Oliveira pelo Congresso Nacional.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Diretas_J%C3%A1>
A década de 80 foi marcada por inúmeras mudanças, que
ocorreram com a participação da sociedade civil. O governo militar estava muito preocupado com as eleições de 1982. Procurando garantir o controle sobre o processo eleitoral e favorecer o PDS
(antiga Arena), o governo alterou as regras eleitorais, estabelecendo o voto vinculado, que obrigava o eleitor a votar em candidatos de um mesmo partido, de vereador a governador. Nas eleições de 1982, porém, alguns municípios e Estados foram assumidos pelos partidos de oposição, evidenciando o descontentamento da sociedade com o regime até então vigente. Nos locais onde
a oposição assumiu foram construídas novas políticas públicas,
com o objetivo de atender às aspirações da sociedade.
A sociedade civil, o movimento sindical e os partidos de oposição ao regime contribuíram para a redemocratização do país.
Em 1984 participaram de forma maciça da campanha pelas “Diretas Já”, considerada a maior mobilização popular da História
do país. Com a não aprovação das eleições diretas, o PMDB articulou uma aliança com dissidentes do PDS (Frente Liberal – PFL),
conhecida como Aliança Democrática. “Como a legislação eleitoral em vigor determinava que os candidatos a presidente e a
vice pertencessem ao mesmo partido, o senador José Sarney filiouse ao PMDB para ocupar a vaga de vice da chapa de oposição”
(Schmitt, 2000, p. 60).
Assim, Tancredo Neves e José Sarney foram lançados como
candidatos pela chamada Aliança Democrática (PMDB mais a
Frente Liberal, que deu origem ao Partido da Frente Liberal), derrotando o candidato Paulo Maluf, do PDS.
3.6 – Sociedade Democrática: conquistas e desilusões
Embora a democracia seja um regime em que o governo
recebe representação popular, ou seja, o povo tem a possibilidade
de eleger os seus representantes, o primeiro presidente do “período democrático” não foi escolhido pela sociedade brasileira, mas
pelo Congresso.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
No dia 15 de janeiro de 1985 foi escolhido de forma indireta o primeiro presidente, que
governaria o Brasil no período democrático. A oposição chega ao poder, mas a doença e
morte de Tancredo Neves fizeram com que a Presidência da República fosse ocupada pelo
vice-presidente José Sarney, significando o continuísmo. O que aconteceu “não foi uma
ruptura, mas uma solução negociada entre o pretensamente “novo” e o “velho” em processo de deterioração” (Brum, 1997, p. 399).
O desfecho desse processo eleitoral fez emergir algumas dúvidas, indagações. Essa
escolha fazia parte do processo de abertura política “lenta, gradual e segura”? O interessante é que o presidente que assumiu o país, no período democrático tinha suas raízes históricas no partido que deu sustentação aos governos militares.
O governo Sarney recebeu várias críticas, uma delas por manter o SNI, mas permitiu
avanços no processo de redemocratização, como as eleições (1986) para senadores e deputados
federais, que atuaram também como membros da Assembleia Nacional Constituinte, que iniciou seus trabalhos em 1987 e concluiu em 1988. A Constituição Cidadã foi a mais liberal e
democrática que o país já teve, incorporou importantes conquistas em relação aos direitos individuais, políticos e sociais, ampliando a cidadania, porém sofreu um excessivo detalhamento.
Após 29 anos sem eleições diretas para presidente e vice-presidente, o povo brasileiro
finalmente voltou às urnas, em 1989. As eleições ocorreram num clima de descontentamento com o governo Sarney, pois ele não havia resolvido os problemas econômicos e ainda
tinha traído os seus “fiscais”. O desejo de mudanças era uma das aspirações da população,
que buscou apoiar partidos de pequena expressão, como o Partido da Renovação Nacional
– PRN – e o Partido dos Trabalhadores – PT. A eleição foi para o segundo turno, no qual se
enfrentaram Fernando Collor de Mello (PRN) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A eleição de Fernando Collor de Mello para a Presidência da República ocorreu praticamente à revelia dos quadros político-partidários institucionalizados. Candidato por um partido fictício, por ele mesmo criado, o Partido da Renovação Nacional (PRN), procurou colocarse distante e acima das organizações políticas e da sociedade civil, com a pretensão de estabelecer uma relação direta entre ele e o povo – revelando seu caráter autoritário e demagógico.
A sua campanha foi baseada no fato de ser jovem, de seu distanciamento de políticos
tradicionais (contava com apoio de muitos deles), independência em relação aos grandes
grupos econômicos (muitos financiaram sua campanha) e de governar para os descamisados.
Na mídia, a sua imagem foi construída como um “caçador de marajás” (funcionários públicos com altos salários). Quase ninguém se perguntou, na época, quem era esse candidato à
Presidência? Quais as suas raízes políticas?
125
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
No terceiro ano de seu governo o “caçador de marajás” foi acusado pelo próprio irmão
de envolvimento num esquema de corrupção, juntamente com seu tesoureiro de campanha,
Paulo César Farias. Eles estariam recebendo/exigindo contribuições em dólares de grandes
empresários em troca de favores do governo.
Para averiguar as denúncias, o Congresso Nacional constituiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que acabou comprovando as acusações. Diante das conclusões
da CPI, partidos de oposição, sindicatos, profissionais liberais e a população em geral intensificaram as manifestações para pressionar a Câmara dos Deputados a autorizar o Senado a
processar e julgar o presidente da República. No dia 29/12/92 o Senado se reuniu para
processar o presidente, mas Collor enviou mensagem renunciando à Presidência da República. Apesar da renúncia, o Senado tomou a decisão de continuar o julgamento e condenou Collor por 78 votos contra 3. Ele perdeu o mandato e teve seus direitos políticos suspensos
por oito anos.
Os pouco mais de dois anos que faltavam para completar o mandato foram assumidos
pelo vice-presidente Itamar Franco. Este procurou formar um governo de coalizão, mas alguns
partidos não quiseram assumir o risco, pois o governo estava desgastado. O grande desafio a
que se propunha era “... resgatar a ética na administração pública (e na política) e preparar o
país para a implantação de um plano de estabilização econômica” (Brum, 1997, p. 479).
Essa credibilidade foi recuperada em 1993, quando Fernando Henrique Cardoso (FHC)
concluiu a renegociação da dívida externa e elaborou o Plano Real, fatos que contribuíram
para que ele vencesse as eleições, posteriormente. Também no final desse ano foi promulgada uma Emenda Constitucional que reduziu o mandato presidencial de 5 para quatro anos
e antecipou a posse de 15 de março para 1° de janeiro.
Durante as décadas de 80 e 90, em função do processo de redemocratização, a sociedade brasileira aumenta a sua capacidade de organização, o que se refletiu até mesmo no
impeachment do ex-presidente Collor. Mesmo assim, o processo democrático precisa avançar a sua consolidação, e contar com uma população mais consciente politicamente.
3.7 – AVANÇANDO O PROCESSO DEMOCRÁTICO
Fernando Henrique Cardoso buscou o apoio de vários partidos, pois, além de ganhar
as eleições, tinha como objetivo viabilizar seu futuro governo e a aprovação das reformas
que pretendia pôr em prática no país. Ele foi eleito no primeiro turno com 54% dos votos,
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
pois estava com sua popularidade em alta desde a instituição do Plano Real; era um intelectual reconhecido e respeitado no país e no exterior, reconhecimento esse tanto da esquerda
como da direita. Durante o seu mandato deu continuidade ao Plano Real.
Durante o primeiro mandato de FHC várias empresas estatais foram privatizadas, como
a Vale do Rio Doce. Também foram discutidas no Congresso algumas Reformas, como a da
Previdência Social, tributária, administrativas, etc., mas poucas mudanças aconteceram.
FHC, para garantir a sua permanência no poder, realizou mudanças no processo eleitoral brasileiro, que possibilitaram a sua reeleição. Na revisão da Constituição, em 1994, a
reeleição não foi aprovada e partidos que votaram contra, na época, acabaram votando a
favor em 1997. Alguns questionaram, pois achavam que deveria valer só para o próximo
presidente da República, mas não foi isso o que aconteceu.
Em função disso, ele se candidatou para um segundo mandato, quando obteve 53%
dos votos, assumindo em janeiro de 1999 o seu segundo mandato, no qual encontrou grandes dificuldades para garantir a retomada do crescimento econômico, e aumentou a taxa de
desemprego.
Durante seu segundo mandato foi elaborada e introduzida a Lei de Responsabilidade Fiscal, com o objetivo de controlar e fiscalizar os gastos do poder público. Da mesma
forma, ampliou as relações internacionais. Apesar dessa medidas o Brasil continuou muito desigual.
Nas eleições de 2002 o candidato apoiado pelo governo não conseguiu se eleger, pois
a população ainda esperava por mais mudanças. No segundo turno, com 61,27% foi eleito,
para o Executivo Federal, Luiz Inácio Lula da Silva, um operário. Dessa vez a sua eleição foi
possível devido à construção de uma ampla aliança política, e foi esse percentual que deu a
legitimidade social necessária para a realização de reformas, mas sem garantir a sua base
parlamentar. O pleito e o período de transição, entretanto, ocorreram dentro da normalidade, revelando-se uma demonstração exemplar de democracia.
No seu primeiro mandato o governo Lula não fez mudanças bruscas na economia
brasileira, dando continuidade à política econômica adotada pelo governo anterior. Concedeu, porém, maior atenção ao social, instituiu programas sociais (Bolsa Família) que, mesmo tendo problemas, teve repercussão positiva na sociedade brasileira, pois desta forma
garantiu a sua reeleição. Seu governo, entretanto, sofreu sério desgaste em função das sucessivas denúncias de corrupção.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Nas eleições de 2006 Lula foi reeleito, novamente em segundo turno, para mais um
mandato de 4 anos, obtendo mais de 60% dos votos. Em seu primeiro discurso afirmou que
concentraria esforços no “desenvolvimento com distribuição de renda e educação de qualidade”. O que certamente ainda se configura como um dos grandes desafios para o Brasil,
bem como a retomada do crescimento econômico, a geração de emprego e a inclusão de
mais pessoas no processo produtivo.
No dia 31/10/2010, no segundo turno, foi eleita a primeira mulher para a Presidência
da República, com 56% dos votos válidos, o que mostra que a maioria da sociedade brasileira quer a continuidade do Projeto de Desenvolvimento iniciado por Lula, em que Dilma foi
feliz na escolha de seu Slogan “para o Brasil seguir mudando”.
– Seção 4 –
Organização Atual e Desafios da Política Brasileira
4.1 – ORGANIZAÇÃO ATUAL
A organização política brasileira e o exercício da cidadania passaram por algumas
mudanças durante esses mais de cinco séculos, conforme tivemos a oportunidade de acompanhar até aqui. Por muito tempo o povo viveu isolado, sem acesso às informações e sem a
possibilidade de se organizar nacionalmente. Isso contribuiu para que um pequeno grupo
tomasse para si a tarefa de organizar a sociedade, porém segundo os seus interesses.
Hoje essa realidade é diferente, pois durante o século 20 o Brasil se modernizou, tornando-se “menor ”, pois as pessoas, as informações e as mercadorias circulam com maior
facilidade. Grande parte da população está morando nos centros urbanos e essa concentração tanto exigiu quanto permitiu que as pessoas se organizassem, mas precisam avançar na
conscientização.
A sociedade brasileira tornou-se cada vez mais complexa e moderna, e o Estado assumiu um papel fundamental. Ele é mais estável e contribui para a organização geral do país.
Por exemplo, as estradas são vias públicas, mas imaginem se não fosse: Como fazer para
escoar a produção?
128
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
O Estado é a organização político-administrativa e jurídica de uma nação. O Estado
é enorme e constituído por diversas instituições como: o governo, as Forças Armadas, os
órgãos policiais, as assembleias parlamentares, a Constituição, etc.
A Constituição Federal de 1988 confirmou como regime político o Estado Democrático
de Direito, em que o povo pode participar do governo de forma direta ou por meio de representantes (voto). A forma de governo é a República, na qual parte ou todo o povo tem o poder
soberano. A forma de Estado é a federação, constituída pela União, Estados, Distrito Federal
e municípios, e tem entre seus principais fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade
da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e o pluralismo político.
O texto da Constituição Brasileira mostra significativos avanços, especialmente na
área da extensão de direitos sociais e políticos às minorias. Reconhece a existência de direitos e deveres coletivos e individuais. Também criou o habeas-data, pelo qual o cidadão pode
buscar informações sobre a sua pessoa, constantes em registros de entidades governamentais, e impedindo que registros secretos sejam usados contra a pessoa, como ocorreu no
regime autoritário (Fausto, 2000, p. 524).
Em relação à legislação eleitoral, a Constituição definiu que as eleições são diretas e
com a possibilidade de dois turnos para presidente, governadores e prefeitos de municípios
com mais de 200 mil eleitores. Tornou o voto obrigatório para brasileiros maiores de 18 anos
e facultativo para maiores de 70 anos e os jovens entre 16 e 18 anos. Os analfabetos e
menores de 18 anos não podem se candidatar.
No seu artigo 2º a Constituição Federal de 1988 determina que “são poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Num período democrático os membros do Executivo e do Legislativo são eleitos pela população brasileira, já os membros do Judiciário são nomeados. Muitas de suas características foram definidas na primeira Constituição Brasileira, de 1824, mas foi na Constituição de 1891 que se
optou pe lo s trê s pode re s. <ht tp://www.planalto.g ov.br/cci vi l_03/Con sti tui cao/
Constitui%C3%A7ao.htm>.
O poder Legislativo é organizado por um sistema bicameral e exercido pelo Congresso
Nacional, composto por senadores e deputados. Os senadores representam os interesses dos
Estados. O Senado é composto por 3 representantes de cada Estado e do Distrito Federal,
chegando a um total de 81, com mandato de 8 anos. A eleição ocorre de 4 em 4 anos, sendo
substituído um terço e depois dois terços da bancada. A Câmara dos Deputados é constituída
por representantes do povo, eleitos nos Estados e Distrito Federal, num total de 513 deputados federais.
129
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
O número de deputados é proporcional as suas populações, mas a Constituição de
1988 definiu um número mínimo (8) e um número máximo (70) de deputados dos diversos
Estados.
Poder Legislativo
Total
Representação
Senadores
81
26 Estados + Distrito Federal
Deputados federais
513
185 milhões – 2010
Deputados estaduais – RS
55
11 milhões – 2010
Vereadores – Porto Alegre
36
1,3 milhão – 2010
Em 2004 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apresentou uma resolução que tinha
como objetivo reduzir o número de vereadores no país e melhorar a proporcionalidade (considerando o número populacional). Assim sendo, quantos vereadores há no seu município?
Como está a representação do seu município ou região em âmbito estadual e federal?
O poder Executivo é composto pelo presidente da República, governadores e prefeitos.
A sua função clássica é executar as leis e se encarregar da administração pública. A Constituição de 1988 introduziu a possibilidade de segundo turno, no caso de nenhum candidato atingir a maioria absoluta dos votos válidos. Essa regra não é válida para municípios com
menos de 200 mil eleitores, cujos prefeitos são eleitos por maioria simples. O mandato do
poder Executivo hoje é de 4 anos.
Ainda em 1997 foi aprovada a emenda constitucional que permite a reeleição por mais
um mandato para o poder executivo, o que possibilitou a reeleição de FHC e Lula para a
Presidência da República. De outro lado, é urgente a Reforma Política brasileira.
Hoje a estrutura político-administrativa está melhor organizada que no século passado. Mesmo assim, a sociedade necessita avançar o seu processo de conscientização, e precisa conhecer melhor as formas e mecanismos de participação em âmbito local.
4.2 – ALGUNS DESAFIOS DA POLÍTICA BRASILEIRA
No início do século 19 o poder político esteve sempre vinculado ao poder econômico,
ou seja, uma pequena parcela da sociedade que representava cerca de 2% da população, e
definia os rumos do Brasil. A maioria da população brasileira, em torno de 70%, era consti130
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
tuída por negros, mulatos, mestiços e índios. “Éramos, então, um país quase sem povo, pois
povo é o conjunto dos cidadãos. Conseqüentemente não formávamos propriamente uma
nação, já que a maioria estava real e/ou juridicamente excluída” (Brum, 1997, p. 152).
Como ficou essa realidade durante o século 20? Várias foram as conquistas alcançadas, tais
como: instituímos a República, o voto secreto, a mulher com direito a voto, o voto do analfabeto, porém ainda são muitos os desafios a enfrentar.
A seguir vamos destacar alguns deles.
– Avançar a democracia brasileira
O grande desafio do Brasil é avançar na organização de uma sociedade complexa e
cada vez mais democrática. Numa democracia representativa o povo passa a responsabilidade para outras pessoas governarem, ou seja, esse poder é concretizado pelo direito do
povo de escolher pelo voto seus representantes para o Executivo, Legislativo e Senado. Além
de escolherem os seus representantes, os eleitores precisam exigir formas ou mecanismos de
fiscalizar e controlar os eleitos, para averiguar se realmente estão desempenhando bem o
seu papel e se estão trabalhando em prol do bem público. Você lembra em quem votou para
deputado federal na última eleição?
A democracia se aperfeiçoou no decorrer do século 20, deixando de ter apenas um
sentido jurídico-político e passou a indicar a igualdade de direitos entre todos os membros
da sociedade, independentemente de religião, cor, sexo, grau de instrução ou condição econômica. Hoje não se busca só o exercício do poder político. O ideal democrático requer a
efetiva participação do povo também no poder social, econômico e cultural. Para isso é
necessário que todos tenham as condições mínimas de sobrevivência, tenham acesso à alimentação, moradia, transporte, educação, saúde e lazer. São elementos essenciais para uma
vida digna e condições fundamentais para a construção da cidadania.
A democracia requer uma sociedade mais equilibrada econômica, política e socialmente, ou seja, mais harmônica, sem tantas disparidades, mas pressupõe a existência do
povo, consciente, participativo, organizado e com ampla base de cultura geral. Como a
democracia é um processo em constante construção e reconstrução, precisamos encontrar
alternativas e meios para participar dela de forma mais efetiva. A democracia é ainda uma
planta frágil, mas, se bem-regada, pode desabrochar ainda mais.
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– Ampliar a participação da mulher na política
Historicamente a mulher foi considerada como um ser inferior. O Código Civil Brasileiro de 1917 considerava-a um ser incapaz, sendo subordinada e devendo obediência ao homem, não tendo direito algum, muito menos o de ser considerada cidadã política. Essa
situação foi se modificando durante o século 20 e hoje as mulheres estão cada vez mais
presentes na vida política brasileira.
No início do século 20 elas eram educadas para serem mães, esposas e boas donas de
casa. As filhas das classes mais altas faziam aulas de música, bordavam e aprendiam outro
idioma. As guerras, porém, contribuíram para que a ala feminina assumisse postos deixados
vagos pelos homens, que se tornavam soldados. A partir desse momento a mulher passa a
participar de forma mais efetiva na sociedade.
Alguns fatos importantes:
– em 1932, no governo Vargas, foi concedido à mulher o direito ao voto, registrado na Constituição de 1934;
– em 1962 ela se torna cidadã civil, significando que não precisava mais pedir autorização
ao marido para trabalhar;
– nos anos 60 e 70, marcados pela onda hippie, a mulher passa a ter acesso à pílula anticoncepcional, a usar biquíni na praia e ver avanços no que se refere a movimentos feministas
e à inclusão no mercado de trabalho;
– em 1977 foi promulgada a Lei do Divórcio, contribuindo para uma reestruturação familiar,
que se reflete hoje em lares organizados e sustentados por mulheres;
– participação feminina nas mobilizações sociais, que se intensificam a partir da década de
80. No RS a categoria mais bem-organizada era a dos professores, na qual a presença da
mulher é expressiva.
No início do século 21 a presença da mulher no mercado de trabalho não é mais novidade, mas as preocupações praticamente são as mesmas das décadas anteriores, ou seja:
discriminação nos postos de trabalho, salários inferiores aos dos homens, a violência, jornada dupla ou tripla de trabalho, maioria no trabalho informal, principalmente como domésticas, e participação político-partidária pouco expressiva.
Um dos desafios do público feminino é avançar a sua participação na política partidária. Ela pode votar e ser votada desde 1932, representa mais de 50% dos eleitores, mas poucas representantes têm sido eleitas.
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Desde 1997, como forma de incentivar a participação feminina, as mulheres têm direito a uma cota de 30% em cada partido para disputar eleições proporcionais, mas muitas
vezes esse percentual não é alcançado por falta de interessadas. Esse percentual de representação das mulheres vem aumentando nos últimos anos, mas ainda não é satisfatório.
Um dado que comprova esse fato é o percentual de mulheres candidatas em 2006, que foi de
apenas 13,95%, talvez como resultado da discriminação decorrente da cultura patriarcal e
da falta de sensibilidade quanto a problemas que são exclusivos do sexo feminino.
Nestes últimos anos três mulheres assumiram certo destaque na política brasileira.
Yeda Crusius foi eleita governadora do Estado do RS em 2008; Ellen Gracie Northfleet assume como ministra do Supremo Tribunal Federal, e, em 2010, foi eleita a primeira mulher
para a Presidência da República – Dilma Roussef. Depois de 16 anos ela será a primeira
presidente que não é paulista.
A presidente Dilma, em seu discurso de vitória, destacou que concentrará seus esforços para buscar uma maior igualdade entre os gêneros. “Este fato (ser eleita presidenta),
para além de minha pessoa, é uma demonstração do avanço democrático do nosso país:
pela primeira vez uma mulher presidirá o Brasil. Já registro, portanto, aqui, meu primeiro
compromisso após a eleição: honrar as mulheres brasileiras... A igualdade de oportunidade
para homens e mulheres é um princípio essencial da democracia” (31/10/2010).
– Pluralidade dos meios de comunicação
Os mais modernos veículos de comunicação no início do século 20 eram a imprensa e
o rádio. O rádio começou a ser efetivado em 1923, e, em 1930, o governo regulamentou a
propaganda. Getúlio Vargas usou significativamente os meios de comunicação para divulgar a sua proposta política. Vargas (o homem e o mito), embora num contexto autoritário,
ditatorial, particularmente no período do Estado Novo (1937-1945), de um lado sufocou as
manifestações regionais e, de outro, fortaleceu o nacional. Constatou a importância do
rádio como meio de comunicação de massa, tendo sido o primeiro político latino-americano
a usá-lo como instrumento de propaganda. Com a oposição silenciada, difundiu sua imagem – e, dela, emergiu o mito.
Durante o Estado Novo o governo criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP),
em 27 de dezembro de 1938. Ele se transformou em “olhos e ouvidos” da ditadura varguista,
atuando como mecanismo de censura e coordenando formas de cooptar as massas. Por exemplo, o Jornal Correio Serrano, de Ijuí, publicava todas as informações oficiais sob a forma de
notícias “espontâneas”. Os meios de comunicação, além de servirem ao governo, eram utilizados para a difusão de ideias nazi-fascistas, censuradas num determinado momento.
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A par da crescente produção literária e difusão do rádio e da televisão, acrescem-se as
artes (teatro, cinema, música, pintura, escultura, arquitetura), em suas ricas e variadas formas de expressão, em que se incluem não só o resultado da ação dos intelectuais e artistas,
mas também as manifestações populares.
A imprensa (jornais e revistas), ao pôr ao alcance de um público mais amplo informações e análises da realidade, traz a sua contribuição para o processo de construção da cultura e da identidade brasileira. O avanço e democratização da escolaridade e a expansão da
universidade, sobretudo nos últimos 50 anos, vêm favorecendo a extensão e aprofundamento
cultural da população, fazendo com que mais pessoas tenham condições de ler, ampliando
o acesso.
Na fase democrática (1946-1964), os políticos da UDN e a imprensa de oposição combatiam o governo de Vargas, acusando-o de corrupção. Carlos Lacerda, jornalista e dono do
jornal Tribuna da Imprensa (RJ), atacava com virulência o presidente. Ele foi vítima de um
atentado, escapou com vida, mas seu amigo, o major da Aeronáutica Rubem Vaz, morreu. O
assassino estaria cumprindo ordem de Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial de
Vargas. Os inquéritos resultaram em denúncias de corrupção com pessoas próximas ao presidente. Embora sem comprometê-lo, mostraram o “mar de lama” em que mergulhava o
governo. Políticos e militares antigetulistas, principalmente ligados à UDN, exigiam a renúncia de Vargas. Este respondeu com o suicídio.
Parcela da população, que apoiava Vargas, saiu às ruas invadindo a embaixada americana, destruindo sedes de partidos políticos e jornais de oposição. Lacerda, sentindo-se
ameaçado, deixou o país. Voltou durante o governo de JK, quando a situação estava mais
amena, retomando a ação crítica contra o governo.
A grande maioria da população acompanhava os programas radiofônicos, que difundiam informações e “sonhos”. As músicas mais populares eram as marchinhas e o sambacanção. Os cantores participavam do carnaval e queriam ver suas músicas na “boca do
povo”. Temos outros gêneros musicais: o chorinho, a valsa, o frevo, o baião e o início da
bossa nova. O samba era popular, mas seu impulso vai ocorrer com o avanço da Televisão.
Na crise política decorrente da renúncia de Jânio Quadros (1961), os meios de comunicação novamente vão ter um papel fundamental, principalmente o rádio. Os ministros
militares tentaram impedir a posse do vice-presidente João Goulart, que se encontrava no
exterior. Leonel Brizola, governador do RS, convocou a população para garantir a posse do
vice-presidente. No dia 27 de agosto de 1961, o general Henrique Teixeira Lott, que havia
concorrido a presidente da República em 1960, lançou um manifesto em defesa da Consti134
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
tuição. Esse manifesto foi divulgado por emissoras de rádio que, em seguida, foram fechadas. A Rádio Guaíba, que não havia transmitido o manifesto, permaneceu no ar, o que
levou Brizola a requisitá-la, levando-a para operar no porão do Palácio Piratini, de onde
passou a comandar a “Rede Nacional da Legalidade”. Emissoras de rádio favoráveis foram
progressivamente entrando em cadeia com a Rádio Guaíba, retransmitindo sua programação. Em toda a resistência ao golpe os meios de comunicação foram instrumentos importantes para transmitir informações e pronunciamentos de pessoas influentes, visando ao apoio
popular. Em Ijuí, a Rádio Progresso foi usada algumas vezes pelo prefeito Beno Orlando
Burmann, durante o Movimento da Legalidade. Essa mobilização garantiu a posse do vicepresidente, que foi deposto em março de 1964, pelos golpistas, que nesse momento conseguiram apoio de número maior de militares e de uma parcela significativa da população.
Em 13 de junho de 1964 foi criado, pelos militares, o Serviço Nacional de Informações
(SNI, órgão de inteligência ligado às Forças Armadas), com a finalidade de superintender e
coordenar as atividades de informação e contra-informação, particularmente as de interesse
da segurança nacional. A estrutura do órgão previa uma agência central, com sede no Distrito Federal, e agências regionais. “O SNI foi desastroso para o país que o cevou. Transformou-se em tribunal de instância superior para questões políticas, e, em 1970, foi de sua
estrutura que saiu a avaliação pela qual o general Médici escolheria os governadores dos 21
Estados brasileiros...” (Gaspari, 2002, p. 171). Em razão de sua estrutura logística, o SNI,
no início da década de 80, ficou entre os dez mais bem-equipados serviços de informações
do mundo.
Durante o Regime Militar os meios de comunicação eram censurados. Os militares exerceram um rigoroso controle sobre as universidades, os sindicatos e outras organizações, meios
de comunicação e as manifestações culturais e artísticas. Por meio da vigilância e da repressão junto aos principais órgãos de comunicação, determinavam o que podia, ou não podia,
ser divulgado. Se até mesmo o general Golbery do Couto e Silva, fundador e idealizador do
SNI, chamou-o de “monstro”, podemos imaginar o estrago que ele fez na sociedade brasileira.
O SNI foi extinto em 1990, e suas atribuições passaram a ser exercidas pela Secretaria de
Assuntos Estratégicos – SAE –, da Presidência da República, e pela Polícia Federal.
Durante o processo de redemocratização foi extinta a censura, dando maior liberdade
de expressão aos meios de comunicação. Eles se tornaram instrumentos importantes na
mobilização da sociedade, especialmente com a massificação do acesso à televisão. Dois
exemplos são marcantes neste sentido: a campanha em favor das “Diretas Já” e a eleição e
posterior “impeachment” do presidente Fernando Collor de Mello, que mobilizaram milhões
de brasileiros.
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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
No plano político, os meios de comunicação são usados pelos partidos políticos para
divulgar suas propostas. Nos anos eleitorais temos a propaganda política obrigatória, em
que cada partido tem um período determinado de tempo, proporcional a sua representação
na Câmara dos Deputados eleita no pleito imediatamente anterior. Eles divulgam, também,
pesquisas eleitorais, mostrando a preferência do eleitor.
A partir da redemocratização a imprensa brasileira vem se tornando cada vez mais
investigativa, e nem sempre de forma imparcial. Por isso a população precisa avançar a sua
base de cultura geral, tendo maior capacidade de discernimento e crítica.
Pelo grau de instrução (dados ainda incompletos), o TSE divulgou, em julho de 2006,
o seguinte quadro percentual: eleitores analfabetos = 6,57%; eleitores que apenas sabem ler
e escrever (primeiras letras) = 16,92%; eleitores com o Ensino Fundamental incompleto =
34,77%; eleitores com o Ensino Médio incompleto = 16,88%; e eleitores com diploma universitário = 3,33%. O TSE não esclareceu se esse levantamento baseia-se em informações
atuais ou decorre de declarações feitas na ocasião em que as pessoas requereram o título
eleitoral e a Justiça Eleitoral o concedeu. Se a última hipótese referida for a base, então a
situação de escolaridade, hoje, seria um pouco melhor. De qualquer forma os dados revelam,
de modo gritante, o baixo grau de escolaridade dos brasileiros. Só para ficar nos dois extremos, os dados mostram que os eleitores analfabetos são mais que o dobro do número de
eleitores com curso superior completo. Embora escolaridade não signifique necessariamente consciência política, é um ingrediente importante – e o seu baixo grau é um motivo de
preocupação para a sociedade e para os governos.
Além dos desafios apresentados anteriormente temos ainda outros, como:
– Aperfeiçoar a participação da sociedade civil . A organização, em âmbito local, de uma
sociedade democrática, se faz por meio de partidos políticos, sindicatos, associações culturais, educacionais, universitárias, econômicas, sociais, entre outras. A relação mundial
é regulada pela ONU e, vinculadas a ela, 15 agências especializadas: Banco Mundial,
Unesco, FMI, OMC, OMS e outras.
– Intensificar o combate à corrupção . Nas ditaduras ou regimes autoritários os escândalos
geralmente não chegam ao conhecimento do público, pois é vetada a divulgação pela
censura sobre os meios de comunicação e controle sobre a sociedade. Na fase democrática
atual, o povo brasileiro sofreu algumas desanimadoras frustrações, relacionadas com o
vírus da corrupção. Como contraponto à frustração, emerge sempre a esperança de que a
lição sirva para todos e que novos escândalos não venham a ocorrer.
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– Tornar transparente a estrutura da organização político-administrativa . O Estado é a
organização político-administrativa e jurídica de uma nação. No Brasil, como em muitos
países, ele é organizado em três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O Estado é enorme e constituído por diversas instituições como: o governo, as Forças Armadas,
os órgãos policiais, as assembleias parlamentares, a Constituição, etc. O grande desafio é
tornar a estrutura da organização político-administrativa transparente, garantindo
credibilidade e participação mais consciente e efetiva da sociedade brasileira.
A atuação dos governos, dos partidos políticos e das demais organizações da sociedade no contexto da democracia, amplia e intensifica a discussão dos problemas, qualifica o
debate, fortalece a cidadania, ajuda a construir cultura, identidade, brasilidade. Certamente temos muito caminho a percorrer, mas não podemos deixar de considerar os avanços
ocorridos durante as últimas décadas – temos aspectos negativos e positivos.
Todas essas metas, entretanto, só serão possíveis se garantirmos amplo acesso à educação e buscarmos maior igualdade social, possibilitando a todos exercer o seu papel de
cidadãos. Nesse sentido, as necessidades básicas da população precisam ser atendidas, como:
moradia, terra, alimentação. A desigualdade, a realidade injusta e os altos índices de
corrupção, fazem emergir o desânimo e a descrença, mas é necessário lembrar das palavras
de Brum: “não há caminhos feitos. Eles se fazem ao caminhar.”
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Algumas considerações finais
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Como vimos, o governo tem papel fundamental na construção do projeto de desenvolvimento para o Brasil, mas precisa contar com a participação da sociedade de uma forma
geral. Após a análise de vários fatores sobre o Brasil – seu processo de construção – podemos
retomar alguns desafios apresentados e analisados nas Unidades, que mostram que o país
tem desafios nos setores econômico, político e social. Muitas perguntas ficam sem resposta,
mas é exatamente isso que nos torna pesquisadores, atentos ao que está sendo divulgado
nos meios de comunicação. Quais deles são fundamentais?
Nas últimas décadas tivemos vários avanços tecnológicos, principalmente com a
automação, a cibernética, a informática e a robótica, mas isso não atingiu a todos da mesma forma, pois o processo de exclusão continuou. Ninguém pode negar, contudo, que a
sociedade brasileira evoluiu/mudou muito nas últimas décadas. E certamente ninguém quer
retroceder no tempo, mas o que precisamos é compreender esse processo, para termos condições de avaliar e planejar o presente e o futuro.
A inserção do Brasil no mercado mundial foi, ao longo de sua História, realizado de
forma dependente e periférica em relação aos centros hegemônicos. Hoje se impõe a necessidade de superar essa condição subalterna. O que justifica essa inserção positiva do
país são as potencialidades que temos, como: dimensão do território, número de habitantes, abundância de recursos naturais, possibilidade de produzir os mais diversos produtos.
Diante disso temos alguns desafios a enfrentar. A população de um país não é apenas um
número, são pessoas que precisam ter acesso à educação, à qualificação, à cultura geral,
à politização. Temos aí um potencial em mercado consumidor, mas é necessário viabilizar
a inclusão social. Outra potencialidade são os recursos naturais, mas precisamos investir
em pesquisa, transformar os produtos in natura, agregar valor. Quanto emprego a mais
nós podemos gerar!
A possibilidade de uma sociedade não se baseia apenas em suas potencialidades naturais, mas na capacidade de gerar conhecimento e novas tecnologias. Para tanto, o país
precisa investir em educação, ciência e tecnologia, pois o conhecimento é a alavanca do
desenvolvimento. A inserção mundial não pode continuar a ser subalterna; não podemos
ser simples consumidores ou mercado para os produtos que as transnacionais produzem. A
abertura não pode significar a ditadura do mercado.
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