106
Jornada dos Cursos de História, Geografia e
Arquitetura: Espaço, História e Globalização
LUDICIDADE DO POVO BRASILEIRO
Ronilce Araujo Coltri Consolmano1
Fausi dos Santos2
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo desvendar algumas questões que
possam vir a elucidar o tema relacionado à identidade do povo brasileiro.Refere a
ludicidade como um dos fatores agregadores desta identidade e aborda o Carnaval
como uma festa que representa a cultura e a resistência deste povo, pois o que
aparentemente entende-se como alienação na realidade pode ser um fator gerador
de grande resistência.Para tanto serão enfocadas questões sociais, políticas e
econômicas numa perspectiva de desvendamento das relações humanas,
evidenciando alguns fatos que contribuíram para a formação da nação brasileira e o
que de fato representa nascer em um país de relações sociais tão contraditórias.
Palavras-chave: Brasil. Resistência. Ludicidade. Carnaval.
2 INTRODUÇÃO
As históricas formas de colonização e desenvolvimento do Brasil evidenciam
a pluralidade cultural e étnica que culminou no aparecimento do povo brasileiro,
nesta vertente de pensamento, pretende-se estabelecer um diálogo sobre o que é
ser brasileiro, como surgiu esta diversidade populacional e quais as implicações
ideológicas que foram ressaltadas durante este processo.
As questões sociais, políticas e econômicas que foram responsáveis pela
formação da Nação Brasileira trazem em seu bojo relações contrastantes, desiguais
e opressoras, capazes de exercer uma ação coercitiva e ou violenta que se expressa
através das várias formas de autoritarismo, prova disso é a própria forma como o
Brasil foi colonizado.
1
Aluna do 4º ano do Curso de História do Centro de Ciências Humanas da Universidade Sagrado
Coração – Bauru – SP.
2
Professor da Universidade Sagrado Coração – Bauru – SP.
107
Nessa perspectiva autoritária é que uma sociedade se revela e busca definir a
sua identidade.
Durante toda a trajetória histórica do Brasil, encontram-se dificuldades
extremas a serem transpostas, os índios e os escravos negros são testemunhas das
dificuldades que serão referidas neste estudo.
No entanto, em detrimento de todas estas mazelas constata-se que o povo
brasileiro busca ser feliz e que uma das fontes dessa felicidade é a sua ludicidade.
O Carnaval no Brasil é uma representação lúdica e seria esta festa uma das
formas de se conferir ao povo brasileiro uma identidade nacional?
O tema é complexo e através do método analítico sintético espera-se que no
fim do estudo algumas questões sobre a ludicidade do povo brasileiro sejam
esclarecidas e que estas venham colaborar para a desmistificação de alguns préconceitos que estão enraizados na sociedade brasileira, pois sendo esta uma
sociedade capitalista que teve como mão-de-obra, a escrava e que até aos dias de
hoje tem uma tendência a valorizar o que é de fora, esquecendo-se de reconhecer
toda a riqueza cultural e social que um país como o Brasil é capaz de oferecer.
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO.
Para Ribeiro (1994) é novo o povo brasileiro e se constata isto na realidade
plural de sua composição, basta observar as diferenças cruciais que envolvem
fatores como raça e etnia, estrutura econômica e social, relações políticas e
culturais.
Quando estes fatores se cruzam ficam evidentes as dificuldades de
integração de determinados segmentos, como os negros e mestiços, e a cidadania
plena da mulher.
Dentre as características da formação histórica da sociedade brasileira a
composição étnica e social do povo brasileiro é bastante diferenciada. O brasileiro
pode ser branco, negro, mulato, índio, cafuzo, caboclo de origem alemã, italiana,
ucraniana, espanhola, japonesa e outras. Portanto, é esta heterogeneidade que
dispara as diferenças culturais e lingüísticas, nem todos se identificam da mesma
forma, com os valores e símbolos do País.
108
Neste sentido, a formação do povo brasileiro fundada no mito das três raças
atua como referência de classe hegemônica, porém subordinada a referências
culturais européias e norte-americanas.
O povo brasileiro é novo devido toda a complexidade que permeia os vários
elementos culturais, sociais, étnicos e econômicos que estão imbricados na sua
formação ou constituição, gerando uma indefinição com relação à sua identidade.
Como povo, como organização econômica, como cultura, o Brasil é mais um
país explorado e influenciado pelo domínio estrangeiro e suas bases capitalistas, daí
a curiosa luta em busca da autenticidade, expressa pela consciência de um povo
que ainda busca seu destino baseado na vivência de outros povos.
A história nos mostra que a idéia de nação ideal que estava posta no século
XIX era o modelo europeu. A teoria idealizada pelo governo brasileiro na época era
a da cultura européia, o modelo do branco, este era o “sonho de consumo” dos
brasileiros.
Para tanto o projeto governamental da época século XIX produzia questões
como: Quem virá para os grandes latifúndios substituir a mão-de-obra escrava? E
este mesmo projeto governamental defendia a vinda do imigrante europeu também
com o intuito de embranquecer o povo brasileiro. No século apontado, mesmo os
imigrantes asiáticos como no caso dos chineses não eram bem vindos ao país.
Estes e outros dilemas se somam na organização e na composição da nacionalidade
brasileira.
Chalhoub (1990) traz a informação de que nas últimas décadas do século
XIX, os escravos negros mais precisamente da região sudeste, como brasileiros que
buscavam a liberdade e respeito que lhes eram negados há vários séculos foram
capazes de perceber que poderiam lutar em prol de alguns direitos sobre questões
fronteiriças e em vários casos houve a possibilidade de vitória destas classes
desfavorecidas.
Seguindo
esta
vertente
podemos
atribuir
um novo
olhar
sobre
o
comportamento indígena frente aos colonizadores europeus, evidenciando que
quando os índios apresentavam-se vagarosos no trabalho, diminuíam o índice de
natalidade, mentiam, fugiam, etc. estavam apenas lutando contra o seu opressor
com as armas ideológicas possíveis, já que não possuíam recursos bélicos capazes
de fazer frente àqueles que os oprimiam.
109
Portanto observa-se que assim como o escravo negro e o indígena dos
tempos coloniais, o brasileiro de hoje oferece uma resistência à opressão que
permeia as desigualdades sociais.
Importante se faz observar que as desigualdades sociais, étnicas e
econômicas necessitam de uma ideologia que as justifiquem.
Para que haja a dominação ideológica é necessário que se faça crer ao
segmento dominado que tudo o que provém dele é inferior e pequeno diante daquilo
que é proposto pelo dominador. A questão da escravidão no Brasil jamais deve ser
esquecida enquanto geradora de uma consciência que pode aniquilar com a autoestima de toda e qualquer sociedade.
Lovejoy (2002), grande estudioso da escravidão africana afirma que nas
sociedades de plantation das Américas o número de escravos chegava a constituir
entre 85% a 95% da população total.
Com relação à resistência podemos dizer que esta pode assumir várias
formas de se contrapor, como por exemplo, expressões violentas como saques,
rapinas, brigas e depredações.
Outra forma de resistência é a esperança, esta pode ser caracterizada
também como uma resposta ativa ao autoritarismo e outras questões da
desigualdade, assim como a resignação frente à impossibilidade de reverter as
expressões das questões desiguais.
O ato de resistir também pode assumir as vestes da tolerância, tolera-se
porque é a relação menos prejudicial.
Todas estas considerações devem ser pensadas quando tenta-se formatar a
identidade do povo brasileiro.
3 O LUDISMO BRASILEIRO
Para DaMatta (1990), no Brasil, como em outras sociedades, há uma
classificação dos eventos sociais segundo sua ocorrência. Há eventos que
representam o cotidiano, o dia-a-dia; há eventos situados fora dessa esfera que são
as “festas”, “os cerimoniais”, “as solenidades”, “os bailes” “conferência”, etc.
Estes chamam a atenção para o seu caráter aglutinador de pessoas, grupos
e categorias sociais e também por serem previstos, portanto a expressão formal e
informal qualifica a natureza destes encontros. No pólo informal estariam as
110
situações marcadas como “festas” e, no pólo da formalidade, as situações marcadas
como “solenidades”, para designar as reuniões onde se exige um mínimo de divisão
interna e quando a hierarquia é manifesta.
Dessa forma, os eventos formais são fortemente centralizados e os informais
se baseiam na idéia da espontaneidade. Seguindo esta vertente os carnavais são
momentos mais individualizados, que são vistos no sentido coletivo e como
momentos individualizados, onde a sociedade se descentraliza, portanto, o carnaval
é um dos eventos dominados pela brincadeira, diversão, ou seja, situações onde o
comportamento pode ser livre de uma hierarquização repressora.
As festas são momentos pontuados pela alegria e valores positivos.
Ribeiro (1994) destaca que o espírito lúdico caracteriza a identidade
brasileira, à esperança e à resistência soma-se esta dimensão lúdica. Por não ser
formal demais, o homem brasileiro oprimido e empobrecido é capaz de rir-se da
vida, de cantar, dançar, festar e fazer piada, apesar de tudo. Para o mesmo autor, o
que pode parecer falta de seriedade é na verdade uma sabedoria, pois, é preciso
fazer festa, visto que ninguém é de ferro. Portanto o espírito lúdico dá força para
resistir e esperar que venham dias melhores, por meio dele é que se suporta a
miséria sem o desespero.
Assim como os escravos negros que após os exaustivos dias de árduos
trabalhos, ainda assim conseguiam reunir-se, comer, beber e dançar e este
comportamento denunciava a força de um povo que mesmo na opressão vivida no
seu dia-a-dia, apresentava força e altivez para resistir àqueles que os oprimiam. Os
seus senhores não conseguiam entender o porquê deste comportamento.
Platão (filósofo grego 428-347 a.C.) já fazia alusão ao espírito lúdico, para ele
a atitude lúdica pode representar o equilíbrio entre a serenidade e a brincadeira,
fazendo com que a dificuldade da existência seja diluída por uma sabedoria lúdica.
Esta sabedoria apresenta-se como uma virtude do ser humano e o fato de alegrarse, rir das dificuldades da vida é uma forma de resistência.
Estas reflexões nos remetem a entender o festivo que reveste o espírito
popular do brasileiro, em uma tentativa de ignorar as mazelas sociais vividas no diaa-dia.
Fazer festa diante desta situação é afirmar que isto está profundamente
errado e a diversão passa a ser um protesto profundo, porém cheio de humor. A
111
festa em seu caráter lúdico demonstra da parte dos oprimidos a ânsia de superar
toda espécie de peso do dia-a-dia, trocando-o pelos momentos de alegria.
Para Ribeiro (1994) o festivo popular desorganiza a ordem social,
estabelecendo uma ordem onde quem ri, festeja e dança é a gente do povo. A
inversão que o festivo proporciona cria um significado da mais profunda aspiração
do homem pobre, pois se afirma que a vida vale a pena ser vivida com alegria,
mesmo que se lute o ano inteiro.
Portanto a festa é festiva, mas é séria, o festivo é alegre porque é gratuito,
apesar de que há muito tempo começaram a explorar economicamente a festa do
povo. E aí está mais uma investida capitalista na ânsia de conservar as opressões e
controle da sociedade estatuída, transformando o povo em objeto de renda
econômica. Hoje, o Carnaval já não é somente a festa do povo; os abadás, os
ingressos pagos nas avenidas e nos clubes se encarregam de excluir a participação
popular e dizer novamente: povo vocês continuam sob nosso jugo.
O festivo brasileiro aqui representado pelo carnaval é expresso no canto, na
dança, nas roupas à fantasia e em outros recursos visuais, que em uma sociedade
preocupada com as lógicas do poder econômico, o ludismo do povo brasileiro pode
ser confundido com alienação, mas na realidade o brasileiro acredita estar vivendo
alguns momentos de despreocupação e por isso ele brinca o carnaval.
Na “rua” ou em “casa”, o brasileiro está sujeito a certas regras que controlam
o relacionamento constante entre ele e o seu grupo, mas no Carnaval as leis são
mínimas, é como se houvesse um espaço especial, fora da casa e acima da rua,
onde todos podem estar sem preocupações com os seus relacionamentos, as suas
origens.Tudo isso é resumido na expressão “brincar o Carnaval”.
O Carnaval não celebra nenhum grupo permanente, nenhuma classe social,
também não está centrado em nenhuma fala discursiva. O ponto focal desse rito é o
universo humano, com sua possibilidade de inclusividade e comunalidade. Portanto,
o Carnaval não tem dono e por tudo isso, o Carnaval é do povo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podem-se perceber quantas nuances e matizes permeiam a identidade do
povo brasileiro.
112
Quantas cores, histórias, estórias, ritmos, sabores, odores enfim, quanta
diversidade; quão colorido e dinâmico é ser brasileiro.
O brasileiro é um povo guerreiro que conhece como ninguém a arte de
reelaborar tristezas, misérias, angústias e incertezas.
O povo brasileiro não é violento e não é passivo, o povo brasileiro é sábio e
tem fé.
Diante das adversidades que lhes são impostas, devido a razões econômicas,
sociais e políticas e as injustiças sociais, o povo brasileiro que é forte, resiste e
transpõem os obstáculos com otimismo e esperança. Ser otimista e ter esperança
também são formas de lutar por melhores condições de existência.
O comportamento de um povo não deve ser julgado apenas pela aparência,
devemos nos preocupar em revelar a essência, em desvendar o que está implícito, e
que poderá nos levar a grandes descobertas.
Para tanto é de extrema importância que se desenvolva o orgulho de ser
brasileiro, que se entenda que nascer no Brasil é fazer parte de um grande povo e
de uma grande nação.
Acreditar que a alegria, o otimismo e a esperança serão potencializadores de
novas relações e serão capazes de trazer para este povo colorido e de muitas faces,
muita paz.
BRAZILIAN PEOPLE'S PLAY
ABSTRACT
The present study has objective to unmask some questions that can be to
elucidate the subject related to the identity of the Brazilian people. It relates
lucidade as one of the factors component of this identity and approaches the
Carnival as a party that represents the culture and the resistance of this people,
because that apparently is understand as alienation in the reality, can be a
generating factor of great resistance.For in such a way will be focus social matters,
politics and economic questions in a perspective of human relations` discoveries,
evidencing some facts that had contributed for the formation of the Brazilian nation
and that in fact, it represents to be born in a country of so contradictory social
relations.
113
REFERÊNCIAS
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da
escravidão na corte. São Paulo: Companhia das letras, 1990.
DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema
brasileiro. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990.
______. O que faz o Brasil, Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
DIOP, C. A. The Cultural Unity of Black África. London: Karnak House, 1989.
IANI, O. Dialética e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1987.
LOVEJOV, P. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
NEVES, M. F. R. Escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2002.
RIBEIRO, H. A identidade do brasileiro “capado, sangrado e festeiro”.
Petrópolis: Vozes, 1994.
Download

ludicidade do povo brasileiro