O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO PARA A EDUCAÇÃO DO
GOVERNO LEONEL BRIZOLA (1959-1963)
(876) QUADROS, Claudemir de
Universidade de Passo Fundo, RS
RESUMO
Esta pesquisa, que está em fase inicial, tem por objetivo descrever e analisar o
projeto político-pedagógico para a educação do governo Leonel Brizola (1959-1963).
Neste período, foi desenvolvido um projeto educacional denominado 2 000 escolas em
2 anos que, mais tarde, popularizou-se como "as brizoletas". Este projeto tinha como
meta não deixar nenhuma criança sem escola e alfabetizar o maior número possível de
adultos. O lema do governo era Nenhuma criança sem escola no RS, para o que se
determinou um plano escolar que em dois anos produziu resultados: duas mil escolas,
trezentas mil matrículas, aumento de 160% no corpo docente primário, nove bilhões de
cruzeiros aplicados. Segundo o discurso oficial, o projeto educacional do Rio Grande do
Sul era "o maior esforço realizado nestes últimos três anos, em toda a América Latina,
em matéria de educação." O ponto de partida para análise deste projeto, será dado pelo
populismo e pelo nacionalismo desenvolvimentista. Neste sentido, infere-se que a pedra
de toque da situação educacional nos anos 60, no Brasil e no Rio Grande do Sul, foi
considerar a educação como elemento-chave no desenvolvimento nacional, dirigido
pelo Estado, conforme um modelo de desenvolvimento pensado pela burocracia, e não
pelo conjunto da sociedade. A visão preponderante é o homem como veículo do
desenvolvimento econômico antes do desenvolvimento do homem enquanto pessoa.
Neste sentido, recuperar, analisar e interpretar elementos que permitam trazer à
luz o projeto político-pedagógico para a educação do governo Leonel Brizola (19591963) significa resgatar um movimento de idéias e de concepções políticas de uma
época conflituosa e de transformação, em que se defrontavam, pelo menos, duas forças
com diferentes projetos de futuro para o país - conservadores e populistas - e que, com
certeza, deixaram profundas marcas na educação e na história do Rio Grande do Sul.
Entre os anos de 1959 e 1963, Leonel de Moura Brizola, do Partido Trabalhista
Brasileiro, PTB, governou o estado do Rio Grande do Sul. Durante este período, foi
desenvolvido um projeto educacional denominado Nenhuma criança sem escola no Rio
Grande do Sul.
Este texto apresenta alguns resultados preliminares da pesquisa que busca
elucidar o projeto político-pedagógico para a educação do governo Leonel Brizola, a
partir dos seguintes objetivos: contextualização das bases sobre as quais se sustentava o
projeto político-pedagógico do governo do estado do Rio Grande do Sul; análise das
maneiras pelas quais o governo buscou solucionar os problemas educacionais do estado;
avaliação do processo de implantação do projeto político-pedagógico e a interpretação
dos resultados alcançados e as conseqüências do projeto, com vistas a responder, em
especial, o seguinte questionamento: qual era o projeto político-pedagógico do governo
Leonel Brizola? Ou, ainda, como agiu o governo para dar forma às suas intenções?
O confronto político definindo rumos Na década de 50, duas principais forças
políticas organizadas e institucionalizadas em partidos buscavam a hegemonia no
contexto do Rio Grande do Sul. Por um lado, o Partido Social Democrático - PSD - e por
outro, o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB.
Esses dois partidos se revezaram no governo do estado e praticamente
monopolizaram o cenário político gaúcho na década de 50 e meados dos anos 60. Os
demais partidos menores atuavam mediante coligações com os partidos dominantes,
reforçando a bipolarização. É o caso, por exemplo, da candidatura de Ildo Meneghetti
em 1955, quando o PSD conquistou o apoio da União Democrática Nacional - UDN - e
ao Partido Libertador - PL -, ou da candidatura Leonel Brizola em 1958, quando o PTB
se congregou ao Partido de Representação Popular - PRP - e
ao
Partido
Social
Progressista - PSP -.
Uma visão, mesmo que superficial, da correlação de forças políticas que
atuavam no Rio Grande do Sul neste período é suficiente para revelar a distância entre o
PTB e o PSD, em termos de interesses econômicos regionais e de interesses políticos
nacionais. Segundo Bodea, "Criou-se no Rio Grande do Sul uma situação políticopartidária sui generis, com o distanciamento progressivo entre as lideranças do PTB e do
PSD. O PSD se aproximou da UDN em estilo político, organização partidária e
programática, afastando a liderança estadual da nacional do partido, principalmente
quanto à questão de eventuais alianças com o PTB. Simetricamente, se o PSD se udeniza
no RS, o PTB se pessediza, passando a receber uma parcela dos votos e da liderança
rural que, em outros estados, se apresentava como reduto pessedista. Setores importantes
do empresariado rural, principalmente pecuário, apoiaram o PTB, possibilitando vitórias
eleitorais em zonas rurais do estado, notadamente na chamada região de fronteira, onde
predominava a propriedade pastoril. Em decorrência, o PTB rio-grandense, além de
representar setores populares urbanos, da pequena burguesia e do empresariado
industrial, como nos outros estados, passa a representar também um setor da burguesia
rural, de cujas fileiras sairão alguns dos mais importantes líderes nacionais e estaduais do
partido. Assim, o PTB no Rio Grande do Sul tornou-se um fruto dessa aliança na medida
em que encarnava o PSD e o PTB nacionais, ou seja, os grupos e interesses que tais
partidos representavam no cenário político nacional, embora as lideranças regionais
fossem conflitivas."(877)
Do ponto de vista das forças políticas atuantes no contexto do Rio Grande do
Sul, os principais problemas a serem enfrentados pelo estado podem ser sintetizados em
três questões fundamentais, quais sejam, a
industrialização,
o
êxodo
rural,
os
transportes e energia.
O Partido Social Democrático - PSD -, representado no Rio Grande do Sul
pelos governos de Walter Jobin (1947-1951) e de Ildo Meneghetti (1955-1959 e 19631964), identificava o problema da industrialização como a meta necessária a ser atingida.
Porém, considerava que a indústria a incentivar e proteger deveria ser aquela que
beneficiasse os produtos oriundos da agropecuária.
No que se refere ao segundo problema crucial do estado, o êxodo rural, a
posição do PSD era a de conter a população no campo. A permanência do trabalhador no
campo era, segundo a perspectiva do PSD, tanto um fator de progresso para o setor
primário e, por extensão, para o secundário, quanto era um fator de estabilidade social.
Em contrapartida, a evasão para as cidades era entendida como um elemento que
contribuía para a perturbação da ordem.
O Partido Trabalhista Brasileiro - PTB -, por seu lado, identificava a
industrialização não apenas como o problema crucial do estado, como considerava
imprescindível assegurar o primado da sociedade urbano-industrial sobre a sociedade
agrária tradicional. Dentro da visão petebista, cabia fazer o Rio Grande do Sul passar
para as etapas mais avançadas do processo de industrialização, atingindo a produção de
bens intermediários e criando um pólo industrial no estado. Foram
do
PTB
os
governadores Ernesto Dornelles (1951-1955) e Leonel de Moura Brizola (1959-1963).
O PTB tinha a clara intenção de incorporar às massas, principalmente ás
urbanas, à sociedade industrial. Neste sentido, defendia a elevação do seu nível de vida
e a criação de oportunidades de trabalho para todos. Conceitos como justiça social e
regeneração do capital pelo trabalho estavam presentes nas idéias de Alberto Pasquallini,
Fernando Ferrari e Ernesto Dornelles, principais intelectuais orgânicos do Partido.
O grupo liderado por Leonel Brizola mostrou-se sensivelmente mais radical do
que as proposições de Alberto Pasquallini, demonstrando uma tendência socializante
mais nítida. O conflito interno do Partido acarretou, no início dos anos 60, a dissidência
do Movimento Trabalhista Renovador - MTR -, liderada por Pasquallini, Loureiro da
Silva e outros, que se afastou paulatinamente de Brizola.(878)
Tanto o PSD quanto as duas vertentes do PTB, na perspectiva de promover o
desenvolvimento do estado, voltaram-se para a questão do capital estrangeiro. O PSD
posicionava-se pela aceitação do capital estrangeiro, entendido como elemento
renovador. Tal perspectiva ligava-se à tendência em curso na sociedade brasileira
conhecida como capitalismo associado, que aceitava a colaboração do capital estrangeiro
como participante no desenvolvimento econômico brasileiro.
Para a ala do PTB vinculada ao MTR, a aceitação do capital estrangeiro deveria
ser "criteriosa" e controlada pelo estado. Tal posicionamento alinhava-se ao
nacionalismo desenvolvimentista. Por seu lado, a ala de Brizola posicionava-se
frontalmente contra a presença do capital estrangeiro, posicionamento este que acabou
por aproximá-lo das tendências de esquerda que o apoiaram.
Dessa forma, havia uma consciência praticamente comum quanto às fontes de
estrangulamento da economia rio-grandense por parte dos governantes do Rio Grande do
Sul. As formas de atacá-las, contudo, envolviam estratégias diferenciadas em
decorrência dos diferentes projetos de desenvolvimento propostos pelos partidos
políticos em jogo. Para Brizola, o projeto de desenvolvimento transitava pela educação.
Querer é poder:
"Quero ter a glória de poder erradicar ou tornar inexpressivo o analfabetismo
entre nós"
Durante a campanha visando às eleições municipais, legislativas e ao governo
do estado de 3 de outubro de 1958, um dos pontos fundamentais das propostas do então
candidato Leonel Brizola, e ao qual atribuía ter contribuído para a sua vitória eleitoral,
referia-se a educação: "Foi o meu plano de educação, de erradicação do analfabetismo e
da criação de escolas em todo o estado, uma das principais razões da minha vitória
eleitoral. Mobilizei o professorado, os pais e a mulher rio-grandense e, de um modo
geral, as classes humildes, para participarem dessa cruzada redentora. O panorama
educacional do Rio Grande
do Sul que, mesmo por ser aquele que melhores índices de
alfabetização apresenta, comparando o resto do Brasil, não é de nada animador.
Queremos e procuramos o desenvolvimento econômico e só o teremos através da
educação."(879)
Ao assumir o governo do estado, em 31 de janeiro de 1959, Leonel Brizola
procurou praticar o que discursava. Iniciou reestruturando a Secretaria da Educação e
Cultura - SEC -, "uma das mais importantes da atual administração", criando três
superintendências: do ensino primário, do ensino médio e do ensino técnico e adotando
como lema de governo Nenhuma criança sem escola no RS.(880) Segundo o
governador, o projeto educacional do Rio Grande do Sul era "o maior esforço realizado
nestes últimos anos, em toda a América Latina, em matéria de educação."(881)
O programa governamental tinha como meta não deixar nenhuma criança sem
escola e alfabetizar o maior número possível de adultos. Logo, o ensino primário e a
alfabetização de adultos eram os pontos de maior importância do programa. Para tanto,
foi determinado um levantamento completo da situação em que se encontrava o ensino
primário no Rio Grande do Sul, por meio de um Grupo de Trabalho (GT-1), cujo
relatório serviu de base para o planejamento da atividade governamental. Segundo dados
contidos nesse relatório, a população de 7 a 14 anos, em 1º de janeiro de 1959, era de 1
003 830. O número de alunos freqüentando escolas primárias era de 730 735, assim
distribuído: ensino particular 129 317; ensino municipal 320 048; ensino estadual 281
370. Uma das conclusões do relatório era: "A vista desses elementos e levando em conta
somente o número de crianças de 7 a 14 anos matriculadas em todos os ramos de ensino,
apura-se um déficit escolar de 284 652. (...) Se fosse mantido o ritmo de alfabetização
dos últimos anos anteriores a 1958, jamais o ensino primário conseguiria eliminar o
analfabetismo no estado gaúcho; pelo contrário, a partir de 1970 mais grave se tornaria o
problema."(882)
De posse desse estudo preliminar, o governo traçou um Plano Escolar, a fim de
apontar e por em prática soluções para superar o déficit escolar existente. Segundo
estimativa da SEC, para oferecer matrículas a todas as crianças de 7 a 14 anos, o sistema
de ensino estadual deveria manter a matrícula anterior, aumentá-la em proporção ao
crescimento vegetativo da população e absorver além disso o déficit escolar estimado.
Para tanto, uma vez mantida a linha ascensional das matrículas nos ensino municipal e
particular, o estado deveria arcar com um esforço adicional capaz de elevar matrículas de
281 370 em 1958, para 350 000 em 1960, 586 090 em 1961 e 605 066 em 1962.
Igualmente, o número de professores estaduais deveria ser aumentado de 23 000 até
1962
e o número suplementar de salas de aula deveria ser de 10 000. Em termos
gerais, foram estas as principais metas fixadas pelo governo para alcançar a
escolarização total de todas as crianças no estado até 1962.
Para atingir esses objetivos, "O
critério
observado
pelas
autoridades
educacionais do estado foi a de levar a escola até os recantos mais longínquos de modo
que as populações residentes nas zonas interioranas não continuassem privadas dos
benefícios da instrução primária. E não há dúvida que um plano racional de
alfabetização para produzir resultados realmente positivos deve começar pela eliminação
do déficit escolar no seio das pequenas coletividades rurícolas, orientando-se a ação
governamental da periferia para o centro, uma vez que nas cidades o problemas
apresenta sempre características mais atenuadas".(883)
Para o governo do estado,
o plano de escolarização a ser implementado
significava o enfrentamento de um "velho problema": "De fato, é bastante antiga a
problemática situação do ensino gaúcho, principalmente, no tocante à alfabetização. Os
grandes contingentes de analfabetos constituíam e constituem a prova de fogo porque
tem de passar os governantes do Rio Grande do Sul, de que envidem eles todos os seus
esforços, fazendo o possível para conseguir a solução do problema, do qual dependerá a
maior ou menor capacidade de progresso do povo sulino. O número de analfabetos na
população adulta cresce no Brasil e apresenta índices de crescimento também no Rio
Grande do Sul, sendo que todas as medidas tomadas para melhoria do ensino primário se
revelaram insuficientes no combate ao analfabetismo que grassa na população acima de
18 anos de idade. Mesmo sendo o estado que maior percentagem
de
recursos tenha
destinado ao ensino, vê-se através de dados absolutos e relativos o aumento da
analfabetos no Rio Grande do Sul, numa prova cabal de que o velho problema exigia ser
enfrentado de modo mais positivo e mais enérgico. Em 1950, a legião dos que não
sabiam ler representava 34,1% da classe de adultos; essa porcentagem elevou-se para
34,6% em 1956, mantendo-se inalterada até 1958."(884)
A "nova posição" é definida nos seguintes termos: "Ao assumir a chefia do
executivo, tornou-se patente que o principal objetivo do atual governo seria afastar os
obstáculos que se opunham a um perfeito desenvolvimento do ensino primário e técnico,
dando assim solução a uma das mais sentidas reivindicações da coletividade riograndense. É a nova posição, que viria combater o velho problema que durante anos
incidiu seus reflexos negativos sobre todas as classes da população gaúcha, foi tomada,
na forma de um plano de amplas proporções, tendo por lema publicitário uma frase de
sintetiza o que de fato se quer ver realizando: Nenhuma criança sem escola no Rio
Grande do Sul".(885)
Para o governador, o problema educacional do estado era objeto de "obstinada
determinação: "O ponto dominante, aquele que representa o ápice de nossa ação
administrativa, o vértice de nossa capacidade de ação, está consubstanciado em nosso
programa educacional. Educação foi a palavra que o candidato pronunciou com
apaixonada insistência durante a campanha eleitoral. Educação foi o problema em que o
governo do estado, neste período, concentrou com maior energia sua obstinada
determinação. Educação não como privilégio ou direito só facultado aos que possam
pagá-la ou obtê-la nos grandes centros urbanos ou rurais, mas serviço que a pátria deve a
todos os seus filhos, sobretudo àqueles que pertencem às classes populares, às classes
economicamente menos protegidas."(886)
Em entrevista à Revista do Ensino, o governador justifica a implementação do
Plano de emergência de expansão do ensino primário, considerando que: "As principais
causas do colapso do ensino primário do Rio Grande Sul, arroladas num elenco, seriam
suficientes para justificarem a existência não de um governo, mas de toda uma seqüência
de governos unificada pela mais compacta e monolítica continuidade administrativa.
Elas seriam: 1) precariedade de recursos; 2) não só precariedade, mas má distribuição; 3)
variabilidade incontestável da relação professor-aluno; 4) ascendente evasão escolar; 5)
continuada perda de rendimento do ensino primário; 6) carência cada vez maior de salas
de aula; 7) e, em conseqüência, distribuição desordenada das classes; 8) carência
crescente de educadores; 9) obsolência dos serviços administrativos."(887)
Para implementar o programa de escolarização, o governo usou cinco
expedientes principais: o Serviço de Expansão Descentralizada do Ensino Primário Sedep -, a Comissão Estadual de Prédios Escolares - Cepe -, o aumento do corpo
docente, a concessão de bolsas de estudo e a compra de vagas de escolas particulares em
troca da cedência de professores estaduais.
Além dos recursos orçamentários, a fonte de financiamento destas obras e
atividades foi a instituição da "taxa de educação", um adicional de 15% (no ano de 1959
foi de 20%), sobre todos os impostos estaduais que contribuiu com pelo menos 10
bilhões de cruzeiros para novas iniciativas no setor da educação. A par desses recursos, o
estado obteve financiamento para a construção de prédios escolares e para a compra de
material escolar mediante a emissão de apólices denominadas "II Plano de Obras".(888)
Segundo o governador, "Graças a esses recursos e ao aumento das dotações
orçamentárias, pode o estado contar com meios financeiros suficientes para realizar, sem
sobressaltos, o programa de escolarização de todas as crianças gaúchas, até o término de
seu mandato. Pelos levantamentos e estudos realizados, ao ser alcançada a meta
estabelecida para o ano de 1962 deverão estar, potencialmente, escolarizadas todas as
crianças do estado e, nessas condições, eliminado o déficit de matrículas no ensino
primário, cujo crescimento era constante até agora."(889)
Nos quatro anos do governo, em termos orçamentários, os percentuais
destinados à educação foram os seguintes:
Tabela 1 - Orçamento estadual de 1959 a 1963 Mãos à obra ou "A cultura de
um povo mede-se pelo número de suas escolas."
Com vistas a implementar o projeto governamental, foram criados dois órgãos
vinculados à SEC, encarregados de oferecer as condições materiais e técnicas para a
consecução dos objetivos do plano de escolarização: o Serviço de Expansão
Descentralizada do Ensino Primário - Sedep - e a Comissão Estadual de Prédios
Escolares - Cepe.
O Sedep coordenava o Programa de Expansão Descentralizada do Ensino
Primário, que baseava-se na celebração de convênios de colaboração envolvendo o
estado, os municípios e as comunidades. Por meio destes convênios, os municípios
informavam ao governo do estado quais as suas necessidades em termos de prédios
escolares e de salas de aula e o estado fornecia os meios técnicos e financeiros para a
execução das obras.
Este órgão tinha uma organização administrativa de estruturação relativamente
simples. Era integrado, na capital, por um cordenador-geral, um assistente, um oficial
administrativo e pessoal de apoio. No interior, em cada município, por um Grupo de
Supervisão, constituído por um coordenador e, no mínimo, um supervisor, ambos
professores do estado, que oferecia orientação técnico-pedagógica e fiscalizava os
trabalhos de execução do programa. Também fazia parte do serviço um representante
pessoal do secretário da Educação e Cultura em cada município.
Segundo relatórios do governo do estado, em 1961, a situação referente ao
Sedep era a seguinte:
Tabela 2 - Dados referentes ao Sedep em 1961
O Sedep, até o fim do exercício de 1961, declarado "Ano da Escolarização",
havia investido, em cooperação com os municípios, para construção de prédios e
pagamento de professores, um total de Cr$ 633 560 844, 00, incluídas as despesas com a
estrutura administrativa que representavam cerca de 5% sobre o total de recursos
investidos. Até o ano de 1961, haviam sido assinados convênios com 147 dos 152
municípios do estado, atingindo a totalidade dos municípios em 1962, que resultaram na
construção padronizada de prédios escolares de madeira, geralmente com uma ou duas
salas de aula e unidocentes, que se popularizaram como "as brizoletas".
Estes convênios não foram feitos somente com municípios para beneficiar
escolas públicas. Em 1961, por exemplo, o Sedep firmou dois acordos especiais com
entidades particulares. O primeiro acordo foi com a Sociedade Escolar de Palmas, do
município de Arroio do Meio, e o segundo com o Centro de Tradições Lila Alves, do
município de Pinheiro Machado. Estes acordos especiais obedeceram, em geral, os
mesmos termos dos acordos assinados com as prefeituras municipais, com cláusulas
peculiares às condições inerentes a cada instituição.
Por sua vez , a Comissão Estadual de Prédios Escolares - Cepe - tinha a
incumbência de superintender, estudar, planejar, projetar e executar as tarefas de
conservação, reparos, adaptação, construção, reconstrução e aparelhamento de prédios
escolares. Deste órgão, colegiado e especializado, participavam o secretário da
Educação, o secretário das Obras Públicas, os subsecretários de educação e a diretoria do
Centro de Pesquisas e Orientação Educacional - CPOE -. A Cepe dispunha de um órgão
executivo, com escritórios regionais instalados nas Delegacias de Educação, os quais
tinham por missão fiscalizar a construção das obras contratadas e prestar assistência a
todas as unidades escolares no que dizia respeito à sua conservação e melhoria. Pelos
dados do governo do estado, até o fim do ano de 1961, haviam sido entregues 3 203
escolas, com 4 981 salas de aula para uma capacidade de matrículas de 384 680 alunos,
sendo que:
a) a Cepe havia concluído 492 prédios escolares, com 1 686 salas de aula, com
capacidade para 118 030 alunos. Este órgão, no seu programa de construção de prédios,
mantinha, em 1961, obras em andamento e significativo número de obras autorizadas
que quando concluídas totalizaram 591 prédios com 2 057 salas de aula e capacidade de
matrículas de 143 980 alunos;
b) o Sedep programou, em colaboração com as prefeituras municipais, mediante
convênios especiais, a construção de 4 110 escolas de uma e duas salas, totalizando 5
447 salas de aula, com capacidade de matrícula de 381 290 alunos. Até 1961 este órgão
havia concluído 2 711 escolas com 3 295 salas de aula e capacidade de matrícula para
230 650 alunos.
Tabela 3 - Prédios e salas escolares solicitadas e construídas entre 1960 e 1961
Referente ao corpo docente, neste período, segundo dados do governo do estado, é
possível perceber um significativo incremento no número de professores contratados
para as funções do magistério. Pela tabela a seguir, observa-se que entre o anos de 1958
e 1961 houve um crescimento no quadro de professores de 182,16%, com a contratação
de 16 007 novos professores.
Tabela 4 - Corpo docente do estado entre 1958 e 1961
Segundo os relatórios do governo, a formação de professores constituía-se
numa "grande preocupação" do Sedep, que estabeleceu um amplo programa de trabalho
no campo técnico-pedagógico custeado pelas prefeituras municipais, com a assistência
técnica da SEC. Pode-se resumir nos seguintes pontos as atividades desenvolvidas: a)
encontros regionais com os grupos de Supervisão do Sedep e os prefeitos municipais a
fim de traçar os rumos fundamentais das atividades; b) reuniões com os coordenadores
do Sedep, a fim de se estudar as provas parciais dos alunos e os programas de ensino; c)
cursos intensivos para a formação dos professores. Estes cursos intensivos dividem-se
em cursos de curta e longa duração, locais e regionais. No entendimento do Sedep
"através destas atividades se capacitará os professores a exercerem no seu meio o
magistério a altura das necessidades."(890) Também se percebe um incremento
incomum no aspecto referente às matrículas no ensino público. A tabela a seguir oferece
uma visão dos números.
Tabela 5 - Estatística geral da matrícula no ensino primário
Tabela 6 - Evolução da cedência de professores em troca de matrículas Além do
ensino primário, o ensino técnico também foi objeto de um plano emergencial. O
programa traçado, que compreendia a ampliação e o reaparelhamento da rede escolar
existente, com o objetivo de imediato aumento em capacidade de matrícula serviu,
também, de base ao posterior desenvolvimento do Plano de Expansão do Ensino Técnico
no Rio Grande do Sul que envolveu a construção de novas instalações para oficinas, a
ampliação de salas de aula e de alojamentos para alunos internos, a locação e adaptação
de prédios para a instalação de escolas ou cursos isolados, a aquisição de equipamentos,
máquinas complementares e ferramentas, a restauração e reparações de prédios, a
compra de material didático e a admissão de professores e pessoal auxiliar.
Tabela 7 - Matrículas e professores do ensino técnico de 1958 a 1961 no ensino
técnico Outro programa que buscava oportunizar acesso à escola, foi o programa de
bolsas de estudo para curso primário. O decreto nº 10 598, de 14 de julho de 1959,
autoriza a concessão de bolsas de estudo para o curso primário, a partir do terceiro ano.
A tabela a seguir quantifica este programa que, se por um lado beneficiava os alunos, por
outro, não deixava de beneficiar também as escolas privadas.
Tabela 8 - Bolsas de estudo concedidas para curso primário
Considerações finais
Esses dados, grosso modo, permitem algumas aproximações, dentre as quais as
seguintes:
a) o Plano de Escolarização do governo Leonel Brizola no Rio Grande do Sul,
entre 31 de janeiro de 1959 e 31 de janeiro de 1963, baseou-se, primordialmente, na
construção de prédios escolares e na contratação de professores, visando escolarizar cem
por cento da clientela na faixa dos 7 aos 14 anos. Vincula-se, portanto, a uma expansão
quantitativa de prédios escolares e do corpo docente; b) é inegável e irrefutável o esforço
desenvolvido pelo governo do estado no sentido de suprir as necessidades materiais para
a escolarização. Os dados disponíveis até o momento apontam no sentido de que o
governo atingiu a meta proposta de construção de prédios escolares, com vistas a atender
a toda a clientela em idade escolar entre 7 e 14 anos. Foram construídas mais de quatro
mil escolas, entre "brizoletas", (prédios construídos em madeira, com uma ou duas salas
de aula e, geralmente, unidocentes), e prédios de alvenaria com capacidade para até mil
alunos;
c) não obstante, por razões ainda não pesquisadas, o governo não logrou atingir
a meta de erradicação total do analfabetismo e nem de escolarização de cem por cento da
clientela em idade escolar;
d) não foram encontrados, ainda,
havido discussões
indícios que apontem no sentido de ter
relativas a políticas educacionais e/ou a propostas pedagógicas,
seja diretamente com a sociedade, seja via a Assembléia Legislativa. Neste sentido, cabe
ressaltar que ainda não foi pesquisada a atuação do Centro de Pesquisa e Orientação
Educacional - CPOE -, órgão técnico-especializado da SEC encarregado de traçar
propostas educacionais e orientar didática e pedagogicamente o corpo docente;
e) é possível inferir que a ação governamental na área educacional reflete uma
demanda da sociedade por escolarização. Porém, há indícios de que a participação da
sociedade inicia e finda na demanda, pois, a partir deste ponto, quem "pensa" a educação
são os técnicos governamentais sob a orientação do governador-líder.(891)
Bibliografia
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BENEVIDES, M. V. O governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade
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