402 Lucas Lesma: um jornalista caminhando sobre fio da navalha IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação PUCRS Eduardo Ritter (aluno), professor Dr. Antônio Carlos Hohlfeldt (orientador) Número de Inscrição: 71680 Programa de Pós Graduação em Comunicação Social (PPGCOM), Faculdade de Comunicação Social (Famecos), PUCRS, Resumo Uma das personagens-jornalistas mais marcantes na obra de Erico Verissimo é Lucas Faia, figura central da obra Incidente em Antares (1971). Em meio ao incidente, na qual os sete mortos levantam de suas tumbas e vão à praça central de Antares, ganha destaque a figura de Faia, jornalista e diretor de A Verdade. Ele é utilizado por Verissimo várias vezes para descrever a situação pitoresca vivida no município fictício. Nesse contexto, o jornalista, que tem como apelido Lesma, se vê em meio a conflitos relacionados à briga pelo poder local. Introdução O jornalismo não teve influência apenas no modo de vida que o escritor Erico Verissimo levou, e foi além da questão da linguagem. Além de tudo, a atuação de Verissimo no jornalismo acabou lhe rendendo a criação de diversas personagens-jornalistas em sua obra, produzida em um período de 43 anos de atividade literária (contando a partir de 1932, quando foi publicado o livro de contos Fantoches). No total, se levarmos em conta apenas os romances de Erico, encontramos 24 personagens-jornalistas identificadas nas 13 obras do gênero produzidas pelo escritor, se considerarmos O Tempo e o Vento três obras: O Continente (1949, 2 tomos), O Retrato (1951, 2 tomos) e O Arquipélogo (1961, 3 tomos). Ao mesmo tempo em que trabalhava na Editora e Revista do Globo, Erico também foi eleito em 1935 o primeiro presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), com 88 votos dos 114 jornalistas aptos a votar. O trabalho de Erico nos meios de comunicação segue até 1940, quando ele passa a dedicar praticamente todo o seu tempo à produção de livros. Essa foi, resumidamente, a participação de Erico Verissimo no jornalismo. Por tudo isso, IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2009 403 consideramos a obra de Erico Verissimo uma referência para os estudos sobre a relação entre Jornalismo e Literatura, principalmente se considerarmos que: “se pode dizer que a literatura (...) é absolutamente, categoricamente realista: ela é a realidade, isto é, o próprio fulgor do real” (BARTHES, 1996, p.18). Para o presente estudo, escolhemos uma personagem para analisarmos a partir da metodologia Hermenêutica de Profundidade, com a técnica da Análise do Discurso, com a escolha de quatro categorias: Poder, Socioleto, Estereótipo (Barthes) e Personagens Conceituais (Deleuze e Guattari). A personagem escolhida é Lucas Faia (o Lesma) justamente por ser uma das personagens principais do livro Incidente em Antares, com destaque para a sua atuação profissional como jornalista, que implica em relações com as categorias escolhidas para esse estudo. Metodologia Para a análise, consideramos o método da Hermenêutica de Profundidade (HP), de John B. Thompson (1995), como o mais apropriado, já que esse método visa a interpretação, respondendo a questões particulares, levando em consideração um nível de realidade que não pode ser quantificado. Thompson destaca que a metodologia é apropriada quando o objeto de análise exige uma interpretação: “Este referencial coloca em evidência o fato de que o objeto de análise é uma construção simbólica significativa, que exige uma interpretação“ (THOMPSON, 1995, p.355). Conforme Thompson, essas formas simbólicas também “estão inseridas em contextos sociais e históricos de diferentes tipos; e sendo construções simbólicas significativas, elas estão estruturadas internamente de várias maneiras” (THOMPSON, 1995, p.335-356). A partir disso, o teórico propõe uma pesquisa com três fases de investigação, que formam uma espécie de tripé para a análise: análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva e interpretação/reinterpretação. Resultados e Discussão Dentro da proposta metodológica, inicialmente fizemos a contextualização histórica de Incidente em Antares, onde percebemos que o próprio Erico contextualiza durante toda a obra os fatos fictícios a partir dos históricos, inclusive misturando personagens reais com as ficcionais. Posteriormente, analisamos as relações de cada categoria com o objeto, na análise formal discursiva. Constatamos que a personagem-jornalista, Lucas Faia, usa um discurso IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2009 404 carregado de estereótipos, buscando se manter dentro do que Barthes chama de socioleto encrático, com o discurso feito de dentro do poder. Também analisamos as relações da personagem-jornalista com o poder de Antares, utilizando sempre a linguagem, que está relacionada ao que Barthes chama de gozo de escrever: “Pois o poder se apossa do gozo de escrever como se apossa de todo gozo, para manipula-lo e fazer dele um produto gregário, não perverso, do mesmo modo que ele se apodera do produto genético do gozo do amor” (BARTHES, 1996, p.27). Além disso, percebemos, através da categoria Personagens Conceituais (Deleuze e Guatarri, 1997), que o escritor utilizou diversas situações vividas por ele dentro do jornalismo, para inserir Lucas Faia em determinados contextos dentro do romance. Conclusão Consideramos que o nosso estudo será fundamental para a continuidade da análise sobre o autor e a complexa relação entre Jornalismo e Literatura. Sabemos que em estudos futuros poderão ser feitas diferentes análises, englobando mais categorias, até porque o objeto em questão é bastante amplo. Entretanto, encerramos mencionando uma frase de Rildo Cosson em seu texto publicado no livro Jornalismo e Literatura – A sedução da palavra, que salienta a fusão entre o romance e a reportagem, a exemplo do que acontece em Incidente em Antares: “Reportagem disfarçada de romance, o romance-reportagem também pode ser nessa recuperação do naturalismo, romance disfarçado de reportagem” (CASTRO e GALEANO, 2002 p.66). Acreditando nisso, pretendemos dar continuidade aos estudos sobre esse relacionamento tão instigante e envolvente que ocorre entre o Jornalismo e a Literatura. Referências BARTHES, Roland. A aula. São Paulo: Cultrix, 1996. BARTHES, Roland. O rumor da língua. Lisboa: Edições 70, 1984. CASTRO, Gustavo; GALEANO, Alex (org.) Jornalismo e literatura: a sedução da palavra. São Paulo: Escrituras Editora, 2002. DELEUZE, Guilles; GUATARRI, Félix. O que é filosofia? São Paulo: Editora 34, 1997. THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna – teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995. VERISSIMO, Erico. Incidente em Antares. São Paulo: Globo. 1994. IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2009