terceiro setor
Por mais
solidariedade
O lar da Provedoria da Comunidade Portuguesa
agora pode receber doações pela Lei Federal de
Incentivo Fiscal, um caminho simples e sem custos
adicionais para quem quer ajudar e fazer o bem
H
á 46 anos, estimulado pelo Consulado Geral de Portugal, um grupo de
empresários portugueses de São Paulo decidiu unir forçar e fazer algo efetivo pelos idosos da comunidade. Nascia assim a
Provedoria da Comunidade Portuguesa de
São Paulo, um lar de longa permanência
para acolher velhinhos necessitados, tanto
portugueses quanto brasileiros.
Mas mantê-la nunca foi tarefa fácil. Apesar dos diretores, todos voluntários, lutarem
pela existência da entidade, arrecadar o
dinheiro para financiar seus custos tem sido
uma dificuldade permanente. Mas essa rea-
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lidade pode mudar.
O lar acaba de receber autorização para ser
beneficiário de lei federal de renúncia fiscal.
Com isso, pessoas e empresas que desejam
colaborar têm apenas que destinar uma parte dos impostos (que já teria que pagar ao
governo) para a Provedoria da Comunidade
Portuguesa. Sem gastar nada a mais, todos
nós poderemos contribuir para que luso-brasileiros tenham uma terceira idade digna,
saudável, feliz.
In loco
Nós da equipe da Câmara Portuguesa em
Revista estivemos na Provedoria para ver de
perto como tudo funciona. Antes mesmo de
entrarmos nas instalações, a mata verde da
Serra da Cantareira do entorno já nos impressionou. É a natureza, com seu ar puro e
sua beleza, quem dá as boas-vindas.
A cada passo, aquela impressão de que encontraríamos um local sisudo, talvez triste, foi
se alterando por completo. O lar é calmo, claro, convidativo. Tudo por ali é simples, mas
bem preparado para aqueles corpos já não
tão ágeis – superfícies planas, banheiros e corredores com apoios laterais, luzes de fácil acionamento noturno, entre outras especificidades.
Moram no espaço cerca de 50 idosos, cheios
de histórias e memórias. E a cada encontro,
um sorriso – da funcionária alegre da lavanderia, das três vívidas senhoras que papeiam no
banco em frente ao jardim florido, do gerente
satisfeito pela sua tarefa cotidiana cumprida.
Mas nem tudo são flores. Como já foi dito,
a luta para manter essa estrutura é diária.
Hoje a entidade ainda sonha com uma provisão suficiente que pague suas contas e
cubra o déficit mesal recorrente.
Para saber mais sobre esse empreendimento
de doação e esperança, conversamos com
o presidente da instituição, Fernando Ramalho, que está à frente da instituição há doze
anos. Acompanhe a seguir.
APRENDIZADO
“A Provedoria é um
aprendizado diário. Eu
costumo dizer que aqui
vemos o final da história e
Foto
percebemos que às vezes a
vida é ingrata e dura. Mas
ao mesmo tempo o lar me
dá muita satisfação, porque
com o meu trabalho consigo
ajudar alguém. Além disso,
aprendo aqui como a boa convivência,
a compreensão e a tolerância com o
próximo são fundamentais.”
Sílvio Torres, gerente administrativo da
Provedoria há 14 anos
Câmara Portuguesa em Revista
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terceiro setor
As simpáticas moradoras Aduzinda Caetano, Zita Pestana e
Luisa Severo.
Aduzinda do Nascimento Caetano
Portuguesa nascida em Beira Alta, veio para
o Brasil há 53 anos. Tem 78 anos.
Zita da Conceição Aguiar Pestana
Brasileira, filha e irmã de portugueses.
Tem 71 anos.
“Vim para o Brasil porque meu marido tinha
três irmãos morando no Rio. Depois ele
veio passear em São Paulo e gostou daqui,
viu que as mulheres trabalhavam na feira
(risos) e fomos trabalhar na feira. Como meu
marido não conseguia renovar a carta, então
eu tirei a licença e dirigi caminhão por muito
tempo. Meu marido faleceu há 20 anos. Eu
gosto de viver aqui, tinha todo o conforto na
minha casa, mas aqui como, durmo e não
faço mais nada, tem tudo pronto, eu adoro.”
“Meus pais vieram para o Brasil em 1940,
e eu nasci em 43. Hoje completa 4 anos e
meio que estou aqui na Provedoria, é muito
bom, melhor do que antes, porque eu vivia
sozinha, passava mal e me encontravam
desmaiada. Quando vim a primeira vez, lá em
cima no portão eu já gostei do visual, porque
gosto muito do verde. De manhã ajudo na
lavanderia, dobro roupa. Depois do café, a
gente fica aqui nesse banquinho pra jogar
conversa fora.”
Luisa Severo Brioschi Zollner
Brasileira, filha de portugueses e neta de
Ricardo Severo, importante engenheiro,
arquiteto, arqueólogo e escritor português, que
viveu no Brasil, foi sócio de Ramos de Azevedo
e responsável por grandes obras brasileiras.
“Estou aqui há sete meses e adoro. É uma
dedição dos funcionários e enfermeiras,
uma coisa impressionante. Isso cai muito no
coração, a gente se sente muito bem aqui
dentro, é muito bem tratada, a comida é
gostosa, há um carinho todo especial. Eu acho
espetacular. E estou muito contente de estar
aqui porque volto às origens portuguesas.”
ENTREVISTA: Fernando Ramalho
presidente da Provedoria da Comunidade Portuguesa de São Paulo
Conte um pouco do histórico da instituição.
Fernando Ramalho – Fundada em 1968, a Provedoria foi evoluindo com o tempo. Em 2004, o governo
português, vendo o trabalho sério que estava sendo
desenvolvido, concedeu um subsídio e, com ele, conseguimos reformar e duplicar as instalações iniciais.
Na inauguração, esteve aqui presente até o ministro
português Bagão Felix.
E o Centro de Apoio, como funciona?
O Centro de Apoio a Portugueses Carenciados, voltado
não a idosos, mas a portugueses em dificuldades financeiras ou outras, fica localizado na Casa de Portugal
e tornou-se um braço do Consulado. O Centro dá todo
tipo de apoio, oferecendo remédios, dinheiro para tirar
um documento, encaminhamento para o INSS, para o
ASIC [Apoio Social a Idosos Carenciados das Comunidades Portuguesas] ou para abrigos, entre outros.
Quem trabalha na Provedoria?
Há dois grupos: os empregados e os voluntários. A
diretoria é toda formada por empresários portugueses
que trabalham voluntariamente, sem nenhuma remuneração. E o restante da tarefa é feita pelos 22 funcionários contratados.
Quais são os principais gastos da entidade?
Além dos funcionários, fornecemos cinco refeições
diárias, temos visitas médicas semanais e emergenciais, enfermeiras e auxiliares de infermagem
diplomadas, fisioterapeuta, nutricionista, enfim,
42 Câmara Portuguesa em Revista
um complexo de serviços para dar um atendimento
digno ao idoso.
É uma responsabilidade muito grande, que demanda recursos permanentemente e uma previsibilidade futura.
Como a entidade é mantida atualmente?
Deve-se dizer com toda a justiça que quem sustenta o
lar é a comunidade luso-brasileira. É ela que comparece, se associa e dá a maior parte dos recursos para
manter esta casa funcionando. Entao nossa renda atual
vem dos associados e das instituições que contribuem
mensalmente, como o Banco Espírito Santo. Mas o que
arrecadamos não cobre todos os gastos, então precisamos permanentemente angariar recursos, o que fazemos por meio de eventos. Há 42 anos, o Buffet Torres
oferece um banquete para cerca de 400 pessoas, jantar
que já é tradicional na comunidade luso-brasileira, e
toda a renda vem para a Provedoria. O Clube Português também resolveu fazer o mesmo e, no primeiro
semestre, dá um jantar junto com o Buffet Morenos,
cuja renda também é destinada à Provedoria. Além disso, promovemos bingos em entidades parceiras e ainda
um churrasco feito aqui mesmo no lar, uma oportunidade para que as pessoas conheçam o espaço.
Com a Lei de Incentivo Fiscal, pela qual a provedoria
acaba de ser beneficiada, essa situação pode melhorar?
Sim, tínhamos dificuldade de arrumar mais verbas porque
não havíamos recebido ainda a autorização para arrecadar
pela isenção fiscal, devido à burocracia longa do processo. Mas graças a Deus conseguimos. Agora, com o mesmo
dinheiro que pagariam impostos, as empresas podem nos
ajudar, e não as honera em nada. É bastante simples, e
estamos disponíveis para tirar qualquer dúvida.
Quais as suas principais preocupações com a Provedoria?
A gente vê que o futuro é um problema, porque o idoso,
quando vem para cá, nos pertence até o resto da vida
dele, não sai mais. Apesar de só admitirmos idosos que
consigam andar, comer e exercer atividades cotididanas
com independência, porque não somos uma clínica, passados alguns anos, esses idosos se tornam dependentes,
e por isso prestamos assitência até o resto de suas vidas.
Quais os maiores aprendizados que este trabalho voluntário junto à Provedoria trouxe ao senhor?
Conforme a gente vai avançando na idade, vai vendo
que a vida é uma coisa muito breve. Você ter mais ou
menos patrimônio quase não significa nada no fim da
vida. E acho que a gente tem que pensar no próximo,
porque fazemos todos parte do mesmo mundo. Mais
importante do que os recursos que eu poderia dar, do
que os cheques que eu poderia assinar, é o meu tempo
doado. Durante 20 anos, trabalhei com o Dr. Antônio
Ermírio de Moraes na Beneficência Portuguesa, e ficava me perguntando: como um homem desses, dono de
tantas empresas, fica aqui trabalhando aos sábados, aos
domingos? É uma questão de doação, é filosofia de vida.
E nós portugueses herdamos isso, somos solidários, e o
povo brasileiro também, não se vê no mundo povo mais
solidário que o brasileiro. É o humanismo português que
vingou no Brasil. E é por isso que eu estou aqui.
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