UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE DANIELE EDUARDO ROCHA VELHICE E SOCIABILIDADE: ESTUDO SOBRE O GRUPO DE CRIAÇÃO LITERÁRIA DO TSI/SESC FORTALEZA FORTALEZA - CEARÁ 2015 1 DANIELE EDUARDO ROCHA VELHICE E SOCIABILIDADE: ESTUDO SOBRE O GRUPO DE CRIAÇÃO LITERÁRIA DO TSI/SESC FORTALEZA Dissertação apresentada à Coordenação do Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, do Programa de PósGraduação em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre. Área de Concentração: Políticas Públicas. Orientadora: Prof. a Dr. a Maria Helena de Paula Frota. FORTALEZA – CEARÁ 2015 2 3 4 5 Aos meus pais, José e Francisca, Por terem sempre sido como o vento para minhas asas. Que suas velhices sejam felizes. 6 AGRADECIMENTOS Primeiramente, a Deus, por todas as bênçãos a mim concedidas durante toda a minha vida, as quais me ensejaram chegar até aqui e concretizar mais esta etapa. Aos meus pais, José e Francisca, por todo o apoio, confiança e compreensão. Pelo exemplo de honestidade e pelo amor incondicional que sempre recebi. A vocês devo tudo o que sou. Ao meu marido, Marcelo, por todo o amor e cumplicidade, por sempre acreditar em mim e torcer pelo meu sucesso, por todo o apoio e compreensão. Obrigada por ser também meu melhor amigo e por dividirmos nossas vidas. À minha avó materna, Rosa, pelo exemplo de bravura, força e coragem, e por haver sido minha primeira inspiração ao escolher estudar a velhice. À Universidade Estadual do Ceará - UECE, pelo espaço de estudo e de aprendizagem durante a graduação e o mestrado. Ao Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade – MAPPS, pela oportunidade e por todas as contribuições acadêmicas. À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP, pela bolsa de estudos concedida durante o período no MAPPS. À professora doutora Helena Frota, por haver aceitado o desafio de me orientar e por todas as contribuições e ensinamentos, fundamentais para o andamento da pesquisa. À professora doutora Adriana Alcântara, pela coorientação, compreensão, disponibilidade, valiosas críticas, bem como pela imensa generosidade em compartilhar desde o conhecimento científico a materiais de pesquisa. Não tenho palavras para agradecer tudo que fez por mim durante no decurso do Mestrado. 7 Ao professor doutor Gisafran Nazareno, por de pronto ter aceitado o convite para participar da banca do Exame de Qualificação, bem assim pelas substantivas críticas e sugestões feitas nesse momento, fundamentais para a realização desta pesquisa. Aos interlocutores, por toda a confiança em mim creditada e por aceitarem dividir um pouco de suas vidas e histórias comigo. Muito obrigada! Sem vocês, a realização desta pesquisa não teria sido possível. Ao grupo de Criação Literária, e ao facilitador, Márcio Araújo, pela forma como fui acolhida, por tudo o que aprendi nesse espaço, enfim, por me fazerem sentir como se fosse parte dessa atividade. À equipe do TSI, Ingrid, Joseane, Elizângela e, principalmente, à Inez, por facilitarem o acesso ao campo, por partilharem conhecimentos sobre o grupo pesquisado, acerca dos interlocutores e por me acolherem tão bem. Enfim, por serem as minhas maiores referências de profissionalismo, compromisso ético e respeito à questão da velhice. Aos colegas do mestrado, por compartilharem este momento tão ímpar. 8 Sim, eu quero viver muitos anos mais. Mas não a qualquer preço. Quero viver enquanto estiver acesa, em mim, a capacidade de me comover diante da beleza. (RUBEM ALVES) 9 RESUMO O envelhecimento populacional é um fenômeno crescente, no contexto mundial, como no nacional e local, trazendo repercussões para o âmbito da família, onde os velhos estão permanecendo por mais tempo e desempenhando importantes funções, assim como para o campo das políticas públicas, visto que a questão da velhice passa a demandar do Estado respostas para o seu enfrentamento. Dentro dessas iniciativas, que avançaram nas últimas décadas como fruto de lutas dos movimentos sociais, podem ser mencionadas as provenientes da Constituição Federal de 1988, da Lei Orgânica da Assistência Social, da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso, entre outras. Essas exprimem a necessidade viabilizar formas alternativas de participação, ocupação e convívio de velhos, como os Grupos de Convivência, locus dessa pesquisa. Esses grupos, além de promoverem a ocupação do tempo livre, atividades de lazer e o combate à institucionalização, têm como um dos seus principais objetivos a promoção da sociabilidade intrageracional. Considerando, entretanto, que as relações contemporâneas estão cada vez mais efêmeras, líquidas e frágeis, reflete-se em que medida tais grupos configuram hoje como espaços de sociabilidade. Com efeito, objetiva-se compreender o modo como se configura a sociabilidade dos velhos participantes do grupo de Criação Literária, do Trabalho Social com Idosos - TSI, desenvolvido pelo Serviço Social do Comércio - SESC Fortaleza. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de natureza qualitativa, contando com levantamento bibliográfico e documental, e pesquisa de campo, realizada na retrocitada instituição. A coleta de dados foi realizada mediante observações diretas, registradas em diário de campo, e entrevistas semiestruturadas, as quais foram gravadas e transcritas, conforme autorização dos sujeitos da pesquisa. Este trabalho foi realizado de acordo com o que preconiza a Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, a qual traz disposições sobre pesquisas com seres humanos. Os resultados indicam que, mesmo em meio à vida líquida, onde as relações sociais são cada vez mais frágeis e, embora a sociabilidade promovida pelos grupos de convivência seja, no primeiro momento, mediada e secundária, esses fatores não inviabilizam a experiência da sociabilidade pura nesses tais locais, visto que, para isso, também concorrem as experiências e vivências de cada um no decorrer de suas vidas. Palavras-chave: Velhice. Sociabilidade. Políticas Públicas. Grupos de Convivência. 10 ABSTRACT Population aging is a growing phenomenon in global, national and local level, bringing repercussions for family, where the old are staying longer and playing important roles, as to the field of public policy, because the question old age requires from the state answers for solving them. Within these initiatives, which have increased in the last few decades as a result of struggles of social movements, we can mention those from the da Constituição Federal de 1988, da Lei Orgânica da Assistência Social, da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso, among others. These public policy indicate the need of viable alternative forms of participation, occupation and convivial old, as the Living Groups, locus of this research. Such groups promote the occupation of free time, leisure activities and the fight against institutionalization, in addition, they have as one of its main objectives the promotion of intragenerational sociability. However, considering the current relations are increasingly ephemeral, liquid and fragile, reflected in the extent to which such groups are configured as social areas nowadays. In this sense, we aim to understand the configuration of the sociability of the old participants in the Criação Literária group, the Trabalho Social com Idosos - TSI, developed by the Serviço Social do Comércio - SESC Fortaleza. Thus, we performed a qualitative research, with bibliographical and documentary survey and field research conducted in the aforementioned institution. Data collection was performed by direct observation, recorded in field diaries, and semi-structured interviews, which were recorded and transcribed as authorization of the research subjects. This work was carried out according to what advocates Resolution No. 466/12 of the Conselho Nacional de Saúde, which brings provisions on human research. The results indicate that even in the midst of modern life, where social relations are increasingly fragile and although the sociability promoted by social groups is, at first, mediated and secondary, these factors do not invalidate the experience of pure sociability in such places, as for this, also compete experiences and experiences of each in the course of their lives. Keywords: Old Age. Sociability. Public Policy. Living Groups. 11 LISTA DE TABELAS 1 Distribuição percentual da população residente, por sexo, segundo os grupos de idade – Brasil – 2002/2012 .................................................................................................. 61 2 Distribuição percentual da população projetada, por grupos de idade – Brasil – 2020/2060 .............................................................................................................................................. 62 3 Evolução da quantidade de benefícios de amparo assistenciais, para portador de deficiência e para idosos – Brasil – dez. 2002-2011 ............................................................................... 71 4 Distribuição percentual das pessoas de 60 anos ou mais de idade, segundo os anos de estudo, a previdência, o rendimento mensal de todas as fontes e o rendimento mensal domiciliar per capita – Brasil – 2012 ..................................................................................... 73 12 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ACEPI – Associação Cearense Pró-Idosos ANG – Associação Nacional de Gerontologia BPC – Benefício da Prestação Continuada CNC – Confederação Nacional do Comércio CRAS – Centro de Referência em Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especializado em Assistência Social IAPC – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal INPS – Instituto Nacional de Previdência Social IPECE – Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará LBA – Legião Brasileira de Assistência LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social ONGs – Organizações não governamentais ONU – Assembleia Geral das Nações Unidas PAI – Programa de Assistência ao Idoso PEC – Proposta de Emenda Constitucional PNAS – Política Nacional de Assistência Social PNI – Política Nacional do Idoso PSB – Proteção Social Básica PSE – Proteção Social Especial RMV – Renda Mensal Vitalícia SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia SESC – Serviço Social do Comércio SETAS – Secretaria do Trabalho e Ação Social SETRA – Secretaria Municipal de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Fortaleza) TSI – Trabalho Social com Idosos WHO – World Health Organization 13 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15 2 (RE) ENCONTRO COM A VELHICE ........................................................................... 23 2.1 Velhice (s): significações e compreensões sobre a categoria ....................................... 23 2.2 – Construções sociais da velhice .................................................................................... 33 2.3 Velhice e termos classificatórios .................................................................................... 42 2.4 O velho na família contemporânea ................................................................................ 48 3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENVELHECIMENTO, CIDADANIA E GRUPOS DE CONVIVÊNCIA ............................................................................................................. 61 3.1 Envelhecimento populacional e políticas públicas para o envelhecimento no Brasil e no Ceará ................................................................................................................................. 61 3.2 Grupos de convivência no contexto brasileiro ............................................................ 86 3.3 O Trabalho Social com Idosos – TSI/ Serviço Social do Comércio – SESC Fortaleza .................................................................................................................................................. 94 4 O GRUPO DE CRIAÇÃO LITERÁRIA DO TSI/SESC NA PERSPECTIVA DA SOCIABILIDADE .............................................................................................................. 105 4.1 O Grupo de Criação Literária do TSI/SESC ............................................................. 105 4.1.1 Sujeitos da pesquisa ................................................................................................... 109 4.2 Sociabilidade e relações sociais no cenário da velhice na Contemporaneidade ...... 119 4.3 A sociabilidade entre os velhos do Trabalho Social com Idosos: o caso do Grupo de Criação Literária .................................................................................................................. 133 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 151 6 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 155 APÊNDICES ....................................................................................................................... .163 14 APÊNDICE A ...................................................................................................................... 164 APÊNDICE B ...................................................................................................................... 167 15 1 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas tanto os países desenvolvidos como aqueles em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, estão passando pelo envelhecimento populacional, desencadeado pelas quedas nas taxas de fecundidade e natalidade e pelo aumento da qualidade de vida, dando ensejo a pelas melhorias nas condições de saúde, alimentação, habitação e saneamento básico, dentre outros aspectos. A junção desses fatores propicia um crescimento na expectativa de vida dos idosos. Utilizando como base a última década (2001 a 2010) os estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que a faixa etária de 51 a 59 anos obteve as maiores taxas de crescimento da população brasileira (cerca de 32%). É importante destacar esse segmento, pois é o que representará o contingente de velhos das próximas décadas. Já o grupo com 70 anos ou mais cresceu cerca de 31% de 2001 a 2010. Esta realidade também se estende à realidade do Ceará e de Fortaleza. Estudos do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE (2012) demonstram que nos últimos dez anos (2001 a 2010) Fortaleza passou a ocupar a 12ª posição entre as capitais com maior número de velhos. Ressaltamos que corroboramos o Estatuto do Idoso ao considerarmos como velhas pessoas aquelas com idade igual ou superior a 60 anos, critério etário estabelecido pela referida legislação para classificar alguém como velho no Brasil, reconhecendo, todavia, que, além do aspecto cronológico, a velhice está permeada por múltiplas dimensões, como a social, a psicológica, a cultural e a econômica, entre outras. Esse crescimento populacional do segmento envelhecido traz novas necessidades, demandando serviços, políticas públicas e benefícios assistenciais e previdenciários voltados para os velhos, possibilitando um envelhecimento com maior qualidade de vida e dignidade. Dessa maneira, nos últimos anos, fez-se necessário pensar e discutir acerca dos direitos e do bem-estar da pessoa idosa, bem como acerca a criação de políticas públicas e sociais que pudessem atender a essa população. Assim, podemos citar a Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei Federal nº 8.742), a Política Nacional do 16 Idoso (Lei 8842/94), o Estatuto do Idoso (Lei 10741/2003) e a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), de 2004. Essas legislações são consideradas como grandes avanços, representando conquistas para a cidadania e os direitos da pessoa idosa. É importante destacarmos o fato de que essas legislações e o avanço na concepção de cidadania da pessoa idosa não significam apenas frutos de concessões do Estado, mas produtos de várias pressões e tensões dos movimentos sociais, os quais lutaram ativamente para que os direitos deste segmento fossem ampliados e efetivados. É nesse âmbito que surgem programas e projetos voltados para os velhos, visando a trabalhar as diversas dimensões do envelhecimento e promover sua integração na sociedade, bem como oferecer espaços de participação e convívio social, como os grupos de convivência, locus de nossa pesquisa. Estudos anteriores comprovam que esses grupos favorecem a experiência de um envelhecimento com maior qualidade de vida e maior integração na sociedade, o que, consequentemente, combate a institucionalização e o isolamento social, além de viabilizarem a ressignificação dos papéis sociais que os velhos ocupam no seio da família e no contexto social que vivenciam1. Cabe ressaltar o fato de que o público feminino é o maior frequentador desses grupos de convivência, tanto porque as mulheres são mais longevas do que os homens como porque sempre dedicaram mais tempo aos cuidados com saúde e qualidade de vida. Além disso, segundo Abigalil, Ferrigno e Leite (2006), a mulher, sob o prisma histórico, sempre esteve mais restrita ao âmbito privado, o que as leva a sentirem-se mais protegidas em tais equipamentos sociais, ao passo que os homens sempre gostaram mais de ocupar espaços públicos, como praças e bares, sendo por esse motivo que continuam a fazê-lo durante a velhice. Encontramos exatamente esta realidade no grupo no campo escolhido para a realização da pesquisa. No Trabalho Social com Idosos - TSI, desenvolvido pelo Serviço Social do Comércio – SESC Fortaleza, há cerca de 2100 velhos, dos quais 1756 são mulheres 1 Vide Cabral (2002) e Rocha (2012). 17 contra 350 homens inscritos nas atividades do referido grupo2, revelando que nesses espaços as mulheres são mais numerosas ainda. É justamente esse recorte de gênero observado, sobretudo nos grupos de convivência, que faz surgir um fenômeno chamado por Debert (2004) de Feminilização da Velhice, o qual constata maior longevidade e participação social das mulheres em comparação aos homens. Voltando para o tema dos grupos de convivência, pesquisas anteriores3 já revelam que um dos seus objetivos é a ocupação do tempo livre dos velhos e a promoção da sociabilidade intrageracional, trazendo implicações positivas ao propiciarem um envelhecimento com maior qualidade de vida e integração, bem como combatem a institucionalização e o isolamento social. Questionamos, entretanto: em que medida tais grupos de convivência se inserem como espaços de sociabilidade nos dias de hoje? Sabe-se que as relações contemporâneas estão cada vez mais efêmeras, em razão da crescente individualização e à quantidade de atividades em curto tempo que temos que dar conta, dentre outros fatores. É nesse sentido que Bauman (2001) discorre sobre a Modernidade Líquida como o período atual, quando as relações dificilmente se tornam sólidas e estáveis. Assim, nosso objetivo principal é investigar como se configura a sociabilidade dos participantes do Trabalho Social com Idosos, desenvolvido pelo SESC Fortaleza. Pretendemos refletir e analisar os seguintes pontos: como o trabalho desenvolvido pelo Trabalho Social com Idosos/SESC Fortaleza acontece na perspectiva da sociabilidade? Quais os tipos de sociabilidade ensejada pelo Trabalho Social com Idosos/SESC Fortaleza? Quais os significados atribuídos pelos idosos participantes da pesquisa à sociabilidade antes e após o ingresso no Trabalho Social com Idosos? A sociabilidade intrageracional dos participantes do Trabalho Social com Idosos/SESC Fortaleza acontece prioritariamente no espaço institucional, corroborando a ideia de sociabilidade institucionalizada, ou eles conseguem mantê-la fora do grupo, também? 2 Informações obtidas na própria instituição no mês de janeiro de 2014. 3 Vide Cabral (2002) e Rocha (2012). 18 É importante destacarmos o fato de que realizamos uma pesquisa de natureza qualitativa, contando com uma revisão bibliográfica e documental e busca de campo, realizada no Trabalho Social com Idosos (TSI), programa desenvolvido pelo SESC Fortaleza, o qual promove ações e atividades centradas nos interesses e características dos idosos, como saúde, socialização e promoção da autoestima, objetivando maior desenvolvimento social e pessoal do grupo investigado. Elegemos esta instituição para ser locus desta pesquisa porque o trabalho do SESC com velhos é considerado um dos programas sociais mais significativos oferecidos pela referida instituição, conferindo-lhe o caráter de pioneiro na América Latina no que concerne à organização de programas socioeducativos e culturais voltados ao velho (SALGADO, 2007a). Além disso, atualmente o TSI se encontra nos 27 estados brasileiros, abrangendo cerca de 150 municípios, nos quais são atendidos, em média, 150 mil idosos. No contexto cearense, o Programa foi implementado em 1983 e hoje as seguintes Unidades do SESC Fortaleza, Iguatu, Crato, Juazeiro do Norte e Sobral (ROCHA, 2012). Outra razão para termos escolhido o SESC Fortaleza como locus da pesquisa é o fato de esse programa absorver uma demanda muito grande de velhos na Capital cearense, cerca de 2.1004, oferecendo atividades que podem ser classificadas com base em três linhas gerais de atuação: Escola Aberta, abrangendo todas as atividades voltadas para o ensino e a atualização do idoso; grupo de convivência, englobando atividades que visam a promover/recuperar a sociabilidade intrageracional da pessoa idosa; e Atividades Intergeracionais, sob as quais se promovem ações cujo intuito é viabilizar o desenvolvimento de uma sociabilidade intergeracional (ROCHA, 2012). Além disso, a principal autora do trabalho foi estagiária do referido programa, já tendo realizado sua pesquisa de graduação no mesmo lócus. Isso facilitou nosso ingresso no campo, no sentido de saber os procedimentos que deveriam ser seguidos, o diálogo com as responsáveis pelo TSI, bem como o próprio contato com os sujeitos investigados. Cabe ressaltar que, antes do ingresso no campo e do início da coleta de dados, explanamos à coordenadora do TSI o intuito da pesquisa e nos submetemos aos processos 4 Dados obtidos na própria instituição, em janeiro de 2014. 19 éticos estabelecidos pela instituição, enviando uma cópia do projeto para o setor responsável no SESC, e só então iniciamos propriamente a busca. Nossa proposta inicial era de observar e entrevistar velhos partícipes de atividades de cada linha de atuação, na perspectiva de retirar uma amostra de cada uma delas e de, então, perceber os significados da participação e da sociabilidade dos velhos do TSI de maneira mais completa. Dessa forma, inicialmente, selecionamos as seguintes atividades para observação e a aplicação das entrevistas: o Grupo de Criação Literária, parte da Escola Aberta para a Terceira Idade, o Projeto Era Uma Vez... Atividades Intergeracionais, compreendido dentro da linha da intergeracionalidade, e os Bailes, os quais integram a linha do Grupo de Convivência. A Criação Literária é um grupo permanente do Trabalho Social com Idosos, o qual acontece há cerca de 20 anos, com encontros semanais. O mencionado conjunto tem atividades pautadas no estudo, leitura e criação de textos e obras literárias, os quais desembocam no Café Literário, momento que ocorre a cada dois meses, quando os velhos expõem suas produções, homenageiam nomes importantes na Literatura internacional e nacional, e têm a oportunidade de fazerem uma interlocução do grupo com suas famílias e amigos, pois a citada atividade é aberta e pessoas não partícipes do grupo de convivência podem comparecer. O Projeto Era uma Vez... Atividades Intergeracionais visa a trabalhar a intergeracionalidade. Assim, dele participam velhos do Trabalho Social com Idosos e crianças na faixa etária de sete a doze anos, provenientes da escola EDUCAR SESC. A dita atividade acontece semanalmente e compõe-se de leituras, dinâmicas e vídeos, dentre outras atividades lúdicas, as quais dão oportunidade à reflexão, ao debate e ao contato intergeracional. Os Bailes temáticos são uma atividade mensal oferecida pelo Trabalho Social com Idosos. É contratada uma banda e os idosos têm a oportunidade de socializarem-se, não apenas com os integrantes do TSI, mas também com outros de outras comunidades ou grupos, pois é uma atividade aberta. Começamos, então, a realizar observações diretas nas atividades citadas há pouco, as quais foram registradas em diários de campo. Cerca de dois meses depois do início dessas 20 observações, no entanto, percebemos que não seria necessário recorrer a uma atividade em cada linha de atuação do TSI para realizar a pesquisa. Primeiro, porque seria difícil privilegiar atividades tão diferentes em uma mesma perspectiva de sociabilidade em curto tempo, pois dispomos de poucos meses para a realização da busca durante o Mestrado. Assim, vimos que seria melhor eleger apenas um grupo para trabalhar com maior profundidade os pontos suscitados pela investigação. Portanto, começamos a pensar em critérios de exclusão dentro das atividades que estávamos pesquisando. Decidimos, então, descartar o Projeto Era Uma Vez... Atividades Intergeracionais, pois esse grupo é focado na intergeracionalidade e nossa perspectiva é trabalhar justamente a sociabilidade intrageracional. Dessa maneira, permanecíamos com os Bailes e com o grupo de Criação Literária. Como os Bailes são atividades mensais, ou seja, com um tempo muito grande para a realização entre um e outro, e que não têm uma assiduidade dos mesmos participantes, – pois não é um grupo fechado, com atividades sequenciadas e periódicas – optamos por observar e entrevistar mais adiante o Grupo de Criação Literária. Além desses critérios de exclusão, a Criação Literária foi um grupo que nos acolheu muito bem, até porque já existia vínculo constituído antes, por nós, com os partícipes desse conjunto. Ademais, durante as observações realizadas e registradas em diário de campo, percebemos que existe importante laço de sociabilidade entre os partícipes deste grupo. Talvez por ser um dos mais antigos dentro do TSI e alguns componentes já participarem há bastante tempo, notamos que o grupo é bem coeso, tem uma dinâmica própria e que as relações entre os velhos fluem bem. Apontamos, também, haver proximidade maior entre certos participantes e que alguns se encontram em outras atividades do TSI. Cabe investigar melhor se esses laços ficam restritos principalmente à esfera institucional ou se ultrapassam esse espaço. Continuamos, então, realizando observações semanais no referido grupo e as registrando em diário de campo. Também selecionamos alguns desses partícipes – 12 –entre homens e mulheres, para aplicar as entrevistas semiestruturadas, as quais foram gravadas e transcritas, conforme autorização dos participantes deste estudo. 21 Essas doze pessoas correspondem à metade do grupo de Criação Literária. Não entrevistamos todos pelo fato de que parte dos integrantes do grupo tem menos de 60 anos, pois o TSI admite pessoas com idade igual ou superior a 50 anos, por vislumbrar a preparação para a aposentadoria. Além disso, há outra pequena parcela que não frequenta assiduamente as atividades. Assim, nossos critérios de inclusão na pesquisa abrangem o grupo de Criação Literária e, precisamente, pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, obedecendo ao critério etário estabelecido pelo Estatuto do Idoso e que participem ativamente das atividades do supracitado grupo. É importante salientar que este estudo se realizou de acordo com o que preconiza a Resolução nº 446/12, do Conselho Nacional de Saúde - CNS, a qual traz disposições e normas sobre a pesquisa com seres humanos. Além disso, os sujeitos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que os resguarda sobre os aspectos éticos e de sigilo envolvidos na investigação. A discussão foi analisada à luz da fundamentação teórica, visando a elaborar um conhecimento mais próximo possível da realidade pesquisada cuja estrutura beneficia a um texto dissertativo com cinco seções, a primeira das quais é esta Introdução. A segunda se volta à categoria Velhice, esboçando seus significados e compreensões. Para tanto, perpassamos os seus desdobramentos desde a Antiguidade, porém, focando na Contemporaneidade. Também discutimos sobre os termos classificatórios utilizados para fazer referência à velhice e ao velho. Ainda temos um tópico dentro desta seção onde abordamos a questão da velhice e da família. O enfoque da terceira seção está nas Políticas Públicas para o Envelhecimento, Cidadania e Grupos de Convivência, abordando como o fenômeno do envelhecimento populacional passa a demandar uma série de políticas públicas e serviços voltados para essa população específica, e de que modo estes desembocam no avanço da cidadania e direitos dos velhos brasileiros. Discorremos, ainda, sobre a questão dos grupos de convivência no contexto brasileiro e sobre o TSI/SESC, local de realização da pesquisa. A quarta seção propiciou o conhecimento do grupo pesquisado, dos sujeitos da pesquisa e da categoria Sociabilidade. Além disso, discorremos sobre como se configura a 22 sociabilidade dos participantes de grupos de convivência, mais especificamente dos integrantes do TSI. Remata o ensaio a seção 4 – que contém as Considerações Finais, sequenciada das Referências Bibliográficas. 23 2 (RE) ENCONTRANDO A VELHICE Velho antigamente era dentro de casa. Agora nós criamos asas! (Valdelice Carneiro Girão, 67 anos). 2.1 Velhice (s): significações e compreensões sobre a categoria. Como demonstramos em caráter introdutório, o envelhecimento populacional é um fenômeno emergente no contexto mundial e no Brasil, também, demandando políticas públicas e sociais voltadas para este segmento etário. Fruto também desse crescimento do número de velhos, a velhice passou a aparecer, sobretudo, após a década de 1970, como preocupação acadêmica. Com efeito, alguns estudos estão se voltando para compreender a mencionada categoria e suas implicações biológicas, psicológicas e sociais, dentre outras. Então, nos impõe pensar: o que é velhice? O que é ser velho? Compreendemos a velhice como fase natural do ciclo de vida dos seres humanos. Esse compreende nascimento, amadurecimento, envelhecimento e morte. Essas características são intrínsecas à vida, ocorrendo gradualmente. Assim, caso não morramos jovens estamos destinados a passar por esses processos durante nossas vidas (BEAUVOIR, 1990). Segundo Beauvoir (1990), com relação aos aspectos biológicos concernentes à velhice, é possível assinalar o fato de que há diminuição da capacidade de regeneração celular. Essa alteração no funcionamento das células provoca uma série de mudanças físicas nos idosos, como a existência de cabelos brancos e rarefeitos; o enrugamento da pele, decorrente da desidratação, consequência da perda de elasticidade da pele. Além das transformações, visíveis a olho nu, pelas quais o velho transita, há também mudanças no sistema cardiovascular, pois o funcionamento do coração se altera, perdendo progressivamente sua capacidade de adaptação. As próprias veias perdem a elasticidade, provocando diminuição na circulatória e, consequentemente, há maior propensão à existência da hipertensão (BEAUVOIR, 1990). 24 Os sentidos também passam por de mudanças: fica reduzida a audição, podendo provocar a surdez; o tato, o olfato e o paladar perdem sua potência e a visão resta ―cansada‖, por conta da presbiopia, além de ficar mais suscetível a doenças como o glaucoma e a catarata (BEAUVOIR, 1990). O próprio sistema reprodutor passa por modificações. A mulher, ao entrar na menopausa, tem sua função reprodutora interrompida, haja vista que, com o cessar da menstruação, os hormônios femininos deixam de ser produzidos. O homem idoso não interrompe a produção dos hormônios sexuais, porém, se observa uma redução destes (BEAUVOIR, 1990). É importante evidenciar, contudo, o fato de que essas são algumas alterações naturais no envelhecimento, não se configurando, portanto, como doenças ou quadros patológicos da idade. Veremos mais adiante que a velhice é fruto também de experiências e vivências individuais. Além disso, as outras dimensões reportadas há pouco influenciam substancialmente o envelhecimento. Logo, velhice não implica doença. Como comenta Monteiro (2003, p. 148), a velhice não pode ser generalizada, como também não pode ser encarada tal como uma doença. A velhice, entretanto, não é determinada unicamente pela questão biológica. Como evoca Magalhães (1987), a velhice é permeada por diversas dimensões, como a cronológica, a social, a psicológica, a demográfica, a econômica, a cultural, a ideológica e a política. Desde então, percebemos que a velhice comporta uma multiplicidade de aspectos, irredutíveis uns aos outros (BEAUVOIR, 1990, p. 17). Comentaremos sobre essas dimensões a seguir. No que concerne à dimensão cronológica, as sociedades modernas têm clara tendência à estabelecer tempos ao curso da vida. Essas sociedades costumam perceber a velhice, assim como as outras etapas, da vida, como a infância, a adolescência e fase adulta, com suporte em critérios de idade, definindo o local social e os papéis sociais típicos de cada intervalo etário. Sobretudo depois do século XIX passou a existir [...] uma rígida cronologização do curso da vida individual, buscando um critério objetivista e naturalista para determinação da idade de cada indivíduo e tentando delimitar, científica, jurídica e criminalmente, estágios da vida baseados nessa idade cronologizada individualmente. [...] cada sociedade constrói sua definição das 25 idades da vida baseada em sua concepção de pessoa. No caso das sociedades modernas, a definição do estatuto de pessoa baseia-se no pressuposto da igualdade perante às leis e o Estado (a igualdade jurídica), o que explica a objetivação das idades e a cronologização do curso de vida da modernidade. A idade contada sob o rígido critério do tempo absoluto torna-se a melhor forma de reduzir as diferenças sociais e individuais reais a um denominador comum e universal – o indivíduo abstrato e jurídico da modernidade também é um ser que atravessa estágios evolutivos, do seu nascimento, à maturidade, e inclusive sua velhice. (GROPPO, 2000, p. 74-75). Nessa mesma linha de pensamento, Debert (2007) acentua que a idade cronológica é imprescindível para determinar o status de cidadão nas sociedades modernas, haja vista que, com base nesse critério, são estabelecidos os direitos e deveres civis e políticos e que as leis podem ser cumpridas. Bobbio (1997), na obra autobiográfica intitulada O tempo da memória: de senectude e outros escritos autobiográficos, reconhece fundamentalmente, além da dimensão psicológica, essas outras duas, a biológica, a qual ele chama de fisiológica, e a cronológica, por ele denominada burocrática, exprimindo que, enquanto esta passa a permear a vida dos sujeitos quando eles completam determinada idade, embora muitos não se reconheçam como tal, aquela só passa a ser sentida quando aparece algum tipo de limitação. Cabe ressaltar a noção de que cada sociedade fixa os próprios critérios etários, de acordo com a conjuntura social, econômica, política e cultural enfrentada por ela, dentre outros fatores. Logo, tais critérios etários variam de acordo com cada lugar e período, não sendo fixos nem universais. Como nos reportamos a velhice, no tocante à idade cronológica definida para considerar alguém como velho, essa varia de país para país. De maneira geral, nas nações desenvolvidas, uma pessoa só é considerada como tal quando possui idade igual ou superior a 65 anos, ao contrário dos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, os quais consideram como velhos os sujeitos com idade igual ou maior a 60 anos. No Brasil, inclusive, há uma legislação que fixa este critério etário em 60 anos, o Estatuto do Idoso, Lei 10. 741, de 1º de outubro de 2003. Partindo daí, quando os sujeitos estão nesses intervalos de idade fixadas por lei, eles passam a gozar de alguns direitos, mas também a cumprir uma série de deveres próprios para aquela idade cronológica, de modo que haja uma equidade jurídica entre todos os segmentos etários. 26 É importante, todavia, a ideia de que, apesar dessa tendência à cronologia nas sociedades modernas, a idade cronológica nem sempre coincide com as demais idades já citadas (biológica, social ou psicológica, por exemplo) haja vista a multiplicidade de fatores aos quais a velhice está submetida. Além disso, o próprio velho pode não se considerar como tal por conta dessa idade fixada, tanto pela constante negação da velhice, como pelo fato de ainda ser ativo e considerare como velhos apenas aqueles em condições de dependência ou com idade bastante avançada. É o que constatamos nas observações em campo efetuadas. É comum vermos os sujeitos da pesquisa não se reconhecendo como velhos por se considerarem ainda bastante ativos e perceberem a velhice como alheia a eles, existindo apenas para aqueles que já se encontram em estados de dependência, doentes ou inativos. Assim, não é raro presenciarmos alguns velhos dizendo somos todos jovens, sempre que tocamos em assuntos relacionados à idade. Nesse sentido, alguns entrevistados, quando perguntados se consideram a si próprios como velhos, responderam assim: Olha, se você me visse fazendo exercício, coisa que eu fazia quando era novo, eu tou fazendo como velho. (ARIANO SUASSUNA, 75 anos). Não, não me considero não. (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). Não, claro que não! (NENZINHA GALENO, 65 anos) Não, não. Só assim quando eu chego numa fila que tem muita gente é que eu procuro me beneficiar da questão da idade. Mas assim velho, não, porque eu sou ativo, participo, sabe, de tudo, tenho capacidade de criar, de aprender... (PATATIVA DO ASSARÉ, 78 anos). Engraçado! Eu não me considero como velha. Eu sei que já estou uma pessoa velha, mas eu não me considero. As minhas atitudes, as minhas ações, o meu desempenho, a minha saúde, me fazem acreditar que eu ainda não tenha chegado nesse ciclo da velhice. (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). Eu não me sinto velha não (risos). A velhice pra mim... eu acho que tá dentro de cada um, né? Eu procuro fazer ginástica. Participo das festas, dança sênior... já participo do SESC. Procuro participar de tudo... das palestras. Isso em ajuda a viver. [...] Não me sinto velha, honestamente! [...] A gente não tem que dizer ‗não porque eu tou doente, não, porque...‘ Eu não gosto de falar nessas coisas. (CORA CORALINA, 73 anos). 27 Não me sinto velha! [...] eu não me sinto velha, me sinto uma pessoa adulta com toda disposição possível mesmo! [...] Por enquanto, até agora, eu tou gostando bastante! É por isso que eu digo que não me sinto velha! Mas eu tou gostando bastante porque eu sou independente, eu faço... tô voltando até a coisas que eu fiz na minha juventude, como declamar, hoje decoro minhas poesias, declamo nas festas, tenho mais tempo pra passear, quando eu saio pra excussões, meu filho vem, leva o cachorrinho pra casa dele, vem, joga milho pras galinhas lá no quintal. Ele me ajuda bastante! (HILDA HILST, 70 anos). Não! Quando me olho no espelho, realmente eu vejo que o tempo passou. Mas seu eu não olhar no espelho, a minha cabeça não é de velha! Parece que eu estou na adolescência, no trabalho! Não me sinto velha, sabendo que sou! (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Sobre essa negação da velhice, uma das entrevistadas explicou: Muitos velhos não aceitam a velhice! Eu noto muito! Tem muitos idosos que negam a idade! Não aceitam a velhice, mesmo sendo velhos. Porque achando que se aceitarem a velhice vão ser discriminados. Então eu acho que muitos são assim, outros não! Outros têm o astral lá em cima, se acham maravilhosos! Outros negam até que são avós, pra não ser velhos! E não sabem o que estão perdendo! Porque é a melhor fase da vida da gente em relacionamentos é ter netos! (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos) Não podemos, entretanto, deixar de destacar o fato de que nem todos os velhos os quais entrevistamos se posicionam assim. Alguns se reconhecem enquanto velhos e compreendem essa fase da vida com suas dificuldades e potencialidades. Não negam a velhice e procuram conviver com ela da melhor forma que podem: Eu não posso negar que eu sou idosa, que eu sou velha mesmo. Porque eu não vou fazer como avestruz, que esconde a cabeça. O desgaste físico ele é normal. Quanto mais você durar, mais vai se desgastando, isso é matéria. E a matéria ela não dura pra sempre. Agora a gente tem que se tratar, é obrigação nossa porque Deus nos deu um invólucro chamado corpo, carne, que nós temos que preservar o mais que puder. Ele deu o homem as formas de tratamento, os médicos, os especialistas, os exames... (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Considero! A partir de 50 anos eu já disse que era velha! Já tava caminhando, subindo os degraus (risos). (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos). É, eu assumo a minha idade, mas faço de tudo! Só não tou dançando porque o médico não quer (risos). (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). Velha porque tenho já os 67 anos de idade. Pesa, né? (risos) Mas a minha cabeça não é de velha. Eu faço poesias, e na minha poesia, tem horas que eu me sinto uma 28 adolescente pura! [...] Às vezes eu me sinto aquela mulher, que batalha, que quer, que luta. [...] (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). No tocante à dimensão social da velhice, percebemos que essa é uma categoria socialmente produzida, haja vista que ela se dá de maneira diferente em cada sociedade, adquirindo papéis e significados sociais distintos em cada momento histórico. Toda sociedade elabora rituais capazes de definir as fronteiras entre idades, vendo e concebendo o envelhecimento de uma maneira própria (DEBERT, 2007). Além disso, A idade social tem relação com a capacidade de adequação de um indivíduo ao desempenho de papéis e comportamentos esperados para pessoas de sua idade, num dado momento da história de cada sociedade. Dessa forma, as experiências de envelhecimento e velhice podem variar no tempo histórico de uma sociedade, dependendo de circunstâncias econômicas. (PAPALEO NETTO, 2006, p.09). A essa dimensão social que a velhice comporta que nos reportaremos no decorrer desta pesquisa, porquanto nosso propósito é analisar a sociabilidade dos participantes de grupos de convivência. Para tanto, discorreremos adiante acerca da elaboração social da velhice desde os tempos arcaicos até a atualidade e suas repercussões para os velhos. Voltando às dimensões da velhice, é necessário destacar também a de ordem psicológica que a idade abrange. Tal perspectiva está mais associada a fatores individuais e ligada às experiências e vivências de cada um, bem como às suas percepções sobre o envelhecimento, profundamente influenciadas pela cultura onde esses velhos se encontram: A idade psicológica bastante abrangente, envolve as mudanças de comportamento decorrentes das transformações biológicas do envelhecimento, é influenciada pelas normas e expectativas sociais e por componentes de personalidade, sendo portanto algo extremamente individual. Assim, as mudanças no curso de vida se expressam nos relacionamentos interpessoais, nas atitudes, sentimentos e no autoconceito dos próprios idosos (MASCARO, 1997, p. 40). Além disso, Pappaleo Netto (2006, p. 09) comenta que: A idade psicológica tem sido relacionada também com o senso subjetivo de idade, isto é, como cada pessoa avalia a presença de marcadores biológicos, sociais e psicológicos do envelhecimento, comparando-se com outros indivíduos da mesma idade. Sob esse aspecto não é raro o encontro de idosos que tentam passar a 29 impressão de que sua idade psicológica seja menor do que sua idade cronológica e, com isso, procuram preservar a autoestima e a imagem social. Ainda sobre a dimensão psicológica da velhice, as visões sobre o que sejam esta fase da vida e o envelhecimento em si variam de pessoa para pessoa, de acordo com suas experiências e vivências, como podemos observar nas falas dos entrevistados: [...] A velhice pra mim é a grande oportunidade que o ser humano tem. Quanto mais tempo você passar nesse planeta terra, você aprende, nem que não queira, né? Você aprende com tudo que você vai enfrentando. E essa aprendizagem depende muito do ‗eu‘, né? [...] Eu depois de 60 anos eu comecei mais a assumir a pessoa que eu sou, mais assim transparente, mais conhecedora de mim mesma, saber que eu sou capaz enquanto eu tiver lucidez, eu sou capaz de muita coisa. Eu sou uma pessoa que eu sou produtiva, que trabalho com outros idosos e sei que levo pra eles uma qualidade melhor de vida, ensinando o que eu ensino. A dança folclórica, coreografada, o canto, a poesia. A arte é uma coisa muito sublime. E eu agradeço muito a Deus ele ter me dado esse dom e as oportunidades que eu tive de desenvolver. (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Olha, a velhice pra mim é um somatório de atividades com muitas regalias, com muito cuidado, que me fizeram chegar até hoje onde eu estou graças ao cuidado, a essa atividade de fazer prevenção disso e daquilo... (ARIANO SUASSUNA, 75 anos). A velhice, olha... eu até escrevo muitas coisas no facebook e tal. Eu descrevo a velhice quando você não tem mais alegria em ver o belo. A velhice pra mim ela não é muito ligada assim à idade não. Ela é ligada mais ao sentido emocional das coisas. Quando você deixa de ver o belo, quando você deixa de gostar das coisas, de ter alegria, de brincar, de fazer todas essas coisas, é quando você tá ficando velho! Eu ainda não me senti dessa maneira. Então a velhice pra mim é a tristeza da alma. (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). A velhice pra mim é uma fase que... em que eu acho que eu tou no descanso. Eu já comecei a descansar. E é uma fase em que você tem mais oportunidade de ver as coisas, de perceber, de conceituar as coisas, né? Então isso... eu utilizo a minha sabedoria, que eu acho que todo idoso tem um conteúdo de sabedoria muito grande, né? Só saber aplicar na vida. Eu aplico a minha sabedoria! Antes o que eu fazia de... eu fazia as coisas uma ideia errada, hoje em dia eu digo, não isso eu fiz errado! É assim! Hoje em dia, uma coisa que eu comecei muito a trabalhar foi a minha paciência [...] Então quando eu me aposentei, já com a velhice, eu comecei a trabalhar a minha paciência [...] (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). A velhice pra mim hoje é liberdade! Liberdade plena! Realmente é um coroamento da vida! (ANA MIRANDA, 65 anos). Eu acho que... não é que a velhice seja ruim não. Mas é quando aparece os problemas de saúde, a gente tem que ir mais a médicos, a gente tem que gastar mais com remédios, fazer um controle assim, e tal. E o cara jovem não se lembra disso! 30 Vai chutando a vida. Eu não diria que é a melhor idade não. A melhor idade é dos 16 aos vinte e poucos anos. Essa é que é a melhor idade. Eu definiria assim (risos). (PATATIVA DO ASSARÉ, 78 anos). A velhice para mim é você saber conviver com os anos que você acumula. Se você sabe administrar a sua vida... A s velhice até agora não representou nada para mim. [...] Eu não me sinto inferior a ninguém, eu procuro dentro do meu limite me respeitar muito. (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). Eu acho assim, dizem assim, ‗ah, são os anos dourados, são os anos maravilhosos, a velhice é o melhor tempo da vida da gente...‘ Não, é uma faixa etária limitada pra algumas coisas e ilimitada pra outras. Porque se você tem um pensamento e uma atitude boa de fazer as coisas e se sente bem, não mudou nada! É uma continuidade da sua vida, só que é mais limitada. Quer dizer, se eu gosto de dançar, eu danço no limite. Eu não posso dançar todo dia. Eu não posso sair todo dia. Eu não posso deixar de dormir cedo todo dia. Então eu tenho que limitar pra eu poder ter uma qualidade de vida melhor. Mas eu não vou deixar de fazer o que eu gosto por causa da velhice não. Eu acho que a velhice é mais uma faixa etária que eu tou entrando. E tou vendo que pra manter sua saúde, tem que ser limitada certas coisas da vida. (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos). Pois é, a velhice pra mim é uma caminhada. Você caminha, caminha com muita expectativa, com muita esperança, com muitos sonhos, que nem todos se realizam. Quando você olha pro horizonte aí faltam poucos quilômetros. Aí você diz: ‗Não posso fazer nada, foi a natureza, foi Deus quem quis assim!‘ E você tem que viver plenamente feliz com isso! (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Bobbio (1997, p. 29) reafirma essa multiplicidade de formas de se ver e vivenciar o envelhecimento e que isso está intimamente relacionado com as histórias de vida de cada um, haja vista que a velhice não significa uma ruptura com as faixas etárias precedentes, mas sim uma continuidade destas: [...] existe uma infinidade de outros modos de viver a velhice: a aceitação passiva, a resignação, a indiferença, a camuflagem de quem está obstinado em não ver as próprias rugas e o próprio enfraquecimento e se impõe a máscara da eterna juventude, a rebelião consciente através do esforço contínuo, muitas vezes, destinado ao fracasso, de continuar de modo inflexível o trabalho de sempre, ou, ao contrário, o distanciamento da agitação quotidiana e o reconhecimento na reflexão ou na prece, o viver esta vida como se já fosse a outra, dissolvidos todos os vínculos mundanos. A velhice não está separada do resto da vida que a precede: é a continuação de nossa adolescência, de juventude, maturidade. É importante evidenciar que, apesar dessa divergência de concepções sobre o que sejam velhice e as formas de encará-la, os entrevistados, considerando a si ou não como velhos, demonstram-se satisfeitos com essa fase que estão vivendo e que continuam tendo sonhos e desejos a realizar: 31 Minha expectativa pro futuro é a melhor possível! (ARIANO SUASSUNA, 75 anos). Eu tenho tantos planos! Eu tenho tantos planos! Que até tava dizendo ali, eu acho que não tenho muito medo de morrer, eu tenho é pena de morrer! Porque tenho tanta coisa pra fazer, tá entendendo? Uma delas é cuidar da minha empresa, porque ela tem possibilidades de crescer! Eu tenho muitos projetos! Projetos grandes! Projetos pequenos eu consigo realizar, como esse, que eu desenvolvi e eu mesmo fabrico determinadas cosias. Mas têm projetos grandes que eu não consigo desenvolver só. Eu tenho os meus planos. São múltiplos aí pela frente! Se Deus quiser ainda vou resolver vários deles! (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). Particularmente, eu gostaria ainda de lançar mais um livro e gozar, assim que eu puder me aposentar na educação, aí viajar, aproveitar ainda o que me resta (risos). (NENZINHA GALENO, 65 anos). A minha expectativa é pedir a Deus pra me manter do jeito que estou, porque contra fatos não há argumentos. A tendência mesmo daqui a dez anos será eu vou estar com essa jovialidade ainda? [...] Minha perspectiva é pedir a Deus força pra continuar do jeito que eu estou hoje. (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). O futuro? Ainda tenho muitas viagens pra fazer! Ainda tenho que ir à Portugal, conhecer esse Brasil, trocar o meu carro que já tá velho, ter um carro mais novo... (risos). (HILDA HILST, 70 anos). Continuar como estou! Que eu não tenho quase doença, ando pra todo canto, me alimento bem, viajo! Tenho até uma viagem agora para março pra França! [...] Então, tou com disposição pra fazer tudo! Espero que continue! Já disse até pra Deus, enquanto eu andar, raciocinar e escrever, eu quero viver até os 100 anos! Senão, não me deixe aqui dependendo de ninguém! Porque é bom viver assim como eu estou vivendo. (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Com relação aos aspectos demográficos, os quais abordaremos detalhadamente no decorrer deste trabalho, adiantamos que é perceptível o aumento do número de idosos de 1960 a 1970, na França e, um pouco mais tarde, no Brasil, sobretudo desde a década de 1970. Também já exprimimos a ideia de que, esse crescimento do número de idosos implica profundas mudanças na sociedade, tanto no contexto acadêmico, haja vista os esforços para melhor compreender a categoria e suas necessidades, como no campo das políticas públicas, pois o velho tem demandas específicas às quais precisam ser atendidas. Além disso, a maior permanência do velho na família causa profundas alterações na dinâmica desta, tanto que é comum hoje dentro de uma mesma unidade familiar, haver três gerações, 32 como também não é raro encontrar famílias de idosos. A própria população, em geral, precisa estar mais consciente e preparada para compreender o envelhecimento e suas particularidades, de modo a tratar essa parcela da população de maneira justa. A junção desses fatores converte o envelhecimento populacional em questão social (MAGALHÃES, 1987). Os próprios partícipes da pesquisa reconhecem que há essa necessidade da população conhecer mais sobre as questões referentes ao envelhecimento, de modo que o tratamento para com os velhos seja mais equânime: A velhice na atualidade tá sendo mais vista. [...] Então, as pessoas já têm um olhar um pouco diferente, mas ainda não é o ideal, porque o povo precisa ser educado pra olhar melhor pro idoso nesse sentido. Você vai no transporte coletivo, os jovens fazem de conta que não tão vendo um velho em pé. Fazem de conta que tão dormindo pra não dar o lugar. Às vezes até as pessoas que trabalham pros idosos têm uma certa discriminação. Eu digo trabalham pros idosos, trabalham pela causa dos idosos. Aí a gente sente uma diferença, a distância. [...] Eu acho que é a falta de muito esclarecimento. Conhecer, ter um entrosamento com o idoso, porque o povo jovem quer estar no seu grupinho de jovens, mesmo que esteja trabalhando para o idoso. Mas quer estar no seu grupo de jovens. Então eu acho que ainda existe essa separação. Eu sinto assim. (Cecília Meireles, 75 anos) Essa conversão do envelhecimento em questão social é produzida pela longevidade dos velhos, oportunizada pela melhoria nas condições de vida da população, devido aos progressos nos campos da medicina, da indústria farmacêutica e das práticas sanitárias. Todavia esse crescimento não veio acompanhado com condições sociais capazes de receber esses velhos, haja vista que fatores econômicos, sociais e culturais não se desenvolveram no mesmo passo que o aumento do número de idosos. E isso é imprescindível para que sejam assegurados os mínimos necessários para a sobrevivência e qualidade de vida dos velhos (MAGALHÃES, 1987). No que se refere à dimensão econômica, alega-se que o envelhecimento, por ter necessidades específicas, exige gastos maiores do Estado não apenas com políticas públicas prioritárias para esse segmento, mas também com políticas mais gerais, como a de saúde. Além disso, há os gastos com a previdência social e com os benefícios assistenciais, como o Benefício da Prestação Continuada – BPC5. 5 O mencionado benefício foi estabelecido pela Lei Federal nº 8.742, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), de 1993 e prevê o pagamento de um salário mínimo a pessoas com deficiência ou com idade igual ou superior que não possuem condições para prover sua subsistência. 33 Em contrapartida, a velhice também produz um mercado de consumo próprio, com produtos e serviços de necessidades e interesses dos velhos, como produtos de estética com a promessa de rejuvenescimento, atividades físicas como hidroginástica, e serviços de turismo, dentre outros. A despeito disso, Bobbio (1997, p. 26) exprime a noção de que, nas sociedades capitalistas, a velhice também se transforma em mercadoria: Em uma sociedade onde tudo pode ser comprado e vendido, onde tudo tem um preço, também a velhice pode transformar-se em mercadoria como todas as outras. Basta olhar ao redor, dar uma espiada nas casas de repouso e nos hospitais, ou nos pequenos apartamentos dos pobres que têm um velho em casa para cuidar e tratar continuamente porque não pode ser deixado sozinho nem por um instante, para perceber quanto é falsa a representação não desinteressada, mas interessada e aduladora, do ―velho é lindo‖. Fórmula banal, adaptada à sociedade de consumo, que substitui o elogio do velho virtuoso e sábio. Relativamente à dimensão cultural que a velhice comporta, podemos assinalar que o envelhecimento e a velhice estão intimamente ligados com a cultura do local onde se vivencia esse processo e com o período histórico, somando-se as vivências individuais. Nesse sentido, é possível acentuar que a velhice é permeada por múltiplos fatores e esses não coincidem em todas as sociedades: em cada uma delas o envelhecimento e a velhice são vistos e interpretados de maneiras diversas. Assim, pretendemos fazer breve contextualização, a seguir, sobre os significados da velhice e do envelhecimento, desde os tempos arcaicos até a atualidade, visando a clarificar a compreensão de que os referidos processos passaram por profundas alterações nos distintos tempos históricos, o que nos permite assinalar que a velhice é um fenômeno, além de heterogêneo, historicamente produzido. 2.2 Construções sociais da velhice Como já expresso, compreendemos a velhice e o envelhecimento como categorias histórica e socialmente produzidas, as quais adquirem significados e compreensões distintas, 34 de acordo com cada período histórico e com toda sociedade, como podemos observar nesta passagem: Em cada sociedade e na mesma sociedade, em momentos históricos diferentes, a velhice e o envelhecimento ganham especificidade, papéis e significados distintos em função do meio ser rural ou urbano, da classe social, do grupo profissional e de parentesco, da cultura, da ideologia dominante, do poder econômico e político que influenciam o ciclo de vida e o percurso de cada indivíduo, do nascimento à morte. (MAGALHÃES, 1987, p. 13). Para tanto, faz-se necessário refletir acerca destas categorias nos distintos tempos históricos, de modo que possamos verificar, com apoio nas nossas análises sobre esses períodos, o caráter social e histórico com o qual a velhice e o envelhecimento foram constituídos. Assim, não pretendemos contar a história da velhice nas distintas sociedades, pois é difícil acessarmos a informações fidedignas à realidade desses períodos, como também este não é o propósito deste ensaio acadêmico. A Velhice (1990), de Simone de Beauvoir, é uma das importantes fontes para conhecermos o trajeto da velhice nas sociedades primitivas, embora a própria autora reconheça nesta mesma obra a dificuldade de estudar a condição da velhice e dos velhos nos variados períodos históricos, haja vista a ser custoso de encontrar documentos que façam alusão a esta etapa da vida. Beauvoir (1990) assume, entretanto, esse desafio e busca compreender como se configurou a velhice em diversos períodos, revelando- nos que, nas sociedades primitivas, em consequência das difíceis condições de vida, do trabalho pesado, composto pela caça e criação de gado, dentre outras atividades, poucas pessoas conseguiam chegar aos 50 anos de idade. As que logravam tal êxito já eram consideradas como muito idosas. Logo, nesse período, a velhice era rara, pois as pessoas costumavam morrer antes de alcançar essa etapa. É importante ressaltar o fato de que, nas sociedades primitivas, a necessidade de sobrevivência estava por demais ligada ao trabalho pesado, pois os sujeitos dependiam daquilo que conseguiam extrair da natureza para a subsistência. Nesse sentido, a valorização das pessoas existia até o momento em que elas eram produtivas. Quando se tornavam velhas e com suas capacidades produtivas reduzidas, eram vistas como doentes e decrépitas, devendo, portanto, serem abandonadas e negligenciadas (BEAUVOIR, 1990). 35 Isso acontecia porque, nessas sociedades, a cultura ainda não era tão apurada. Logo o velho ainda não tinha um papel tão importante concernente ao repasse de costumes, valores e tradições. Veremos mais adiante que, à medida que as sociedades se faziam complexas, o velho passava a ter importante função, a de memória social, sendo considerado sujeito respeitável e com grande poder de decisão. Outro fator merece ser destacado nos estudos sobre a velhice: desde as sociedades primitivas, a velhice sempre esteve vinculada à condição financeira, ou seja, os velhos ricos sempre gozaram de mais privilégios e prestígio social, se comparados aos desfavorecidos financeiramente. Cabe ressaltar, todavia, a ideia de que a situação financeira não era determinante. Como ainda não havia legislações capazes de oferecer proteção aos velhos, as famílias eram as responsáveis pelo cuidado com eles. Assim, dependendo dos vínculos estabelecidos entre o velho e suas famílias, os primeiros poderiam ser abandonados ou negligenciados, ou protegidos e valorizados (BEAUVOIR, 1990). Com a passagem dos períodos históricos e as transformações sociais, percebe-se que, quanto mais organizadas e com maior grau de religiosidade, os velhos passam a desempenhar importantes papéis sociais e a ser detentores de poder, tanto no âmbito da família, como político. Nesse sentido, o velho passa a ser valorizado por suas experiências e vivências, contribuindo com a sociedade, ao repassar conhecimentos e valores religiosos, econômicos e culturais, bem como na iniciação dos jovens e decidindo sobre o nascimento das crianças (BEAUVOIR, 1990). Podemos evidenciar isso ao analisar os períodos históricos após o primitivismo. Na Antiguidade Clássica, por exemplo, a velhice ainda era considerada rara, em decorrência das difíceis condições de trabalho e da falta de condições de saúde. Os velhos desse período, no entanto, exerciam importantes funções sociais e eram bastante valorizados e respeitados, gozando de autoridade inclusive no tocante às decisões sobre a vida de seus descendentes (MASCARO, 1997). Nas cidades gregas de Atenas e Esparta os velhos gozavam de honra e respeito, sendo reconhecidos pela força política que detinham. A Gerúsia, instituição política com papel consultivo a qual visava assessorar o rei da pólis, era composta por 28 idosos, os quais tinham uma importante função política dentro das cidades-estado. Em Roma os velhos 36 também tinham maior poder e participação política que os demais cidadãos. Compunham, inclusive, o Senado, logo, gozavam de muito poder e prerrogativas (BEAUVOIR, 1990). Cabe ressaltar que nas Sociedades Clássicas esse prestígio e participação política dos velhos estavam intrinsecamente relacionados à condição econômica que eles detinham. Ou seja, não era qualquer velho que poderia ocupar alguma posição política nessas cidadesestado. Apenas aqueles com prestígio econômico e cidadãos atenienses, espartanos ou romanos gozavam desse direito, revelando a profunda estratificação social existente durante esse período. Entretanto, a chegada da Idade Média e a expansão do feudalismo, somadas a um conjunto de fatores sociais, econômicos e políticos, acabou desembocando na diminuição da influência dos velhos, bem como sua posição social passou a decair (BEAUVOIR, 1990). O modo de produção feudal e suas implicações influenciaram na queda da qualidade de vida dos velhos, sobretudo dos menos favorecidos, os quais se dedicavam ao trabalho pesado e eram excluídos da vida pública. Essas condições continuaram existindo até cerca do o século XV, quando a burguesia teve sua ascensão e passou a ter um papel central na sociedade feudal. Nesse momento posterior, apenas os velhos ricos eram valorizados e respeitados (MASCARO, 1997). Já os velhos menos favorecidos financeiramente, durante a Idade Média, os quais tiveram sua qualidade de vida reduzida, passaram a ter sua imagem associada à decadência, à decrepitude e à improdutividade. Esse estereótipo foi reforçado no período histórico subsequente, o Renascimento, momento no qual o homem passou a ser o centro das decisões e da vida, e não mais as divindades, e onde o corpo e a beleza passaram a ser excessivamente cultuadas, e essas são exatamente as primeiras perdas da velhice (MASCARO, 1997). No século XIX, marcado pela Revolução Industrial e pelas profundas transformações econômicas, sociais e políticas provenientes da expansão do capitalismo, a desvalorização da velhice cresceu substancialmente, haja vista que a sociedade industrial tinha como primazia a produção e a agilidade, qualidades não comportadas pela velhice. É importante destacar o fato de que essa noção, constituída, sobretudo, nesse período histórico, repercute intensamente na atualidade. 37 Foi depois da Revolução Industrial, porém, que houve maior desenvolvimento das cidades, influenciando o êxodo rural, bem como progressos nos campos da Medicina, da indústria farmacêutica e das práticas de saúde, os quais impactaram diretamente a qualidade de vida da população velha. Logo, a mesma conjuntura que exclui os velhos passou a ser contraditoriamente terreno fértil para o aumento da população com idade igual ou superior a 60 anos (MASCARO, 1997). Isso revela um grande descompasso do crescente número de idosos em relação à falta de serviços e legislações capazes de oferecer proteção a essa parcela da população; E torna-se cada vez mais urgente pensarmos nessas questões porque esse crescimento da população envelhecida perdura, desde então até a Contemporaneidade, sobretudo após o final das últimas décadas do século XX, quando percebemos maiores taxas de crescimento da população velha, inclusive no Brasil. É nessa realidade marcada, sobretudo, pelo desenvolvimento da sociedade capitalista e pelas desigualdades sociais provenientes dela, que a velhice aparece no Brasil da década de 1930, como uma das expressões da questão social, pois os velhos, que antes representavam uma parcela pequena da população, passaram a ser um grande contingente desta e a se transformarem em questão pública: A questão social da velhice é produzida pela expansão das classes trabalhadoras assalariadas e desprovidas fazendo com que o idoso, antes circunscrito ao meio familiar e ao âmbito da assistência religiosa, seja transformado em questão pública a exigir a ação institucionalizada do Estado e da Sociedade Civil. (MAGALHÃES, 1987, p. 13). Cabe ressaltar o fato de que, em razão desse panorama ao qual a velhice estava em evidência, a visão que se tinha até a década de 1960, e que ainda perdura, porém em menor escala, sobre essa etapa da vida era predominantemente negativa, compreendendo-a como o momento de perdas biológicas e sociais. Com efeito, o intuito dos profissionais que lidavam com o envelhecimento era o de ―adequar‖ o velho à sociedade. ―Ajustar‖ alguém, todavia, com demandas próprias e particulares a uma sociedade com valores tão diferentes era algo que não privilegiava as necessidades da população velha. Assim, ainda durante a década de 1960, a visibilidade social dos velhos aumentou muito, provocando mudanças nas formas de tratamento da velhice, tanto 38 no campo profissional como dos sujeitos de uma maneira geral. Com isso, criam-se novos padrões e expectativas do que é ser velho (NERI, 2007, p. 40). Na década de 1970, com o crescente aumento populacional de velhos, a velhice passou a estar em evidência dentro das preocupações acadêmicas, do Estado e da sociedade civil, tornando-se cada vez mais notória nas três últimas décadas, quando surgiram políticas públicas e sociais, equipamentos sociais (destacaremos no capítulo 3) e profissionais específicos para lidar com as demandas do envelhecimento. Além disso, o fato de os velhos viverem mais significa repercussões para suas famílias, como veremos mais adiante. Vale destacar que, mesmo com o desenvolvimento de uma gama de legislações, políticas públicas e serviços voltados para os velhos, dos anos 1980 a 2010, a elaboração social da imagem da velhice como a última fase da vida, estando associada à morte e à decrepitude, ainda enseja muitos preconceitos com relação a essa etapa da vida, sobretudo na realidade em que vivemos, a qual preza pelo ideal de juventude. Assim, os próprios velhos, muitas vezes, recusam a velhice, como já foi expresso, e buscam opções para se manterem ativos e rejuvenescidos; tanto que é bastante comum o uso de tinturas de cabelo e cosméticos, somados a uma gama de atividades físicas e alimentação saudável, dentre outros artifícios para eufemizar os efeitos do envelhecimento: [...] a promessa da eterna juventude é o subtexto através do qual um novo vestuário, novas formas de lazer e de relação com o corpo, com a família e com os amigos são oferecidos. Não há espaço para imagens de doença, de decadência física e de dependência como destino dos que envelhecem. Mais do que definir a última etapa da vida, trata-se de impor estilos de vida, criando uma série de regras de comportamento e de consumo de bens específicos que indicam como aqueles que não se sentem velhos devem proceder. (DEBERT, 2004, p. 212-213). Paralelamente, os meios de propagação coletiva têm um papel decisivo ao reforçar esse ideal de envelhecimento, veiculando ser possível alcançar uma velhice saudável e bemsucedida, e que isso só depende da própria pessoa. Para tanto, são necessários investimentos em longo prazo, mediante alimentação saudável, a prática de exercícios físicos e a utilização da indústria de cosméticos, responsabilizando os sujeitos pela forma que eles envelhecem (DEBERT, 2004). Dessa maneira, segundo Debert (2004, p. 21), a juventude perde conexão com um grupo etário específico, deixa de ser um estágio na vida para se transformar em valor, um 39 bem a ser conquistado em qualquer idade, através da adoção de estilos de vida e formas de consumo adequados. Isso caracteriza a chamada reprivatização da velhice6, concepção que remonta o retorno da compreensão de velhice como responsabilidade individual. Esse discurso ficou cada vez mais intenso nos anos 1990, com a continuação do crescimento populacional do número de velhos, fazendo do idoso um agente da contemporaneidade, o qual demanda um mercado de consumo e formas de lazer próprias e transforma a velhice em uma questão mais pública ainda, de responsabilidade pública e privada: No Brasil, proliferam, na última década, os programas voltados para os idosos, como as ―escolas abertas‖, as ―universidades abertas para a terceira idade‖ e os ―grupos de convivência de idosos‖. Esses programas, encorajando a busca da auto-expressão e a exploração de identidades de um modo que era exclusivo da juventude, abrem espaços para que uma experiência inovadora possa ser vivida coletivamente e indicam que a sociedade brasileira é hoje mais sensível aos problemas do envelhecimento. (DEBERT, 2004, p. 15). Dessa maneira, os velhos contemporâneos estão ajudando a romper com os estereótipos secularmente atribuídos ao velho e a formar nova imagem social da velhice, como fase ativa, saudável e plena em realizações, visto ser o período em que os idosos têm tempo e possibilidades financeiras, devido às aposentadorias, pensões e do BPC, para realizar sonhos e intentos da juventude, os quais não puderam ser postos em prática em virtude dos encargos da vida adulta, como o trabalho e as responsabilidades com os filhos e domésticas, dentre outras (DEBERT, 2004). É dessa forma que nos últimos 30 anos as imagens da velhice são ressignificadas, contemporaneamente, e nossos entrevistados reconhecem essas transformações ocorrentes. Quando foram perguntados se a visão que eles tinham sobre a velhice mudou de quando eram jovens para agora, eles se exprimiram assim: Era diferente porque naquela época não existia essa performance, esse conhecimento mais apurado de que o velho deveria ter o respeito. As escolas não ensinavam esse respeito para com os velhos, ir num ônibus, dar o lugar para os mais velhos. Então naquela época não se olhava muito pra isso não. Velho era velho! E o respeito para com os velhos naquela época era devido à essa educação antiga, que era 6 Conceito abordado na obra A Reinvenção da Velhice, de autoria de Guita Grin Debert (2004). 40 justamente... quem mandava dentro de casa era o homem. A mulher era prenda doméstica. Então, de lá pra cá houve um grande avanço dentro dessa ótica de dizer o que é velho e o que é novo. Hoje a velhice é tida como uma grande vantagem porque existem as academias, existe tanta coisa! Então há uma diferença daquela época! Não tinha essa Gerontologia e nem essas ciências que estudam a velhice com mais profundidade. Naquela época não existia isso, mas hoje existe! Agora dizer que essa parte de respeito de lá pra cá foi grande! (ARIANO SUASSUNA, 75 anos). Muitíssimo! Muito, muito, muito! Porque na minha juventude, o velho, com 60 anos, o velho era renegado a um quartinho, esquecido. Até pela própria família. Era o peso da família. Hoje não. Hoje o velho tem muitas oportunidades. Quer dizer, ele só se acomoda se ele quiser. (NENZINHA GALENO, 65 anos). Não, hoje o velho é mais participativo. Eu sou de origem do interior, meu pai era fazendeiro e, naquele tempo as pessoas não tinham assistência médica, né? Normalmente as pessoas morriam com menos de 50 anos. Quando um cara passava de 50, o pessoal dizia: ‗Rapaz, fulano tá durando muito, tá muito resistente!‘ Porque não havia controle, não havia médico... e ainda mais o pessoal que vivia em torno das fazendas era mal alimentado, chegava no inverno tinha trabalho, no verão não tinha trabalho, as famílias passavam fome. Então a ideia que eu tinha, enquanto eu morava lá, era que o velho era renegado, e tal. Mas hoje é diferente, totalmente diferente! Os velhos são participativos, são ativos. A minha visão é essa. Agora se a pessoa ficar muito encostada, muito sem atividade, aí acredito que a pessoa vai se definhando, inclusive a memória da pessoa. (PATATIVA DO ASSARÉ, 78 anos). Ah, agora não é como era não [...]. (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). Além disso, quando perguntados como viam a questão dos velhos e da velhice na atualidade, responderam: Eu vejo... dependendo do meio onde ele está inserido, ele pode estar mal ou bem. Eu velho hoje a velhice mais amena do que há algum tempo atrás. Pelos processos de amparo que as pessoas têm, tem o Estatuto do Idoso, tem uma série de coisas... até o mundo hoje tá melhor, né? O mundo tá mais legal! Eu vejo que a velhice... ela vai ter que pegar, em algum momento ela vai pegar você, não tem como não, mas eu vejo melhor do que antigamente. Fazendo um parâmetro entre esse período que estamos vivendo e épocas passadas, eu acho que hoje tá melhor. Eu vejo a velhice, o velho, assim... Mas às vezes ele tá em uma família muito opressora. E isso é muito complicado. Que fica gastando o dinheiro do cara, que acha que a pessoa, por causa da idade, não tem autonomia, não tem sabedoria. Eu acho que tem sabedoria sim, muita! E tem também experiência pra passar pras pessoas... Eu, tomando como referência a minha pessoa, eu acho que velhice... tá bem [...] A minha maturidade tá sendo legal! (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). Bem, eu acho que o velho de hoje, os idosos de hoje, são mais felizes, têm mais oportunidades do que os da época da minha mãe, né? Que só viviam dentro de casa. A minha mãe só tinha um destino casa, cozinha, quintal... Hoje em dia um idoso não tá mais dentro desse limite. O nosso campo de ação ampliou-se muito com as novas oportunidades que estão dando aos idosos. E cito aqui, o SESC. O SESC pra mim é uma universidade, onde eu aprendo, tudo, tudo quanto é de curso que chama minha 41 atenção, que é pro meu crescimento espiritual eu tou fazendo. (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). A velhice na atualidade tá sendo mais vista. [...]Então, as pessoas já têm um olhar um pouco diferente, mas ainda não é o ideal, porque o povo precisa ser educado pra olhar melhor pro idoso nesse sentido. (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Eu vejo como uma valorização muito grande! Hoje há muito espaço pra pessoa hoje não se acabrunhar. Eu vejo hoje que essas políticas públicas, o SUS, as aposentadorias, esses programas sociais, eles facilitaram muito a vida do idoso! Agora vejo por outro lado, que se o idoso não tiver cuidado, ele pode ser eliminado pela própria família. Sobretudo o pessoal de baixa renda, que vive de um salário. [...] A pessoa na terceira idade ele tem que levar a vida normal. Ele tem que usar o que gosta, um lacinho no cabelo, batom, namorar, dançar, por que não? Agora se for se levar, assumir os problemas dos filhos, ficar no lugar dos filhos, ele se elimina todo! Porque o limite de filhos para pais, sobretudo nesse aspecto que eu falei, que eu presencio isso nas comunidades, então, eu digo muito: ‗Olha, tome cuidado, ajude, mas não se escravize!‘ E é essa a minha meta. Eu ajudo a toda a minha família se precisar, mas me escravizar não, jamais! (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). Hoje os velhos tão muito modernos! A gente vê aqui os velhos aqui no SESC... Tão modernos demais! É uma nova maneira de ver a vida! Tem até aquela poesia da Cecília Meireles ‗A vida só é possível reinventada‘. Tá todo mundo reinventando a velhice! (HILDA HILST, 70 anos). A sociedade do Brasil é de velhos! [...] É por isso que apareceram várias ofertas para os idosos! O idoso hoje não tá no fundo de uma rede! A minha vó ficou no fundo de uma rede, mas viveu 96 anos! Hoje em dia não, caminha, faz hidroginástica, tem o Corpo de Bombeiros que faz serviços com eles! Têm algumas instituições que oferecem uma vida para os idosos! O idoso hoje trabalha demais! Trabalha demais assim, em termos de sair de casa, de movimentar o corpo, de ter alguma ocupação, de passear! Meu Deus os idosos estão passeando para o exterior, pra todo canto! Bota os remédiozinhos na bolsa, o médico recomenda o que deve fazer, pega o avião e se manda! E são muitos que eu vejo fazer isso! Se você comparar no tempo da minha avó, adoeceu, ficou no fundo de uma rede! Aí o organismo para, a articulação também fica enferrujada, aquela armação não se movimenta mais! O idoso hoje tem muito como sobreviver! (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Analisando esses discursos, percebemos que os próprios partícipes da pesquisa reconhecem as mudanças ocorridas nas formas de se conceber, encarar e tratar a velhice no Brasil nos últimos anos, partindo da própria experiência que eles tiveram como jovens e com velhos de outras gerações, bem como da vivência que estão tendo dessa fase, atualmente. Em contrapartida, é também nesse contexto de ressignificação das concepções e formas de tratar a velhice que essa fase passa a ser vista como o período ideal para a realização de intenções pessoais e sonhos, transformando-se no melhor momento da vida de uma pessoa. É por esse motivo que os idosos buscam, cada vez mais, se manterem ativos, 42 independentes e integrados à sociedade, visando a chegar a esse padrão de velhice bemsucedida (ROCHA, 2012). Destacamos o fato de que essa imagem é também estereotipada, haja vista que chegar a essa velhice bem-sucedida implica ter condições de acesso a um padrão de vida e de consumo a que nem todos os idosos alcançam. Além da questão econômica, essa nova imagem do envelhecimento desconsidera os aspectos individuais vivenciados pelos sujeitos, o que repercute em suas velhices. Muitas vezes, grande parte da população velha não consegue manter essa imagem de velhice autônoma e bem-sucedida e acabam desenvolvendo quadros depressivos. (ROCHA, 2012, p. 55). Ademais, estas novas formas de conceber e de vivenciar a velhice corroboram a responsabilização dos velhos pelo seu envelhecimento, tornando a velhice reprivatizada. Isso vai ao encontro do que defendem a Sociologia e a Antropologia, a respeito das formas de concepção dos sujeitos, as quais consideram os determinantes sociais, históricos, políticos e econômicos, dentre outros, como fatores importantes e que influenciam na heterogeneidade de formas de se chegar à velhice e vivenciá-la. Assim, é necessário que fujamos desses estereótipos relacionados às formas de conceber a velhice, pois, dada a complexidade do envelhecimento e da multiplicidade de aspectos que a permeiam, a compreendemos como uma fase da vida, porém com um caráter histórico e socialmente produzido e feito fruto de experiências individuais. Podemos assinalar, então, que não existe uma velhice homogênea e estigmatizada. Há velhices e velhos e velhas, como fenômenos heterogêneos e multifacetados. Ressaltamos o fato de que não apenas as velhices são fruto de construções sociais e históricas, adquirindo significados e concepções distintas em cada momento e sociedade, mas também os termos classificatórios utilizados para se fazer menção ao envelhecimento. Esboçaremos alguns termos mais utilizados na próxima seção. 2.3 Velhice e termos classificatórios Assim como a categoria velhice foi histórica e socialmente produzida, adquirindo significados e compreensões de acordo com a sociedade e o período histórico, o mesmo 43 ocorre com relação aos termos classificatórios utilizados para fazermos menção às pessoas velhas. Tais expressões também provém de uma formulação social e, portanto, passaram reformulações e ressignificações no decorrer do tempo (ROCHA, 2012). Como já nos reportamos, a condição da velhice esteve profundamente relacionada ao estado econômico dos velhos. O mesmo ocorre com relação aos termos classificatórios utilizados para referir-se a essa parcela da população. Peixoto (2007) assinala que, na França do século XIX, eram chamados de idosos (personne âgée) aqueles cuja posição econômica e social era privilegiada. Os menos favorecidos, os quais dependiam da sua força de trabalho para proverem sua subsistência e, devido a sua condição, estavam com essa capacidade reduzida, em decorrência da idade, eram considerados improdutivos para o capital, sendo chamados de velho (vieux) ou velhote (vieillard). Essa autora destaca o fato de que, até o século XVIII, o termo velhote não tinha conotação pejorativa, e era utilizado, inclusive, em discursos oficiais. O termo velho e seu caráter pejorativo, de acordo com Peixoto (2007) é fruto da questão da aposentadoria, benefício necessário aos velhos provenientes das camadas menos favorecidas. Durante esse período, esse ponto era bastante problemático, pois, não havendo uma legislação ou benefício que determinasse o pagamento dessa aposentadoria ao velho por parte do Estado, as famílias e os patrões entravam em um profundo conflito no tocante à decisão sobre quem deveria ser responsável por esses velhos. Como para o capital eles eram improdutivos, era necessário situá-los noutro local que não fosse a linha de produção, visto que não compensava pagar seus salários, se sua produtividade era bastante inferior ao de um adulto jovem. Nessa conjuntura, construíram-se diversos asilos na França com fundos e financiamentos privados, de famílias de industriais e banqueiros, visando a institucionalizar os velhos em lugares destinados a eles até então: apartados dos meios de produção e do convívio social. Vale destacar o fato de que essa dificuldade em lidar com a velhice estava ligada aos velhos menos favorecidos e é por esse motivo que o referido vocábulo adquiriu uma conotação negativa. Nas camadas mais abastadas, os velhos eram chamados de idosos e gozavam ainda de algum prestígio e posição social, pois parece que nas camadas superiores, a velhice não é aparente (PEIXOTO, 2007, p. 72). 44 Por esses motivos não é raro encontrarmos pessoas e os próprios velhos recusando não só essa etapa da vida, utilizando de todos os meios disponíveis para retardar os efeitos do envelhecimento e para manterem-se e ativos, mas também rechaçando o próprio termo velho, preferindo serem tratados com palavras eufemizadas como uma forma de não se reconhecerem como velhos. Essa rejeição, tanto pela velhice como pelo vocábulo velho, já ficou evidente em algumas observações efetuadas em campo. Alguns sujeitos da pesquisa reconhecem a velhice como algo exterior a eles, sobretudo porque ainda se encontram ativos, preferindo serem chamados de idosos ou de terceira idade. Além disso, alguns afirmam: somos todos jovens! (Diário de Campo, Fortaleza, 17/02/14). Para parte dos velhos, ser chamado como tal chega a ser uma ofensa. Seguindo essa linha, alguns entrevistados, quando indagados sobre o que pensam dos termos velho, idoso e terceira idade e como gostam de ser chamados, responderam da seguinte forma: Olha, inclusive tem um cidadão [...] ele é assim como Rubem Alves, cara inteligente. Uma vez perguntaram a ele essa mesma pergunta que você me fez, ele respondeu: ‗Se me chamam de velho eu respondo que sou idoso, porém novo, com a cabeça no lugar, sabendo fazer tudo antes que a arteriosclerose atinja os velhos, que atinge mesmo. Mas esse fato de eu estar sempre em atividade se dá por conta de eu estar sempre fazendo caminhada, correr um pouquinho, fazer exercício localizado que eu faço muito lá em casa... Então tem muita gente na minha idade já praticamente acabado. Olha, quando eu cheguei no banco uma vez aí o cara disse assim: ‗Não, você não vai ficar nessa fila não. Aqui é só o pessoal da terceira idade, o pessoal idoso‘. Eu digo, ‗Não rapaz, antes da gente discutir, deixa eu lhe mostrar minha identidade.‘ Aí mostrei pra ele. Aí ele olhou, fez a conta assim rápida, aí disse: ‗Rapaz, mas você tem mesmo essa idade toda?‘ Eu digo: ‗Tenho!‘ Eu faço tudo, tudo, tudo! Então por isso que eu não me considero tão velho. E outra, ainda estudo! Fiz duas universidades já bem idoso, já! Eu fui o primeiro a entregar a monografia! (ARIANO SUASSUNA, 75 anos) Não, o termo velho, ninguém me chama. Idoso... acho que de alguma maneira a gente é, né? Porque de alguma maneira estamos rolando a vida há tempo! Terceira idade... é legal. Um termo que não gosto que me chamem é senhor. Acho que eu não sou um senhor! Senhor... é... sei lá... sei lá... Acho que senhor é um cara chato, muito poderoso! Eu não sou tão chato nem poderoso! (risos) Esse termo eu não gosto muito! Eu sei lá! Ninguém me chama disso. Raramente... a não ser uma pessoa estranha, assim. (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). Eu prefiro o termo idosa mesmo! Velha dá ideia daquela coisa já gasta, que não serve mais. Mas idoso, dependendo do idoso, ele pode ser arrumar, ele pode arrumar a carcaça dele, né? (risos) Que não fique tão... que não seja aquele velho, terceira 45 idade! A terceira idade é uma coisa muito distante pra mim também! Porque eu não posso estar na terceira idade! A minha cabeça pode estar mais jovem. Então eu não me sinto na terceira idade! Agora idosa eu sou, ligando à minha cronologia de vida. (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). Bom eu gosto dos dois últimos, idoso e terceira idade. O velho normalmente ele já vem carregando dentro da questão cultural, da coisa descartável. Uma visão negativa. Já o idoso se impõe com respeito. E terceira idade, dentro da vida que a gente tem hoje, e a visão, é aquela coisa de vida plena. (NENZINHA GALENO, 65 anos). São cruéis! Porque velho, é o pior. Porque quando dizem ‗velho‘, já tão dizendo gagá! Mas hoje a velhice também... eu acho até que eu não vou ficar velha gagá não, eu vou ficar velha assim... lúcida, fazendo tudo. Eu me sinto uma pessoa idosa, me sinto uma pessoa realizada, até sábia mesmo! Não me incomoda não (os termos classificatórios). Mas, oh, minha mãe com 80 anos, meu irmão chamou ela de velha e ela ficou com raiva, disse: ‗Me respeite!‘ Então, eu já acho que não vou ser assim não, de ficar com raiva não. Porque com 80 anos ela fazia tudo dentro de casa e eu acho que vou ser assim também. (HILDA HILST, 70 anos). Idosa. Agora essa história de melhor idade não é não, porque a gente não faz o que quer! Não é? Não é, não é! A melhor idade não é não! (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). Pois é, pesa é muito isso, viu? Como eu tenho cabeça de jovem ainda, quando dizem assim, ‗a velha‘, a Sônia velha... Aliás, nunca me chamaram de velha! Já me chamaram assim de titia, de coroa! A primeira vez que me chamaram de coroa eu tive um susto medonho, eu tinha 40 anos! Vixe, eu sou coroa?! Mas me acostumei, hoje em dia não me pesa mais. Mas eu acho assim, a velha, a idosa, a terceira idade, está dizendo que você já passou esse tempo todo caminhando, mas a cabeça acostumou. Mas pesa na gente. (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Essa rejeição, entretanto, não é consenso entre os partícipes da pesquisa. Parte deles reconhece que estão vivenciando a velhice e que são velhos, compreendendo as dificuldades e potencialidades desta etapa da vida deles e procuram viver bem esta fase: Não, eu sou uma idosa, eu sou uma velha. Eu só não gosto de chamar negócio de melhor idade! Quem disse que a velhice é melhor idade? Não... um dia dói aqui, outro acolá, um dia você tem que fazer cirurgia de catarata, outro dia você tem que tira a vesícula. Isso é melhor idade?! Não! Agora você tem que conviver, aprender, aceitar o desgaste natural da vida. Procurar levar uma vida mais atuante, olhar com mais esperança. Acreditar! (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Não, pra mim é indiferente, eu não tenho nenhum preconceito. Quem quiser, ‗ah, essa velha, terceira idade...‘ Pra mim não faz muita diferença não. Eu respeito. [...] Sim, sou velha sim, e daí? Graças a Deus vivi muito! (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). 46 Eu acho que nenhum me incomoda não, viu? A gente depois de uma certa idade, agente assume... você é velho, né? (CORA CORALINA, 73 anos) Velha! Porque negócio de terceira idade isso aí é besteira, é ilusão! Ah, a melhor idade... Melhor idade o que?! Um dia você amanhece com uma dor de um lado, outro dia com uma dor no outro! É a idade do com dor! (risos) Melhor idade é a adolescência, que você tá descobrindo os sonhos! Só que na velhice a gente continua com sonhos! O que me faz me locomover e fazer tudo isso que eu faço são meus sonhos! [...] Cada vez que passa eu tenho mais sonhos! O sonho não pode acabar, porque se acabou o sonho, acabou a vida! (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos). Retornando às discussões sobre os termos classificatórios, na segunda metade do século XX, sobretudo após os anos 1960, com o crescimento deste segmento e, consequentemente, das suas necessidades, foram sendo desenvolvidas novas políticas sociais de amparo à velhice. As pensões foram elevadas e os aposentados passaram a gozar de maior prestígio social (PEIXOTO, 2007). Com essas novas formas de enfrentamento da questão social da velhice, fizeramse necessárias mudanças também nas formas de referir-se aos velhos. Desde então que as dicções velho e velhote deixaram de figurar nos discursos oficiais e o termo idoso passou a ganhar espaço. Esta palavra é considerada mais respeitosa e está permeado de uma noção de cidadania e direitos sociais (ROCHA, 2012). Surgiu, recentemente, uma expressão bastante aceita, sobretudo pelos próprios velhos – terceira idade –, sinônimo de envelhecimento ativo, com protagonismo social, independente, feliz e pleno em realizações (PEIXOTO, 2007). A referida dicção auferiu mais espaço e, sobretudo, mais sentido depois dos anos 1970, com o advento das políticas públicas voltadas para a velhice, principalmente as previdenciárias, como a aposentadoria. Esse benefício ensejou, ao mesmo tempo, remuneração e ócio aos idosos, haja vista que ao saírem do mercado de trabalho, eles passam a ter tempo livre para se dedicarem à atividades de lazer ou projetos e sonhos os quais gostariam de ter realizado no decorrer de sua vida, porém, como tinham outras responsabilidades, não havia tempo para realizá-los (DEBERT, 2004). Visando a privilegiar as demandas da terceira idade, surge outro mercado voltado para ela, o qual vende estilos de vida mais saudáveis, de modo que seja promovido o 47 prolongamento da vida, bem como produtos estéticos e de lazer, além dos grupos de convivência, locus desta pesquisa (DEBERT, 2004). Corroboramos a ideia de Neri (2007), que expressões como terceira idade, dentre outros, não passam de eufemismos para mascarar a rejeição pela velhice: Formas de tratamento aparentemente carinhosas e coloquiais, como ―velhinho‖, ―vovozinha‖ e ―tia‖, podem mascarar preconceito, assim como os termos ―idade legal‖, ―maior idade‖, ―melhor idade‖ ou ―gatão de meia-idade‖, principalmente entre idosos de baixo nível de escolaridade. Eufemismos como ―terceira idade‖, ―melhor idade‖, ―maior idade‖, ―idade legal‖ são subterfúgios semânticos, termos aparentemente bem soantes que no fundo servem para mascarar a rejeição da velhice. Se não, qual seria o sentido de denomina-la de outra forma? Por que precisamos buscar cognomes se o léxico dispõe de palavras consagradas pelo uso para designar objetos? (NERI, 2007, p. 41). Assim, utilizaremos doravante, o termo velho para fazermos referência ao segmento envelhecido da população, pois acreditamos que outras unidades de ideias revelam preconceitos mascarados. Além disso, não concebemos o velho como alguém improdutivo, débil e doente. Como já exprimimos, essa é uma noção histórica e socialmente produzida, não sendo algo estanque e, muito menos, correspondendo à realidade vivenciada pelos velhos. Temos observado que os velhos estão cada vez mais longevos, ativos e protagonistas de suas ações. Com amparo nessas discussões, reafirmamos que tanto a velhice como os termos classificatórios destinados aos velhos são categorias histórica e socialmente produzidas, sendo, portanto, mutáveis de acordo com cada período histórico e sociedade, adquirindo diversos significados e interpretações no curso da história. O que se repete nas velhices são as transformações próprias do envelhecimento, principalmente as biológicas e psicológicas, e as mudanças nos papéis sociais daqueles que passam da fase adulta para a velhice. As formas de compreensão, porém, sobre o referido processo variam de sociedade para sociedade e de um período para outro. É importante ressaltar que a velhice, apesar de socialmente constituída, é individualmente vivenciada, ou seja, cada um vivencia seu processo de envelhecimento com base em suas experiências de vida, logo, cada um vivencia a velhice de maneira diferente (BEAUVOIR, 1990). 48 2.4 O velho na família contemporânea O crescente envelhecimento populacional, juntamente com a queda nas taxas de fecundidade e natalidade, como já discutido, além de provocar repercussões nas políticas públicas, também reverberam nas famílias contemporâneas. Os velhos estão vivendo cada vez mais dentro de suas famílias: Uma questão relevante ao tratar deste público se refere ao tipo de arranjo domiciliar no qual o idoso está inserido. Cerca de 1 em cada 4 idosos vivia em arranjo formado por casal sem filhos, outros parentes ou agregados. Outro arranjo comum (30,2%) entre os idosos foi aquele em que ele vivia com os filhos, sendo todos os filhos com 25 anos ou mais de idade, com ou sem presença de outro parente ou agregado. Por outro lado, 14,8% dos idosos viviam em domicílios unipessoais. Desta forma, 85,2% dos idosos estavam em arranjos em que havia presença de outra pessoa com quem estabelecesse alguma relação familiar, seja cônjuge, filho, outro parente ou agregado. (IBGE, 2013, p.34). Compreendemos que, desde sempre, os velhos conviveram com suas famílias durante a velhice e que não há nada de inédito nisso. Em razão, entretanto, da longevidade na contemporaneidade, a convivência entre gerações, ou pelo menos a coabitação entre elas está se prolongando e, consequentemente, esse fenômeno traz repercussões tanto para os velhos como para aqueles que convivem com eles. Atualmente é possível ver que o velho é parte imprescindível das famílias contemporâneas, bem como os papéis sociais que eles desempenham dentro da referida instituição como mantenedores, cuidadores ou aquele que transmite valores culturais para as gerações mais recentes. Esse é um indicativo da necessidade da desconstrução do modelo nuclear de família, visto que as concepções sobre a referida instituição não devem ser analisadas de maneira estanque, por via de um modelo unívoco, pois, assim como a velhice, a família, também é fruto de elaborações sociais e, consequentemente, suas configurações e significações são alteradas a cada período histórico. Com tal desnaturalização poderemos perceber a família como criação humana mutável. 49 Embora saibamos dessas transformações, reconhecemos que existe uma tendência à naturalização das concepções sobre famílias, pelo fato de ocorrerem fatos naturais dentro dessas, como o sexo, nascimentos e mortes (DURHAN, 2004). Não podemos, entretanto, deixar de ter em vista a ideia de que a família não é uma instituição natural. Pelo contrário, ela assume variadas configurações em torno da reprodução e configura-se como categoria socialmente constituída (BRUSCHINI, 2000). É imprescindível destacar o fato de que não é uma tarefa simples promover essa desnaturalização, até porque há discursos os quais reforçam esse ideal de família nuclear, como o das políticas públicas, o qual a considera como o seu público-alvo, por compreendê-la como um espaço privilegiado de paz, proteção, harmonia, amor e cuidado, devendo, portanto, ser partícipe na execução de tais políticas (DEBERT e SIMÕES, 2006). Segundo Freitas (s/d, p. 09), a incorporação da temática família ao discurso do Estado acontece de maneira mais incisiva desde o Estado Novo, quando as políticas sociais passaram a ter caráter mais interventivo e a família, por sua vez, ganhou destaque: [...] durante o Estado Novo – ao se consolidar uma política social mais interventiva – a família ocupou um papel de destaque. A importância dessas reflexões é mostrar, de um lado, como na construção da proteção social brasileira as solidariedades grupais se tornaram um elemento fundamental para a sobrevivência das famílias pobres. De outro lado, temos também o fato de que a família foi e é tomada como elemento de intervenção para as ações estatais. Mas foi recentemente, que os programas de renda mínima recolocaram a família no centro da discussão sobre proteção social. Na área da saúde, a família surge como elemento fundante. A família aparece, assim, como uma dimensão fundamental para o estabelecimento e implementação de políticas – tanto na assistência como na saúde. Além das políticas mais específicas, como as de assistência e de saúde, as quais chamam as famílias a atuarem como coparticipes na sua execução, a própria Constituição de 1988, no tocante à velhice, de uma maneira mais específica, exprime a obrigatoriedade dos filhos em fornecer amparo e cuidado para com os pais durante a velhice. Para Debert e Simões (2006), essa é uma estratégia das políticas públicas, demonstrativa da sua ineficiência, ao buscar o apoio da família para aprimorar seu desempenho. Assim, os referidos autores criticam essa forma de conceber a família pelas 50 políticas públicas, porque esse tipo de visão desconsidera os arranjos contemporâneos e seus impactos nas relações sociais estabelecidas entre os velhos e suas famílias: Os formuladores das políticas nessas áreas parecem não se dar conta das configurações que a família assume, das elevadas taxas de divórcio dos recasamentos, da diversidade de formas de coabitação e de tantos outros dados que apontam a fragilidade do modelo da família nuclear e a heterogeneidade de posições que o idoso pode ocupar em cada um desses casos. Ao mesmo tempo, os formuladores de políticas parecem fazer ouvidos moucos aos desafios do envelhecimento populacional, o número crescente de idosos na população acompanhado da redução das taxas de fecundidade. (DEBERT e SIMÕES, 2006, p. 1366). Apesar de ser uma difícil tarefa romper com a naturalização da ideia de família nuclear, isso se faz cada vez mais necessário, pois esse tipo de visão, como expressa Fonseca (2005), é capaz de aprisionar visões, teorias e práticas profissionais referentes à família em uma verdadeira camisa de força, priorizando os modelos juristas e legalistas da referida instituição e não deixando perceber a multiplicidade de arranjos familiares da contemporaneidade. Sabemos que, contemporaneamente, a noção de família ultrapassa a ideia de núcleo conjugal, pois, em decorrência das transformações nas relações de gênero, da maior inserção da mulher no mercado de trabalho e das crescentes mudanças no campo da sexualidade (PEIXOTO, 2004), é cada vez mais frequente a existência de arranjos familiares monoparentais, casais sem filhos, divórcios, recasamentos, volta dos filhos adultos separados e divorciados para a casa dos pais, cuidado para com os netos por parte dos velhos, dentre outros. Isso conduz-nos a repensar os padrões naturais sobre o que é família, haja vista a multiplicidade de formas apresentadas pela realidade e que também se caracterizam como tal. Além disso, trazendo para a questão da velhice, esse rompimento também é necessário porque o velho, ao contrário do que o senso comum imagina e reproduz em estereótipos, desempenha funções e papéis de fundamental importância nas famílias contemporâneas, rompendo com a noção de que sua existência não tem nenhum significado dentro da referida instituição. Ressaltamos que validamos o que foi dito no parágrafo anterior em campo: todos os entrevistados, quando perguntados quais atividades desempenhavam dentro das suas 51 famílias, responderam que tinham responsabilidades dentro da referida instituição, seja com contribuições financeiras, no cuidado com parentes em situação de dependência, na ajuda nos trabalhos domésticos e alguns, ainda que minoria, apenas duas entrevistadas, ajudam de maneira complementar e esporádica com os netos, seja para ir deixar ou pegar na escola, ou ficar um pouco com eles na ausência dos pais. Inclusive, essas responsabilidades no âmbito da família, juntamente com as outras assumidas pelos entrevistados, sejam elas laborais ou direcionadas à questão da literatura, dentre outras, repercutem diretamente na participação de alguns deles nas demais atividades do grupo de convivência. Muitos deles participam apenas da Criação Literária e restringem o TSI/SESC apenas a esse subgrupo. É o que podemos comprovar nestes discursos: Não, não dificulta aqui porque eu venho basicamente aqui pra Criação Literária. Eu poderia vir pra outras... eu não tenho tempo de vir pra outras atividades aqui do TSI... Agora o que mais dificulta são as viagens. Que apesar de eu... eu já viajei bastante! Que eu trabalhava, eu viajava pra tudo que era lugar, pro Brasil e pra até fora também. Mas hoje eu queria viajar um pouco mais, com a minha mulher e tal, e essa atividade ela poda um pouco isso. Só isso. A questão aqui do SESC não. (José De Alencar, 68 anos). Não afetava, mas agora eu já não posso deixar minha irmã tão só. (Cecília Meireles, 75 anos). O argumento fundante da Gerontologia, segundo Debert e Simões (2006), vem perdendo força a cada dia, haja vista que o mesmo defendia que, com o advento da industrialização e suas consequências, a velhice teria passado a uma condição marginalizada, perdendo seu status e convertendo-se em um peso para suas famílias e para o Estado, reproduzindo o estereótipo do velho como alguém improdutivo e sem serventia para o capital. Dessa maneira, a velhice era compreendida como sinônimo de pobreza e permeada por diversos preconceitos. Atualmente, com a maior universalização da seguridade social, por meio das aposentadorias e pensões, e dos benefícios da assistência social – BPC, a renda do velho, apesar de restrita é, muitas vezes, o único valor fixo da família. Isso faz muita diferença, sobretudo em um período de reestruturação produtiva: 52 A correlação negativa entre modernização e velhice pode ser reavaliada a partir dos estudos comparativos sobre renda grupos etários. Esses estudos questionam a ideia de que a pauperização caracteriza o envelhecimento nas sociedades ocidentais contemporâneas. Especialmente nos momentos em que o desemprego ou o subemprego atinge proporções alarmantes, a universalização das aposentadorias e da pensão na velhice é capaz de assegurar aos idosos um rendimento regular, mesmo que de valor reduzido, o que repercute não só na sua condição de vida, mas também de suas famílias. (DEBERT e SIMÕES, 2006, p. 1368). Dessa maneira, contemporaneamente, essa noção se reverte a cada dia, pois grande parcela da população velha age como o núcleo econômico da família, pela renda fixa que esta tem, proveniente das aposentadorias, pensões ou do BPC, sobretudo nas classes menos favorecidas economicamente. Essa renda enseja que os velhos, de maneira geral, contribuam com as despesas da família ou até mesmo assumam a condição de chefes da referida instituição (SOARES, 2010). De acordo com o IBGE (2013), em 64,2% das casas com pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, é o velho quem assume o papel de provedor, de chefe da família, revelando que, em mais da metade dos domicílios com velhos, eles são considerados como a pessoa de referência. É importante destacar o fato de que estes números revelam a quantidade de velhos que assumem integralmente a figura de responsáveis pelos domicílios, entretanto, há aqueles que contribuem de alguma forma com as despesas familiares sem, todavia, serem somente eles os provedores da família. Nesse sentido, Oliveira, Silva e Teixeira (2013), baseando-se em dados do IBGE, apontam que, no ano de 2007, mais de 53% dos domicílios brasileiros expressavam mais da metade da renda familiar composta por pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Esse percentual cresceu mais de 5% em dez anos, pois, em 1997, correspondia a 47,2%. É importante destacar, no campo pesquisado, que o perfil dos velhos corrobora o descrito pelo IBGE. Todos os entrevistados relataram ter participação financeira no âmbito doméstico, seja como única fonte de renda, como pessoa de referência ou contribuindo em menor escala. 53 Como já nos reportamos, esse quadro é sustido pelo acesso a benefícios previdenciários e assistenciais destinados aos velhos. É com a renda proveniente desses benefícios que eles passam a contribuir amplamente com as despesas familiares. Veremos de maneira mais ampliada dados que comprovam essa asserção à frente. Evidenciamos, também, que, como o envelhecimento é feminilizado, é na velhice que muitas mulheres passam da condição de dependentes à de provedora ou chefe familiar (CAMARANO, 2003). Isso ocorre porque muitas idosas de hoje se dedicaram-se ao lar e aos filhos, não exercendo atividades remuneradas ao longo de suas vidas e apenas na velhice passam a ter acesso a rendimentos mensais, provenientes dos benefícios já citados. Em contrapartida, ao mesmo tempo em que esse velho tem responsabilidades econômicas no âmbito do lar, também passam a executar amplamente o papel de avós, ao cuidarem de seus netos (LOPES, NERI e PARK, 2005). Nesse momento, os avós executam duas das funções que Bruschini (2000) exprime em sua análise sobre família: a função socializadora e a função de reprodução ideológica, visto que socializa as crianças e repassa ideologias. A realidade mencionada se configura assim em decorrência de múltiplos aspectos. Há uma clara tendência das gerações mais jovens passarem mais tempo como dependentes econômicos dos pais, em virtude do aumento do tempo dedicado à escolaridade, às dificuldades de inserção no mercado de trabalho, gerando desempregos, subempregos e problemas econômicos, implicando a necessidade da ajuda financeira dos velhos. Em contrapartida, cresceu o número de mulheres inseridas no mercado de trabalho, fator que dificulta o cuidado com os filhos. Além disso, há a instabilidade das relações afetivas, provocando separações e divórcios, fazendo com que os filhos retornem à casa dos pais, levando seus filhos. A questão da gravidez precoce, também, demanda o apoio e cuidado dos avós para com os netos, assim como a morte precoce dos pais, dentre outros fatores (LOPES, NERI e PARK, 2005). Esse contexto, muitas vezes, dificulta, ou até mesmo inviabiliza, o cuidado para com os filhos por parte dos pais. Assim, a ajuda dos avós na educação dos netos é um fenômeno crescente na contemporaneidade, haja vista o fato de ser muito comum ver netos 54 chamando carinhosamente suas avós e avôs de mãe ou pai ou até mesmo acentuando que têm mais de uma mãe ou pai (LOPES, NERI e PARK, 2005). Pesquisas anteriores, como a de Alcântara (2010), também trazem essa discussão. Segundo essa autora, não era raro, em seu campo de pesquisa, os netos tratarem seus avós por mãezinha e paizinho, e de tê-los verdadeiramente como referência de pais, revelando que o papel desses velhos ultrapassava o de serem avós. Dessa maneira, podemos garantir que, contemporaneamente, muitos avós acompanham mais de perto o crescimento e desenvolvimento dos netos do que os próprios pais, sendo responsáveis pelo cuidado direto em funções básicas como alimentação, higiene e educação, dentre outros aspectos (LOPES, NERI e PARK, 2005). Nesse sentido, Debert e Simões (2006, p. 1370-1371) acentuam que a cooperação entre gerações funciona como estratégia de ajuda mútua entre velhos e gerações mais recentes (filhos e netos): A co-residência traz benefícios aos idosos, especialmente para os homens que podem conservar seu papel de provedor e para as mulheres que não dispõem de nenhuma fonte de renda. Parece claro, porém, que as vantagens são ainda maiores para as gerações mais novas. A renda dos idosos contribui para reduzir a precisão do trabalho infantil na subsistência familiar, especialmente entre os mais pobres, possibilitando aumentar a escolarização das crianças e dar mais atenção às suas necessidades. É um aparo para os jovens e adultos diante das dificuldades de inserção no mercado de trabalho e de outra restrições econômicas, assim como nos casos frequentes de retorno dos filhos separados ou divorciados à casa dos pais, solicitando ajuda para educar seus filhos. Embora esse quadro seja recorrente para muitas famílias brasileiras, não encontramos essa realidade tão fortemente no grupo pesquisado. Parte considerável dos velhos da criação literária, quatro velhos, não tem netos, pois não teve filhos. Outros quatro afirmaram ter filhos, mas não citaram netos. Já os outros quatro, que informaram ter netos, disseram não ter participação incisiva na educação e cuidado com os netos, apesar de estarem disponíveis para ajudas esporádicas, para tomar conta das crianças e ir buscar ou deixar no colégio, quando necessário. Isso revela, certamente, a dimensão de classe presente nos arranjos familiares. Esse grupo possui certa autonomia financeira e seus filhos também, indicando que essa 55 questão do cuidado para com os netos por parte dos avós é também permeada pela questão de classes, haja vista que é mais recorrente em famílias menos abastadas. Além disso, tanto no âmbito familiar como no coletivo, também cabe ressaltar a função de memória social desempenhada pelo velho no tocante à educação e ao repasse de valores culturais às gerações mais recentes, haja vista que a velhice é o momento de desempenhar a alta função da lembrança (BOSI, 1998, p. 81). Corroborando essa ideia, Bobbio (1997, p. 20) argumenta que, sobretudo nas sociedades tradicionais, a importância do velho como memória social era enorme e que esse panorama vai mudando à medida que as sociedades evoluem, passando a cultuar novos valores: Nas sociedades tradicionais e estáticas, que evoluem lentamente, o velho reúne em si o patrimônio cultural da comunidade, destacando-se em relação a todos os outros membros do grupo. O velho sabe por experiência aquilo que os outros ainda não sabem e precisam aprender com ele, seja na esfera da ética, seja na dos costumes, seja na das técnicas de sobrevivência. Não apenas se alteram as regras fundamentais que regem a vida do grupo e dizem respeito à família, ao trabalho, aos momentos lúdicos, à cura das doenças, à atitude em relação ao mundo do além, do relacionamento com os grupos, como também não se alteram e passam de pai para filho, as habilidades. Nas sociedades evoluídas, as transformações cada vez mais rápidas, quer dos costumes, quer das artes, viraram de cabeça para baixo o relacionamento entre quem sabe e quem não sabe. Cada vez mais, o velho passa a ser aquele que não sabe, em relação aos jovens que sabem, e estes sabem, entre outras razões, porque têm mais facilidade para aprender. Isso implica, cada vez mais, na desconstrução do modelo nuclear, provocando a elasticidade deste, conforme menciona Durhan (2004), alargando nossa compreensão sobre o que significa realmente o conceito de família na contemporaneidade e da própria compreensão do que é o envelhecimento da Modernidade. As pessoas velhas, apesar de suas vulnerabilidades, estão cada vez mais desempenhando importantes funções dentro da família, da comunidade e na vida política do País (DEBERT e SIMÕES, 2006). Há, todavia, idosos que preferem morar sozinhos, sobretudo os que gozam de melhores condições financeiras, buscando maior autonomia e liberdade durante a velhice, além de romperem com imaginário do velho como dependente dos filhos. 56 Encontramos no grupo pesquisado essa situação. Três entrevistadas moram sozinhas, embora saibamos que outros velhos do grupo de Criação Literária, os quais não participaram das entrevistas, também morem sós. Quanto aos motivos para tal, esses variam entre não terem constituído família, ou por opção própria e pela saída dos filhos de casa, em virtude do casamento. É válido ressaltar que morar sozinho não implica necessariamente abandono da família. Segundo Debert e Simões (2006), baseando-se em Rosenmayr e Kockeis (1963), isso pode significar um novo tipo de arranjo, a intimidade da distância, ensejado pelas consequências da Modernidade e pelo tipo de relação propiciado por essas. É importante evidenciar que esse novo arranjo não inviabiliza a existência de relações familiares. Nesse sentido, surgem outras modalidades de serviços para velhos, sobretudo em outros países mais desenvolvidos, onde o envelhecimento populacional já se manifesta há mais tempo, demandando novos serviços. Mesmo com pauta na segregação espacial entre gerações, essa pode ser uma experiência válida para idosos, ao viabilizarem a ampliação da rede de relações sociais dos velhos e o aumento de atividades desenvolvidas por eles. Tais serviços visam a contribuir para o prolongamento das capacidades cognitivas e físicas dos idosos, de modo a retardar estágios de dependência. Dessa maneira, esses velhos podem se achar satisfeitos com a velhice e serem felizes. Sob tal aspecto que compreendemos os grupos de convivência, locus dessa pesquisa, pois esses consistem em equipamentos sociais que oferecem atividades baseadas nas necessidades dos velhos, visando a colaborar com um envelhecimento mais ativo e saudável. Encontramos alguns partícipes desse tipo de equipamento e desta pesquisa que relatam a vivência de uma velhice mais feliz e de terem ficado mais satisfeitos com a velhice após a participação em grupos de convivência e que essa experiência também contribui na relação com suas famílias. Até o momento, falamos das repercussões de velhos ainda ativos, apesar de suas dificuldades, dentro da esfera da família. Vale ressaltar, entretanto, que há uma parcela de velhos que vive com problemas de saúde mais sérios e demandam cuidados: 57 O aumento da longevidade reflete, em parte, a melhora geral nas condições de vida dos idosos, mas também implica maior probabilidade de que estes tenham que enfrentar incapacidades físicas ou mentais por períodos mais longos. (DEBERT e SIMÕES, 2006, p. 1369). Tais problemas de saúde repercutem de maneira diferente entre homens e mulheres velhas, até porque a velhice comporta fortemente a questão de gênero. Segundo Giddens (2005, p 33), de maneira geral, as mulheres têm maior expectativa de vida do que os homens em quase todos os países. Ao mesmo tempo, as mulheres também sofrem de maior incidência de doenças do que os homens, particularmente na velhice. As mulheres são as que mais buscam cuidados médicos e registram maiores taxas de doenças detectadas por via de autoexame do que os homens. Essa maior expectativa de vida das mulheres decorre de alguns fatores, como a redução da mortalidade materna, a diminuição das taxas de fertilidade e a melhorias nas condições financeiras, em razão do ingresso no mercado de trabalho e aos benefícios previdenciários e assistenciais. Além disso, as mulheres registram menores comportamentos violentos e de risco, como alcoolismo e tabagismo (NERI, 2007). As mulheres, entretanto, são mais acometidas por doenças crônicas, incapacidade física, déficit cognitivo, depressão, dor, fadiga, estresse crônico, consumo de remédios e quedas do que dos homens velhos. Ademais, as mulheres têm um ônus físico, psicológico e social bem maior, pois são elas geralmente as responsáveis pelo cuidado com o cônjuge, os pais, os filhos, os netos e até mesmo outros parentes idosos ou incapacitados (NERI, 2007). Já os homens morrem mais cedo por mortes violentas ou por motivos de doença. A World Health Organization (WHO, 2003) constatou que as taxas de mortalidade masculina em virtude de câncer ficam de 30% a 50% a mais do que em mulheres. Além disso, apresentam maiores fatores de risco para o desenvolvimento de doenças: 1) hábitos de vida como tabagismo, consumo de álcool, dieta rica em gorduras insaturadas e sal e baixa adesão a comportamentos de saúde que incluem visitas periódicas ao médico, seguir tratamentos prescritos, tomar remédios e fazer exercícios físicos; 2) presença de hipertensão mais precoce e, além disso, colesterol alto e obesidade, associados a maior risco para doenças cardiovasculares e cerebrovasculares; 3) valorização excessiva de padrões tidos como valiosos à masculinidade, que implicam maior risco para comportamentos não-saudáveis, violência, excessos comportamentais e acidentes; 4) maior exposição ao alcoolismo, à ansiedade e ao suicídio; 5) as doenças decorrentes do trabalho, os acidentes e a violência urbana afetam mais os homens [...]; 6) principalmente por causa de valores 58 culturais, os homens estão mais expostos aos efeitos da vulnerabilidade financeira decorrente da aposentadoria. (NERI, 2007, p. 61). Assim, apesar das mulheres denotarem maior fragilidade na sua saúde do que os homens, as doenças pelas quais são acometidas não aponta sérios fatores de risco para chegarem à morte. Além disso, culturalmente, as mulheres sempre buscaram maiores cuidados com a saúde do que os homens: [...] as mulheres utilizam mais de serviços de atenção primária. Isso ocorre possivelmente porque elas sofrem muito mais de condições crônicas incapacitantes, como a artrite do que os homens. Doenças desse tipo não oferecem riscos à vida, como em geral as doenças mais prevalecentes entre os idosos, mas fazem aumentar a probabilidade de que as idosas busquem mais cuidados médicos do que eles. Por sua vez, os homens apresentam taxas mais altas de hospitalização, o que pode ser devido ao fato de terem mais doenças agudas do que as mulheres. Além disso, fatores culturais determinam que se queixem menos e vão menos ao médico, o que acarretaria o aumento de casos agudos e de casos graves e consequentemente maior necessidade de hospitalização entre eles do que entre as mulheres. Outra hipótese é o fato de os homens tenderem a ser mais cuidadosos do que as mulheres pode determinar a busca mais tardia de ajuda profissional, apenas quando os cuidados domésticos não são mais suficientes. (NERI, 2007, p. 57). Partindo dessas considerações, podemos afirmar que parte dos velhos experiencia o envelhecimento com algum tipo de comprometimento, por terem estado ou estarem acometidos de determinadas doenças e acabam demandam cuidados especiais. Quando os velhos são acometidos por doenças que os incapacitam de realizar suas atividades de vida diária, naturalmente, eles irão precisar de cuidados. Segundo Debert e Simões (2006, p. 1371), há um contrato intergeracional informal nas famílias brasileiras, mediante o qual os pais cuidam dos filhos no decorrer de suas vidas e esperam serem cuidados por eles na velhice. Fonseca (2005, p. 54) corrobora esse pensamento, explicitando tal argumento com base neste exemplo: [...] um observador desavisado poderia considerar que aquela avó que assimilou no seu núcleo doméstico e arcou com as despesas dos primeiros netos está numa relação de ―mão-única‖, na qual ela ajuda seu filho e neto sem receber nada em troca. No entanto, devemos lembrar que esta avó está marcando seu lugar na rede familiar, reforçando através de seu dom a obrigação que seus descendentes têm de cuidar dela anos mais tarde na velhice – justamente quando ela passa a ocupar o lado mais fraco da relação familiar. Não se trata de um cálculo consciente nem de um investimento garantido, que sempre dê retorno. 59 Como já exprimimos, tal contrato é reforçado pelas legislações e políticas públicas brasileiras, porém, esta se faz uma questão problemática na conjuntura atual, porquanto dificuldades econômicas e sociais e a própria falta de eficiência nas políticas sociais, comprometem a efetivação de tal contrato. Conversando com essa ideia, Alcântara (2010, p. 98) assinala que A tendência de boa parte da literatura é considerar que a instituição família é e sempre foi a garantia certa no amparo aos membros mais velhos, independentemente dos contextos sociais e dos períodos históricos. Dessa perspectiva, essa instituição é compreendida como natural, universal e imutável. Entender por esse viés é desconsiderar as novas configurações ou o contexto multidimensional que ―coloca em xeque‖ a família nuclear. Entretanto, o discurso tradicional de que o amparo à velhice deve ser uma responsabilidade da família é hoje incerto, haja vista o contexto socioeconômico do País, sobretudo entre as gerações mais novas, em razão do enfrentamento das dificuldades na conquista de sua estabilidade, um dos motivos pelos quais o velho assume o orçamento familiar, não obstante as parcas aposentadorias. Os próprios velhos reconhecem como uma via de mão dupla o cuidado que têm para com os filhos durante toda a vida e esperam a retribuição deles quando estão nessa fase da vida. É o que Debert e Simões (2006) chamam de trato intergeracional, e que fica evidente na fala desta entrevistada: [...] minha mãe com 85 anos veio morar comigo e eu cuidei dela até 95 anos, quando ela faleceu. Era como uma criança, ela me chamava de mãe. Eu acho também que isso... é uma segurança. Eu tenho até essa segurança de que o meu filho vai tomar conta de mim quando eu chegar à velhice. (HILDA HILST, 70 anos). Além disso, o mito da família como lugar ideal para a vivência da velhice revertese diariamente. A convivência dos velhos com seus filhos, nem sempre, é amistosa, respeitosa ou se estabelece de modo a prestigiarem as gerações mais velhas. É mister afirmar que a maior parte das agressões, maus-tratos e violência psicológica contra os idosos parte da própria família. Assim, a persistência de moradias multigeracionais não pode ser vista necessariamente como garantia de uma velhice bem-sucedida. (DEBERT e SIMÕES, 2006, p1369). 60 Além disso, o cuidador familiar, que muitas vezes é apenas uma pessoa, geralmente uma mulher, desenvolve doenças como o estresse, entre outras, em razão da sobrecarga dos trabalhos domésticos somada aos cuidados com o velho dependente. Em razão dessas demandas, bem como da pouca oferta de instituições voltadas para idosos, surge a necessidade de profissionais que atendam à procura dos velhos, como o cuidador de idoso profissional. Esta é hoje uma profissão em curso diversos países, assim como no Brasil. Vale ressaltar que, no nosso País a profissão foi reconhecida recentemente, por meio da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 66/1212, conhecida como a ―PEC das domésticas‖ a qual regulamenta trabalhos domésticos, em que estão alocados os cuidadores de idosos, conferindo a esses trabalhadores os direitos e benefícios que cabem a esses trabalhadores7. Surgem, pois, cursos de formação para cuidadores de idosos de modo a capacitar esses profissionais para que eles realmente estejam preparados para lidar com as demandas do envelhecimento e oferecerem serviços de qualidade para os velhos. Cabe evidenciar o fato de que o custo de um cuidador profissional não é barato e os velhos menos favorecidos muitas vezes não têm acesso a esse tipo de serviço, dependendo efetivamente dos cuidados de seus familiares para continuarem executando suas atividades. Ante o exposto, podemos perceber que a presença prolongada de velhos dentro de suas famílias é algo cada vez mais recorrente e duradouro, em razão da crescente expectativa de vida, provocando diversas alterações na dinâmica da referida instituição, seja no sentido de contribuir com as atividades cotidianas, seja demandando cuidados, dentre outras perspectivas. Nesse sentido, é necessário pensar nas velhices e nas famílias em sua pluralidade, de modo a não reproduzirmos os estereótipos secularmente atribuídos às referidas categorias, visto que ambas provém de construções sociais, revelando um caráter heterogêneo e multifacetado. 7 Informações disponíveis em: < http://www.boituvasp.com.br/v13/materia.php?title=Cuidador-de-idosos-einclu%EDdo-na-categoria-de-%93empregadadomestica%94&boituvasp=62&access=yeah#.UtLzn_vWCZQ> Acesso em 11 jan. 2014. 61 3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENVELHECIMENTO, CIDADANIA E GRUPOS DE CONVIVÊNCIA. 3.1 Envelhecimento populacional e políticas públicas para o envelhecimento no Brasil. Como já adiantamos, sobretudo desde a década de 1970, se observa crescente envelhecimento populacional, tanto no plano mundial, como nos contextos nacional e local, propiciado pela redução nas taxas de natalidade e fecundidade, pelo aumento da qualidade de vida, em virtude da melhoria nas condições de saúde, alimentação, habitação, saneamento básico, dentre outros fatores. Para melhor exemplificar as afirmações anteriores, basta analisar dados recentes do IBGE (2010). Segundo o qual, a década de 2001 e 2010 foi um período de grande crescimento da população velha no Brasil: cerca de 31% no tocante ao grupo com idade igual ou superior a 70 anos. Outra faixa etária que merece ser destacada, nesta mesma pesquisa, é a compreendida de 50 a 59 anos, a qual apresentou crescimento de 32%. Achamos relevante considerar esse contingente populacional pelo fato de que esse representará o segmento envelhecido brasileiro nos próximos dez anos. Ainda segundo o IBGE (2013), ao comparar a pirâmide etária brasileira dos anos de 2002 a 2012, observa-se claramente uma tendência ao envelhecimento populacional. A base dessa pirâmide, a qual representa o número de crianças e adolescentes, está reduzindo progressivamente, ao passo que o número de velhos está aumentando. 62 TABELA 1: DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DA POPULAÇÃO RESIDENTE, POR SEXO, SEGUNDO OS GRUPOS DE IDADE – BRASIL – 2002/2012. Pensando em termos de progressão, no que concerne ao continente populacional de jovens e idosos que temos atualmente, o IBGE (2013) apontou estimativas sobre o percentual desses segmentos etários no ano de 2060, indicando que aquele com idade de 0 a 14 anos continuará diminuindo gradativamente e, em 2060, chegará a apenas 13% da população. O segmento com idade de 15 a 29 anos também seguirá essa tendência e continuará diminuindo em crescimento, atingindo cerca de 15,3% no final do ano da projeção. No grupo com idade de 30 a 59 anos, há certa estabilidade em termos de porcentagem em contingente populacional até 2060, variando de 41,3% em 2020 a 38% até o ano final da estimativa. Já a faixa etária dos velhos, com pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, será o segmento que mais terá crescido no final desta projeção, chegando a 33,7%. 63 TABELA 2: DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DA POPULAÇÃO PROJETADA POR GRUPOS DE IDADE – BRASIL – 2020/2060. % No tocante à expectativa de vida do povo brasileiro, segundo a recente pesquisa Tábua Completa de Mortalidade para o Brasil – 2013: breve análise nos períodos de 20122013 e 1980-3013, realizada e divulgada pelo IBGE (2014), esta passou de 62,5 anos ,em 1980, para 74,9 anos, no ano de 2013, tendo crescido 12,4 anos entre o período citado. Já no Ceará, a expectativa de vida cresceu 14,2 anos de 1980 a 2013, saltando de 59 anos para 73, 2 anos no referido período. Cabe ressaltar que o maior crescimento da elevação na perspectiva de vida dos cearenses foi mais significativa para o sexo feminino, 64 15,2 anos contra 13,2 anos nos homens. Assim, o Estado figura na quinta posição no tocante ao maior aumento na expectativa de vida entre os estados brasileiros (IBGE, 2014). É importante destacar o fato de que em Fortaleza – CE, esta realidade não é diferente: em 2012, a cidade já ocupava a 12ª posição entre as capitais brasileiras com maior número de velhos, indicando a clara tendência ao envelhecimento populacional, vivenciada não só na conjuntura mundial e nacional, como também, local (IPECE, 2012). Mesmo, porém, com o progressivo envelhecimento populacional vigente no Ceará, mais especificamente em Fortaleza, convém destacar que o Estado figura como o 11º com o pior Índice de Desenvolvimento Humano dos 27 brasileiros. Embora tenha crescido desde o ano 2000 mais do que a média nacional, ainda possui classificação considerada ―média‖, pela pesquisa Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Já a Capital cearense figura como aquela com o 9º pior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM.8 Assim, cabe refletir quais os significados e repercussões de envelhecer em regiões com índices considerados ruins, se comparados aos de outros estados ou cidades do Território Nacional. Neste contexto, as necessidades e demandas da população velha tornam-se cada vez mais evidentes, sendo prementes cada vez mais ações, serviços, projetos e políticas públicas destinadas a esse segmento etário, no sentido de ensejar a vivência de uma velhice mais digna e com melhor qualidade de vida. É justamente a essas políticas públicas, sobretudo no âmbito brasileiro e fortalezense, que nos deteremos neste tópico. Analisaremos o contexto de seu surgimento e maturação, quais suas repercussões para a vida dos velhos na atualidade e como estas contribuíram para o avanço no campo da cidadania para a velhice no nosso país. Também refletiremos quais são os desafios para a efetivação de tais políticas, no sentido de perceber se elas estão de fato contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e para o avanço na concepção de dignidade da pessoa velha no Brasil. 8 Dados disponíveis em: < www.atlasbrasil.org.br > Acesso em: 18 dez. 2014. 65 Como já exprimimos, até os anos 1970, a questão social da velhice não tinha um vislumbre tão significativo quanto na atualidade: Até fins da década de 60, todo o trabalho realizado com velhos, em nosso País, era de cunho caritativo, desenvolvido especialmente por religiosos, das diferentes religiões e/ou entidades leigas filantrópicas. Foi no início da década de 70 que começou a surgir um número significativo de pessoas com mais de 60 anos, preocupando alguns técnicos da área governamental e do setor privado, o que provocou o despertar dessas pessoas para a questão do velho brasileiro. (RODRIGUES, 2001, p. 17). Até esse momento, os velhos que tinham acesso a algum tipo de proteção social. Eram aqueles que, no decorrer de suas vidas, tinham contribuído com a previdência, tendo direito, na velhice, a benefícios previdenciários, não pelo fato de serem velhos, mas por terem trabalhado e prestado contribuições. A grande maioria dos velhos, entretanto, os quais não tinham esse perfil, encontrava-se excluída e descoberta de proteção social. A essa parcela envelhecida eram destinadas ações pautadas na caridade e filantropia, provenientes, sobretudo, de instituições religiosas (PRADO, 2012). Em 1963, o Serviço Social do Comércio – SESC São Paulo iniciou atividades de grupo de convivência na referida unidade, por meio do Trabalho Social com Idosos – TSI. Com o êxito desse programa, anos mais tarde, ele foi se capilarizando para outras cidades brasileiras. Cabe ressaltar que, no primeiro momento, referido trabalho não se estendia à população em geral, mas sim aos comerciários e seus dependentes. Apenas anos depois passou a se estender aos velhos sem ligação com o comércio (PRADO, 2012). Com efeito, da passagem dos anos 1960 para 1970, o crescimento desta população passou a ganhar maior expressão na realidade brasileira. Nesse momento, surgiram, a Gerontologia como área de conhecimento voltada à velhice, bem como a Geriatria. Também data desse período uma expansão no desenvolvimento de estudos e pesquisas acadêmicas destinadas ao envelhecimento dentro das universidades (DEBERT, 2004). Além disso, esse foi o panorama em que os movimentos sociais e os segmentos da sociedade civil organizada começaram a lutar pelos direitos da população envelhecida; ou 66 seja, as pressões e influências desses movimentos colaboraram, substancialmente, na conquista de políticas públicas voltadas para a velhice no Brasil (PRADO, 2012). Assim, legislações e políticas públicas para os velhos começaram a ser formuladas e implementadas, não como mera concessão do Estado, mas como produto das pressões e tensões dos movimentos sociais e sociedade civil organizada, os quais lutaram ativamente vislumbrando que os direitos dos velhos fossem ampliados, efetivados e respeitados. Partindo daí, delinearemos a seguir as legislações e políticas públicas para tal público surgidas depois da década de 1970, para que possamos compreender quais são e como contribuem para o avanço na ideia de cidadania e dignidade da pessoa velha no Brasil. Na década de 1970, Marcelo Salgado, assistente social, gerontólogo, epidemiólogo e técnico do SESC, em São Paulo, preparou um documento que deu origem à Renda Mensal Vitalícia - RMV (RODRIGUES, 2001). Essa legislação foi aprovada em 1974, ficando conhecida como a Lei 6.179. O benefício consistia no pagamento de ½ saláriomínimo aos velhos com idade igual ou superior a 70 anos ou inválidos, sem rendimentos, cujas famílias não lhes pudessem prover. Todavia, havia outra condicionalidade para a concessão do benefício: ter sido contribuinte da previdência social por pelo menos 12 meses (SPOSATI, 2004). Naquele momento, essa legislação representou considerável avanço no tratamento dado aos velhos no Brasil, no sentido de que o Estado passou a oferecer um rendimento para todos eles sem condições de se proverem, o que até aquele momento não havia. Apenas aqueles que haviam contribuído por mais tempo com a previdência no decorrer de suas vidas poderiam usufruir de algo assim. Meio salário-mínimo, entretanto, ainda era uma quantia ínfima, incapaz de oferecer condições mínimas de vida e dignidade deste segmento. Além disso, poucos conseguiam chegar aos 70 anos de idade nessa época, visto que a expectativa de vida era menor. Ainda nos anos 1970, segundo Prado (2012), durante o governo de Ernesto Geisel, foi criado o Programa de Assistência ao Idoso – PAI, o qual foi desenvolvido pela Legião Brasileira de Assistência – LBA. Mencionada instituição prestava atendimento aos velhos, sobretudo, partindo de dois programas principais: o Conviver, com atividades de 67 grupos de convivência, e o Asilar. Tais ações eram pautadas no assistencialismo, visando a amenizar as desigualdades sociais. Nesse sentido, podemos analisar o fato de que, apesar do significativo aumento do número de velhos durante os anos 1960 e 1970, no referido período, as políticas públicas voltadas para o atendimento de suas demandas ainda eram incipientes. Foi nesse contexto que movimentos sociais e sociedade civil, comprometidos com a defesa de direitos dos velhos, passaram a se organizar e a lutar para que esses fossem ampliados e efetivados na prática. Podemos citar como exemplo a criação da União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil, vinculada à Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), em 1961. Além desta, em 1977, foi instituída a Associação Cearense Pró-Idosos (ACEPI), revelando o pioneirismo do Ceará nessa direção, visto que essa foi a primeira organização social voltada à velhice no Brasil (PRADO, 2012). A citada sociedade, segundo Rodrigues (2001, p. 25), tinha o intuito de reivindicar os direitos desse segmento etário, mesmo quando ainda ninguém falava neles. De 1977 a 1987 as realizações se baseavam em ciclos de estudos sobre a terceira idade, culto de gerações, fóruns de debates, encontro de dirigentes de entidades de idosos e fóruns nacionais de gerontologia. Consoante Prado (2012) e Faleiros (2012), sobretudo em 1976, com a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, ocorreram mudanças na oferta de proteção social aos velhos. Naquele momento, segundo Rodrigues (2001), Marcelo Salgado foi convidado pelo Ministro da Previdência Social para discutir sobre a questão da velhice. A partir daí, programou para o Ministério da Previdência e Assistência Social três seminários regionais, realizados em São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza, visando a discutir e refletir sobre a realidade da velhice no Brasil: Os seminários objetivaram a identificação nas condições de vida do idoso brasileiro e do apoio assistencial existente para atender suas necessidades. O resultado obtido mostrou a situação de isolamento social, marginalização, preconceito e principalmente a pobreza frequente ao idoso no Brasil. (PRADO, 2012, p. 79). 68 O produto desses seminários culminou, segundo Rodrigues (2001, p.18), com a realização de um seminário nacional, no mesmo ano, o qual tinha o objetivo de [...] formular um diagnóstico para a questão da velhice em nosso país e apresentar as linhas básicas de uma política de assistência e promoção social do idoso, consubstanciadas num documento, extremamente importante, intitulado: Políticas para a Terceira Idade – Diretrizes Básicas. Tais eventos foram de fundamental importância porque proporcionaram análises mais próximas do que os velhos brasileiros vivenciavam no seu cotidiano e, partindo daí, poder-se-ía traçar recomendações sobre como trabalhar com a velhice, e formular propostas de intervenção, dentre outros aspectos. No ano de 1982, em Viena, ocorreu outro importante evento internacional, a I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento. Na ocasião, foi aprovado o Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento, orientando os países desenvolvidos sobre o processo de envelhecimento em curso, além de traçar sete recomendações fundamentais, nas áreas de saúde e nutrição, proteção ao consumidor idoso, moradia e meio ambiente familiar, bem-estar social, previdência, trabalho e educação. Esse Plano configura-se como um marco nas iniciativas internacionais para o reconhecimento da pessoa velha (SESC, 2009). No mesmo ano, no Brasil, aconteceu o Primeiro Encontro Nacional do SESC – Pompeia, evento importante de ser destacado, porque foi dele que saiu a reivindicação pela gratuidade nos transportes coletivos: Desse encontro que reuniu mil idosos, saiu uma reivindicação: a gratuidade dos ônibus para os idosos. Como podem ver, não foi uma iniciativa do governo federal, mas dos idosos de São Paulo, que pressionaram, exigiram, insistiram. Em 1984, o Segundo Encontro Nacional reuniu cerca de 12 mil pessoas. Dali saiu a carta dos direitos dos idosos. E a partir dessa iniciativa, os idosos do SESC São Paulo batalharam pela criação do Primeiro Conselho Estadual do Idoso de São Paulo (RODRIGUES, 2001, p. 26). O ano de 1987 também foi de relevo porque foi nele, durante o Terceiro Encontro Nacional dos Idosos, em Santos, que foram coletadas assinaturas dos participantes para a Constituinte, haja vista que ela jamais havia falado em direitos para a velhice. Nesse ano 69 também foi oficializada a criação da Associação Nacional de Gerontologia – ANG, a qual congrega todas as profissões, sendo, por esse motivo, mais democrática do que a SBGG (RODRIGUES, 2001). Ainda em 1987, os idosos fizeram um movimento no Anhembi, São Paulo, colhendo assinaturas para a constituinte, reivindicando os direitos da Constituição. Ceará e Santa Catarina também colheram assinaturas. Em maio de 1986, os idosos do Ceará também produziram uma carta dos direitos dos idosos, somando com essa de São Paulo. (RODRIGUES, 2001, p. 27). Depois de tantas reivindicações e lutas em prol dos direitos dos velhos, no ano seguinte foi promulgada a Constituição Federal de 1988, que, por ter sido a primeira após a ditadura militar e ter incorporado uma série de garantias e direitos sociais, ficou conhecida como ―Constituição Cidadã‖, pautada na democratização: Foi no contexto da transição democrática da ditadura de 1964 para a democracia, consolidada legal e formalmente na Constituição Federal de 1988, que se expressou uma mudança de paradigma de direitos para a pessoa humana, inclusive para a pessoa idosa. A ruptura com o autoritarismo da ditadura levou ao reconhecimento da liberdade, da igualdade, da solidariedade, do respeito e da dignidade como valores constituídos democraticamente, isto é, com a participação da sociedade pelo voto, pela transparência, pela crítica. Trata-se de um processo político articulado às mudanças econômicas no capitalismo global e brasileiro e na mobilização por liberdade. (FALEIROS, 2012, p. 52-53). Vale salientar que a referida legislação trouxe uma série de avanços à cidadania para os velhos brasileiros, tanto por passar a conceber o referido segmento etário de uma forma diferente, pelo caminho dos direitos e da participação, quanto por viabilizar direitos e criar espaços para que esses pudessem ser defendidos: Os direitos da pessoa idosa estão presentes em vários capítulos da Constituição, considerando-se a mudança de paradigma do idoso assistido para o idoso ativo, do idoso improdutivo excluído do mercado de trabalho para o idoso como sujeito de direitos como pessoa envelhecente, do idoso cuidado exclusivamente na família para o idoso protegido pelo Estado e pela sociedade, do idoso marginalizado para o idoso participante (FALEIROS, 2012, p. 58). 70 Esta Constituição estabeleceu o piso de um salário-mínimo na previdência rural, o amparo do idoso como um dever da família, da sociedade e do Estado, bem como a gratuidade nos transportes coletivos para as pessoas com idade igual ou superior a 65 anos, o que fortaleceu a noção de cidadania do velho (NOGUEIRA, 2011). Além de garantir esses direitos, a legislação criou espaços democráticos de participação popular, visando à defesa destes. Tais espaços são materializados nos conselhos e fóruns, destinados ao controle social das políticas públicas, por parte da sociedade civil. Seguindo esta linha cronológica, em 1992, a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou a Proclamação sobre o Envelhecimento, a qual estabeleceu o ano de 1999 como o Ano Internacional dos Idosos; além de elaborar parâmetros para chegar a um conceito sobre a questão do envelhecimento, envolvendo quatro dimensões, a saber: a situação dos idosos, o desenvolvimento individual continuado, relações multigeracionais e a inter-relação de envelhecimento com desenvolvimento (SESC, 2009). Também foi durante os anos 1990 que aconteceram alguns encontros de estudantes das universidades da terceira idade, em 1991, 1993, 1994 e 1995, na região sul do País. Rodrigues (2001) resgata esses eventos, visando a trazer à tona a ideia de que as lutas em prol da questão da velhice continuaram existindo no decorrer dos anos e que essa foi se ampliando cada vez mais, congregando mais atores sociais envolvidos com o âmbito do envelhecimento. Partindo daí, mais uma vez, reafirmamos que os direitos até então conquistados no tocante à velhice são fruto de muitas lutas e reivindicações de movimentos sociais e não concessões do Estado. Em 1993, foi aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei Federal nº 8.742), legislação com papel central na luta pela garantia de direitos dos velhos, visto que reconhece a assistência social como política de seguridade social não contributiva e a estabelece como dever do Estado e direito de todo cidadão (art. 1). Além disso, tal legislação regulamenta o artigo 203 (inciso V) da Constituição Federal de 1988, estabelecendo o Benefício de Prestação Continuada – BPC e, consequentemente, abolindo a RMV. 71 Segundo Sposati (2004, p. 127), o benefício pode ser considerado como o primeiro mínimo social não contributivo, garantido constitucionalmente a todos os brasileiros, independente da sua condição de trabalho, atual ou anterior, mas dependente da condição atual de renda. Nesse sentido, o direito ao BPC foi uma conquista muito significativa para o campo dos direitos da população velha no Brasil, haja vista que se destina a quem dele precisa, não havendo a restrição de ter sido contribuinte da previdência social para poder ter acesso: Receber, acessar um benefício como um direito constitucional, independente do vínculo de trabalho, é, sem dúvida, um marco significativo na extensão do contrato social brasileiro. Este, e talvez só este, seja o grande caráter inaugural desse benefício. A legislação brasileira sempre exigiu a apresentação prévia da condição de trabalhador formal, com carteira assinada para ter afiançado o acesso social. A distribuição não-redistributiva perversamente própria do modelo concentrador de renda adotado no Brasil sempre exigiu o ―suor do rosto‖, provocado pelo esforço pessoal do trabalho, e formalmente acessado por outro, e não só pelo cidadão demandatório, chegasse antes de qualquer acesso a um benefício. (SPOSATI, 2004, p. 129). Esse benefício constitui o pagamento de um salário-mínimo para pessoas com deficiência ou com idade igual ou superior a 65 anos, que não possuam meios de se proverem e cuja renda familiar corresponda a menos de ¼ de salário-mínimo por pessoa. É importante destacar, também, o fato de que o número de velhos atendidos pelo Benefício de Prestação Continuada – BPC cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (2013), em 2011, o número de beneficiários do BPC era de 3,6 milhões no Brasil, sendo que 1,9 desses benefícios era voltado para a população envelhecida, como podemos observar na tabela3. 72 TABELA 3: EVOLUÇÃO DA QUANTIDADE DE BENEFÍCIOS DE AMPARO ASSISTENCIAIS, PARA PORTADOR DE DEFICIÊNCIA E PARA IDOSOS – BRASIL – DEZ. 2002-2011. Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2002/2012. Mesmo, porém, com tal crescimento no número de atendidos pelo BPC, ainda achamos válido apontar que o referido benefício não atende toda a população velha que necessita dele, em virtude do critério da renda familiar de ¼ de salário-mínimo per capita. Assim, mesmo quem precisa deste amparo financeiro, mas não obedece à restrição financeira familiar necessária para a concessão dele, fica descoberto: Embora o conceito seja abrangente, ocorre que, como já foi dito, lhe foram sobrepostas restrições, como a condição de não ser sustentável por outrem. Para ser incluído, o requerente precisa mostrar a miserabilidade da família, além de sua miserabilidade. Necessita ser duplamente vitimizado. Não basta uma exclusão e ser idoso ou com deficiência; são necessárias duas exclusões, ou seja, além da sua, a da família. (SPOSATI, 2004, p. 127). Dessa maneira, a não concessão do benefício a quem demanda por ele e não é atendido, por não ter renda igual ou inferior a ¼ de salário-mínimo per capita, configura-se como contradição entre aquilo que é instituído pela Constituição Federal de 1988 e a forma como acontece na prática: o BPC, que deveria atender àqueles que necessitam dele, restringe um benefício de direito individual em função de critérios de renda familiar: 73 O BPC é um mínimo social enquanto se constitui em um dispositivo de proteção social destinado a garantir, mediante prestações mensais, um valor básico de renda às pessoas que não possuam condições de obtê-la, de forma suficiente, por meio de suas atividades atuais ou anteriores. Todavia, a forma seletiva e residual de acessá-lo não parece corresponder ao disposto constitucional que afiança um salário mínimo ao idoso e à pessoa portadora de deficiência sem renda a que dele necessitar. Assim, tornou-se um mínimo operacionalmente tutelado, um quase direito, na medida em que seu acesso é submetido à forte seletividade de meios comprobatórios que vão além da manifesta necessidade do cidadão. O acesso ao BPC, vinculado operativamente à renda per capita da família, restringe o direito individual do cidadão. [...] Estes procedimentos restritivos terminam por retroceder o avanço constitucional que o colocam como direito de seguridade. (SPOSATI, 2004, p. 126). Outro ponto que merece ser destacado, ainda com relação ao BPC, refere-se ao valor do benefício, correspondente a um salário-mínimo. Dispondo apenas desse valor como renda para se suprirem, muitos dos velhos beneficiários não conseguem satisfazer suas necessidades, haja vista que essa quantia não é suficiente. Dessa maneira, as famílias, quando possuem condições de oferecer suporte financeiro aos seus longevos, o fazem. Encontramos essa nuance no campo pesquisado. Uma de nossas interlocutoras, Natércia Campos, 81 anos, a qual recebe esse valor mensal, acentuou que ele não é suficiente para garantir suas necessidades e seus filhos é que a ajudam em termos financeiros, pagando seu plano de saúde, uma empregada para cuidar de sua casa, onde vive com o filho mais novo, além de financiar passeios e viagens, dentre outras coisas de que ela possa precisar. É válido destacar, contudo, que, em boa parte das famílias com velhos, eles é quem oferecem ajuda financeira às gerações mais recentes. É importante tocarmos nesse aspecto da renda dos velhos no Brasil, pois boa parte deles é responsável pelo domicílio de residência exclusivamente ou tem importante participação financeira dentro da instituição. De acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (2013), 59,1% dos velhos são aposentados, outros 9,5% são pensionistas e 7,8% congregam ambos os benefícios. 23,7% dos velhos não recebem aposentadoria ou pensão. Vale destacar o fato de que o valor dessa renda na maioria das vezes é de um salário mínimo. Podemos checar estas informações na tabela 4: 74 TABELA 4: DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DAS PESSOAS DE 60 ANOS OU MAIS D EIDADE, SEGUNDO OS ANOS DE ESTUDO, A PREVIDÊNCIA, O RENDIMENTO MENSAL DE TODAS AS FONTES E O RENDIMENTO MENSAL DOMICILIAR PER CAPITA – BRASIL – 2012. É válido ressaltar o fato de existir velhos que, usufruindo ou não dos benefícios apontados, em razão da necessidade de auxiliar as gerações mais recentes em suas dificuldades, e da precariedade dos recursos oriundos de tais benefícios, entendem ser necessário continuar exercendo atividades laborais dentro ou fora de casa para complementar a renda familiar: Para fazer frente a essas obrigações e responsabilidades continuadas, era justificável, aos olhos desses aposentados, que muitos continuassem trabalhando para complementar a renda, visto que os rendimentos auferidos com a aposentadoria eram insuficientes e ―indignos‖. Compreendia-se, pois, o trabalho na idade de aposentadoria ―por necessidade‖. (DEBERT e SIMÕES, 2006, p. 1370). Nesse sentido, os benefícios que deveriam garantir uma velhice fora do mundo do trabalho, mais digna, são insuficientes para garantirem a própria subsistência dos velhos, sobretudo quando esses são acometidos de doenças ou vivem em condições muito precárias e com dependentes financeiros, ficando muito distante de proporcionarem dignidade e um pouco de tranquilidade na velhice. Continuando nossa discussão sobre as lutas pelos direitos dos velhos e os avanços nas políticas públicas no Brasil, em 1994, foi regulamentada a Política Nacional do Idoso – 75 PNI (Lei 8842/94), a qual tem o objetivo primordial de assegurar os direitos da pessoa idosa mediante os princípios e diretrizes de atuação, por meio das políticas de saúde, lazer, cultura e habitação, dentre outras, além de criar o Conselho Nacional do Idoso: A PNI define a atuação do governo, indicando ações específicas das áreas envolvidas com a finalidade de criar condições para que sejam promovidas a autonomia, a integração e a participação dos idosos na sociedade, assim consideradas as pessoas com 60 anos de idade ou mais (PRADO, 2012, p. 87). Além disso, outro grande avanço trazido pela PNI se deu no tocante à ampliação da democracia participativa dos velhos, por preconizar sua participação social nos conselhos e fóruns, dentre outras organizações representativas, no que se refere a formulação, implementação e avaliação de políticas, planos, programas e projetos, fortificando a noção de protagonismo. Hoje os órgãos colegiados são importantes instrumentos de participação democrática dos velhos, pois eles podem, além de fiscalizar ações públicas, deliberar com relação às políticas voltadas para eles e lutar pela garantia, efetivação e ampliação de seus direitos. Ainda nos anos 1990, mais precisamente em 1999, foi regulamentada a Política Nacional de Saúde do Idoso, voltada para a promoção do envelhecimento saudável, a manutenção e melhoria ao máximo da capacidade funcional dos velhos, a prevenção de doenças, a recuperação e reabilitação da saúde, dentre outros aspectos. Passando para os anos 2000, em 2002, durante a Segunda Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, foi aprovado o II Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento, com a finalidade de garantir envelhecimento digno e seguro para todos, além de prezar pela participação dos velhos nas sociedades e de reconhecê-los como cidadãos de plenos direitos (SESC, 2009). Em 2003, foi promulgado o Estatuto do Idoso (Lei 10741/2003), legislação que representa um grande avanço na concepção de cidadania da pessoa velha no Brasil, porquanto estabelece legalmente a prioridade do velho e compromete-se com a efetivação de direitos fundamentais previstos nela, como direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à 76 cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e a convivência familiar e comunitária, conforme é previsto no art. 3º. Ademais, a legislação se mostra bastante inovadora porque passa a criminalizar ações de violência contra os velhos, sejam elas físicas ou psicológicas. Além dessas políticas direcionadas especificamente para esse segmento etário, a própria Política Nacional de Assistência Social (PNAS), de 2004, também presta atendimento ao velho, por meio das ações da Proteção Social Básica (PSB) e da Proteção Social Especial (PSE). Como a PSB tem caráter preventivo, seu foco são as famílias e pessoas em situação de vulnerabilidade social, oferecendo serviços sociais por via dos centros de referência em assistência social (CRASs). Tais serviços compreendem ações que [...] potencializam a família como unidade de referência, fortalecendo seus vínculos internos e externos de solidariedade, através do protagonismo de seus membros e da oferta de um conjunto de serviços locais que visam a convivência, a socialização e o acolhimento em famílias cujos vínculos familiar e comunitários não foram rompidos, bem como a promoção da integração ao mercado de trabalho (PNAS, 2004, p. 36). Um dos projetos desenvolvidos pela PSB, por intermédio dos CRASs, os quais estão voltados exclusivamente ao público velho, são os grupos de convivência, os quais visam a intervir nessa situação de vulnerabilidade, oferecendo momentos grupais de socialização, acolhida e atividades para os velhos, as quais a eles permitem ocupar o tempo livre, ensejam melhor qualidade de vida aos participantes, além de evitar o rompimento dos vínculos sociais e familiares, visto que os partícipes desses grupos têm menor tendência a se isolarem e se institucionalizarem. Quando esses vínculos familiares ou sociais estão rompidos, cabe à PSE intervir, oferecendo um atendimento assistencial em situação de risco pessoal ou social e de violação de direitos. Tais serviços são executados nos centros de referência especializados em assistência social (CREASs). Trazendo essa discussão sobre o avanço das políticas públicas de atendimento aos velhos no Ceará e, mais precisamente, em Fortaleza, constatamos que esse seu processo de espraiamento não foi diferente. Apenas depois dos anos 1980 o atendimento ao segmento 77 envelhecido e suas demandas foi ampliado e, aos poucos, passando também para a responsabilidade da esfera pública. Até então, as poucas iniciativas em curso estavam ligadas à caridade e à filantropia, no sentido do asilamento, e com um viés assistencialista. A primeira forma de atendimento aos velhos no Ceará, ainda que não prioritária, data da década de 1890, com a criação do Asilo de Mendicidade do Ceará, atual Lar Torres de Melo, devido ao fato de que, nesse mesmo ano, uma grande seca assolou a região Nordeste, agravando as expressões da questão social cearense: No ano de 1877 o Nordeste foi assolado por uma temporada de seca que durou três anos. Durante esse período várias doenças, como a varíola, se alastraram entre a população, acarretando milhares de mortes, pois faltavam saneamento e saúde pública na cidade e não existiam recursos suficientes para atender a demanda de doentes. Houve, ainda, o aumento do número de pobres e miseráveis que perambulavam pelas ruas, pois, devido à seca, vários setores da economia do estado foram afetados, gerando o gradual empobrecimento do povo cearense. Nesse cenário de precárias condições de vida, a população velha existente na época foi a mais afetada, pois sem condições de prover sua subsistência e já sem forças para resistir aos sofrimentos, acabavam abatidos a espera da morte. (MATOS, 2010). Além disso, aumentou o êxodo rural, pois a população sertaneja, sem condições de prover sua subsistência nas regiões interioranas, buscava na Capital cearense uma esperança de vida e trabalho. Dessa maneira, o contingente populacional de Fortaleza cresceu bastante, porém os serviços sociais não. Não era raro ver mendigos nas ruas, sem ter o que comer ou para onde ir (MATOS, 2010). Em contrapartida, a cidade de Fortaleza passava por um momento de modernização e embelezamento, aos moldes europeus, a chamada Belle Époque. Nesse sentido, via-se a necessidade de recolher os doentes, pobres, desvalidos, mendigos e velhos, por esses serem considerados como verdadeiras insalubridades urbanas (MATOS, 2010). Nesse sentido, era necessária uma instituição que pudesse acolher essas pessoas e lhes oferecer moradia, alimentação e vestuário. Nesse contexto, foi criado o Asilo de Mendicidade do Ceará, alguns anos após o fim da seca de 1887, o qual foi administrado inicialmente pela Igreja Católica e voltava-se para atender pessoas em situação de mendicância, de uma maneira geral (MATOS, 2010). Assim, é importante destacar o fato de que a referida instituição, no primeiro momento, não prestava atendimento exclusivo aos velhos, mas sim àqueles em situação de 78 mendicância na Capital, independentemente da idade. Assim, os velhos que não atendiam esse perfil continuavam sem nenhuma assistência e eram responsabilidade única e exclusiva de suas famílias. Essa realidade perdurou por muitos anos e, seguindo a tendência nacional, apenas durante os anos 1970, com a maior visibilidade da questão social da velhice e com a atenção do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, após 1976, a assistência aos velhos deixou de estar pautada principalmente na caridade, passando a ser responsabilidade também do Estado, havendo a necessidade de maior planejamento e de serem guiadas com base em pesquisas e estudos nessa área. Como já mencionado, em 1977, foi criada a Associação Cearense Pró-Idosos – ACEPI. Esta foi a primeira organização social no Brasil a lutar pela garantia, efetivação e ampliação dos direitos dos velhos, indicando o pioneirismo cearense nesse sentido. Durante os anos 1980, os serviços da Legião Brasileira de Assistência – LBA chegaram ao Ceará. Seguindo a tendência nacional, o trabalho prestado pela referida instituição acontecia em duas linhas principais: o projeto asilar e o grupo de convivência (MATOS, 2010). A instituição chegou a ter um equipamento social específico no Ceará, a Casa Idoso, a qual tinha a capacidade de atender 250 velhos, em oito horas diárias, contando com infraestrutura e equipe multidisciplinar adequada. Segundo Matos (2010, p. 142), a “Casa do Idoso” tornou-se referência no Nordeste e foi considerada um trabalho inovador, sendo avaliada positivamente. Com o êxito desse trabalho e a maior publicidade da questão social da velhice na Capital cearense, em 1983, o SESC Fortaleza começou a desenvolver ações de grupo de convivência, voltado para os velhos, por meio do Trabalho Social com Idosos. O referido programa já existia em São Paulo desde 1963 e, nos anos subsequentes, foi se espraiando por outros estados brasileiros. Discorreremos mais detalhadamente a esse respeito nos tópicos posteriores. Segundo Matos (2010), os anos 1990 foram marcados pela aprovação da LOAS e pela extinção da LBA. Assim, as ações de assistência social no Estado do Ceará, onde está alocada a atenção aos velhos, passaram para o âmbito municipal, estando ligadas à Secretaria 79 do Trabalho e Ação Social – SETAS, atual Secretaria Municipal de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome - SETRA, a qual foi reestruturada em 1999 e passou a ser o órgão coordenador e executor das políticas de trabalho e de assistência social no Ceará. Tais serviços de assistência social, incluindo a assistência aos velhos, são executados em Fortaleza desde os anos 2000, por intermédio dos CRAS, com grupos de convivência, e dos CREAS. Atualmente, existem 26 CRAS distribuídos nas seis secretarias executivas regionais (SERs) e 6 CREAS, um em cada SER em Fortaleza9. Dessa maneira, percebemos que há uma aparente complementaridade entre o público e o privado no atendimento às necessidades dos velhos, tanto em âmbito nacional, como estadual e municipal. Podemos acentuar que as políticas públicas e sociais existem na atualidade, avançaram desde seu surgimento, e são executadas por instituições públicas, mas também por grupos privados, organizações não governamentais – ONGs e empresas do terceiro setor, acompanhando a tendência neoliberal10. Como, porém, os velhos percebem essas políticas? Será que eles as conhecem? Sabem como funcionam? Sabem em que medida estão os atendendo? Como eles as avaliam? Seguem as análises dos entrevistados a seguir: Olha, já existe lei para os idosos. Só que assim, a bandeira do Brasil tem ‗ordem e progresso‘. É, tem uma coisa e a outra não tem. Tem progresso, mas não tem ordem. [...] Existe, mas não é cumprida. (ARIANO SUASSUNA, 75 anos) Eu conheço superficialmente a questão do Estatuto do Idoso. Eu conheço superficialmente, nunca me aprofundei nisso não. Mas houve melhoria, houve uma melhoria legal de 30, 40 anos pra cá! Houve! O que eu conheço é o Estatuto do Idoso parcialmente [...] eu conheço algumas regras dele! (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). 9 Disponível em: < http://www.fortaleza.ce.gov.br/servicos/cidadao/assistencia-social-semas > Acesso em: 10 de out. 2014. 10 Nesta tendência o Estado torna-se mínimo e passa a investir menos em políticas públicas, transferindo essa responsabilidade para a sociedade civil e tornando-as mais seletivas, fragilizadas e focalizadas, de modo que os direitos sociais e garantias já incorporados aos cidadãos são frequentemente desmontados e privatizados. Para melhor compreender essa discussão, vide Iamamoto (2011). 80 Conheço muitas leis, as leis que a gente lê, mas muitas leis que não entram em vigor, né? A lei que eu conheço assim e que disfruto dela, é a lei do idoso no transporte, né? Do transporte gratuito. Achei muito boa essa lei que dá ao idoso oportunidade de frequentar artes [...] Então eu acho que nós temos uma abertura, mas que as leis ainda são muito restritas. (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). Eu conheço duas assim... de leitura, através de jornal, né? De informação. Mas assim gravada a lei eu não sei. Que é a lei, por exemplo, essa lei dos transportes públicos e agora essa outra que vai se transformar com relação ao cuidador de idoso. (NENZINHA GALENO, 65 anos) A única lei que eu conheço no Brasil... eu acho que o pass card é uma lei, né? Que foi muito bom, um benefício muito grande, porque existem os idosos que não têm condição de tá pagando ônibus, até pra sair pra um divertimento, uma coisa, não pode. Então essa lei foi boa. Tem a cartilha dos direitos dos idosos (referindo-se ao Estatuto do Idoso), tem muita coisa, mas funciona?! (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Lei, de saber decorada a lei, não. Mas eu sei que tem a lei das filas, por exemplo, que eu com a idade que tenho, não posso pegar fila, tem um atendimento especial, diferenciado. E algumas coisas... aonde a gente chega, o velho tem que ter prioridade no atendimento. É uma das coisas mais marcantes. (PATATIVA DO ASSARÉ, 78 anos). O Estatuto do Idoso. Que a gente lê, a gente vê, né? Agora muitas não são cumpridas. É você andar de ônibus. O pessoal tá... agora ultimamente, como falaram muito, quando a gente entra no ônibus eles já tão mais preocupados: ‗Ei, sente aqui.‘ Mas não sei se vai passar, se vão esquecer. (risos) (CORA CORALINA, 73 anos). O Estatuto do Idoso. [...] E eu acho que isso veio dar um direcionamento melhor, certo? Tanto em relação com a família, porque o idoso é muito abandonado, você sabe disso. Eu acho principalmente isso. [...] (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos). Eu tenho lá em casa o Estatuto do Idoso, que quando eu leio eu penso: que bom! Quem escreveu realmente pensou em tudo para o idoso. Só que é cumprido em partes! Eles tem uma certa assistência. Vejo o SESC dando essa assistência muito grande ao idoso. [...] Não conheço outras instituições, mas sei de notícias de pessoas maltratadas em outros locais, tanto pelas famílias como pelas instituições. (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Apenas uma entrevistada afirmou não conhecer: Têm muitas aí, na saúde, eles falam. Mas eu não sei não, porque eu não procuro, né? (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). 81 Quando perguntados sobre a oferta de serviços para os velhos no Brasil, responderam que: Ah, ainda falta, ainda falta. (ARIANO SUASSUNA, 75 anos) Tá melhorando! Tá regular! Mas a tendência é que vá melhorando. Fala-se muito aí da situação europeia, do primeiro mundo, mas nosso país é muito bom, é o país das oportunidades [...]. (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos) O governo só funciona no discurso próximo às eleições. Aí funciona que é uma beleza. Tem hospital pra todo mundo, quando a realidade é outra. Até pra quem tem plano de saúde tá ficando difícil. Então o que eu vejo de lei atuando pra idoso... muitos oferecimentos, mas vá atrás! [...] Então, o que é criado, o que é explicado e divulgado... sinceramente pode ser que tenha essa atuação, mas eu ainda não experimentei dela. (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Acho válido, só que não tá suficiente. Porque nem para os jovens não tem, imagina pros velhos. Não tem condições... (HILDA HILST, 70 anos). Partindo daí, podemos afirmar que a maioria dos entrevistados tem consciência de que existem políticas públicas voltadas ao atendimento à população envelhecida no Brasil, embora não as conheça com profundidade. Além disso, as que eles mais conhecem, são as que utilizam cotidianamente. Há, no entanto, unanimidade em dizer que a realidade ainda está muito aquém de suas necessidades, bem como das de outros velhos, revelando que essa distância entre aquilo que as legislações oficiais trazem e o que acontece de fato na prática é sentida pelos velhos. Com relação ao tratamento dado aos velhos no Brasil, nossos entrevistados responderam que reconhecem alguns avanços já conquistados, mas apontam que ainda há muito a ser melhorado no campo do respeito e dos direitos dos longevos brasileiros: É aquela história, falta mais empreendimentos. Aliás não é só com idosos. (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). Ainda existe um localzinho até onde eu pude usufruir, que foi dentro dos coletivos, que a gente percebe, principalmente pela maioria dos jovens. Eles sentam nos bancos que eram preferenciais, porque hoje todos os bancos são preferenciais, mas quando eram determinados aqueles bancos, eles sentavam e fingiam que estavam dormindo que era pra não ceder o lugar. Mas eu, consciente, graças a essa lei do transporte, eu simplesmente fazia valer o meu direito: batia no ombro com delicadeza e, ‗por favor, eu quero me sentar.‘ (NENZINHA GALENO, 65 anos). 82 O olhar para o idoso melhorou, mas ainda é muito pouco. É muito pouco. Não se respeita aquilo que o idoso tem por direito adquirido não só pelo seu tempo de vida, como pelo serviço. (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Eu acho que ainda há muita discriminação. Eu acho que se a pessoa não assume sua postura, ainda é muito discriminada. [...] Eu graças a Deus nunca passei por nenhum tipo de situação, nunca passei. Se eu dissesse que houve algum tipo de discriminação comigo, eu estaria sendo injusta. Mas percebo que ainda há! (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). É, não tá muito bom não. Por mais que você escute falar que tem um bom tratamento, você não encontra, né? Num hospital, nesses outros locais assim... Tem médicos que tratam bem também, mas tem outros que não dão jeito. (CORA CORALINA, 73 anos). Ainda deixa muito a desejar! Em filas... pelo menos tem um mercantil lá perto da minha casa que não obedece isso. E eu até nem gosto mais de andar lá. Porque pode ter uma porção de jovens na fila do açougue a gente chega, se pedir primeiro, eles dizem ‗tem esses na frente‘. Eu nem digo nada. Nem reivindico nada, mas eu não gosto de andar lá. Já na padaria não. Na hora que eu chego, já me atendem. Então a gente vai vendo que têm pessoas seguindo as leis e outras não. Mas não adianta a gente brigar por isso porque é problema de educação. (HILDA HILST, 70 anos). Quando a gente vai pra festa, que eu vou com as minhas filhas e minhas sobrinhas, eu ando muito em festas. As amigas delas adoram sair comigo. Aí um dia eu cheguei no Kukukaya11 e na hora que eu fui entrando um disse assim: ‗É a nova! Olha a nova!‘ Bem assim comigo. Aí eu fui perto dele e disse assim: ‗Talvez, meu filho, a sua mãe esteja no fundo de uma rede, com reumatismo, toda encriquilhada. E você tá dizendo é a nova! Graças a Deus eu tou aqui com saúde! Agora pra você pagar o que você disse, bora dançar aqui comigo!‘ Aí puxei ele e fui dançar! Os amigos dele começaram a rir, disseram: ‗Menino, a coroa aí se garante!‘ Aí quando foi mais tarde ele: ‗Menino, a coroa dança bem!‘ Aí eu disse: ‗Pois você dança péssimo, com licença!‘ (risos) Aí minha tacada foi essa! Por exemplo assim no ônibus, eu chego aí o menino faz de conta que tá dormindo, aí eu bato assim bem levemente no ombro e digo assim: ‗Meu filho, você tem vó?‘ Aí ele diz assim: ‗Tenho! Eu tenho vó!‘ Aí digo ‗Pois se levante que ela acabou de chegar!‘ Aí ele me dá o lugar. (risos) Eu não deixo ninguém me discriminar! Se vem me discriminar eu mostro que ele tem vó! Eu levo o caso pra ele! Não ofender os idosos! Porque, olha, a maioria das pessoas não respeita os idosos! O problema tá em educação! (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos). Eles só falam aí que vão dar muitas chances aos idosos, e tudo, mas ainda tá muito devagar isso aí, viu? (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). Existe algumas restrições, e eu conheço poucas, porque tenho passado por poucas, poucas restrições. Mas sei que os idosos são muito deixado à margem diante de uma 11 Casa de show situada em Fortaleza – CE. 83 sociedade dessas. De jovens, não! A sociedade do Brasil é de velhos! (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Ao analisar essas falas, percebemos que apesar das garantias legais e de todos os avanços no campo das políticas públicas nas últimas décadas, ainda há uma certa distância entre aquilo que é instituído por essas e na forma como chegam para seus demandatários, pois eles são os primeiros a dizer que sentem cotidianamente a necessidade que aquilo que está posto seja efetivado na prática. Quando perguntados sobre como percebem a si próprios na atualidade, se se sentem integrados à sociedade, se sentem certo isolamento, o que ainda precisa mudar para que a sociedade esteja pronta para receber o idoso, o que deve permanecer como está, a maioria dos entrevistados relatou que percebem mudanças nas formas de viver e de serem tratados pelas demais gerações. Exprimiram, porém, que não se sentem isolados ou vítimas de preconceito. É o que podemos constatar nos relatos reproduzidos: Quando eu tinha 40 anos eu era mais inserido nas coisas, porque eu tinha a obrigação de ser. Mas hoje eu ainda sou. [...] Preconceito?! Talvez tenha... Mas eu gosto de me relacionar com as pessoas, com as pessoas jovens, inclusive. [...]. (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). Não, hoje eu sinto assim, por exemplo, como eu tenho a minha limitação de caminhar, porque hoje eu já tenho duas próteses, então, quando eu ando na rua com o apoio, no dia em que eu estou mais afetada, que eu estou sentindo mais dores, aí eu tenho que usar o apoio. Então, assim, hoje o tratamento é maravilhoso. Em qualquer canto, até mesmo quando eu vou atravessar os carros param, não precisa eu estar na faixa não. Basta o motorista perceber que eu vou atravessar, o motorista para e dá sinal pra que eu atravesse, entendeu?. É... em filas de banco, em todos os locais. Então é muito bonito de se ver já, aos poucos, essa consciência se alargando. (NENZINHA GALENO, 65 anos). Eu depois de 60 anos eu comecei mais a assumir a pessoa que eu sou, mais assim transparente, mais conhecedora de mim mesma, saber que eu sou capaz enquanto eu tiver lucidez, eu sou capaz de muita coisa. (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Não, não, ao contrário. Eu sou muito bem aceita nos meios onde eu frequento. Graças a Deus eu não chego nem a pensar que eu sou velha! Não há nada que me faça pensar, ‗ah eu não posso‘. Agora eu sou muito criteriosa! Eu tenho o meu limite! Eu gosto de... por exemplo, vestir, eu gostava muito de roupa de alça, mas hoje eu não vou vestir uma roupinha de alça senão eu passo por ridícula! Também adorava roupa curtinha, hoje não. Mas eu procuro me vestir condizente com a minha idade. Que eu não seja ridícula. Porque também você não pode nem exagerar, nem ser omissa. (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). 84 Em nenhum momento eu me sinto isolada! Eu estou integrada totalmente. É no grupo do SESC, é no grupo do CEFET12, é com minha família, meus sobrinhos, eu tenho um relacionamento muito bom. Com amigos. Tenho amigos de longas datas, estamos reencontrando amigos... ex alunas de um grupo de irmãs [...] onde estudei, que a gente se encontra sempre. A gente se encontra duas vezes por ano. E agora com o whatsapp a gente se encontra todos os dias! (HILDA HILST, 70 anos) Ah, não, não. Nunca! Nunca me senti isolada não! (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). Às vezes uma coisa que eu me sinto excluída é porque, eu dirijo, mas devido eu ter sido assaltada quatro vezes, eu tou dirigindo muito pouco. Eu prefiro pegar uma topic, um ônibus, que eu pensei que não me acostumasse mais, mas me acostumei. Às vezes o ônibus quando vê que você é um idoso, aí não param. Então essa é uma discriminação que eu já vi. Têm deles não, que param com a maior satisfação. Depois disso eu não sinto. Tem a fila dos bancos onde você tem prioridade, geralmente eu sou muito respeitada. Alguns estudantes me dão assento, outros não. Mas se sabe que existe muita recriminação com o idoso. (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Apesar de não se acharem discriminados ou vítimas de preconceitos, os velhos partícipes dessa pesquisa reconheceram que há múltiplas manifestações desse tipo, cotidianamente; ou seja, mesmo não acontecendo com eles, eles têm consciência de que ocorre frequentemente com os outros velhos. Em uma discussão observada em campo, eles chegaram a apontar que, quando os velhos estão sozinhos ou acompanhados por alguém mais jovem do que eles, há diferença no tratamento ou atendimento dado a eles: quando sós, há quem faça de conta que não os vê, não atendendo suas demandas naquele local. Quando estão acompanhados, as pessoas geralmente tendem a tratar mais respeitosamente (DIÁRIO DE CAMPO, Fortaleza, 01/09/14). Nesse sentido, podemos assinalar, baseada nos discursos dos velhos entrevistados, que as políticas públicas e as formas de tratar o velho no Brasil, apesar de terem avançado nos últimos anos, ainda se demonstram aquém das necessidades do seu público-alvo. Dessa maneira, é imprescindível que os velhos possam conhecer melhor seus direitos para lutar pela sua efetivação. Alguns partícipes da pesquisa estão atentos para isso, expressando a necessidade de reconhecer seus direitos, de se impor e defendê-los: 12 Atual IFCE, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, onde acontecem atividades voltadas para o segmento velho. 85 É, tem o Estatuto do Idoso, que se ele souber se valorizar, é válido, mas se ele for esperar consciência de quem não tem, essa política não funciona. [..,] Eu dificilmente entro num ônibus, mas no dia que coincide eu andar, eu faço questão de se tiver um jovem sentado, eu : ‗Olha, esse lugar é meu, você faz favor de me dar?‘ Olha pra mim com cara feia e eu me sento. E eu digo pras senhorinhas idosas, olha, entrar num ônibus, não vá esperar que ninguém... você é quem tem que reivindicar! Chegar numa fila, não vá ficar humilhada não! Vá pra frente! Fique na frente! Tome seu lugar! Assuma sua postura! Então se a pessoa souber... mas, coitadas, têm umas que não tem essa força. E as pessoas não veem isso não! Principalmente aqui no Ceará! Se você vai no Sul, por exemplo, em São Paulo há muito respeito com o idoso! Mas aqui no Ceará?! É horrível! Eles querem é chutar, fazem é chatear, ainda é motivo de deboche! Velhice ainda é motivo de deboche! Então a gente é quem tem que valorizar! (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). Às vezes eu vejo (discriminação e preconceito), sabe por quê? A própria pessoa se coloca... cara, não pode se excluir! Porque as pessoas não excluem você, é você quem se exclui, você quem se afasta. E quando você se afasta os outros automaticamente tomam aquela mesma linhagem. [...] É bom que você não se exclua, que você teja sempre presente, que você tenha uma certa altivez nas coisa, uma certa firmeza. Mas eu vejo muitas pessoas serem excluídas pela própria família! (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). Se você não se impor, você passa pelo anonimato. Então eu procuro sempre me impor. Uma coisa que também, agora eu resolvi assumir meus cabelos brancos. E isso é como se fosse uma placa, assim: idoso. (risos) Aí as pessoas muitas vezes não te escutam. Olham pros sues cabelos brancos e ah, ‗essa daí não sabe de nada não, essa daí não tem vez não, essa daí vai atrapalhar.‘ Mas no entanto, é mais um esforço que eu faço. Minha filha diz: ‗Mãe, pinte esse cabelo! Tem que pintar!‘ Eu digo, ‗Não, eu quero meu cabelo branco!‘ Talvez um dia até eu pinte, se pintar uma vontade. Mas eu faço valer minhas vontades na sociedade, desde uma vez que não vá afetar outras pessoas. Meu cabeço branco eu acho que não afeta ninguém. Minha fala em querer saber, em querer interrogar, também, eu acho que não afeta ninguém. Desde que seja nesse patamar, eu procuro me impor, não só na sociedade, como na família. (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). É, ainda existe muito preconceito! Ainda existe muito! se a pessoa não se impuser, se a pessoa não batalhar contra isso, então vão chutando, vão chutando, é assim. Uma vez, nesse curso de línguas do SESC, com jovens [...] Aí eu fui inserido num grupo, e o mais idoso da turma era eu, ou melhor, até o único. Eu era da turma do francês e tal. E tinha uns garotinhos, e tal, e, geralmente as opiniões que eu dava, pelo menos as duas primeiras opiniões que eu dei, bem abalisadas, eles não aceitaram, desconversaram, só queriam fazer valer as deles. Aí eu tive que falar: ‗Oh, rapaz, eu tou aqui, não tou de gaitato não! Eu tou dando essa opinião porque eu sou formado nessa área, eu tenho letras, sou formado em francês e sei... tenho um bom conhecimento de francês e vocês estão começando agora, são crianças.‘ Aí é isso. (PATATIVA DO ASSARÉ, 78 anos). Portanto, percebemos que é cada vez mais importante que os direitos dos velhos e as políticas públicas de atendimento a eles sejam cada vez mais divulgados, para que esses atores sociais possam conhecê-las mais e melhor e lutar pela sua garantia, efetividade e ampliação, mediante a participação democrática, do controle social. 86 Sentimos que cresce cada vez mais a consciência de que a luta por esses direitos, seja em espaços públicos ou privados, deve partir deles próprios, a fim de que não sejam esquecidos e possam ser efetivados. Alarga-se a concepção de que eles próprios são protagonistas de suas ações e devem lutar por seus direitos, tendo controle social dessas. 3.2 Grupos de convivência no contexto brasileiro. Como já apontamos, o crescimento da população envelhecida no Brasil passou a demandar uma série de ações, serviços e programas, bem como a constituição de políticas públicas voltadas para esse segmento etário, de modo a privilegiar suas necessidades específicas. Os grupos de convivência surgiram, neste contexto, como alternativa à institucionalização. Inicialmente, tais grupos começaram a existir em países desenvolvidos, como a França, Espanha e os Estados Unidos, até porque o envelhecimento da sua população processou-se antes do que nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil (CABRAL, 2002). Nesse sentido, ao aposentarem-se, os velhos tinham redução de suas atividades e, em contrapartida, a ampliação do seu tempo livre. Assim, segundo Salgado (2007), tendiam a ter mais tempo ocioso e ficar com a autoestima baixa. Partindo daí, os grupos de convivência propunham formas de lidar com essas questões. Com o êxito dessa experiência nos referidos países, somado ao processo de envelhecimento populacional aqui vigente e, em consequência, à necessidade de enfrentamento dessa expressão da questão social, essa proposta foi trazida para cá, inicialmente em 1963, pelo SESC Carmo, em São Paulo, e pela LBA (SALGADO, 2007). Apesar do surgimento de tais grupos aqui no Brasil remontar aos anos 1960 e 1970, foi, sobretudo, nos anos 1980 que estes tiveram maior espraiamento por todo o Território Nacional, tanto pela experiência exitosa dos primeiros, como pela crescente necessidade de oferecer atendimento aos velhos brasileiros (CABRAL, 2002). Inclusive o grupo pesquisado por nós, do TSI/SESC Fortaleza, surgiu em 1983, reafirmando isso. 87 Foi também durante a década de 1980 que outra modalidade de atendimento à velhice surgiu, por meio das universidades para a terceira idade. Nesse período essas começaram a existir e a se expandire pelo Brasil, sobretudo nas regiões Sul e Suldeste, oferecendo a possibilidade da educação permanente e do exercício da sociabilidade para seus alunos, de acordo com Cachioni (1999). Com a constante expansão dos grupos de convivência, depois dos anos 1980, esses aumentaram em número e, na atualidade, podem ser encontrados tanto na esfera pública, como os dos CRAS, como na esfera privada, ofertados por ONGs e empresas do Terceiro Setor, dentre outras. A maioria segue, entretanto, uma proposta similar: são pautados na idade cronológica, mobilizam principalmente o público feminino, inclusive pudemos confirmar esta afirmação no grupo pesquisado, além de proporem alternativa à institucionalização, bem como de ocupação do tempo livre dos velhos, e de oferecer-lhes um espaço de sociabilidade e convívio, dentre outros aspectos. Apesar da diversidade e número de tais grupos, esses, para desenvolverem suas ações, se inspiram nas propostas do Plano de Ação Mundial sobre o Envelhecimento, o qual oferece recomendações para a adoção de medidas em diversos níveis de atenção aos velhos (DEBERT, 2004). Além desse marco legal, temos a Política Nacional do Idoso, que, apesar de não normatizá-los, os legitima, ainda que de maneira indireta, pelo fato de essa priorizar a convivência e participação social dos velhos em detrimento da institucionalização, convergindo com a proposta dos referidos grupos. É em seu artigo 4º que a PNI propõe a viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio dos velhos, que proporcionem sua integração às demais gerações. Esta diretriz condiz com a proposta dos grupos de convivência, sendo neles materializada. Além disso, uma das bandeiras defendidas pela PNI é a prevenção da institucionalização. Dessa maneira, segundo Paz (2013), os grupos de convivência, aliados a outras modalidades de atendimento aos velhos, como os centros de cuidados diurnos, a casa lar e o atendimento domiciliar são importantes instrumentos, os quais deveriam funcionar articulados e de maneira intersetorial e interdisciplinar com as demais políticas públicas, de modo a evitar a institucionalização e oferecer maior dignidade aos velhos: 88 As modalidades alternativas do ―cuidar social‖ propostas na PNI, pensadas na perspectiva da ―intersetorialidade‖, ―interdisciplinaridade‖ e ―intergeracionalidade‖, pressupõem estratégias de ―mão dupla‖ (centro de convivência versus centro-dia versus casa-lar, entre outras), realizadas por diferentes setores articulados (educação, cultura, esporte, assistência social, lazer, cidade, saúde, transporte, renda), e a necessária participação sociopolítica de ―cidadania emancipatória‖. (PAZ, 2013, p. 30). Tais modalidades de atendimento, entretanto, apesar de estarem previstas em lei, mais precisamente na PNI, no capítulo IV, artigo 10, essas não existem, não se concretizam na prática, aqui na cidade de Fortaleza, o que revela a discrepância entre aquilo que está instituído legalmente e a realidade dos serviços de atendimento aos velhos. Entre essas modalidades de atendimento a mais popular e que funciona na atualidade, como já mencionamos, são os grupos de convivência, definidos como Local destinado à permanência diurna do idoso, onde são desenvolvidas atividades físicas, laborativas, recreativas, culturais, associativas e de educação para a cidadania; também atuam na preservação da memória, dos laços, vínculos e das relações interpessoais. (PAZ, 3013, p. 29). No entendimento de Cabral (2002, p. 120), tais grupos são grandes agrupamentos que se apropriam da tradição mais antiga do hábito de compartilhar, de conviver, de relacionar-se com o semelhante e de produzir os grupos de convivência como parte de políticas sociais. Além dessa questão da sociabilidade, um dos objetivos primordiais dos referidos grupos, há outros fundamentais e que balizam suas ações, como a ocupação do tempo livre, a prevenção do isolamento social e da institucionalização, o fortalecimento da autonomia dos velhos, influenciando diretamente na ressignificação das concepções de velhice dos próprios velhos e das demais gerações. No grupo pesquisado, percebemos que seus objetivos são condizentes com os apontados há pouco, refletindo certa uniformidade na proposta deles, de uma maneira geral. Além disso, notamos que o grupo em estudo cumpre seus objetivos e incita modificações na vida da maioria dos velhos partícipes. Podemos dizer isso partindo das observações realizadas em campo, onde pudemos percebemos que os partícipes da pesquisa são bastante ativos, autônomos e protagonistas de suas vidas. Isso decorre, em parte, da participação no TSI ou 89 em outras instituições com o mesmo objetivo. Além disso, podemos comprovar essa afirmação nos discursos deles sobre as mudanças que ocorreram em suas vidas após o ingresso no grupo de convivência: Houve! Houve uma mudança até pra melhor! Houve uma diferença de comportamento! Porque eu quando trabalhava era diferente. Eu viajava muito [...] aqui é mais a relação com as pessoas, e tal... Antes era uma coisa mais largada, e tal. Agora fico mais num local só, aqui você fica mais ligado a um determinado grupo. (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). Bom, claro que isso ajuda a manter, digamos assim, essa alegria, né? Objetivo de vida, e tudo. Que em mim isso é natural. Então eu me tornei uma pessoa extrovertida. Mas, antes mesmo do TSI eu já era, até mesmo pelo fato de eu ser professora. E o magistério é belíssimo e ele ajuda muito. Não tem como você não crescer dentro do magistério, não tem! Então, quer dizer, aqui o TSI tá sendo a continuidade dessa minha alegria, dessa minha vontade de viver! (NENZINHA GALENO, 65 anos). Eu passei a ter vida novamente. Porque aqui eu encontrei tudo que eu gosto. Até uma forma de trabalho remunerado eu encontrei. (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Assim, acredito que sim porque eu vim pra cá pra essa literatura e troco ideias, faço meus poemas, leio e tal, sabe? Estudo francês. E acredito que melhorou! Porque se não fosse isso eu estaria naturalmente voltado pra outras coisas, né? Ou então estaria em casa, fazendo o quê Quase nada, né? Escrevendo meus poemas... (PATATIVA DO ASSARÉ, 78 anos). Mudou muito! Porque, assim, a gente conhece mais pessoas, se integra, conversa e vai tendo aquele entendimento... (CORA CORALINA, 73 anos). Muitas, muitas! Uma mudança enorme! Porque quando a gente passa o dia em casa a gente passa a se sentir assim, mais isolada. Como eu venho aqui no SESC quase toda manhã, eu não tenho nem tempo de pensar, porque quando eu chego em casa, eu tenho que cuidar da casa, tenho minhas coisas pra fazer. Ainda tem fim de semana que eu recebo meus neto, que passa o fim de semana comigo. Então pronto, minha vida agora é uma festa! (risos) (HILDA HILST, 70 anos). Complementou! Complementou totalmente minha vida! Facilitou muito pra mim, muito mesmo! Me sinto muito feliz! (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos). Melhorou muito... melhorou muito! Porque a gente encontra tanto amigo. (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). Olha, eu tive um rendimento muito grande! [...] (ARIANO SUASSUNA, 75 anos). 90 Apenas duas entrevistadas relataram não ter sentido nenhuma mudança após o ingresso no grupo. Cabe destacar que estas duas são bastante ativas e não sentiram o peso de afastarem-se do trabalho porque permaneceram envolvidas com outras atividades: Eu acho que não é assim, porque como eu tinha uma vida muito ativa quando eu trabalhava, e só passei um mês de férias e não aguentei e entrei logo na literatura, então eu não senti tanto o peso de ficar em casa sem fazer nada. E não é só porque eu sou solteira não. As colegas que estão aqui são casadas, são viúvas, são separadas. A maioria os filhos já casaram, e se sentem solteiras hoje. E estão aqui muito felizes! Então eu acho que não modificou porque eu já estava na literatura. (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Não, eu já tava com a minha personalidade mudada. Eu já sabia o que eu queria. Se eu não tivesse no TSI eu estaria em outra atividade física. Claro que ajudou, mas não modificou nada. (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). Uma dessas duas, mesmo não tendo sentido repercussões em sua vida, aponta a importância desse tipo de serviço na vida dos velhos: Esses programas sociais, eu acho que foi uma coisa muito boa! Eu acho assim que foi uma vitalidade na vida do idoso! Esses programas, academia na comunidade, bombeiros na comunidade, eu acho isso uma dádiva! Inclusive quando eu posso eu participo. Eu falo, olha, não vamos... porque tem pessoas na minha comunidade [...] pertinho onde eu moro, dia de quarta feira eu vou. Sou muito querida lá. E eu faço questão de vez em quando incentivar, de dizer, ‗Olha gente, não vamos perder, vamos valorizar...‘ Porque têm pessoas que a única forma de lazer que tem é aquela. Então, eu ajudo muito nesse sentido. Graças a Deus eu sou muito querida lá, todo mundo me abraça, as velhinhas me beijam, sabe? Eu tenho um bom relacionamento com todas elas. (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). Partindo dessas narrativas, podemos acentuar que, apesar de nem todos os velhos partícipes da pesquisa terem notado grandes mudanças em suas vidas após o ingresso no grupo de convivência, maioria apontou que sim, que sentiu importantes modificações no tocante ao cotidiano, à saúde, à qualidade de vida e relações sociais, os ensejando eles maior integração social. Dessa maneira, constatamos que o grupo pesquisado, na medida em que ajuda a romper com o imaginário preconceituoso e estereotipado do velho como alguém improdutivo e inútil, contribui com a constituição de uma nova imagem para a velhice, como uma fase plena em realizações pessoais, em satisfação e felicidade. Assim, corroboramos Debert (2004, p. 143-144) quando ela assinala que 91 Tanto os programas como associações estão envolvidos numa luta contra os preconceitos e estereótipos através dos quais se supõe que a velhice seja tratada no contexto brasileiro. [...] Nos programas para a terceira idade, a luta contra os preconceitos e estereótipos leva à celebração do envelhecimento como um momento em que a realização pessoal, a satisfação e o prazer encontram seu auge e são vividos de maneira mais madura e profícua. Viegas e Gomes (2007) também fazem essa discussão ao trabalharem o envelhecimento ativo como um ideário, constantemente difundido e perseguido na contemporaneidade, como forma de vivenciar a velhice de forma feliz e plena. Para as autoras, o culto à juventude eterna, o qual dispõe de vários meios para existir, tais como dietas, práticas de exercícios físicos, uso de cosméticos, procedimentos estéticos e cirurgias plásticas, dentre outros, juntamente com a existência de técnicas e receituários, é constantemente sugerido aos velhos e incorporado por eles, na busca pelo envelhecimento ativo. Ainda sobre o receituário, sobretudo no tocante à saúde, Alcântara (2010) aborda as amplas recomendações difundidas por profissionais da área, pautadas em dietas que indicam a redução de sal, açúcares e gorduras, e a incorporação de mais frutas, verduras e legumes aos hábitos alimentares, visando a chegar à utopia da saúde perfeita. Muitas vezes, no entanto, esses profissionais desconsideram as condições sociais, culturais e econômicas da população a qual atendem, dentre outros fatores, não compreendendo a dificuldade que é abdicar de tais alimentos, haja vista a cultura que está imbuída no hábito de comer. Nesse mesmo sentido, Haddad (1986) e Paz (2013) conversam entre si, ao abordarem os grupos de convivência como parte do receituário do bom envelhecer, amplamente difundido pelos estudiosos da velhice, o qual oferece dicas para se chegar à velhice e vivenciá-la de uma maneira satisfatória e feliz. Além de participar dos referidos agrupamentos, recomenda-se aos velhos que eles tenham alimentação saudável, acompanhamento médico, que pratiquem atividades físicas, usem cosméticos, recorram a procedimentos estéticos, que usem medicamentos e suplementos, dentre outros. Paz (2013, p. 31) ressalta que [...] os saberes produzidos e difundidos pelos ―ideólogos‖ ou ―gurus‖ recomendam receituários do bom envelhecer e da boa velhice voltados para os que podem consumir e promover a ―terceira idade‖ – rejuvenescida –, saudável e ativa. E 92 acabam por desviar algumas políticas para atendimento do mercado, e políticas assistenciais para idosos pobres. Muda-se, assim, a leitura de como se vê o idoso e a política [...] Esse tipo de ação, a qual foca na noção de Terceira Idade, destina suas ações para os velhos mais ativos, com as condições físicas, emocionais, financeiras e culturais, dentre outras, que lhes permitiram chegar a essa fase da vida e vivenciá-la de maneira profícua, deixando de lado, em contrapartida, aqueles em situação de fragilidade, os quais estão vivenciando a velhice com maiores limitações e dificuldades. Esses são, muitas vezes, até culpabilizados e responsabilizados por não estarem inseridos nessa lógica: Observa-se um número de espaços de convivência cada vez mais organizados com essas características, nos quais se desenvolve uma programação variada que se multiplica em uma espécie de ―cuidar‖ balizado por uma ideologia e cultura ilusionista de mercado para o consumo da jovialidade na velhice. Faz lembrar e questionar sobre a culpabilização e/ou criminalização dos indivíduos pobres, inclusive os idosos, quanto a sua própria responsabilidade por saúde, renda, manutenção, sobrevivência ou envelhecimento saudável. (PAZ, 2013, p.31). Esse tipo de abordagem, denominado por Debert (2004) como a Reprivatização da Velhice, considera essa fase como responsabilidade individual, inculpado o próprio velho pela forma como ele chega e vivencia seu envelhecimento, além de minimizar o papel do Estado no tocante à oferta de condições dignas durante todo o curso de vida de um ser humano, bem como nos serviços de amparo à população envelhecida, desconsidera o fato de que o envelhecimento é também socialmente construído e que há uma série de fatores, como os físicos, econômicos, culturais, emocionais, demográficos e espaciais, dentre outros, que influenciam diretamente a forma como os sujeitos chegam a essa fase da vida, como o modo como irão vivenciá-la. Na perspectiva de Haddad (1986) e Paz (2013), esse tipo de visão, a qual cria e se esforça para manter um mercado de consumo para os velhos e supervaloriza a noção de terceira idade, em detrimento de outros velhos que não estão neste perfil, e que influencia diretamente as políticas públicas de atendimento aos velhos, é uma das estratégias utilizadas pelo Estado para diminuir os custos dos fundos públicos para com a população idosa, ―refilantropizando‖ mais essa expressão da questão social e, consequentemente, as políticas públicas de proteção social ao velho. 93 Haddad (1986) tece críticas à proposta dos grupos de convivência. Em sua abordagem, baseada na teoria de Marx sobre as classes, a autora indica que o objetivo de tais agrupamentos está diretamente ligado aos ideais da sociedade capitalista. Assim, o intuito desses grupos, em sua visão, é investir na qualidade de vida, visando a manter os velhos ativos e produtivos o máximo possível, até o fim da vida. Podemos constatar no seguinte trecho: O idoso, o pré-aposentado, nesse esquema montado, passa a ter o seu corpo, as suas ações e os seus sentimentos como um objeto de investimentos A sociedade capitalista, caracterizada por tensões sociais, retém o trabalhador preso a um espartilho de normas para manter-nos organizada. Com o aumento do número de idosos e da ameaça que isso representa, a mesma sociedade propõe ao trabalhador aspirante à aposentadoria, e também aos já aposentados, que passem a se preocupar com aquilo que lhes fora proibido a vida inteira: o corpo desgastado pelo trabalho massacrante precisa ser recuperado; o humor, incentivado; o lazer impossível transforma-se na mola mestra do combate à solidão. [...] O velho espartilho tem que ser encostado e novas receitas é que se impõem. Afinal, segundo a ideologia da velhice, é preciso que o idoso lute contra a depressão que o ócio pode provocar; é preciso que se imponha no seio da família; urge que garanta a sociabilidade necessária para manter os laços sociais; é necessário que se sinta útil; é preciso que se reeduque para o novo papel que irá desempenhar. (HADDAD, 1986, p. 118 119). Concordamos com Debert (2004), Paz (2013) e Haddad (1986), quando indicam que há a necessidade de o Estado, se preocupar com a vida em sua integralidade e em sua totalidade, independentemente de uma idade. Corroboramos os autores também quando eles assinalam que os grupos de convivência contribuem para a construção de uma nova imagem social para a velhice, também estereotipada, permeada pela responsabilidade individual, na lógica da reprivatização. Não podemos, entretanto, apenas criticar e desconsiderar as repercussões de que participar desse tipo de equipamento social traz para a vida dos velhos, como podemos perceber nos discursos dos entrevistados. Reconhecemos que os agrupamentos estão em anuência com a proposta capitalista de manter os velhos ativos e produtivos o máximo possível, pois, como exprimem Viegas e Gomes (2007, p. 41), o objetivo primordial vinculado à ideologia do envelhecimento ativo, lógica em que eles estão inseridos, é o de promover o prolongamento da vida activa (não necessariamente associada à vida profissional), através do envolvimento dos mais velhos na vida social, não como audiência passiva, mas como actores protagonistas. Sabemos também que o intuito disso tudo é gerar menos custos aos fundos públicos, não somos ingênuas ao 94 ponto de pensarmos que poderia ser diferente, até porque vivemos nesse tipo de sociedade e as políticas públicas e sociais estão permeadas por esse ideário. Consideramos, porém, que a abordagem de Haddad (1986) situa o velho numa posição muito passiva, como alguém que é mais vítima do sistema do que protagonista de sua vida, desconsiderando a sua subjetividade, desejos, motivações e possibilidades, sejam elas físicas, econômicas e culturais, dentre outras. Partindo daí, não podemos compreender os grupos de convivência dentro dessa lógica dualista e maniqueísta, do que seja ruim ou bom para os velhos. De fato, tais equipamentos sociais estão a serviço do Estado capitalista, mas também demonstram para os velhos serviços que de fato contribuem para a melhoria da sua qualidade de vida, e isso não somos nós que afirmamos. Os próprios discursos deles asserem a importância que eles têm em suas vidas. Dessa forma, é importante que eles existam, pois oferecem uma alternativa aos velhos que podem e querem participar desse tipo de equipamento social. Porém, é necessário que sua atuação esteja acontecendo de maneira articulada com as demais ações voltadas para esse segmento etário, bem como com as políticas públicas setoriais, visando um atendimento integral ao público envelhecido, além da garantia de condições necessárias à vida no decorrer de todas as faixas etárias, para que a população possa chegar à velhice e vivenciá-la com dignidade. 3.3 O Serviço Social do Comércio (SESC)/ Trabalho Social com Idosos (TSI) Fortaleza Como já indicamos, nossa pesquisa foi realizada no Trabalho Social com Idosos – TSI, desenvolvido pelo Serviço Social do Comércio – SESC/ Fortaleza, localizado na Rua Clarindo de Queiróz, 1740, Centro da Capital cearense. A escolha desse local se deu pelo fato de uma das autoras haver sido estagiária desse programa, na Instituição, o que, além de despertar nosso interesse por voltar e pesquisar esta temática, facilitou nosso contato com as responsáveis pelo setor, bem o como nosso ingresso no campo. 95 Para melhor esboçar a realidade pesquisada, levantamos alguns dados sobre a referida instituição e acerca do programa sob exame, as quais serão expostas a seguir. Não pretendemos contar a história de nenhum desses. Nosso intuito é facilitar a compreensão do leitor sobre eles, a respeito das atividades desenvolvidas, seus propósitos, o público que as frequenta e as repercussões dessa participação em suas vidas, chegando, mais à frente, à questão da sociabilidade entre os velhos. O SESC é uma instituição privada sem fins lucrativos, a qual foi criada e é até hoje mantida pelos empresários do comércio. Seu público prioritário é de comerciários e seus dependentes, além dos próprios servidores e estagiários, e dos empregados de entidades sindicais vinculadas do comércio e dos comerciários e seus dependentes, ainda em exercício de atividades laborais ou aposentados. A instituição foi criada no ano de 1946, durante o Governo de Eurico Gaspar Dutra, pelo do Decreto-Lei nº 9.853, no qual foi atribuído à Confederação Nacional do Comércio (CNC) o dever de criar e orientar o desenvolvimento do SESC. O objetivo era que a instituição pudesse contribuir nas respostas às demandas sociais naquele contexto social e político (SESC, 2009). Assim, desde seu surgimento, o caráter do SESC é de uma entidade de direito privado, cuja natureza é assistencial e não previdenciária, objetivando contribuir na melhoria da qualidade de vida dos comerciários e seus dependentes, bem como para com o bem-estar social coletivo (SESC, 2009). É importante destacarmos o fato de que o surgimento do SESC esteve marcado por um período de transição nas formas da gestão da assistência social. Até então, essa era fundamentada em valores religiosos e na caridade, passando desde então para a ação patronal (SESC, 2009). Segundo Carvalho (2007), no momento inicial de criação do SESC, a instituição deveria prestar atividades complementares ao Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários (IAPC), de modo a oferecer assistência em campos onde a atuação do IAPC fosse insatisfatória. Desde então, de acordo com Salgado (2007), a ação do SESC é modificada. Suas atividades e ações são criadas e recriadas de maneira a absorver as demandas sociais 96 apresentadas pelo seu público prioritário, bem como pela sociedade brasileira, de maneira geral. O autor diz, ainda, que, no decorrer dos anos, a instituição evoluiu de programas assistenciais, voltados para pequenos grupos, para programas socioeducativos maiores, cujas ações se direcionam a grupos de comunidades, objetivando o desenvolvimento social. Nesse sentido, o SESC desenvolve diversas atividades, dentro de programas como o Educação, Cultura, Saúde, Lazer e Assistência, onde o TSI está alocado, os quais visam à transformação da sociedade e ao estimulo ao desenvolvimento da cidadania, além de contribuir com a qualidade dos comerciários e da comunidade em geral (SESC, 2009). Aqui no Ceará as ações do SESC começaram a ser desenvolvidas em 1948, no ato da inauguração a Unidade SESC Ceará. Naquele momento, as ações da instituição estavam restritas a Fortaleza, espraiando-se nos próximos anos por outras cidades (ROCHA, 2012). Atualmente o SESC dispõe de seis unidades no Estado, sendo duas em Fortaleza e as quatro outras no Crato, Juazeiro do Norte, Iguatu e Sobral. Em Fortaleza ainda há um espaço com ações voltadas à cultura – o SESC SENAC Iracema – e um para a Educação, a Escola Educar SESC. Em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, há a Colônia Ecológica SESC, na praia de Iparana. Ademais, ainda nas cidades interioranas, o equipamento social conta com seis centros educacionais, onde se desenvolve o Programa SESC Ler, localizados em Aracati, Crateús, Ibiapina, Itapipoca, Quixeramobim e São Gonçalo do Amarante.13 Trazendo a discussão para a questão do TSI, este trabalho promove ações e atividades centradas nas demandas, interesses e características dos longevos, tais como saúde, sociabilidade e promoção da autoestima, dentre outras, visando a maior desenvolvimento social e pessoal dos velhos (SALGADO, 2007). É válido destacar o fato de que o TSI é tido como um dos programas sociais mais significativos desenvolvido pela instituição, sendo considerado como pioneiro na América Latina no tocante à organização de programas socioeducativos e culturais destinados ao público envelhecido (SALGADO, 2007). 13 Disponível em: <http://www.sesc-ce.com.br/index.php/sesc-no-ceara.html> Acesso em 11 de nov. 2014. 97 Inicialmente essa experiência se deu com os velhos que frequentavam a unidade SESC Carmo, em São Paulo, no ano de 1963, devido ao tempo livre que os comerciários aposentados permaneciam dentro da instituição, indicando a necessidade do desenvolvimento de atividades destinadas a essa faixa etária (CARVALHO, 2007). Nogueira (2011, p. 48) traz, ainda, a notícia de que [...] a elaboração de ações destinadas aos velhos no SESC foi motivada pela identificação que os longevos que frequentavam a unidade do SESC Carmo em São Paulo permaneciam no espaço institucional ao final de suas atividades, transformando o SESC em um espaço de convívio. Essa característica apontava o isolamento social enfrentado pelos comerciários aposentados e a necessidade de ações destinadas aos seus anseios e peculiaridades. Sendo assim, foram planejadas ações que superavam o combate ao isolamento social dos velhos englobando a promoção de reflexões e discussões sobre seus direitos sociais, qualidade de vida, cidadania, dentre outras ações. Segundo Carvalho (2007), nos anos que se seguiram, esse trabalho foi aferindo visão pública, ao passo que a questão social da velhice se tornava mais aparente e que movimentos sociais se organizavam em prol da luta pela ampliação e efetivação dos direitos dos velhos. Parte das reivindicações desses movimentos, inclusive, acontecem dentro dos seminários nacionais realizados pelo SESC durante a década de 1980, como já expresso. Também foi durante os anos 1980, precisamente em setembro de 1988, que o SESC São Paulo lançou a revista A Terceira Idade, publicação especializada em assuntos concernentes à velhice, contribuindo para o debate acadêmico acerca do referido assunto (BERALDO; CARVALHO e MATORELLI, 2013). Nesse panorama, o TSI foi espraiando-se aos poucos, com a abertura de grupos de convivência, escolas para o idoso, realização de palestras, seminários e encontros nacionais, além de esporte adaptado para idosos (BERALDO; CARVALHO e MATORELLI, 2013, p. 234) e hoje está em 27 estados brasileiros. Aqui no Ceará as atividades do TSI começaram a ser desenvolvidas 20 anos depois da primeira experiência do grupo, no ano de 1983. Atualmente, essas são realizadas em cinco Unidades do SESC no Estado, quais sejam: SESC Fortaleza, Iguatu, Crato, Juazeiro do Norte e Sobral (ROCHA, 2012). 98 Na Unidade SESC Fortaleza, onde a pesquisa foi realizada, o TSI atende 2106 velhos, em diversas atividades, as quais são classificadas em três linhas de atuação: Grupo de Convivência, propiciando o convívio e a sociabilidade intrageracional dos velhos; Escola Aberta para a Terceira Idade, a qual engloba atividades ligadas ao ensino e à atualização dos longevos, estimula sua capacidade cognitiva e os situa em contato com novos conhecimentos e Atividades Intergeracionais, as quais visam à promoção da sociabilidade intergeracional (NOGUEIRA, 2011). Tais linhas de trabalho e as atividades desenvolvidas dentro delas são balizadas pelas seguintes linhas de trabalho: Promoção da Saúde e Qualidade de Vida da Pessoa Idosa, Protagonismo e Autonomia, Direitos Sociais e Cidadania, Memória e Histórias de Vida, Espiritualidade, Intergeracionalidade e Expressões Artístico-Culturais (ROCHA, 2012). Além disso, o TSI segue suas ações pautadas em diretrizes indicadas pelo Departamento Nacional do SESC: A primeira diretriz trata-se das Relações Intergeracionais, possibilitando o rompimento de estereótipos e a troca de conhecimentos entre as gerações. A segunda diretriz consiste na Gerontologia como Tema Transversal, devendo perpassar todas as atividades propostas, permitindo o conhecimento sobre o processo de envelhecimento. A terceira Diretriz é o Protagonismo do Idoso, estimulando a participação social do mesmo e sua atuação como multiplicador de conhecimentos na comunidade onde vive. A quarta e última diretriz é o Envelhecimento Ativo, posto que as atividades visam proporcionar ao velho a vivência desse conceito. (NOGUEIRA, 2011, p. 49). Ademais, as ações do TSI, desde os anos 2000, focam no desenvolvimento de atividades socioeducativas, as quais visam ao estímulo do exercício da cidadania do velho, bem como na criação de condições para a promoção de sua autonomia, integração e participação na sociedade, de acordo com o que preconizam o Plano Internacional de Madri 14 e a PNI (SESC, 2009). Haddad (1986) contesta o trabalho do SESC junto ao segmento envelhecido da população. Uma de suas críticas está voltada à educação permanente, basilar na ação do TSI/SESC. Segundo a autora, a educação continuada é problemática porque essa traz consigo 14 Plano aprovado em 2002, durante a Segunda Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento. um processo de envelhecimento digno e seguro para todos, a participação dos velhos nas sociedades, perpassando o reconhecimento do velho como cidadão de plenos direitos. 99 a ideia de responsabilização individual, remetendo à reprivatização da velhice; ou seja, basta que o velho saiba lidar com a fase que está atravessando, mediante aprendizagem oferecida em equipamentos sociais, para que esse momento da vida seja feliz e pleno em realizações: A educação torna-se, segundo o discurso, necessidade fundamental para que o velho possa viver bem numa sociedade que o ameaça, não por dominá-lo econômica e politicamente, mas por obriga-lo – sob pena de condená-lo à solidão – a uma permanente atualização em face às abruptas mudanças. (HADDAD, 1986, p. 92). Nesse sentido, fazemos a leitura de que, para a autora, a educação permanente e o TSI/SESC, como sua instituição materializadora, atua como instrumento da reprivatização da velhice, além de que, em sua abordagem, a instituição faz parte daquilo que se chama receituário para o bem envelhecer. Partindo dessa visão, Haddad (1986) assinala que a origem do TSI se fundamenta na ocultação das imagens sociais da velhice existentes naquele contexto social em que ela escreveu sua obra. Além disso, exprime ainda que o SESC atua de maneira a tutelar os velhos. Consideramos que a obra da autora é de fundamental importância por mostrar contraposição sobre a atuação do TSI/SESC junto aos longevos. Além disso, mostra uma análise de alguém que está fora do espaço institucional, haja vista o fato de que boa parte da literatura encontrada sobre o referido grupo é produzida por técnicos desse equipamento social, que, por estarem completamente imersos nessa realidade, muitas vezes não conseguem fazer ter um olhar mais crítico e enaltecem o trabalho que acontece lá. Autora, todavia, faz uma leitura exclusivamente marxista da questão da velhice, compreendendo-a com suporte em viés de classes, como se essa teoria explicasse todas as expressões da questão social, dentre as quais o envelhecimento e suas repercussões. Nesse sentido, Haddad (1986) segue questionando formas de se lidar com as demandas desse segmento etário, tanto por parte do Estado, como de outras instituições. Compreendemos que a questão de classe influencia diretamente a maneira como os sujeitos chegam e vivenciam a velhice, ou seja, as formas materiais ou não que possuem e que lhes permitem alcançar essa fase da vida e envelhecer com dignidade ou não. Ao fazer, porém, uma análise da velhice, fundamentada apenas na questão de classes, outros fatores que repercutem na velhice são desconsiderados, como a própria subjetividade dos sujeitos. 100 Essa subjetividade, analisada apenas partindo do prisma dos motivos para se participar ou não desse tipo de equipamento social, é bastante vasta e não pode ser desconsiderada, pois por ela perpassam não só as possibilidades, mas também as escolhas, interesses e motivações dos velhos. Sabemos haver longevos que não recorrem a instituições ou grupos de convivência por motivos vários, como a falta de condições financeiras, materiais ou físicas para isso, dentre outros. Entre os que as possuem, porém, nem todos procuram participar. Muitos resistem e convivem bem com suas velhices, mesmo longe desse tipo de serviço. Entre os que procuram, os motivos também são os mais variados: afastamento do trabalho, incentivo da esposa, processo saúde/doença, recomendação médica, convite de colegas, perda de parentes próximos, a viuvez, dentre outros. Quando perguntados sobre desde quando participam do TSI e o porquê de participarem, nossos interlocutores apontaram o seguinte: Eu não me recordo o ano não, mas tem uns 8, 9 anos. Acho que foi em 2005, mais ou menos. Foi quando eu me aposentei. Eu me aposentei já faz um tempo. Aí eu falei, ‗eu não vou mais fazer nada, vou ficar só em casa‘... Mas eu passei uns 3 anos nesse negócio e aí eu retomei de novo as coisas senão não ia dar certo! Aí eu vim pra cá pra poder ter aí, as coisas e tal. [...] mas eu fiquei meio vagando, assim, ia pra um negócio, e tal. Até que eu encontrei a Criação Literária! Aí foi que eu me assentei. Passei mais ou menos uns 6 meses a um ano procurando, sabe Aí eu encontrei e fiquei feliz de ter encontrado, porque eu gosto. (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). Eu tinha 13 anos de trabalho, trabalhava como professora e em 1993 eu tive um CA (câncer) e por conta desse CA eu fui aposentada por invalidez. Então, pra não entrar naquela depressão que traz a aposentadoria em si, que a aposentadoria em si já traz uma depressão, uma angústia, então imagina a pessoa aposentada por invalidez com CA. Então eu disse, ‗não, eu vou procurar frequentar!‘ Um dos primeiros que eu vim procurar aqui, [...] esperei uns meses mais pra completar 50 anos. Entrei aqui no TSI, gostei muito, frequentei muitas atividades aqui, E também na mesma época eu cheguei ao PAI. Foram dois grupos que foram assim, duas vertentes muito importantes na minha vida, pra direcionar meu pensamento pra outras coisas e não ser aquela vítima, né? Tantas pessoas com doenças muito piores do que a minha, né? Então isso não era nada! Então foi justamente no SESC e no PAI que eu tive uma integração fantástica e eu aprendi muito! Sou grata a essas duas entidades! (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). A minha entrada no TSI, eu considero assim um presente de Deus. [...] (Veio à convite de uma colega do grupo). Aí na semana seguinte eu já vim, e isso foi no início de 2011. Estou até hoje e não pretendo deixar!‖ (NENZINHA GALENO, 65 anos). Foi o seguinte, o tio da minha esposa ele era comerciário e era do SESC, então ele viu que a gente tava aposentado e disse: ‗Ora, M., tu devia frequentar o SESC!‘ Aí 101 eu vim com a esposa. Já havia aquelas reuniões, eu gostava, gostei, aí criaram a Literatura, aí meu me engajei aqui no SESC. (PATATIVA DO ASSARÉ, 78 anos). Foi em 1994. Porque eu me aposentei e vim morar aqui em Fortaleza. Eu sou cearense, mas morava em Manaus. Morei muito tempo lá, 13 anos. Aí me aposentei lá. Quando cheguei aqui eu tava sem ambiente. Aí eu vim pra cá através de uma amiga minha que trabalhava aqui. E eu me senti muito bem. Toda vida me senti muito bem nesse grupo. (CORA CORALINA, 73 anos). Porque fiquei viúva. Meu esposo era muito ciumento. Então, depois de viúva, eu passei a frequentar o SESC. E antes eu nunca tinha me interessado por literatura. E depois que eu entrei aqui no SESC, em 1998, eu procurei saber de algum movimento que eu pudesse participar. Fazia hidroginástica, aí descobri o Criação Literária. Comecei a me interessar e o nosso instrutor me ajudou muito. Comecei logo a fazer poesia e foram logo aprovadas. E outra coisa também, eu nunca me acanhei em declamar minhas poesias em público! E isso me ajudou muito! Me ajudou muito, graças a Deus! A vida que eu tenho hoje eu agradeço aqui ao SESC e à Criação Literária! Porque continuo lúcida e vivendo a minha vida muito bem! Gosto muito de passear, de bons amigos, que às vezes as pessoas acham até que é gaiatice minha, mas não é porque eu sou assim mesmo. E outra coisa também, toda vida eu tive muito carinho, aí por isso eu continuo assim. (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). Partindo dessas leituras, percebemos que os fatores que motivaram a chegada dos nossos entrevistados ao TSI são diferentes para cada um deles, até porque cada um têm histórias de vida distintas, interesses próprios e vontades, dentre outros fatores que permeiam suas subjetividades. Ademais, esse tipo de abordagem proposto em Haddad (1986) situa o velho em posição submissa, de opressão e de vitimização, como se ele fosse o tempo todo manipulado pela lógica capitalista e não pudesse ser protagonista de sua vida e nem de suas ações. Percebemos que isso é conflitante com a realidade que encontramos em nosso campo de pesquisa, onde grande parte dos velhos reconhece sua importância, não se sente excluída da sociedade atual e é protagonista de sua vida. A própria época na qual a obra foi escrita, contudo, no decorrer da década de 1980, quando a teoria marxista estava em voga e as políticas públicas e sociais para o segmento envelhecido ainda eram parcas, nos faz compreender os motivos das críticas tecidas pela referida autora. Ainda não havia ocorrido a ampliação no amparo legal aos velhos, conquistado, sobretudo, após a Constituição de 1988, oriunda de reivindicações e lutas populares. Dessa maneira, o aparato legal e as próprias formas de atendimento ao segmento envelhecido da 102 população eram bem mais precarizados. Não havia leis que indicassem os caminhos para a intervenção junto aos longevos. Consequentemente, esses tinham menos vez e voz. Como abordamos, isso difere da atualidade, quando já existe uma série de dispositivos legais voltados para a velhice, alargando a concepção de cidadania para esse segmento etário, o que é, inclusive reconhecida pelos próprios velhos. Retomando a atuação do TSI/SESC junto aos velhos, não rechaçamos o posicionamento de Haddad (1986), mas cremos, que para melhor balizar concepções sobre os sentidos desse trabalho, além da análise de classes, é necessário refletir sobre o que os próprios atendidos por esse têm a dizer: como o percebem, como o avaliam e que repercussões trazem às suas vidas, dentre outros aspectos. Para tanto, destacamos algumas narrativas dos partícipes da pesquisa a esse respeito: Serviço muito bom! Qualidade ótima! Agora tem gente que não sabem usufruir dessa bondade, né? Ainda fala, ‗Ah porque isso, aquilo.‘ Aí eu saio logo até de perto, sabe? Porque eu sei que aquela discussão eu não devo entrar. Então eu me ausento. Claro que que o SESC omitiu algumas coisas da gente, né? EU sinto falta de algumas coisas que foram omitidas. Mas que o SESC não é um governo paternalista como muita gente quer. A gente tem que pagar alguma taxa, tem que dar alguma coisa em troca. Então eu acho justo. Gosto muito da maneira como o TSI funciona. Eu acho que aqui o idoso é visto como deve ser visto como deve ser. A equipe do TSI trata a gente muito bem. Eu me sinto assim, parece que eu sou uma pérola rolando. (risos) Eu me valorizo e sei que sou valorizada! (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). Eu sempre digo, assim, que quem pensou o SESC estava altamente iluminado! E hoje nós sabemos que o TSI oferece 21 projetos voltados para idosos. E isso é muito gratificante! Isso é belíssimo! E o mais interessante é que nem todo mundo conhece. (NENZINHA GALENO, 65 anos). Eu acho um bom trabalho! Bom mesmo! O SESC cuida na parte social, na parte dos passeios turísticos e tal, na parte de saúde. Eu acho que o SESC tem um leque de atividades para a terceira idade. Uma beleza mesmo! Só não frequenta quem não quer mesmo, mas o SESC tem a disponibilidade aí, a piscina, tudo, tudo, até dentista. (PATATIVA DO ASSARÉ, 78 anos). Ai, acho divino! Nota mil, mil, mil! Quem sou eu pra avaliar?! Porque eu acho tão perfeito que eu não me sinto com coragem de criticar! (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). Eu acho muito importante pras pessoas que participam aqui. É muito serviço bom que as pessoas têm que aproveitar porque isso passa. Se você não tá dentro desde o início, você não tá acompanhando, né? (CORA CORALINA, 73 anos). 103 É uma riqueza, viu?! Muito bom, muito diversificado, realmente, é muito bom! Eu gosto! (HILDA HILST, 70 anos). Não existe igual em canto nenhum! Eu que o diga mesmo! E provo, e falo e digo! Já disse na Assembleia, que juntava as políticas tudinho e não fazia a metade do que o SESC faz pelo idoso! O projeto do SESC é social! Eu acho aqui uma boa ideia! Não existe! Eu acho que é inexistente! Não tem outro órgão que seja direcionado ao idoso que trabalhe melhor que o SESC! É um leque de opções, se o idoso gosta de fazer uma coisa, tem! Ele pode imaginar o que ele quer fazer, ele faz aqui! Nós temos 78 coisas gratuitas aqui no SESC pra favorecer o idoso e a jovens também! É muito bem elaborado, muito bem elaborado! Eu não tenho nada a dizer! É completo! (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos). Eu acho bom, eu acho bom! Porque tem tantas coisa... (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). O SESC tem várias opções pra você aqui dentro, Hidroginástica, uma boa alimentação, línguas, academia, pintura em tela, cinema, encontros, tanto para idosos como para jovens, palestras, palestras mais interessantes possíveis, que ensinam muitas coisas para os idosos saberem sobreviver. O SESC tem muito pouca coisa a desejar. Tem muita coisa a oferecer! (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Um dos entrevistados, inclusive chegou a indicar que o trabalho do SESC com os velhos é precursor das ações públicas para com o mesmo segmento etário: Olha, sinceramente, essa grande preocupação que o governo tem [...] talvez tenha surgido dessas entidades que congregam atividades para com as pessoas da terceira idade. (ARIANO SUASSUNA, 75 anos). Outra fala importante de ser destacada é a de um longevo que considera o serviço prestado pelo SESC bom, porém, ele afirma que percebe uma certa estagnação: Eu acho... o serviço é bom. Mas ultimamente não tem havido um crescimento. O serviço é bom, mas desde que eu entrei está mais ou menos estagnado. Quer dizer, ele é bom, mas deveria ter um melhoramento. Mas é bom porque é um serviço que de toda forma soma, mas eu acho que teve um certo estagnamento. (José De ALENCAR, 68 anos). Percebemos que, apesar de os grupos de convivência, de uma maneira geral, assim como o TSI/SESC, contribuírem de fato para com o rompimento de uma imagem socialmente destinada ao velho como improdutivo e inútil ao capital e, consequentemente, com a construção de outra imagem, também estereotipada da velhice, não podemos 104 desconsiderar que esse tipo de trabalho de fato repercuta de uma maneira positiva na vida dos velhos, contribuindo para que eles possam vivenciar de uma maneira melhor essa fase da vida. Sendo assim, pensamos que não podemos fazer uma análise dualista e maniqueísta sobre eles. Se tais equipamentos sociais contribuem para com a vida dos velhos, os consideramos válidos. 105 4 O GRUPO DE CRIAÇÃO LITERÁRIA DO TSI/SESC NA PERSPECTIVA DA SOCIABILIDADE 4.1 O Grupo de Criação Literária do TSI/SESC Procedemos aqui a breve explanação acerca do Grupo de Criação Literária do TSI/SESC Fortaleza, qual seu objetivo, público-alvo, como acontecem os encontros, dentre outras informações, a fim de que possamos com isso clarificar a compreensão do leitor acerca dele. Destacamos que as informações da sequência foram levantadas na própria instituição, em de conversas com as profissionais do TSI, com o facilitador, os próprios participantes do grupo, bem assim por meio das observações realizadas em campo, registradas em diários de campo. O Grupo de Criação Literária começou a ser desenvolvido durante o ano de 1995, estando com 19 anos de existência e, atualmente, se configura como uma das atividades permanentes mais antigas dentro das que são disponibilizadas e realizadas pelo TSI/SESC Fortaleza. O objetivo central deste grupo é ensejar a existência de um espaço cultural e literário dentro das atividades do TSI, o qual se volta para a leitura, a troca de saberes sobre literatura e que, sobretudo, viabiliza a criação e divulgação de textos e obras literárias. Além disso, esse se converte em importante espaço de socialização dos seus membros. A periodicidade do grupo é semanal, sempre às segundas-feiras. Seus partícipes reúnem-se em uma sala específica do TSI, a qual dispõe de recursos materiais suficientes para a realização do encontro, quais sejam, quadro branco, cadeiras com apoio para escrever, arcondicionado e aparelho de som. Quando são necessários outros equipamentos multimídia ou a sala de vídeo, o facilitador do grupo os solicita previamente à coordenação do TSI, que os reserva e disponibiliza para o grupo. 106 Nesses encontros os membros discutem, trocam ideias e informações sobre literatura, eventos literários, publicações e indicações de livros, dentre outros, além de fazerem leituras e de criarem textos e os socializarem para os demais participantes posteriormente. Cabe ressaltar que esses encontros semanais são facilitados por um professor de Literatura, o qual planeja as atividades realizadas em cada encontro, bem como os assuntos a discutir, oferece indicações de leituras e dá orientações coletivas e individuais em relação aos escritos dos participantes. Apesar de os encontros do Grupo de Criação Literária acontecerem prioritariamente dentro do espaço institucional, algumas vezes há momentos externos, sobretudo quando há eventos culturais, artísticos e/ou literários acontecendo na cidade de Fortaleza e há interesse do grupo em participar. Quando isso acontece, o facilitador entra em contato previamente com a coordenação do TSI, a qual solicita transporte para trasladar os participantes do grupo do SESC até o local onde ocorre o encontro de campo e vice versa. Esses momentos também são acompanhados pelo instrutor do grupo. Atualmente, participam desse grupo 23 pessoas, cuja idade pode ser igual ou superior a 50 anos, haja vista o fato de que o TSI admite usuários com essa faixa etária por trabalhar com a questão da preparação para a aposentadoria. Quanto ao gênero, de acordo com a lista de frequência da Criação Literária, frequentam apenas 3 homens, contra 20 mulheres, revelando que inclusive nesses espaços elas estão mais presentes que eles. É importante destacarmos que há quatro de nossos interlocutores que participam deste grupo desde o início de suas atividades, permanecendo nele até hoje. São eles: Francisca Júlia, Cecília Meireles, Patativa do Assaré e Cora Coralina. Além desse critério etário e de gênero, há outras informações importantes que nos ajudam a melhor compreender o perfil dos participantes desse grupo: dos nossos interlocutores, mais da metade, no total de sete, possui nível superior. Metade, totalizando seis, possui inclusive pós-graduação, todos na área da educação. Todos, porém, indicaram sempre ter tido gosto pela escrita, pela literatura e pela arte, de uma maneira mais ampla, mas 107 em virtude das obrigações para com o trabalho e a família, durante toda a vida, apenas durante a velhice puderam mais se aproximar dessa área, a conhecê-la com maior profundidade e tornaram-se escritores. Quanto às produções do Grupo de Criação Literária, essas são divulgadas, sobretudo, durante o Café Literário, evento organizado e promovido pelos próprios participantes. Com frequência bimestral, é nessa ocasião em que, além de poderem expor parte do que foi produzido por eles nos últimos dois meses, os partícipes do grupo homenageiam nomes importantes da Literatura Internacional e Nacional. Ademais, é nesse momento que eles têm a oportunidade de fazer uma interlocução do Grupo de Criação Literária e suas famílias e amigos, bem como com os outros participantes do TSI, pois a referida atividade é aberta à comunidade, e mesmo aqueles que não são integrantes do grupo de convivência podem comparecer. A atividade reúne cerca de 90 pessoas. Na ocasião, as homenagens ou produções autorais do grupo são divulgadas e, geralmente, há a interlocução com outro tipo de arte – a Música. Os próprios membros da Criação Literária, juntamente com o facilitador e coordenação do TSI, entram em contato com algum músico, via de regra, com uma tecladista ex-participante do grupo, a qual comparece ao evento e, nas pausas entre uma leitura e outra, toca músicas que agradam ao público que comparece ao evento. Neste evento é sempre servido um lanche, em parte oferecido pelo SESC, e pelos próprios participantes do grupo, o qual organizam cotas, encomendam e responsabilizam-se pelo seu transporte, revelando grande autonomia, protagonismo e organização. Além disso, alguns membros, juntamente com a equipe do TSI, disponibilizam a servi-lo para a plateia presente. Esse momento de partilha é muito fortuito para os velhos, promovendo a socialização não só da Criação Literária, mas também dos demais partícipes do TSI com eles e com os demais que comparecem. Além disso, no evento, se costuma organizar uma mesa com os livros publicados pelos membros do grupo para venda. A Comissão de Eventos do TSI fica responsável por expô-los e vende-los, bem como de fazer o repasse daquilo que foi vendido para os escritores. 108 Esse momento é por demais interessante para os participantes do Grupo de Criação Literária porque permite que eles, além de divulgarem suas produções e sejam prestigiados por conta disso, enseja o contato com participantes de outras atividades, bem como oferece ocasião para a família e amigos entrarem em conexão com o que os partícipes do referido grupo fazem no TSI /SESC. A divulgação dos textos produzidos pelos membros da Criação Literária não é realizada apenas durante os Cafés Literários. Já foram produzidos dois livros, em caráter de coletânea, os quais foram financiados pelo próprio SESC, onde os escritores deste grupo têm a oportunidade de expor seus escritos. O primeiro deles, Acordes Literários: encontro com a palavra, foi lançado no ano de 2006, pela Editora Premius e teve distribuição gratuita. O mais recente, intitulado como Viajando nas Palavras, foi pré-lançado no dia 04 de dezembro de 2014, durante a VIII Semana Social do Envelhecimento e Encontro com a Família, evento realizado anualmente pelo TSI. O lançamento oficial do livro, quando serão distribuídas cópias para os presentes, será realizado no primeiro Café Literário de 2015, previsto para o mês de março. Além dessas publicações do grupo, as quais levam o nome do SESC, uma parte considerável do grupo possui livros publicados, ou textos em coletâneas, revelando que a produção intelectual deles não fica restrita apenas às obras organizadas pela Instituição, tampouco ao espaço institucional. Apesar da contrapartida dada pelo SESC para a execução das atividades do grupo, percebemos nas observações realizadas em campo que uma parcela do Grupo de Criação Literária acredita que esse é um grupo esquecido pela Instituição, pois essa destina pouca assistência, se comparado aos demais grupos de vertente literária que acontecem ali. Alguns reclamaram que há pouca divulgação e de suas atividades, que faltam passeios e camisas para identificar o grupo, dentre outras. Enfim, entendemos que os partícipes querem maior vislumbre para a referida atividade (Diário de campo, Fortaleza, 22/09/14). Apesar, todavia, de os participantes da Criação Literária serem bastante organizados e protagonistas de suas ações, notamos que a organização política deles não caminha nesse mesmo passo. Em razão de eles apontarem a necessidade de melhorias e mudanças para o grupo, eles não costumam busca-los junto à instituição. Geralmente cobram 109 do facilitador, que cobra das responsáveis pelo TSI, as quais entram em contato com os setores responsáveis e, assim, o teor de suas reivindicações corre o risco de perder a força. Em contrapartida, muitos lamentaram essa situação, pois, segundo eles, esse é o melhor grupo do SESC, onde eles se sentem acolhidos e têm a oportunidade de aprenderem, produzirem e compartilharem para com os colegas suas produções. Uma das participantes colocou: “Aqui é o melhor grupo do SESC. Aqui a gente aprende! Aqui é um laboratório!” (Valdelice Carneiro Girão, 67 anos). (Diário de campo, Fortaleza, 22/09/14). Com essas informações, é possível que o leitor possa ter melhor compreensão do que é o Grupo de Criação Literária, de como funciona, como acontecem os encontros, quem os frequenta, qual o perfil dos participantes e o que eles pensam sobre a atividade, dentre outros aspectos. Assim, podemos passar ao próximo subtópico, de modo a apresentar cada interlocutor desta pesquisa. 4.1.1 Sujeitos da pesquisa Como já exprimimos, além das observações realizadas em campo, durante oito meses de pesquisa, também lançamos mão de entrevistas semiestruturadas com 12 participantes (nove mulheres e três homens) do Grupo de Criação Literária, como mecanismo de coleta de dados, visando a melhor compreender os pontos suscitados no decorrer da recolha de indicadores. Também já afirmamos que o referido grupo admite pessoas com idade igual ou superior a 50 anos. Como nossa pesquisa, porém, é essencialmente sobre velhice e sociabilidade, decidimos adotar o critério etário estabelecido pelo Estatuto do Idoso, o qual considera como velhos aqueles com idade maior ou igual a 60 anos, e entrevistar somente pessoas nesse perfil. Exatamente por isso selecionamos apenas 12 interlocutores, já que parte dos integrantes do grupo ainda não tem essa idade e outra parte não é assídua. Assim, a idade de nossos entrevistados varia de 65 a 81 anos, sendo a maioria pertencente ao sexo feminino, nove, e apenas três ao sexo masculino. Cabe ressaltar que 110 entrevistamos todos os homens assíduos do grupo. Ainda assim, a discrepância no tocante ao gênero persiste, pois elas continuam sendo a maioria. Mais da metade desses velhos possui nível superior completo (07), e a metade (06) inclusive são pós-graduados e vivem em uma situação financeira estável. Cabe ressaltar que nem todos quiseram informar a renda mensal quando perguntados, porém, dos que responderam, apenas uma pequena parcela recebe um salário mínimo. Quanto à nossa aproximação com o grupo e com os entrevistados, essa foi bastante tranquila, não havendo dificuldades ou impasses de nenhuma ordem. Como a entrevistadora já havia sido estagiária da instituição e, nesse período de estágio, acompanhou o Grupo da Criação Literária, já havia uma relação construída entre ambas as partes, o que facilitou o contato e a receptividade dos velhos para com ela. Assim, realizados os procedimentos éticos institucionais para o ingresso no campo pesquisado, entrega de um ofício e do projeto de pesquisa, entramos em contato com a coordenação do TSI e, posteriormente, com o Grupo de Criação Literária, onde realizamos observações diretas e as entrevistas, as quais foram marcadas previamente e aconteceram no espaço institucional. Também destacamos o fato de que esse estudo realizou-se de acordo com aquilo que preconiza a Resolução nº 446/12, do Conselho Nacional de Saúde - CNS, a qual traz disposições e normas a respeito de pesquisas com seres humanos. Ressaltamos, ainda, que os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que os resguarda sobre os aspectos éticos e de sigilo envolvidos no processo. Outro mecanismo que utilizamos para preservar a identidade dos entrevistados foi substituir seus nomes reais por nomes fictícios, de escritores importantes no cenário da literatura brasileira, obedecendo o critério de gênero. Assim, os nomes dos homens foram trocados por nomes de escritores brasileiros, e das mulheres, de escritoras. Para não fazermos apenas observações gerais sobre os entrevistados, pensamos ser conveniente traçar o perfil de cada um deles, de modo a demonstrar quem eles são, o que fazem e como se relacionam, dentre outros aspectos, para que melhor possamos compreender seus discursos. Assim, a seguir apresentaremos cada um dos entrevistados. 111 a) Ariano Suassuna, 75 anos Casado, foi militar e já na velhice se graduou e fez pós-graduação, especialização, na área de História. Mora em uma casa própria no Centro, com sua atual esposa, com quem não teve filhos. Foi casado outra vez e, com a antiga mulher, teve três filhos, com os quais nunca teve uma relação muito próxima. Relata que possui boa relação com a esposa, que as decisões no âmbito doméstico são compartilhadas, inclusive responsabilidades financeiras. Também ajuda no cuidado com um sobrinho da esposa, o qual mora na casa dos fundos e tem deficiência. Quanto a sua participação no TSI, informou pertencer ao grupo há cerca de 13 anos e, da Criação Literária, há seis anos, havendo chegado a convite de uma colega. Além desta atividade, participa do Coral. Atualmente não compõe de nenhum outro grupo ou associação. b) José De Alencar, 68 anos Casado, técnico em telecomunicações. Mora em um apartamento próprio no bairro Meireles com a esposa e uma filha. Seu outro filho mora em um país da Europa. Sua renda mensal é de R$5.000,00 e a familiar de R$15.000,00. Expressou que a relação com as pessoas com quem convive é muito boa, que cada um tem autonomia. Ainda continua trabalhando e é microempresário: Trabalho com artefatos de cordas, pra estender redes... Eu desenvolvi uma série de coisas que eu faço hoje, não faço mais porque não tenho tempo. Se eu fizesse duas ou três vezes mais eu teria mercado pra isso, numa boa. Eu trabalho hoje acho que mais do que quando eu era empregado, na empresa. Trabalho muito e ainda tem mais a questão que eu gosto de escrever, eu tou envolvido com a música também, tem a academia que tem que escrever... É tanta, tanta coisa! Tem hora que eu nem sei como é que dou conta de fazer tanta coisa! (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). 112 Relata que chegou ao TSI há cerca de oito ou nove anos e que só foi descobrir o Grupo de Criação Literária uns seis meses depois. Hoje, além do SESC, participa da Academia Municipalista de Letras. c) Francisca Júlia, 67 anos Divorciada e professora. Possui graduação em História e pós-graduação em Administração Escolar. Sua renda individual é de R$1.800,00 e a familiar de R$3.200,00. Mora em um apartamento próprio no bairro Carlito Pamplona com um de seus quatro filhos, com quem divide as despesas mensais e as responsabilidades no âmbito doméstico. A entrevistada acentua ter ótima relação com os filhos, que eles cuidam e se preocupam bastante com ela. Começou a frequentar o TSI há cerca de vinte anos e participa do Criação Literária desde o início, em 1995. Também frequenta o Coral e de outras atividades literárias que são do SESC, mas não do TSI, Abraço Literário e Leitura Dramática. Ainda frequenta outra associação vinculada ao Governo do Estado, o Programa de Ação Integrada ao Idoso. d) Nenzinha Galeno, 65 anos Solteira, não casou e não teve filhos. Foi professora e possui graduação em Teologia e pós-graduação, especialização, em Arte-Educação. Reside em um apartamento próprio no bairro Presidente Kennedy, com uma irmã e um sobrinho, com os quais divide responsabilidades. Sua renda individual é de R$3.000,00. Não soube informar a renda familiar. Assinala que a relação com as pessoas com as quais reside é muito boa, que as decisões são compartilhadas e mesmo havendo dissensos de opiniões, sempre chegam a um entendimento e tomam decisões coletivas a partir daí. 113 Ingressou nas atividades do SESC no ano de 2011 e foi convidada por uma colega a participar da Criação Literária. Depois do convite, na semana seguinte já começou a frequentar e logo lançou seu livro em um Café Literário. Atualmente participa apenas dessa atividade e não está vinculada a nenhum outro grupo ou associação. e) Cecília Meireles, 75 anos Solteira, não casou e não teve filhos. Ingressou no ensino superior, mas não concluiu. Atualmente é facilitadora de dois grupos artísticos do TSI. Reside com uma irmã mais velha e o filho dela, seu sobrinho, em uma casa própria no bairro Parquelândia e assume quase que integralmente o ônus financeiro e as atividades domésticas dessa família, haja vista que sua irmã não é aposentada e vive em uma condição de dependência. Sua renda individual é de R$1.600,00 e a familiar de R$1.900,00. Expressa que a relação com as pessoas com quem convive ocorre como na maioria das famílias: é, por vezes, conflituosa, que ela tem que ter muita paciência por conta da doença da irmã, mas que há entendimento e respeito entre eles. Ela, no entanto, é a responsável pela administração da casa e das despesas. Começou a frequentar o TSI em 1989, desenvolvendo atividades artísticas e, posteriormente, se tornou facilitadora de dois grupos com essa vertente. Além dos grupos que facilita, participa, atualmente, além da Criação Literária, da Terapia Ocupacional com Ativação Cerebral. f) Patativa Do Assaré, 78 anos Casado, bancário aposentado, graduado em Letras. Mora em um apartamento próprio no bairro Jacarecanga com sua esposa. É o único responsável pelo domicílio e sua 114 renda, proveniente da aposentadoria e do aluguel de apartamentos que possui, é de R$10.000,00. Tem quatro filhos, dois homens e duas mulheres, com quem relata ter uma relação excelente, que só melhorou com a chegada da velhice, pois agora eles têm mais tempo para desfrutar de momentos juntos. Também diz ter ótima relação com a esposa, que as decisões no âmbito doméstico passam sempre por um diálogo antes de tomar certas decisões. Sua mulher também participa de atividades do TSI, mas não especificamente do Grupo de Criação Literária. O entrevistado continua trabalhando na administração dos seus imóveis, pois, apesar de esses estarem vinculados a uma imobiliária, sempre há questões que ele próprio precisa resolver. Acentua, entretanto, que se sente mais livre e menos desobrigado do que quando trabalhava como bancário, por conta das cobranças e dos horários que tinha que cumprir. Participa do TSI, junto com sua esposa, desde o ano de 1995, por indicação de um tio de sua mulher. Logo engajou-se no Grupo de Criação Literária e permanece nele até hoje. Não participa de outras atividades fixas do grupo de convivência nem de outros grupos ou associações fora o SESC. g) Clarisse Lispector, 67 anos Viúva, possui graduação e pós-graduação, mestrado, na área da Educação. Foi professora, vice-diretora, técnica educacional e coordenadora, na parte da gestão escolar. Mora em um triplex no bairro Pan-Americano, onde ela sozinha, em cômodos independentes e o filho vive na outra parte, com sua esposa e filhos. Tem três filhos homens casados, com quem expressa ter boa relação. Participa do TSI há dois anos, chegando por incentivo de amigas. Veio primeiro para a dança e depois foi convidada para o Abraço Literário. Descobriu, pois, a Criação 115 Literária no início deste ano, quando começou a participar desse grupo. Também faz Inglês e Espanhol. h) Cora Coralina, 73 anos Solteira, jamais casou nem teve filhos. Possui nível médio e é funcionária pública aposentada. Reside sozinha em uma casa cedida no bairro Parquelândia. Sua renda mensal é de R$2.600,00 e ela é a única responsável pelo domicílio, haja vista que mora sozinha. A entrevistada gosta de morar sozinha. Segundo ela É bom a gente morar sozinha. Inclusive até meu médico cardiologista, quando eu me aposentei, foi a coisa que ele me recomendou: ‗more sozinha‘. Porque é muito bom, pra quem... pra pessoa que não tem a saúde perfeita, assim, pra viver melhor, pra não se envolver com o problema dos outros, ele falou assim. (CORA CORALINA, 73 anos). Participa do TSI desde o ano de 1994, quando veio morar em Fortaleza, pois vivia anteriormente em Manaus, a convite de uma amiga que trabalhava na instituição. Participa do Grupo de Criação Literária desde seu início, em 1995. No SESC, essa é a única atividade de que ela participa, entretanto, também frequenta as atividades voltadas para o público envelhecido desenvolvidas pelo IFCE, a dança sênior e a ginástica, e realiza trabalhos na Igreja de seu bairro. i) Hilda Hilst, 70 anos Divorciada, possui curso normal e é professora aposentada. Mora sozinha em uma casa própria no bairro Aerolândia, sendo a única responsável pelo domicílio. Exprime que o fato de morar resultou da saída dos filhos de casa, ao casar. Sua renda é de R$3,000,00. 116 Possui dois filhos, com quem mantém boa relação, principalmente com o filho homem, que reside na mesma cidade. Segundo a entrevistada, ele cuida muito dela e a visita com frequência. A relação com a filha é mais distante, pois ela mora fora de Fortaleza há alguns anos. Chegou ao TSI no ano de 2011, por meio de recomendação médica de prática de exercícios físicos. Depois se engajou na Criação Literária. Além desta atividade, participa da Hidroginástica e cursa Informática. Também participa de atividades de ginástica no IFCE. j) Valdelice Carneiro Girão, 67 anos Divorciada, foi professora. Possui graduação em História e pós-graduação em Métodos e Técnicas da Pesquisa Histórica e Sociológica. Reside em uma casa própria no Centro com uma filha e uma neta. Teve três filhos, com quem relata ter boa relação. Também expressa que a relação com a filha com quem mora é boa. Apesar de desavenças cotidianas, elas dialogam sempre e conseguem chegar a um consenso, em caso de discussões. Sua renda mensal é de R$5.000,00. Não soube informar a renda familiar, porém, divide despesas e responsabilidades no tocante aos cuidados e administração da casa com a sua filha. A entrevistada trabalha com atividades voluntarias há 52 anos, realizando atividades sociais em comunidades da Capital cearense. É voluntária inclusive no SESC, no Projeto Cidadania Ativa. Além disso, trabalha em uma ONG chamada Gotas de Amor, na Pastoral do Idoso, em projetos na sua comunidade. Candidatou-se nas eleições de 2014 ao cargo de deputada estadual, e já tendo se candidatando em outras eleições. Segundo ela, o seu intuito primordial em participar de campanhas eleitorais é defender os direitos dos velhos, no sentido de torná-los visíveis e discutir sobre eles. Assinala, contudo, que nunca teve pretensão de ganhar, pois nunca tentou se favorecer das suas amizades políticas, nem da tradição que sua família tem neste campo. Seu pai, inclusive, já foi deputado aqui em Fortaleza. Ademais, ela escreve para o jornal O Povo há 42 anos e é membro do Fórum Cearense de Políticas para o Idoso – FOCEPI. 117 Quanto à sua participação no TSI, essa data de 17 anos atrás. A interlocutora relata que sempre teve relação próxima com a Instituição, pois seu pai e irmão já foram diretores do SESC. Participa da Criação Literária desde 1996. Além desta atividade, e de sua participação voluntária no Projeto Cidadania Ativa, ela é membro da Comissão de Eventos, participa do Projeto Era uma Vez... Atividades Intergeracionais, e atividades ligadas à literatura, do SESC, mas não do TSI: Abraço Literário, Leitura Dramática e Bazar Literário. k) Natércia Campos, 81 anos Viúva, com ensino médio completo. Reside em uma casa própria no bairro Benfica com um de seus filhos. Sempre foi dona de casa e dedicou-se a cuidar do marido e dos cinco filhos. Sua renda mensal é de um salário mínimo, R$724,00, porém, assinala que os filhos a ajudam financeiramente. Não soube informar a renda familiar. Relata ter excelente relação com os filhos, que todos se preocupam e cuidam bastante dela, que a visitam com frequência, ligam, proporcionam viagens, passeios, levam-na para sair, pagam uma empregada para realizar os serviços domésticos e seu plano de saúde, dentre outras situações. A própria entrevistada afirmou: eu levo uma vida de mordomias (Natércia Campos, 81 anos). Ingressou no TSI/ SESC em 1998, primeiramente na hidroginástica, depois descobriu o grupo de Criação Literária. Esta é a única atividade de que a entrevistada participa na Instituição. Também frequenta o Movimento dos Focolares, vinculado à Igreja Católica. l) Rachel de Queiróz, 67 anos. Solteira, não casou nem teve filhos. Possui duas graduações e uma pós-graduação na área da Educação, mas não especificou quais. Reside com uma irmã em uma casa própria no bairro Monte Castelo. Preferiu não oferecer informações sobre renda. Expressou que as 118 responsabilidades no âmbito doméstico são compartilhadas, as decisões dialogadas e que possui uma relação muito boa com a irmã, que ela é uma pessoa muito cordata. Começou a participar do TSI há cerca de três anos, depois de muitos convites e indicações de amigos e muita resistência em começar a participar, pois acreditava que era um local destinado só a velhos e tinha uma visão diferente do que realmente é. Expressa, inclusive, que ficou surpresa quando começou a frequentar e que tem uma afinidade muito grande com o grupo, pretendendo, assim, permanecer nele até quando puder. Atualmente, além da Criação Literária, participa da Oficina de Pintura em Tela, atividade também do TSI, e de outra atividade que, malgrado não integrar o TSI, é desenvolvida pelo SESC, também na área literária, o Abraço Literário. Além do mais, participa de outras associações literárias: Academia Feminina de Letras, Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará, União Brasileira dos Trovadores, Academia Juvenal Galeno, Associação de Escritores e Poetas do Brasil e Academia de Artes Plásticas. Mesmo antes de entrar para o Grupo de Criação Literária, já possuía uma longa trajetória no campo da literatura: E como eu tenho facilidade de escrever, entrei na literatura. E essa parte literária me ocupa o tempo todo! Com escrita, com poesias, com contos, com concursos. Já ganhei vários prêmios. Esse ano já viajei quatro vezes. Já ganhei sete troféus, sete medalhas, vinte e oito menções honrosas, publiquei seis livros. Então, minha vida está envolvida totalmente com literatura. Além de participar também das Artes Plásticas, eu faço pinturas em quadro. Então, minha vida está completamente ocupada. Não posso reclamar de nada (Rachel de Queiróz, 67 anos). Agora que já esboçamos o perfil de cada partícipe dessa pesquisa, passaremos adiante à discussão sobre velhice e sociabilidade na contemporaneidade, para que possamos analisar melhor a sociabilidade dos membros do Grupo de Criação Literária do TSI/SESC Fortaleza. 119 4.2 Sociabilidade e relações sociais no cenário da velhice na Contemporaneidade Para abordarmos o conceito de sociabilidade e suas incursões no campo sociológico, faz-se necessário recorrer a autores que já trabalharam essa temática e nela são reconhecidos como referência. Consoante entende Peixoto (2000), a Sociologia e a Antropologia começaram a discutir tardiamente sobre o referido assunto, apenas no início do século passado, com Georg Simmel. O autor analisa a sociabilidade como exemplo de Sociologia pura ou formal, ou seja, cria um tipo ideal como artifício metodológico para melhor compreender essa categoria. Nesta discussão, traz alguns conceitos fundamentais, como o de sociedade e ―sociação‖. Os Abordá-los-emos mais detalhadamente em seguida. Para Simmel (1983, p. 165-166), sociedade refere-se às interações das pessoas, as quais podem estar pautadas em impulsos ou propósitos, fazendo com que o homem viva com outros homens, aja por eles, com eles, contra ele; ou seja, os homens vivem para influenciar os demais e serem influenciados por eles, e nisso reside a importância destas interações, pois essas é que obrigam as pessoas a formarem uma unidade, uma sociedade. Seguindo essa linha de raciocínio, o autor exprime que tudo o que está presente nas pessoas de modo a influenciá-las ou fazer influenciar as demais (interesses, impulsos, propósitos, estado psíquico, entre outros) é compreendido por elas como matéria ou conteúdo da ―sociação‖. Essa, por sua vez, é designada como a forma pela qual os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Esses interesses, quer sejam sensuais ou ideais, temporários ou duradouros, conscientes ou inconscientes, causais ou teleológicos, formam a base das sociedades humanas. (SIMMEL, 1983, p. 166). Com origem nesses conceitos, Simmel (1983, p. 168) vai desenvolvendo seu tipo ideal de sociabilidade: [...] ―sociedade‖ propriamente dita é o estar com um outro, para um outro, contra um outro que, através do veículo dos impulsos ou dos propósitos, forma e desenvolve os conteúdos e os interesses materiais ou individuais. As formas nas quais resulta esse processo ganham vida própria. São liberados de todos os laços com os conteúdos; 120 existem por si mesmo e pelo fascínio que difundem pela própria liberação destes laços. É isto precisamente o fenômeno a que chamamos sociabilidade. Dessa maneira, inferimos que a sociabilidade está relacionada às formas resultantes do processo de viver em contato com o outro, que ganham vida própria, e estão livres das amarras de conteúdos, existindo por si mesmas; ou seja, a sociabilidade é autônoma perante à sociedade: ela precisa dessa para existir, mas adquire as próprias formas, autonomizando-se. Simmel (1983, p. 168-169) aponta, ainda, a necessidade dos homens de estarem ―sociados‖: Interesses e necessidades específicas certamente fazem com que os homens se unam em associações econômicas, em irmandades de sangue, em sociedades religiosas, em quadrilhas de bandidos. Além de seus conteúdos específicos, todas estas sociações também se caracterizam, precisamente, por um sentimento, entre seus membros, de estarem sociados, e pela satisfação derivada disso. Os sociados sentem que a formação de uma sociedade como tal é um valor; são impelidos para essa forma de existência. [... ] Pois a forma é a mútua determinação e interação dos elementos da associação. É através da forma que constituem uma unidade. Por isso, os grupos de convivência, muito em voga na contemporaneidade, ganham importante expressão e participação dos velhos, haja vista que nesses espaços eles podem se reunir conforme seus interesses e necessidades, praticar atividades que lhes ensejar satisfação e socializarem-se com o mesmo segmento etário. Avançando na construção do seu tipo ideal de sociabilidade, o autor define essa categoria como a forma lúdica da “sociação”, visto que a sociabilidade não apresenta o todo real. Ela depende das pessoas que estão envolvidas nesse processo, dos significados, lembranças e interpretações dados por elas. E isso depende das características, qualidades e defeitos de cada um. Essas características e qualidades não devem ser realçadas em uma reunião social, a fim de que a simetria nas relações sociais seja assegurada. Por esse motivo, a importante função reguladora do tato, a qual dosa as qualidades pessoais, sejam elas materiais ou não, é tão imprescindível para as relações, haja vista sua intenção de estabelecer relações simétricas e democráticas. 121 Nesse sentido, as pessoas, quando em exercício de suas sociabilidades, abdicam da sua parte subjetivapara viver coletivamente, bem como das qualidades que têm e consideram importantes, dos bens que possuem, dentre outros aspectos, visto que seu eu não deve se sobressair em detrimento do coletivo. DaMatta (1986) anui a esse pensamento, ao exprimir que nossos comportamentos diferem nas esferas pública e privada, em que somos pessoa e indivíduo, respectivamente; ou seja, na qualidade de pessoas, em ambientes públicos, muitas vezes renunciamos a nós mesmos, às nossas vontades e interesses, pois estamos presos à totalidade social. Somos apenas um em meio aos demais, e não o mais importante, mas sim complementares. Como tal, agimos de acordo com os paradigmas, normas e regras. Mais uma vez, é válido destacar o fato de que a sociabilidade definida por Simmel (1983) trata de um tipo ideal, haja vista que apenas utilizando esse artifício metodológico é possível conhecê-la de uma forma pura. Assim, tem um mundo próprio, de caráter artificial, onde a democracia é possível e converte-se no desejo prioritário dos seres humanos, os quais buscam interações completamente puras e renunciam seus conteúdos objetivos e sua subjetividade, para se tornarem socialmente iguais, e vivenciá-la: A sociabilidade é o jogo no qual se ―faz de conta‖ que são todos iguais e, ao mesmo tempo, se faz de conta que cada um é reverenciado em particular; e ―fazer de conta‖ não é mentira mais do que o jogo ou a arte são mentiras devido ao seu desvio de realidade. O jogo só se transforma em mentira quando a ação e a conversa sociável se tornam meros instrumentos das intenções e dos eventos da realidade prática – assim como uma pintura se transforma numa mentira quando tenta, num efeito panorâmico, simular a realidade. (SIMMEL, 1983, p. 173). Ainda sobre a sociabilidade como forma lúdica de sociação, Simmel (1983) a compara várias vezes com jogos e expressões artísticas, fazendo um paralelo entre a referida categoria e a ludicidade. Nesse sentido, ele se reporta à ideia de jogo social, exprimindo que todas as formas de ―sociação‖ e interação são movidas por interesses, desejos e motivações de várias ordens, assim como nos jogos lúdicos, em que os jogadores esperam algo além de ganhar o jogo por ganhar, como vantagens monetárias, caso ele seja apostado, status, entre outros. 122 De acordo com essa abordagem, podemos compreender que tais jogos também permeiam os grupos de convivência, haja vista que os sujeitos implicados nesses são movidos por interesses de ordens diversas: para os organizadores, ganhar dinheiro, credibilidade com o trabalho desenvolvido, dentre outros, enquanto os velhos ganham formas de ocupação e apropriação do tempo livre, possibilidades de lazer e de amizades, por exemplo. Dessa forma, todos ganham algo (MOTTA, 2004). Outra forma de interação em destaque nas análises de Simmel (1983), e que achamos de fundamental importância é a conversação. Para o autor, a conversação é o veículo mais geral e comum das pessoas, pois todos conversam entre si por algum motivo: porque desejam comunicar algo, ou saber de algo, ou conversam por conversar, em reuniões sociais. Nos dois primeiros casos, a conversa atinge seus verdadeiros fins, visto que as interações nesse caso são puras e espontâneas, e, no terceiro, o que acontece é a arte da conversação, pois as reuniões já pressupõem a existência de conversações. Cabe ressaltar a noção de que essas conversações estão a serviço dos conteúdos e propósitos da vida humana e a sua importância deriva delas mesmas, do jogo de relações entre os participantes. Logo, de acordo com o tipo ideal proposto por Simmel (1983), a conversação em si é mais importante do que seus conteúdos. Isso não quer dizer que os conteúdos envolvidos nesse processo não sejam importantes. Pelo contrário, esses devem ser interessantes e atraentes ao mesmo tempo, todavia, não devem ser o objeto da conversação, mas sim a própria interação das pessoas. O autor entende, ainda, que toda conversa pressupõe reciprocidade, haja vista que só acontece partindo de uma interação prévia de duas ou mais pessoas, em que todas devem estar envolvidas. Além disso, realça a necessidade humana de interação, de conversação, pois conversamos sobre tudo, desde assuntos necessários, interessantes, até temas mais bobos, utilizando, por vezes a narração de piadas e anedotas para estabelecer o contato com os demais. Esse tipo ideal de sociabilidade elaborado por Simmel (1983) é de fundamental importância porque, partindo dele, podemos compará-lo com as formas reais e, desde então, fazer análises sobre o que significam essa categoria e suas repercussões na Contemporaneidade. 123 Passando aos estudos mais contemporâneos sobre sociabilidade na velhice, Peixoto (2000, p. 45) assevera que a maioria dos autores que dedicam estudos à da sociabilidade a definem como o conjunto de relações sociais tecidas pelos indivíduos e as formas como estas são estabelecidas; noção que aparentemente pode ser ampliada a todas as situações sociais em que o indivíduo entra em relação com o outro. A autora define as práticas de sociabilidade como um sistema de relações sociais e expressa a ideia de que os estudos sobre tal temática estão muito em voga, sendo necessário subdividir essa categoria: O termo sociabilidade tomou tal vulto que foi preciso distinguir as relações estabelecidas entre dois indivíduos – ditas primárias ou informais – das relações coletivas, designadas como secundárias ou formais. Se estas ―sociabilidades‖ se diferem na forma, seu traço comum é sempre a relação face a face, a interação com o outro ou com os outros. (PEIXOTO, 2000, p. 46). Essa sociabilidade primária ou informal, espontânea, que se aproxima do conceito proposto por Simmel (1983), pode ser encontrada em ambientes públicos, nas ruas e nas praças, entre outros ambientes, onde as relações sociais acontecem ou podem vir a suceder de uma maneira livre. Já a sociabilidade secundária ou formal, reconhecida por Peixoto (2000) como sociabilidade organizada, ocorre frequentemente em organizações institucionais, de natureza pública ou privada, como os grupos de convivência. É essa modalidade que nos interessa estudar nesse momento, porquanto nosso locus de pesquisa configura-se como promotor dessa sociabilidade secundária. Assim, refletimos sobre questões como: até que ponto as relações tecidas nesses espaços ficam restritas somente a esses? Essas relações poderão ultrapassar esse espaço e chegarem ao âmbito privado? Em que medida tal sociabilidade se aproxima ou não da sociabilidade pura? Como já mencionamos, com o crescimento do número de idosos e, consequentemente, da necessidade de serviços, políticas públicas e modalidades de atendimento a essa população, é cada vez é mais frequente a proliferação de grupos de convivência, nos quais a ocupação do tempo livre e a promoção da sociabilidade intrageracional são o carro-chefe. 124 Motta (2004, p. 113-114) corrobora a ideia de Peixoto (2000) ao analisar esses espaços como promotores de uma sociabilidade fabricada, dirigida e substitutiva da verdadeira (pura), pelo menos no início, pois reconhece que outras relações podem ser tecidas com o passar do tempo nesses locais: Também desenvolve-se uma outra espécie de associação, ―fabricada‖ em vários módulos para o consumo capitalista – em grupos de convivência, clubes, escolas e cursos, entre os quais se destacam os ―programas para a terceira idade‖. Agentes de gestão da velhice organizam o consumo de serviços e equipamentos para grupos cada vez mais numerosos – e a sociabilidade é uma das mercadorias oferecidas. A isso me referia ao comentar: ―Os grupos de convivência e programas apara idosos expressam ou instituem, comumente, uma sociabilidade dirigida e substitutiva da verdadeira, espontânea. Pelo menos no começo‖, porque, com o persistir dos encontros, outras relações vão se construindo [...] no dinamismo das relações sociais o terreno da sociabilidade marcada também propicia encontros que podem gerar outras formas, mais espontâneas, de convivência, como a camaradagem e a amizade – e aí, sim, retornamos, ainda que pontualmente, à sociabilidade ―pura‖. Nesse mesmo sentido, Peixoto (2000, p. 46) assevera que a sociabilidade é capaz de estabelecer um elo entre as interações sociais cotidianas e as relações sociais efêmeras. Resta, então, aos indivíduos escolher, no conjunto dessas atividades que se organizam e desenvolvem, sua participação na vida coletiva, seus amigos e parceiros amorosos. Partindo daí, Motta (2004) ensina que estudar os grupos de convivência nessa perspectiva é algo por demais relevante, uma vez que tais equipamentos permitem testar experiências, experimentos e hipóteses sobre sociabilidade, na medida em que se configuram como promotores de suas formas secundárias, mas podem se converterem, em algumas situações, em espaços nos quais essa pode se dar de maneira pura, espontânea. Além disso, a autora reflete sobre tais grupos como interessantes de analisar porque, independentemente de formas classificatórias, esses propiciam o exercício da sociabilidade, dimensão essencial da vida humana, e que traz sentimentos positivos e satisfação para seus partícipes, pelo fato de estarem associados. Peixoto (2000, p. 17.) anui a esse pensamento, quando assinala que: As pessoas que se encontram nos lugares públicos, que se veem cotidianamente, que se cumprimentam, enfim, que tecem relações sociais, constroem um sistema de seleção nas relações de amizade, de amor e mesmo de parentesco, fundado em critérios de pertencimento, onde os gostos, os hábitos e a frequência cotidiana 125 expressam sua identidade social. No que concerne aos aposentados, a finalidade comum de preencher o vazio da inatividade leva-os a se agruparem em torno de seus pares e, assim, a construírem um elo a partir de sua identificação etária. Sem dúvidas, esses equipamentos sociais têm papel fundamental como mediadores dessa sociabilidade intrageracional, que é importante para os velhos. Entretanto, Motta (2004), entretanto, com base em seus achados empíricos e teóricos, revela que há dificuldades nesse processo, tanto dessas relações públicas se tornarem privadas, como o fato de elas serem meramente geracionais, não havendo, na maioria dos casos, o incentivo ao convívio intergeracional. Com relação ao primeiro ponto inventariado pela autora, ela exprime que é perceptível o entusiasmo de muitos velhos com as amizades construídas nos grupos de convivência. Por outro lado, observa-se que ainda há por parte de alguns, sobretudo os pertencentes as camadas médias, certa resistência em tornar privadas essas relações constituídas em espaços públicos. Significa isso dizer que, por mais que tais grupos pretendam ensejar o convívio, a socialização e o estabelecimento de amizades entre seus membros, boa parte dessas relações tecidas nesses locais, fica restrita a esses próprios. Muitos desses relacionamentos não conseguem ultrapassar as barreiras físicas dos equipamentos sociais onde elas acontecem e ser levadas para outros locais, sejam esses a rua ou a própria casa dos velhos. Encontramos esse panorama no grupo pesquisado: participantes que assinalam haver estabelecido amizades verdadeiras nesse espaço, e também, por outro lado, outros que demonstram resistência em tornar privadas as relações tecidas nesses locais. É válido destacar o fato de que grande parte dos nossos interlocutores, assim como os de Motta (2004), também pertence às camadas médias, demonstrando que a sociabilidade também é permeada pelos extratos de classe. Isso corrobora a noção de sociabilidade institucionalizada. Compreendemos que essa não é a proposta de tais agrupamentos, porém, em decorrência da vida moderna, das múltiplas atividades que os velhos desenvolvem, as distâncias geográficas e às vezes óbices de locomoção dificultam que essas relações possam acontecer fora do espaço institucional. 126 Inclusive encontramos isso com frequência no campo pesquisado, ou seja, parte das relações constituídas no SESC/TSI, mais precisamente no Grupo de Criação Literária, fica restrita a esse local, não conseguindo ultrapassar as barreiras físicas da instituição e capilariza-se para outros espaços, sejam eles públicos ou privados. Assim: [...] essas instituições de animação da ―terceira idade‖, ainda quando não intencionalmente, porém por força da ação de reunir pessoas que, em maioria, não se conheciam antes, tornam-se verdadeiros negociadores ou mediadores da sociabilidade, e ao mesmo tempo propiciadores da criação de limiares (lembre-se Simmel) por onde a sociabilidade pode expandir-se, ou ―escorrer‖. E ―escorre‖ também, para ir se solidificando novamente em construções identitárias de idade/geração – um efeito ou um bem não previsto para qualquer dessas agregações. (MOTTA, 2004, p. 115). Consoante a autora disserta, entretanto, isso não é regra. É possível encontrar variados graus de sociabilidade quando se estuda esse aspecto na velhice, dependendo do local e de cada velho. Embora haja aqueles mais resistentes a levar essas relações para fora do espaço institucional, também é possível encontrar amizades puras constituídas nesses locais e que se mantêm fora deles. Assim, nota-se que uma ampliação no escopo de significados do termo sociabilidade vem-se dando no âmbito da própria prática científica, que extrapola o modelo formal de Simmel (MOTTA, 2004, p. 120). Pudemos verificar a verdade dessa afirmação no grupo pesquisado. Como veremos mais adiante, alguns conseguiram tecer relações verdadeiras e puras, por assim dizer, mantendo-as fora do TSI. Outro problema encontrado por Motta (2004, p. 118) remete-se ao pouco incentivo ao convívio intergeracional propiciado por tais grupos. A autora reconhece como fundamental o contato entre as gerações, para que a integração social dos velhos possa se efetivar de maneira mais ampliada, de modo que eles possam alcançar a condição de cidadãos. Poucos programas e grupos, entretanto, investem nessa dimensão. E isso é de fundamental importância, haja vista que é a sociabilidade intergeracional que se constitui, evidentemente, no fundamento possível da pertença social dos mais velhos. A convivência solidária não deixa espaços para a solidão e a marginalidade. Ademais, conviver entre iguais o tempo todo, conforme comenta Bauman (2004, p. 134-135), em ambientes onde a sociabilidade pode ser superficial, pode fazer com que os 127 sujeitos desaprendam a conviver com o diferente. Trazendo para essa abordagem, com as demais gerações, Quanto mais as pessoas permanecem num ambiente uniforme – na companhia de outras ―como elas‖, com as quais podem ―socializar-se‖ de modo superficial e prosaico sem risco de serem mal compreendidas nem a irritante necessidade de tradução entre diferentes universos de significações - , mais tornam-se propensas a ―desaprender‖ a arte de negociar um modus convivendi e significados compartilhados. De todo modo, enquanto os avanços nessa direção sejam parcos, a autora realça a importância do estímulo ao convívio geracional, o qual dá azo a ganhos expressivos, ainda que parciais, aos velhos. Assim, Motta (2004, p. 119) reafirma a importância da convivência intrageracional, que não é tudo, mas também não é pouco. Além disso, embora tais grupos não fixem fronteiras etárias para a participação dos velhos com idade mais avançada, apenas uma pequena parcela deles, que ainda possuem disposição e vigor, conseguem frequentá-los. Geralmente aqueles com idade maior do que 80 anos, com alguma dificuldade de locomoção ou alguma dependência, têm uma sociabilidade mais restrita ao âmbito familiar: No caso da moderna sociabilidade grupal, são os velhos de menos idade que basicamente a vivem. Mais afinados com o tempo social que gestou esses ―programas para a terceira idade‖, a eles têm naturalmente aderido. Porque são os que gozam mais larga e amplamente dos benefícios desse fato social relevante e relativamente recente que é a aposentadoria – seja como classificação social, seja como a possibilidade de contar com uma renda certa e com a ideia de utilização de um tempo livre para aproveitar em lazer e sociabilidade; são também dos que foram atingidos mais diretamente pela difusão do ideário feminista de emancipação, autonomia e igualdade de direitos entre os sexos. [...] São por fim, entre os idosos, os que estão mais saudáveis e vigorosos, mais aptos a iniciar algo novo, como estudar, fazer passeios e viagens, ou participar de festas e reuniões extrafamília, e não necessariamente com os antigos amigos. São eles, enfim, uma geração ainda em sintonia social com o tempo presente. (MOTTA, 2004, p. 127). Ainda de acordo com a autora, os velhos de mais de 80 anos, geralmente, têm dificuldades de se afinarem ao tempo social corrente. Ademais, em geral, moram com a família, ou a família mora com eles, por problemas de saúde ou de ordem econômica, o que limita a sociabilidade deles nesse nível. 128 Reafirmando esse panorama, encontramos, no nosso universo, apenas uma participante nessa faixa etária, a qual, apesar de ter problemas cardíacos, cuida bastante da sua saúde e é completamente lúcida e capaz, não tendo ainda nenhum grau de dependência ou dificuldades de locomoção, comparecendo ao grupo sozinha e realizando as atividades solicitadas a contento. O fato, contudo, de existir apenas uma octogenária no grupo pesquisado já nos revela que, de fato, os velhos nessa faixa etária não costumam ocupar grupos de convivência, e, como indica Motta (2004), ficam mais restritos ao âmbito doméstico e suas sociabilidades são, sobretudo, baseadas em relações familiares e de vizinhança. Não estamos querendo dizer com isso que os grupos de convivência têm a obrigação de buscar estratégias para incluir essa parcela de velhos. Queremos apontar é que essa parcela dos mais longevos, com algum grau de dependência, ainda permanece descoberta, alijada das iniciativas no campo das políticas públicas na atualidade, restandolhes apenas o âmbito familiar e as relações com amigos antigos ou de vizinhança. A despeito deste assunto, Alcântara (2010, p.43), ao tecer considerações sobre a constatação de uma população superenvelhecida, os octogenários, reflete em torno do contexto de uma sociedade ausente em termos de ―serviços adequados aos velhos mais jovens. Deve ser mais preocupante pensar como se encontram os mais velhos‖. É importante considerar, também, outros aspectos de fundamental importância, os quais permeiam a questão da sociabilidade na Contemporaneidade, para que melhor possamos compreendê-la. Segundo Bauman (2001), vivemos em tempos líquidos, marcados pela instantaneidade, pela supervalorização do curto prazo em detrimento do longo prazo, pela rapidez, pela diminuição de fronteiras entre tempo e espaço, em decorrência dos avanços nos sistemas de transportes e nos meios de comunicação, dentre outros aspectos. A junção desses fatores à multiplicidade de papéis e ocupações que temos fora do ambiente doméstico, o crescente individualismo e a pouca solidariedade entre gerações, dentre outros elementos, repercutem diretamente nas relações sociais. Assim, essas se tornam cada vez mais efêmeras, líquidas, fluidas e frágeis, produzindo incerteza e insegurança. Nesse sentido, Bauman (2001) assevera que a sobrevivência humana se faz cada vez mais frágil e incerta, à medida que o tempo passa, até se tornar dispensável. 129 Isso traz sérias repercussões para o convívio, seja ele intrageracional, intergeracional e/ou familiar, haja vista que a forma como tais relações acontecem na Contemporaneidade incita o enfraquecimento e a decomposição dos laços humanos. Nesse sentido, queremos refletir como se configura a sociabilidade tecida no grupo de convivência pesquisado. Estará ela também permeada por essa liquidez? Para explicar esse conceito de modernidade líquida, o autor retoma alguns aspectos da Física, expressando que os líquidos, ao contrário dos sólidos, são mais frágeis, têm maior propensão a escorrerem, a não se firmarem, comparando-os com as relações sociais contemporâneas, em que os vínculos não perduram e os laços humanos são atados frouxamente, para que possam ser desatados sem maiores dificuldades quando for necessário; ou seja, não existem para durar. Esse panorama revela uma contradição, pois, anuindo ao pensamento de Simmel (1983), Bauman (2004) concorda com a ideia de que as pessoas, mesmo na modernidade líquida, anseiam pelo convívio com o outro, com alguém com quem possam contar quando precisarem e lhes dar segurança. Temem constantemente, entretanto, pelos encargos que tais relações podem trazer. Nesse sentido, Bauman assinala que os relacionamentos contemporâneos podem ser vistos como bênçãos ambíguas, oscilando entre sonho e pesadelo. Esse ponto enseja tantos conflitos que, frequentemente, há quem procure ajuda profissional para lidar com seus relacionamentos, além daqueles que buscam aplicar em suas vidas os inúmeros receituários para relacionar-se bem, amplamente difundidos em revistas e programas de rádio (BAUMAN, 2004). Assim, o autor aponta que talvez esse seja o motivo pelo qual as pessoas atualmente estão mais preocupadas com estarem conectadas do que em se relacionarem. Afinal, nesse mundo das redes e conexões, estar conectado depende apenas da vontade própria e das escolhas de cada um. Não há dificuldade alguma em encerrar uma conexão, pois, desfazer uma amizade resume-se apenas em clicar em um botão, dentre outros aspectos. Por isso as relações virtuais são de tal modo valorizadas na contemporaneidade: elas parecem feitas sob medida para o líquido cenário da vida moderna. (BAUMAN, 2004, p. 12). Além disso, tais relações dão ensejo a satisfação momentânea para as partes envolvidas. Quando não satisfazem mais, são facilmente descartadas. Nesse sentido, as 130 relações de bolso, aquelas que podem ser guardadas no bolso e serem retomadas quando for necessário, pautadas na instantaneidade e na disponibilidade, e cujo controle é individual, tornam-se cada vez mais frequentes e valorizadas, em detrimento das relações face a face. Em contrapartida, esses relacionamentos não trazem a mesma felicidade que proporcionam aqueles reais. Desse modo, ganha-se de um lado, pela agilidade e rapidez desses relacionamento, mas perde-se do outro, no tocante à qualidade e à durabilidade das relações: Quando se é traído pela qualidade, tende-se a buscar a desforra na quantidade. Se os ―compromissos são irrelevantes‖ quando as relações deixam de ser honestas e parece improvável que se sustentem, as pessoas se inclinam a substituir as parcerias pelas redes. Feito isso, porém, estabelecer-se fica mais difícil (e adiável) do que antes – pois agora não tem mais a habilidade que faz, ou poderia fazer a coisa funcionar. Estar em movimento, antes um privilégio e uma conquista, torna-se uma necessidade. Manter-se em alta velocidade, antes uma aventura estimulante, vira uma tarefa cansativa. Mais importante, a desagradável incerteza e a irritante confusão, supostamente escorraçadas pela velocidade, recusam-se a sair de cena. A facilidade do desengajamento e do rompimento (a qualquer hora) não reduzem os riscos, apenas os distribuem de modo diferente, junto com as ansiedades que provocam. (BAUMAN, 2004, p. 13). Outrossim, esse uso excessivo das tecnologias nas relações sociais, pautado na proximidade e distância ao mesmo tempo, dificulta as conexões reais entre as pessoas, na medida em que elas possibilitam ligações mais frequentes e mais banais, que exigem menos tempo e esforço para serem estabelecidas e rompidas: A realização mais importante da proximidade virtual parece ser a separação entre comunicação e relacionamento. Diferentemente da antiquada proximidade topográfica, ela não exige laços estabelecidos de antemão nem resulta necessariamente em seu estabelecimento. ―Estar conectado‖ é menos custoso que ―estar engajado‖ – mas também consideravelmente menos produtivo em termos da construção e manutenção de vínculos. (BAUMAN, 2004, p. 82). Cabe ressaltar o fato de que recorrer a tais relações de bolso não é uma invenção assim tão recente, quanto parece. Barros e Goldman (1999) dissertaram sobre a relação entre a velhice e a sociabilidade construída nas salas de bate-papo, na internet, muito em voga neste período e que, hoje, já são obsoletas, haja vista a rapidez na evolução de programas e aplicativos com essa finalidade. 131 Nessa pesquisa, as autoras encontraram, já nessa época, em maior escala, relações controladas, baseadas no paradoxo da confiança e, ao mesmo tempo, do receio a entregar-se, em razão do medo de se aproximar de estranhos e, com isso, a dificuldade em tornar relações virtuais em relações reais. As autoras toparam, todavia, no campo em que pesquisaram, casos de relacionamentos, sejam eles de amizade ou amorosos, que saíram no ambiente virtual para o real, bem como manifestações de solidariedade, indicando que mesmo as relações constituídas nesses ambientes têm possibilidades mais pessoalizadas, podendo chegar ao âmbito privado. Como assinalávamos, essa lógica de relacionamentos por meio de redes sociais está sendo cada vez mais fortificada na Contemporaneidade, tanto que, mesmo nos espaços mais privados, ela se encontra. É muito comum que as pessoas levem esses comportamentos para dentro de suas casas; que, ao chegarem a esse espaço, fiquem isoladas dentro dos seus quartos, ou dentro de si mesmas, junto aos seus aparelhos celulares e estabeleçam conexões mais frequentes com as pessoas de suas redes sociais do que com aquelas ali residentes. Assim, vive-se separadamente, mesmo estando-se lado a lado (BAUMAN, 2004), fato indicativo de que morar junto com outras pessoas nem sempre implica em convívio. Muitas vezes é apenas coabitação. Em seu clássico texto A metrópole e a vida mental, escrito em 1902, Simmel (1979) manifesta uma visão pessimista perante as mudanças da passagem entre o mundo tradicional e o moderno, discorrendo sobre as peculiaridades da individualidade, como valor essencial da Modernidade. Para o autor, a impessoalidade e o distanciamento no cotidiano da metrópole se configuram como posições mantenedoras da individualidade, situação compreendida como atitude blasé. Ante essa conduta de reserva, é possível que as pessoas nem reconheçam as que estão próximas. Quer dizer, inexistem vínculos mais sólidos, seja nas relações de parentesco, vizinhança ou de amizade, predominando, antes de tudo, relações racionais, movidas pelo capital. O dinheiro se refere unicamente ao que é comum a tudo: ele pergunta pelo valor da troca, reduz toda qualidade e individualidade à questão: quanto? Todas as relações emocionais íntimas entre as pessoas são fundadas em sua individualidade, ao passo 132 que, nas relações racionais, trabalha-se com o homem como um número, como um elemento que é em si mesmo indiferente (SIMMEL, 1979, p.13). Segundo seu raciocínio, a mente moderna se tornou mais e mais calculista, por ocasião do desenvolvimento da cultura moderna, marcado pelo predomínio do ‗espírito objetivo‘ sobre o ‗espírito subjetivo‘. Retomando a discussão das formas de relacionamento, é bastante provável que os não conectados fiquem isolados e convivam pouco com os quais residem e procurem outras sociabilidades extrafamiliares, como os velhos nos grupos de convivência e universidades para a terceira idade, dentre outros programas e projetos onde possam estar em contato com o outro. De acordo com Bauman (2004), esse não é um problema cuja causa seja tãosomente o uso excessivo de adventos tecnológicos. A questão da confiança, ou a falta dela, mais uma das marcas da Modernidade líquida, também está diretamente implicada neste processo. O autor reflete a ideia de que, em outros tempos, confiar era uma das características naturais da condição humana, que as pessoas confiavam umas nas outras sem sequer conhecêlas, só desconfiando delas se houvesse algum motivo prévio para isso. No mundo líquido, entretanto, é diferente. Um estranho não é alguém em que se possa depositar algum tipo de confiança. Pelo contrário, ao lidar com alguém que não se conheça, é necessário estar em um estado permanente de alerta, pois as atitudes e comportamentos dele são desconhecidos. Por outro lado, estar em contato com estranhos é algo corriqueiro, principalmente quando se vive em grandes cidades. Não que seja estabelecido algum convívio entre eles, porém, o contato acontece com frequência; ou seja, interagem sem, contudo, deixarem de ser estranhos entre si. Como esse contato, ainda que superficial acontece independentemente da vontade das pessoas e é difícil de escapar dele, faz-se necessário que os estranhos se aceitem como diferentes, em sua pluralidade. É nesse sentido que Bauman (2001) retoma o conceito de civilidade, indicativo de que a vida urbana requer habilidades humanas para se conviver com o outro. Assim, os humanos lançam mão de artifícios diversos, dentre os quais está o de esconder a própria essência para conviver com os demais. Trata-se de revelar em espaços 133 públicos apenas suas personae públicas, evitando que aspectos mais íntimos sejam também conhecidos por estranhos. Diante de tudo isso, o autor defende a ideia de que viver em comunidades em tempos contemporâneos é totalmente utópico. Embora se busque muito por isso, inclusive por via da criação, dentro das cidades, de espaços propícios para esse convívio social e a vida comunitária, tais como restaurantes, praças, pistas de treinamento (e por que não incluir os grupos de convivência aqui também?) todos esses fatores inventariados até o momento acerca da vida líquida dificultam que essas relações possam ser estáveis e duradouras. Dificultam, mas não inviabilizam, até porque as relações sociais e as formas de exercício da sociabilidade, embora sejam bastante influenciadas por fatores externos aos sujeitos, também dependem em larga escala das suas experiências de vida e de como eles a vivenciaram e continuam experienciando até hoje. Assim, veremos em seguida as nuances da sociabilidade dos membros do Grupo de Criação Literária do TSI/SESC Fortaleza a seguir. 4.3 A sociabilidade entre os velhos do Trabalho Social com Idosos: o caso do Grupo de Criação Literária Como já mencionamos, o Grupo de Criação Literária é composto, atualmente, por 23 membros e promove reuniões semanais, sempre nas segundas-feiras, no SESC Fortaleza, localizado no centro dessa cidade. Nesses encontros, são discutidas questões referentes à literatura e produções literárias, dentre outros. Também já informamos que um dos motivos pelos quais elegemos esse grupo para a realização da pesquisa foi a identificação com ele, o que, em muito, facilitou o contato com os membros, a forma como fomos recebida e a condução dessa. Não imaginávamos, porém, que fôssemos encontrar um grupo com questões tão próprias no tocante à sociabilidade. De início, já ficamos surpresa quando percebemos, logo nos primeiros encontros, que os partícipes desse grupo sempre costumam chegar pelo menos meia hora antes do 134 encontro começar para ficarem reunidos entre si, aguardando a chegada do facilitador e o início das atividades previstas para o encontro. Ao chegarem, a reunião se inicia com palavras breves, de polidez e cortesia, com cumprimentos, como ―bom dia‖ e ―tudo bem?‖. Os que já têm maior proximidade uns com os outros, pulam facilmente esse momento ―quebra gelo‖ com abraços, iniciando conversas sobre o cotidiano deles. Assim, os diálogos vão acontecendo naturalmente, dependendo do grau de amizade que cada um tem com o outro. Com o passar do tempo, pudemos observar que é rotineiro chegar mais cedo e ficar conversando com os colegas sobre assuntos concernentes a publicações, produções literárias, perguntar por quem está faltando, além de assuntos pessoais e sobre o grupo também, enquanto tomam café, revelando um laço de amizade já construído há algum tempo (Diário de campo, Fortaleza, 10/03/14). É também nesse momento livre que uma das participantes, a qual vende roupas e artesanatos, costuma levar esses produtos para comercializá-los lá. As colegas do grupo provam, compram, fazem encomendas de outras coisas de seu interesse e fazem pagamentos de compras já realizadas. Ainda é curiosa a forma como os velhos ficam distribuídos no espaço geográfico da sala onde acontecem as reuniões do grupo: alguns têm seus locais marcados e costumam sentarem-se do lado das mesmas pessoas, com quem têm mais afinidade. Inclusive, há o hábito de um guardar o lugar do outro, enquanto não se chega. A esse respeito, Peixoto (2000, p. 102) afirma que marcar o espaço pessoal é uma atitude legítima que sinaliza o pertencimento (sic) a um grupo particular de frequentadores que têm o direito de reservar lugares para os companheiros retardatários. Isso é ainda mais forte entre os homens. Talvez por eles serem minoria (há apenas três frequentadores assíduos contra 20 mulheres), eles sempre sentam um do lado do outro, nucleados e, embora se relacionem com as mulheres, esse contato se dá em uma escala bem menor. Assim, observamos que os homens têm uma sociabilidade diferenciada: geralmente entre eles. Costumam sentarem-se sempre nos mesmos lugares, um do lado do outro, e 135 conversarem entre si. Conversam menos com as mulheres (Diário de Campo, Fortaleza, 08/09/14). Já no caso das mulheres desse grupo, algumas têm o hábito de sentarem-se próximas daquelas com quem possuem maior afinidade. Quando, porém, as cadeiras já estão ocupadas, sentam-se em qualquer lugar da sala e relacionam-se bem com quem estiver do lado. Restou claro que as relações entre elas fluem mais facilmente, que elas conversam mais do que os homens e têm maior facilidade em estabelecer relações interpessoais fora do pequeno grupo com quem usufruem maior afinidade. Inferimos daí que a sociabilidade do Grupo de Criação Literária também está permeada por um intensivo componente de gênero, haja vista as distintas formas estabelecidas entre homens e mulheres de relacionarem-se entre si e de estarem em grupo. Não podemos generalizar e dizermos que o exercício da sociabilidade entre homens e mulheres acontece sempre assim, até porque estamos falando de um grupo com presença massiva feminina, onde há apenas três homens contra 20 delas. Isso repercute de alguma forma na maneira em que eles se relacionam em grupo. Talvez seja exatamente por isso que os homens preferem ficar nucleados entre si, já que são minoria. Outro aspecto interessante de ser destacado refere-se às funções, às tarefas que determinados membros do grupo assumem para si e são reconhecidos pelos demais como referência nesse sentido. Há duas partícipes que desempenham atividades importantes para a condução do grupo. Uma delas (a mesma que realiza as vendas) é reconhecida como uma das grandes articuladoras do grupo. Ela fica responsável por pegar o café na sala do TSI para levar à sala onde acontecem as atividades do grupo, para que os participantes possam tomar, enquanto se sociabilizam antes do facilitador chegar. Ademais, ela é responsável por realizar as cotas e fazer as encomendas das comidas para os momentos de confraternização do grupo (discorreremos mais à frente a esse respeito). Nossa visão sobre esse papel que ela assume foi reforçada em um dos encontros, quando ela passou perguntando, de um por um, o telefone dos membros do grupo, na intenção 136 de atualizar sua lista de contatos, a fim de comunicar-se com eles fora do espaço institucional, quando necessário. Além disso, em virtude do seu protagonismo e forte expressão no grupo, houve uma vez em que o facilitador não pôde comparecer, por motivo de doença, então, ligou para a referida participante e solicitou que ela conduzisse o encontro junto aos demais, o que revela: [...] a autonomia, protagonismo e troca mútua existente entre o grupo, visto que mesmo diante desse imprevisto, os próprios velhos realizaram as atividades propostas. Entretanto, reconhecemos a importância da presença do facilitador. Notamos que apesar de os participantes conseguirem realizar o que havia sido proposto, foi complicado organizarem-se, respeitarem a fala um do outro e até mesmo a permanência de todos até o fim, que costuma acontecer, não houve. Menos da metade dos participantes permaneceu até o final. (DIÁRIO DE CAMPO, Fortaleza, 26/05/14). Outra integrante do grupo fica responsável por trazer informes sobre a Academia Cearense de Letras, associação da qual participa, e de outros espaços literários, quer sejam do SESC ou não. Essa troca de informações é de fundamental importância na medida em que proporciona o intercâmbio de diferentes grupos e viabiliza o acesso à informação aos idosos do Grupo da Criação Literária. Cabe ressaltar que, por mais que essa participante seja considerada como a pessoa de referência nesse sentido, sempre que alguém sabe de algum concurso ou evento literário, oportunidades de publicação, dentre outros, eles próprios se encarregam de socializar essas informações para o grupo. À medida que o tempo foi passando, e nós fomos conhecendo cada vez mais elementos da realidade do grupo pesquisado, ficou nítido que, de maneira geral, os participantes têm boa relação, já constituída por meio de um longo período, haja vista que há membros frequentando a referida atividade desde o seu início. Assim, o fato de eles dividirem interesses comuns por literatura, leitura e produções literárias, dentre outros, os aproxima para além da identificação etária. A coesão existente na turma também é um dos pontos fortes nesse agrupamento, levando seus membros a exercitarem a autonomia e o protagonismo: 137 [...]o grupo além de coeso, é bastante autônomo e protagonista de suas ações. O próprio facilitador incita isso, deixando-os livres para fazerem o que gostam, dandolhes o direcionamento, obviamente, mas não deixando as coisas fechadas. Tanto é que assegurou que muitas vezes o roteiro traçado por ele não é executado, pois sempre há intervenções, momentos que eles criam e que deixam o grupo ainda mais interessante, contemplando os interesses dos seus participantes (DIÁRIO DE CAMPO, Fortaleza, 19/05/14). Esse também é um grupo onde existe ajuda mútua entre os participantes. Enquanto estávamos em campo, não era raro ver participantes ajudando uns aos outros quando não conseguiam ler algo, ou entender determinado assunto ou informe dado, além de prestarem auxílio em momentos de dificuldades de locomoção e afins. Além disso, alguns membros se articulam coletivamente para produzirem livros juntos e enviá-los para concursos culturais, quer sejam aqui no Estado do Ceará ou fora dele, ou mesmo para publicá-los em conjunto, arcando com os custos gerados para tanto. Nesse sentido, percebemos que não há competições entre os membros do grupo, que ninguém tenta se sobressair sobre os outros. Inclusive, uma das participantes do grupo, Rachel de Queiróz, 67 anos, que já possui um vasto currículo de produções literárias, contando com livros escritos, textos publicados em blogs na internet, participação em concursos e eventos literários, onde costuma ganhar medalhas e menções honrosas, costuma compartilhar suas experiências de viagem, quando vai receber algum prêmio literário. Os demais sempre a parabenizam. É notório que uns torcem pelos outros e que não há inveja, que os velhos não procuram sobressaírem-se uns sobre os outros. Cada um tem seu espaço e trabalha dentro da sua perspectiva, uns mais acadêmicos, outros mais por interesse pessoal (Diário de Campo, 28/07/14). Outro forte indicativo de sociabilidade nesse grupo é a grande necessidade de conversação, nos termos de Simmel (1983). Sempre que o facilitador do grupo está esclarecendo alguma dúvida individual ou nas pausas entre as leituras dos textos, os velhos sempre conversam entre si ou com o facilitador, sobre diversos assuntos, desde relações que fazem das leituras com algum aspecto da vida diária de cada um a esclarecimento de dúvidas. Durante o encontro, sempre há pausas para comentários, para contar algo relacionado ao que foi lido, indicações de leituras, conversas sobre literatura, dentre outros assuntos. (Diário de Campo, Fortaleza, 25/08/14). 138 Toda essa interação, organização e afetividade entre o grupo materializa-se também nos momentos de confraternização, propostos, planejados, geridos e realizados por eles próprios, com bastante frequência. Durante o tempo em que ficamos em campo, tivemos a oportunidade de vivenciar vários momentos assim, em datas carregadas de valor simbólico para os membros desse agrupamento. A primeira confraternização de que participamos aconteceu no dia 31 de março de 2014, em comemoração ao aniversário do facilitador do grupo. No encontro anterior, uma participante fez a proposta e logo a turma organizou uma cota com vistas a arrecadar dinheiro para comprarem um presente em nome da classe e os comes e bebes para o evento. Na ocasião, além da entrega do presente e lanche, alguns partícipes declamaram poesias de sua autoria em homenagem ao facilitador. Foi um momento de grande interação do grupo e ficou perceptível que os participantes dessa atividade conseguem se articularem bem em coletivo, ao ponto de planejarem e executarem um momento como esses, o qual exige uma organização e interlocução prévia entre eles. (Diário de Campo, Fortaleza, 31/03/14). Quase um mês depois, no dia 28/04/14, em comemoração à Páscoa, uma das participantes do grupo aproveitou o momento livre antes da chegada do facilitador para celebrar a data com os colegas. Ela levou um CD com músicas religiosas para que eles escutassem e distribuiu uma lembrancinha artesanal confeccionada por ela própria: um coelhinho feito com toalha, onde ela pôs um chocolate. Depois de refletir o valor simbólico com os demais, entregou o coelho a cada um (Diário de Campo, Fortaleza, 28/04/14). Durante esse momento, os velhos conversaram bastante entre si, como sempre acontece. Pudemos perceber que, neste dia houve uma maior interação entre os eles, talvez por esse momento de acolhida criado por uma das participantes. Eles estavam conversando mais e se relacionando com aqueles com os quais não têm tanto contato (Diário de campo, 28/04/14). Quando o facilitador do grupo chegou, esse momento ainda estava acontecendo. Então, ele se juntou aos longevos. Depois, passou a conduzir o encontro, como de costume, e as temáticas previstas para aquele dia começaram a ser discutidas, bem como as leituras das produções realizadas na última semana foram realizadas. 139 Duas semanas após a comemoração da Páscoa, ao chegar à sala da Criação Literária, no dia 12/05/14, esta já havia sido preparada para a comemoração do Dia das Mães: as cadeiras e mesas estavam afastadas, havia mesas juntas com lanches sobre elas e lembrancinhas artesanais feitas por uma das velhas, com garrafa pet e chocolates. Os participantes declamaram poesias de autoria deles próprios e cantaram em homenagem às mães do grupo. (Diário de Campo, Fortaleza, 12/05/14). Depois da chegada do facilitador e da leitura das poesias e textos preparados pelo grupo em homenagem às mães, foi servido o lanche, pelos próprios participantes, revelando a organização e ajuda mútua entre eles e, em seguida, houve um sorteio das lembrancinhas artesanais. Após esse momento, iniciaram-se as atividades programadas pelo facilitador para aquele dia. No encontro seguinte, mais uma vez, encontramos a sala ornamentada, com a mesa posta com bolos, sucos e chapéus de festa infantil, pois a turma estavam comemorando o aniversário de uma das participantes do grupo. (Diário de Campo, Fortaleza, 19/05/14). Novamente, comeram, riram, socializaram-se e recitaram poesias em homenagem à colega aniversariante, demonstrando o sentimento de afetividade entre eles. Percebemos que os velhos desse grupo gostam de estar sociados, de comemorar, confraternizar entre si, o que os faz articularem-se entre si e prepararem momentos assim. Isso revela a coesão e afetividade que há no grupo, pois geralmente a vontade de celebrar se dá em grupos onde há um vínculo já construído, uma amizade. Essa articulação a qual estamos nos referindo é bem peculiar ao grupo. Tendo como base o período que passei como estagiária na referida instituição, momentos assim, dentro de outros grupos, costumam acontecer com menor frequência, geralmente no encerramento do grupo, aniversário do facilitador ou dia do professor, por exemplo. Com a Criação Literária esses momentos festivos são mais rotineiros e, como já foi dito, eles não são um momento em si, há toda uma preparação, organização e planejamento que só com um contato fora do espaço do grupo, baseado em confiança, é possível de acontecer. Além disso, o fato de gostarem e envolverem-se com isso revela interesse e vontade de estarem em momentos assim. Talvez por esse grupo ser mais antigo e coeso isso seja facilitado e vá perdurando. (Diário de Campo, Fortaleza, 19/05/14). Durante o tempo em que estivemos em campo, houve ainda a comemoração do aniversário de outra pessoa do grupo, no dia 25/08/14. Mais uma vez, houve celebração com bolo e café, homenagem com poesias de alguns colegas, parabéns coletivos, muitos abraços e momentos de sociabilidade entre os velhos. 140 É importante destacar a ideia de que todas essas confraternizações não foram combinadas com o facilitador ou tiveram sua contribuição no sentido da organização e gestão. Ao contrário, tais momentos partiram da iniciativa própria dos velhos, os quais se encarregavam de planejá-los e executá-los. Na maioria das vezes, o facilitador e nós só ficávamos sabendo quando chegávamos e víamos a sala ornamentada e preparada para tais eventos. Isso é um indicativo do grau de organização, coesão, protagonismo e autonomia desses velhos e, mais ainda, isso significa que os velhos deste grupo se comunicam fora das reuniões semanais do grupo de Criação Literária, ou seja, estabelecem relações que ultrapassam o espaço institucional. Gostam de confraternizar, comemorar entre si, o que indica que eles gostam de estar nessa “sociação”. (Diário de Campo, Fortaleza, 19/05/14). O prazer e o sentimento de pertença a esse grupo é tão forte entre boa parte dos seus frequentadores que muitos, mesmo aqueles que participam de outros grupos do TSI ou fora do SESC, indicaram o Grupo Criação Literária como o espaço com o qual mais se identificam, em que mais se sentem acolhidos e têm satisfação em estar, como podemos perceber nesse discurso: Quando eu cheguei aqui, uma turma maravilhosa! Meninas formadas, de uma boa cultura, todas escrevem razoavelmente bem, umas mais outras menos, mas todas escrevem. Então me adaptei e pretendo ficar aqui o tempo que eu tiver condições de ficar aqui, eu estou aqui. [...] E é excelente! Eu tenho mais afinidade aqui do que com o Abraço. Apesar de lá ser muito bom, eu tenho mais afinidade aqui. (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Essa organização dos participantes para eventos, confraternizações e afins, não se restringe apenas a momentos comemorativos. Eles também se envolvem bastante e ajudam muito no sentido do planejamento e logística do Café Literário. Enquanto estivemos em campo, aconteceram dois desses eventos e pudemos perceber que a turma, além de trabalhar na preparação dos textos a serem apresentados no referido evento, também opinam e contribuem muito para que tais momentos possam acontecer. Tais contribuições vão além de palpites sobre a forma como o evento deve acontecer. Os próprios participantes, por meio da figura daquela que já mencionamos ser a maior articuladora nesses momentos, organizam cotas para ajudar no lanche oferecido no dia, 141 encomendam e responsabilizam-se pelo trajeto dele até o SESC. Além disso, o grupo ajuda na entrega da merenda àqueles que compareceram ao evento. Então, mais uma vez, reafirmamos o grau de coesão, autonomia e protagonismo do grupo, que em muito é facilitado pelo sentimento de pertença, do prazer em estar nessa ―sociação‖, pela afetividade entre eles. Tais sentimentos são constituídos e alimentados por muitos anos, já que há membros que participam desde o início do grupo e fazem esse agrupamento bastante particular, na perspectiva da sociabilidade. Algo bastante curioso que também encontramos no campo pesquisado no tocante à sociabilidade foi a relação com a tecnologia e com as redes sociais que os velhos têm. Percebemos que a maioria deles usa bastante a internet, tanto como expediente na formação em literatura, pois é onde podem buscar informações concernentes a esse universo, como porque é também o local onde podem divulgar suas produções, pelas das redes sociais, além de a utilizarem como veículo importante que enseja o contato com as pessoas. Notamos que as redes sociais, sobretudo o Facebook, ocupa lugar fundamental na socialização deles, bem como se converte em meio essencial para expor suas produções literárias (Diário de Campo, 10/03/14). Em outro momento também pudemos colher evidencias a esse respeito, enquanto alguns conversavam sobre tecnologia, telefones celulares e aplicativos voltados a promover a interação das pessoas. Inclusive uma delas propôs que fosse criado um grupo no Whats App para o Grupo de Criação Literária. A ideia foi bem aceita por parte do grupo, que se relaciona bem com o referido aplicativo. (Diário de Campo, Fortaleza, 03/08/14). No referido dia, a discussão estava em pauta porque o facilitador havia solicitado no encontro anterior que os participantes produzissem textos com temáticas concernentes à Modernidade. As reflexões que saíram dos textos foram discutidas em seguida, bastante interessantes, apontando suas perspectivas sobre o uso de tais artefatos tecnológicos e as suas repercussões, sejam elas positivas ou negativas em matéria de relacionamentos sociais: Mais uma vez o uso dos celulares e aplicativos figuram nessa discussão: alguns velhos colocam como algo bom, que facilita a interação e reduz o isolamento. Uma chegou a dizer que com a disposição dessas ferramentas só se isola quem quer. Outro velho apontou que isso nem sempre é bom, que muitas pessoas com a falsa ideia de estarem se relacionando via celular, internet e aplicativos, acabam se 142 fechando em si mesmas e perdendo a essência das relações sociais. Outros apontaram a questão da diferenciação de oportunidades e acesso a essas tecnologias, sobretudo na velhice, onde parte da população velha não tem o domínio sobre as mesmas. (Diário de Campo, Fortaleza, 03/08/14). Tais análises corroboram as reflexões de Bauman (2004), as quais indicam que recorrer às tecnologias como meio para estabelecer relacionamentos sociais é algo profundamente introjetado na Contemporaneidade. Tais recursos, no entanto, podem aproximar as pessoas, à medida que facilitam a comunicação e diminuem as fronteiras de tempo e espaço e afastá-las ao mesmo tempo, pois com seu uso frequente das mesmas, muitos passam a preferir as relações de bolso, mas fáceis, rápidas e sem maiores encargos, do que as relações face a face, inclusive com os familiares mais próximos e aqueles com quem convivem cotidianamente. É comum vermos situações nas quais os sujeitos em um mesmo ambiente, com muitas pessoas ao redor, não interagem com os demais, mas apenas com a rede de amigos virtuais com quem podem conversar através de smartphones. Outro ponto importante de ser trazido à tona é a relação do grupo com a morte. Justamente por conta dessa afetividade entre eles, se comovem bastante em casos de doença ou perda de outros participantes. Durante a realização da pesquisa, duas participantes que já estavam afastadas há algum tempo por problemas de saúde ficaram internadas e depois vieram a falecer. No adoecimento destas, enquanto ainda estavam no hospital, os integrantes do Grupo de Criação Literária sempre perguntavam uns aos outros se eles tinham notícias delas, divulgavam como estavam, onde estavam internadas, os horários das visitas e alguns chegaram a visitá-las, revelando a afetividade e a solidariedade dos membros com as colegas, e que essas relações estabelecidas no espaço institucional podem ultrapassar essas barreiras físicas e escorrer para outros locais. Quando os velhos receberam a notícia da morte da primeira delas, no início do mês de junho, eles lamentaram muito e prestaram suas condolências à amiga, realizando um momento grupal de orações, revelando o sentimento de amizade e de respeito. Nesse mesmo encontro o facilitador sugeriu que os participantes produzissem um texto cujo título era ―A amiga que vai chegar‖, em homenagem à colega que partiu (Diário de Campo, Fortaleza, 02/06/14). 143 Depois de pouco mais de um mês, o grupo recebeu a notícia de que a outra colega, também internada, havia falecido. Mais uma vez ficaram perceptíveis o processo de luto, o sentimento de perda de um membro, de respeito por quem se foi. Os velhos lembraram em conjunto da amiga falecida, prestaram homenagem por meio de um dos seus textos, rezaram e se abraçaram, revelando a afetividade do grupo. (Diário de Campo, 14/07/14). A esse respeito, Peixoto (2000, p. 103) argumenta que nos grupos ou espaços de convívio entre os velhos, a morte é frequente e o sentimento de luto, de perda faz-se bastante forte não só pela amizade estabelecida entre eles, mas também porque eles percebem o outro como reflexo da sua própria imagem: a alteridade é assim uma mediação permanente face ao tempo presente e o inevitável por...vir. Até agora falamos das nossas observações sobre a sociabilidade grupal estabelecida entre os membros do grupo de Criação Literária. Para aprofundar a compreensão sobre essa temática, traremos a seguir as falas dos nossos interlocutores a esse respeito, para que possamos visualizar a maneira como eles encaram essa questão dos relacionamentos sociais estabelecidos no âmbito institucional. Antes destas considerações, pensamos ser de fundamental importância resgatar como foram os relacionamentos sociais desses velhos no decorrer de suas vidas, a fim de entender, posteriormente, em que medida suas histórias de vida nesse aspecto repercutem nas formas de sociabilidade desenvolvidas por eles na atualidade. Assim, seguem abaixo as falas de nossos entrevistados: Ah, tive muitas amizades! Primeiro que eu nunca fui muito estorvado, nem valentão, nem brigão! Ah, eu sou muito comunicativo, sou muito aberto, eu rio muito. [...] Mas quando a gente sai de um bairro pra outro a gente se afasta um pouco. Mas ainda deixei amizades que hoje ainda perduram, no outro bairro que morei por 23 anos. (ARIANO SUASSUNA, 75 anos). Eu conservo algumas amizades até hoje, amizades que eu tenho de 30 anos. Outras eu perdi porque a vida se encarregou, são coisas distantes... Eu fui pra um lado, as pessoas foram pra outro... isso foi se diluindo um pouco. Mas eu conservo ainda algumas dessas amizades antigas e procuro fazer amizades novas. (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). Eu sempre... tinha assim, por exemplo, na classe eu tinha muitas amigas. Eu sempre fui aquela menina que era líder de classe, sabe? Eu tinha um bom relacionamento desde o ginásio, até terminar. Até na faculdade eu tinha um bom relacionamento, 144 facilidade de fazer amizades. Mas tem aquelas amizades que são aquelas que ficam mesmo! Então, eu tenho amizades que dura 50 anos, que eu sou amiga desde a primeira série. A gente ainda se vê! Tenho amizades ainda da faculdade, do normal. Que a gente vai pra casa da outra, mas não é pra ir, é pra passar o dia! (risos) Aí tenho colegas também de infância, que são comadres. (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). Na minha juventude eu sempre tive um bom ciclo de amigos, que inclusive, boa parte deles, são preservados, conservados ate hoje! Tanto que no lançamento do meu livro, eu me surpreendi, porque eles compareceram. (NENZINHA GALENO, 65 anos). Conservo, conservo (amizades)! Por onde eu passei, eu nunca fechei a porta. Eu acho que isso é da minha índole. Eu sou comunicativa. Eu trato todo mundo muito bem e quando eu vejo que uma pessoa me olha atravessado, eu procuro a pessoa pra pessoa conhecer o meu outro lado e voltar o olhar para o que eu sou e não para aquilo que a pessoa pensa que eu sou. (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Eu não sou assim de muitos amigos não. Eu sou mais assim de amigos sinceros que a gente fica aí eternamente, né? Mas eu não sou muito aquele cara comunicativo, sociável não, não sou muito não, sabe? De um certo tempo pra cá eu melhorei muito. Mas eu era muito introspectivo. Não era só isso não, mas eu achava que eu devia ser mais comunicativo. E com o tempo eu fui melhorando essa coisa. Hoje eu já tenho amigos daqui pra acolá [...] Tem alguns, mas a maioria já faleceu. É o problema de quem vive muito. Começa a ver os amigos falecerem, né? Mas eu ainda tenho alguns amigos de infância, e esses caras todos os anos telefonam no meu aniversário! (PATATIVA DO ASSARÉ, 78 anos). Algumas, raras, porque muitas já morreram. Outras da minha infância, já me mudei, já morei em muitos lugares diferentes. Mas eu sou muito fiel às minhas amizades. Do magistério, tenho muitas amigas, tem um grupo que a gente se encontra uma vez por mês, ou a cada 40 dias. Eu sou muito conservadora com as minhas amizades. (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). As pessoas do trabalho... a gente se integrava muito bem. Conservo. Em Manaus, por exemplo, tenho ainda algumas amizades (CORA CORALINA, 73 anos). Muitos amigos! Sempre fui uma pessoa de muitos amigos e conservo essas amizades até hoje. Tanto que eu sou divorciada, mas minhas cunhadas, que são primas também, nunca deixaram de ser minhas amigas. A gente se encontra sempre, é aniversário, se alguém adoecer eu vou visitar, quando eu ficar com vontade de passar um fim de semana no interior a gente vai. Eu conservei todas as pessoas que eram amigas (HILDA HILST, 70 anos). Tenho! [...] Tenho muitos bons amigos, graças a Deus. Graças a Deus sempre eu tive boas amizades! (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). Olha, eu costumo dizer, tanto jovem, como agora. Eu tenho pouquíssimos amigos. Talvez uns dois. Agora colegas, muitos. Colegas são muitos! [...] Agora amigo de 145 confiança, que você deita o ombro, que você fala todos os seus problemas, que você chora, que você ri, eu só tenho dois! (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Vemos, assim, que nesse grupo há pessoas diversas, com históricos de sociabilidade distintos: há aqueles que sempre foram mais extrovertidos e tiveram mais facilidade em fazer e manter suas amizades e, por outro lado, uns mais introvertidos, de menos contatos, porém, assim como os primeiros, asseguram valorizar bastante suas amizades e manter as que conseguiram até hoje. Quando perguntados sobre como é a relação deles com os outros participantes do TSI, se conversam com qualquer um ou existe maior aproximação com os que frequentam as mesmas atividades em comum, os entrevistados responderam, na maioria dos casos, que a relação é boa, pois abertos a estabelecer relações com todos, muito embora seja mais fácil constituir laços com os frequentadores dos grupos de que participam: É boa! Muito boa! Eu tenho relacionamento com muita gente aí. [...] E eu tenho várias amizades com pessoas idosas aqui. (ARIANO SUASSUNA, 75 anos). Olha, eu converso com qualquer um deles. Agora têm algumas pessoas que eu tenho uma aproximação maior porque eu também recebo essa interação. A empatia. A empatia é fundamental! A empatia é tão importante quanto o amor, talvez até mais! [...] a empatia acho que é o começo de uma relação, de um relacionamento que você tem com uma pessoa. [...] Então essas pessoas, que são algumas, acho que todas as pessoas têm, essas a gente é mais chegado. Mas o importante é que você interaja com todo o grupo. (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). Eu converso com todos, principalmente porque como eu faço hidroterapia aqui no SESC, eu sempre procuro chegar um pouquinho antes. Então, ali a área de convivência, que é um momento assim, altamente sociável, então hoje eu já tenho muitos amigos que pertencem a outras atividades, natação, canto coral, o teatro e outros projetos aqui do TSI. (NENZINHA GALENO, 65 anos). Eu converso com qualquer um. Me sento perto de qualquer um. Converso. Eu não me isolo e não vou ficar toda cheia porque eu trabalho com idoso. Não! Eu entrei aqui como idosa e depois é que veio o trabalho. Então eu acredito que as idosas gostam muito de mim. Às vezes eu tô pela rua e não conheço nem aquela idosa, porque são muitas, tem muita gente novata, mas eu tô mais em evidência por causa do Prata da Casa, já tem fazem muitos anos. E a pessoa fala meu nome, me cumprimenta, e eu fico muito feliz. (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Bem. Me comunico bem com eles e tal. São umas pessoas... cada um tem o seu jeito. Mas depois que a gente é adulto a gente aprende a conviver melhor. O cara jovem.. é 146 muito eu, é muito egoísta. Já a pessoa idosa, eu não sei se essa é uma transformação natural do ser humano, fica assim mais comunicativo. (PATATIVA DO ASSARÉ, 78 anos). É, os do grupo a gente tem maior aproximação. Mas a gente também se encontra com outros, né? Agora o que é importante é você participar de outras atividades pra fazer mais amizades.‖ A relação é boa? ―É, muito boa! (CORA CORALINA, 73 anos). É, tando ali fora eu converso com qualquer um, mas eu sempre me aproximo mais daquelas pessoas com quem... no grupo a gente se entrosa mais, então a gente já tem mais amizades. (HILDA HILST, 70 anos). Às vezes eu fico ali na praça de eventos, esperando pra ir pra pro Bom Jardim ou Pro EDUCAR SESC. Ai às vezes tem aquela caladinha, aí eu vou lá e puxo conversa. Aqui na sala tem umas 8, 5 ou 6 que eu trouxe pra cá. [...] Eu estimulo a pessoa a procurar o que ela gosta. Isso aí eu incentivo a pessoa, graças a Deus. (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos). Não, eu falo com todo mundo. Porque às vezes eu participo das reuniões, aí todo mundo se entrosa ali. (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). É, geralmente mais com o pessoal aqui do grupo, porque eu venho, assisto o grupo e depois saio e vou embora. Não tenho essa liberdade de ficar no SESC o dia todo que outros têm pela falta de tempo, que tenho com outros compromissos. Me pedem muitos textos na internet. Já participei de 52 Antologias, a convite, uma na Espanha, uma em Portugal e essa que vou na França. (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Alguns, inclusive, expõem que fizeram ótimas amizades no grupo, revelando que é possível chegar à sociabilidade pura mesmo em grupos nos quais, a princípio, a sociabilidade é mediada, dirigida e secundária: Tenho! Aqui mesmo na Criação Literária. Eu tenho amigos, pessoas eu considero que são meus amigos mesmo. Uma quantia pequena, porque amigos, mesmo, são aqueles que você vai contando nos dedos, e tal. Mas tem pessoas que eu me relaciono muito bem, e que eu chego a confiar mesmo. Pessoas que eu tenho uma empatia legal, que eu gosto muito, que admiro, tenho consideração e tenho prazer de estar ao lado dessas pessoas. (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). E aqui também aqui no SESC eu fiz amizades importantíssimas! Amizades que eu quero bem, que parece assim, que é amizade da adolescência! Aqui fiz muitas amizades boas! Continuo fazendo amizades. [...] Eu tenho amizades aqui que eu fiz nos grupos que eu participo. Mas tenho amizades também que eu fiz ali na praça de convivência. Amizades que ficaram até hoje, a gente se quer muito bem. E amizade pra mim é uma coisa muito séria! Amizade pra mim é como um namoro! Aquele respeito àquela amiga... (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). 147 Sim. Eu construí amizades aqui que hoje é mesmo ser minha família. É amizade mesmo profunda. Gosto de todo mundo. Sempre sou chamada pra passar o dia. (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). Tenho, graças a Deus! Minhas amigas são muitas mesmo, sabe? Como eu participei do francês... é um ciclo de amizade muito bom! Não só fica restrito ao SESC, a gente se encontra no Ciclo Militar, a gente se encontra no Náutico. Quando chega lá é aquela mesa enorme, tudo junto, sabe? É uma irmandade! (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos). Dois bons mesmo é O José De Alencar e O Patativa Do Assaré! O M. (facilitador), também! Quando a gente se encontra é aquela festa! (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). Ah, aqui no TSI eu tenho uma colega de todos os segredos! (risos) (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Apenas uma relatou não ter estabelecido ainda nenhuma relação sólida no TSI ou mesmo do Grupo de Criação Literária, até porque ela ingressou no grupo recentemente e, por ainda ter 67 anos e muitas atividades em sua vida pessoal, comparece aos grupos de que participa apenas no horário das atividades, chegando já atrasada e saindo apressada: Pra ser sincera, aqui no TSI, a não ser o pessoal dos grupos, porque eu já chego na hora e já saio apressada... eu ainda não consegui um grupo... a não ser no Abraço Literário, eu gosto de todo mundo. Aqui eu já tou conseguindo me... Mas eu não tenho uma afinidade ainda muito grande com o pessoal do Inglês também. É só mesmo na sala de aula. Eu não tenho, assim. Eu ainda não consegui um ciclo de amizade forte nesses grupos não. (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). Por outro lado, mesmo com todo esse sentimento de afetividade e amizade, bem assim com essas expressões de sociabilidade frequente no espaço grupal, notamos que há certa dificuldade de parte dos membros em levar as relações estabelecidas no TSI e no Grupo de Criação Literária para o âmbito privado, ou seja, para fora do espaço institucional. Quando indagados se tais relacionamentos (amizades) ficam mais dentro do grupo ou eles conseguem mantê-los fora desse espaço, se eles costumam se falar por telefone, se conversam pela internet, se saem para outros lugares ou se frequentam a casa um do outro, nossos interlocutores reafirmaram essa dificuldade: 148 Não, não. Essa parte aí é muito difícil. [...] A gente faz muita amizade de telefonar um para o outro quando a gente viaja. A gente se comunica muito. (ARIANO SUASSUNA, 75 anos). Tem algumas pessoas sim. A gente tem uma lista telefônica das pessoas, né? [...] Aquele negócio de ir junto pra praia. Essas daí, aqui do TSI, é raro! Porque têm pessoas que moram um pouco distante, e tal. Mas são pessoas que a gente telefona, pessoas que a gente tem endereço de e-mail, telefone e que poderiam sim, ir pra praia. Algumas pessoas eu até já levei pra minha casa, lá na Praia da Baleia. E aqui fica mais difícil, porque eu moro mais pro lado de lá, o pessoal mais pro lado de cá. Mas poderia sim, sem problema. Às vezes a gente se encontra em alguns ambientes... Dá pra sair. Não sai tanto, até porque tem algumas pessoas que têm mais dificuldade de sair, porque não tem carro... mas se consegue algumas. Não todas, mas algumas sim. (JOSÉ DE ALENCAR, 68 anos). Com relação a mim, infelizmente ainda está restrito aqui, volto a ressaltar, por conta da minha limitação de locomoção. (NENZINHA GALENO, 65 anos). Não, normalmente as amizades daqui ficam aqui. Eu não consigo... um caso ou outro, que moram em apartamentos perto do meu, que a gente se comunica, assim, ou num barzinho, uma coisa. Mas normalmente as amizades daqui ficam por aqui mesmo. O que não é bom, o que não é bom! (PATATIVA DO ASSARÉ, 78 anos). Não, fica só aqui. Eu não tenho o telefone de ninguém. (CLARISSE LISPECTOR, 67 anos). A gente se fala por telefone, mas aqui dentro é que a gente mantem, assim, né? Mas a gente não se encontra fora não. (CORA CORALINA, 73 anos). Poucas pessoas que a gente se fala por telefone. [...] Só aqui mesmo. Também a gente nem tem tempo pra marcar porque a gente já se encontra aqui todos os dias. (HILDA HILST, 70 anos). Não, é mais aqui dentro. (NATÉRCIA CAMPOS, 81 anos). Alguns chegam a mencionar o uso das redes sociais como facilitadores dessas relações interpessoais estabelecidas no grupo: Olhe, hoje, existem, digamos assim, o Facebook, então como agora que eu estou entrando nesse caminho, que eu estou começando a engatinhar, eu abrindo a página, eu vi que há uma aceitação bem considerável. (NENZINHA GALENO, 65 anos). É, no Facebook, me encontro muito com eles. (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). 149 Percebemos, entretanto, que essa dificuldade em manter as amizades constituídas nesse espaço não decorre tão somente da vida contemporânea, das múltiplas atribuições a que eles se dedicam ou ao fato de usarem frequentemente artefatos tecnológicos como mediadores de suas relações sociais. Pudemos perceber que essa barreira em ultrapassar o espaço institucional em muito decorre das histórias de vida de cada um, das formas de ser, se mais introspectivas ou não, aos comportamentos, enfim, aos hábitos cultivados durante toda a existência deles, os quais repercutem diretamente nas formas como eles se relacionam atualmente. Isso resta cada vez mais claro quando percebemos tais empecilhos de manter as amizades construídas no espaço institucional fora desse, não são determinantes para que elas não existam, pois encontramos casos dentro desse grupo que, mesmo inicialmente, remetendo à sociabilidade secundária, nos termos de Peixoto (2000), com o passar do tempo, conseguem se converter na forma pura de sociabilidade, da qual Simmel (1983) falava. Podemos comprovar esta situação nos discursos dos interlocutores que, quando perguntados se conseguiam preservar para fora do SESC essas amizades, responderam: Ah, a gente se encontra aqui e acolá, se liga. Quando eu sei que tem uma atividade, por exemplo, no PAI [...] quando eu sei que vai haver uma atividade boa, aí eu já ligo pra minha amiga, já arranjo um convite pra ela, pra gente poder se encontrar, pra poder integrar mais e a coisa fluir mais. (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). Não, não! Elas se expandem! Elas derrubam as paredes e voam! (Perguntei se costumavam se falar por telefone) Ah, por tudo, é telefone, é e-mail, é face (Facebook), é tudo! É uma família! É uma família de participar de tudo unido, de todo mundo saber da vida de todo mundo. No dia do aniversário telefonar, é valorizar o outro, viajar juntos. Apesar de eu gostar mais de viajar com a minha família, mas eu tenho uma casinha no Iguape, que é da minha família, e a gente vai pra lá, se reúne. Não dá pra levar tudo, mas leva aqui uma, outra. (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos). Tirando esse local de encontro, aqui, de frequentar a casa uma da outra, só tem uma que eu faço isso. Às vezes eu vou na casa dela, às vezes ela vai na minha. (RACHEL DE QUEIRÓZ, 67 anos). Não. Eu já passei num sei quantos meses na casa do Patativa Do Assaré e da F. (esposa de Patativa Do Assaré), na casa da T., quando eu me operei de vesícula. Ela me levou pra casa dela, me cuidou como uma mãe! (CECÍLIA MEIRELES, 75 anos). 150 Pudemos presenciar um momento de materialização dessa amizade que a entrevistada acima relatou. No encontro posterior ao dia de seu aniversário, seu amigo Patativa do Assaré, na casa do qual ela já passou alguns meses, levou um presente para ela e o entregou logo que ela chegou à sala. Esses velhos que conseguem levar para fora do espaço institucional as relações constituídas no grupo de convivência costumam encontrar seus amigos nas suas casas, no âmbito privado, remetendo à noção de sociabilidade pura: Muitas amigas eu encontro em casa. Vai em casa pra passar o dia. A gente passa um dia gostoso, conversa. Eu tenho amigas que gostam de poesia, aí a gente fala poesia uma pra outra... Eu tenho uma amiga aqui do SESC que ela também escreve, e é assim uma amizade que a gente se telefona, e aí: ‗O que tu acha da minha poesia? E esse texto? O que tu acha desse termo?‘ Eu tenho uma amiga, outra, que é do ginásio, minha amiga há 50 anos. Ela é filósofa. Gosto demais! Quando a gente se encontra, é pra filosofar, pra cantar e pra poetar! (risos) É muito bom! (FRANCISCA JÚLIA, 67 anos). Não, na minha casa também. Principalmente aniversário. Tanto eu vou na casa delas, como elas na minha. (VALDELICE CARNEIRO GIRÃO, 67 anos). Dessa maneira, inferimos que por mais que no mundo líquido, conforme reconhece Bauman (2004), haja a tendência de as relações sociais também se tornarem líquidas, frágeis e efêmeras (e é nesse contexto que os grupos de convivência estão imersos) esses fatores podem até influenciar, com vistas a dificultar que tais relações possam perdurar ou ser mantidas fora do espaço institucional, entretanto, não são capazes de inviabilizar que os contatos estabelecidos nesses locais, embora inicialmente remetam a uma sociabilidade secundária ou mediada, de se tornarem relacionamentos puros com o passar do tempo. Até porque isso não depende tão-somente dos fatores relacionados à vida moderna, mas também das histórias de vida de cada um, dos comportamentos, das formas de ser e estar e de relacionarem-se com os outros no decorrer de suas vidas, indicando que, assim como a velhice é socialmente constituída e individualmente vivenciada, a sociabilidade também é. 151 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O propósito deste trabalho foi de investigar como se configurava a sociabilidade dos participantes do Grupo de Criação Literária do TSI, desenvolvido pelo SESC Fortaleza. Para tanto, foi necessário o estudo de algumas categorias, tais como Velhice, Políticas Públicas e Sociabilidade, além de recorrermos a discussões sobre Família e Grupos de Convivência, com o propósito de aprofundar nosso entendimento sobre as referidas temáticas, sustentando-nos tanto em bases científicas como empíricas. Dessa maneira, pudemos confrontar o que a literatura gerontológica e sociológica trazem a esse respeito com a realidade que encontramos no campo pesquisado. Com efeito, chegamos a algumas conclusões: notamos que a velhice é uma fase natural do ciclo de vida de todo ser humano. Então, todos estamos destinados a passar por esse processo, caso não morramos jovens. Apesar de haver essa dimensão comum, entretanto, a velhice e o envelhecimento são processos multifatoriais, estando, por conseguinte, permeados por fatores biológicos, sociais, psicológicos, econômicos, demográficos e culturais, dentre outros. Esses fatores influenciam diretamente nas formas como os sujeitos chegam e vivenciam essas fases. Dessa maneira, podemos inferir que essa etapa é, além de socialmente construída, individualmente vivenciada. Assim, abordagens que naturalizam a velhice e a estigmatizam com base em preconceitos e no imaginário do velho como alguém improdutivo e, portanto, inútil, necessitam ser confrontados, visto que, podemos comprovar que tal imaginário não condiz com a realidade de muitas pessoas que, hoje, experimentam sua velhice. Ademais, o processo é heterogêneo, repercutindo de maneiras diferentes em cada ser humano, de acordo com suas experiências e vivências e com os fatores ora mencionados. Logo, essa é uma categoria socialmente produzida e vivenciada por porte de cada um de maneira singular. É válido destacar que o fato de a velhice ser historicamente produzida fica evidente, inclusive, nos termos classificatórios utilizados para fazer menção ao envelhecimento. Velho, idoso e terceira idade são nomenclaturas cujos significados são diferenciados e os que foram, também, socialmente construídos, submetendo-se a aceitações 152 distintas de acordo com cada sociedade e período histórico e os quais constroem e reconstroem cotidianamente imaginários e concepções em torno da questão da velhice. Tudo isso influencia diretamente no que a sociedade, de uma maneira geral, e os próprios sujeitos da pesquisa compreendem sobre tais processos. Apesar, entretanto, das diferenças de concepção sobre o que sejam velhice e envelhecimento, nossos interlocutores se demonstram satisfeitos com a fase que estão vivenciando e reconhecem potencialidades e desafios. Constatamos, também, a relevância de se discutir sobre a velhice em um país que está passando por uma transição demográfica, onde a população atravessa um processo de envelhecimento populacional e cuja expectativa de vida aumentou nos últimos anos, porquanto traz repercussões, tanto no âmbito da família, como no campo das políticas públicas. Nas famílias, onde os velhos permanece mais tempo, eles estão cada vez desempenhando mais funções, seja como cuidadores dos netos ou de outros parentes em situação de dependência, ou como núcleo econômico, dentre outras. Por outro lado, quando se encontram dependentes por motivos de saúde, é a família que é chamada a intervir, ante a minimização do papel do Estado em tempos neoliberais. Além disso, o envelhecimento populacional, consequentemente, passa a demandar políticas públicas de modo a viabilizar melhor qualidade de vida e mais dignidade aos velhos. Tais iniciativas cresceram nas últimas décadas. Percebemos que muito já foi conquistado nesse sentido, como fruto de lutas diversas travadas pelos movimentos sociais comprometidos com a causa do envelhecimento, e não como pura concessão do Estado. Tais avanços realmente contribuem no avanço na noção de cidadania na velhice no Brasil e na vida de seus demandatários. Ainda estão, contudo, muito aquém de garantir as necessidades desses sujeitos e de serem efetivadas na prática. Isso inclusive foi percebido e afirmado por nossos interlocutores no decorrer da pesquisa, os quais exprimem que ainda há muito a ser feito nesse sentido, para que, de fato, a qualidade de vida dos velhos possa melhorar e eles usufruam de um tratamento mais digno e respeitoso. 153 Discutimos também sobre o contexto dos grupos de convivência no cenário brasileiro: seu surgimento, marco legal, proposta, como se configuram atualmente como uma modalidade de atendimento aos velhos alternativa aos modelos institucionalizados, e as repercussões de participar de tais equipamentos sociais na vida dos velhos, dentre outros aspectos. Refletimos, ainda, que, à medida que tais grupos buscam romper com preconceitos e estereótipos secularmente atribuídos à velhice, criam outros sobre tal fase, passando essa a ser um momento da vida supervalorizado e pleno em realizações e felicidades. Tal ideário é amplamente difundido, tanto por profissionais e estudiosos da área, como pelo senso comum, que reproduz o que a mídia veicula. De acordo com esta perspectiva, há formas para se chegar a um envelhecimento bem-sucedido, desde que os sujeitos sigam fielmente uma série de receituários, os quais contemplam dietas, prática de exercícios físicos, uso de cosméticos, procedimentos estéticos e cirurgias plásticas, dentre outros, tudo para retardar ou evitar os efeitos indesejáveis do envelhecimento e a manutenção de um corpo belo, saudável e jovem. Caso os velhos sigam à risca tais recomendações, inevitavelmente alcançariam uma velhice plena e feliz. O problema desse tipo de abordagem é o fato de converter o envelhecimento em responsabilidade individual de cada velho que o vivencia, corroborando a ideia da reprivatização da velhice. Dessa maneira, são desconsiderados os múltiplos fatores de ordem social, econômica, demográfica, psicológica e cultural, dentre outras, que influenciam diretamente na forma como cada um chega à velhice e a vivencia. Nosso intuito principal, porém, em estudar os grupos de convivência era percebêlos na perspectiva da sociabilidade proposta e desenvolvida nesses espaços. Vimos que um dos principais objetivos dos referidos grupos é ensejar justamente essa sociabilidade intrageracional dos velhos. Queríamos compreender, contudo, como esse se configurava em meio a uma vida líquida, marcada pela fragilidade dos laços humanos. Seria possível chegar às formas puras de sociabilidade em meio a essa liquidez e em espaços onde essa é mediada e secundária? 154 Assim, buscamos compreender a sociabilidade como categoria sociológica, utilizando como base os estudos de Georg Simmel e seu tipo ideal, para compará-lo à realidade encontrada no campo pesquisado. Também procuramos entender melhor as nuanças da vida líquida e suas repercussões nas relações sociais contemporâneas. Encontramos no campo pesquisado o fato de que, na verdade, a frouxidão e a fragilidade dos laços sociais na Contemporaneidade são sensíveis e que as formas de ser e estar no mundo líquido podem influenciar na maneira como os velhos se sociabilizam. Percebemos, contudo, que tais fatores não são determinantes, que eles não são capazes de inviabilizar que as relações construídas nos grupos de convivência, tidas à priori, como maneiras secundárias ou mediadas de sociabilidade em, com passar do tempo, chegar à forma pura, idealizada por Simmel. Descobrimos no campo pesquisado casos em que os velhos não levam para o âmbito privado as relações constituídas no espaço do grupo de convivência, revelando essa dificuldade em manter relacionamentos no mundo líquido. Por outro lado, também evidenciamos casos de amizades verdadeiras, constituídas nesse mesmo espaço, e que se mantêm fora dele, remontando à forma pura de sociabilidade. Isso decorre do fato de que as experiências e vivências de cada um no tocante aos relacionamentos sociais também concorrem para como os velhos se relacionam hoje; ou seja, as formas de sociabilização dos participantes da pesquisa não são apenas fruto unicamente da lógica contemporânea, mas também da forma como eles lidaram com seus relacionamentos sociais no decorrer de suas vidas. Inferimos daí que, assim como a velhice é socialmente construída e individualmente vivenciada, a sociabilidade também é. Partindo do que foi exposto no decorrer deste trabalho, percebemos a importância e a necessidade de estudos acadêmicos que possam refletir sobre a questão das políticas públicas no âmbito da velhice e suas inter-relações. Assim, reafirmamos a noção de que nosso propósito não é encerrar as discussões sobre as temáticas aqui trabalhadas, mas de fomentar esse debate, de contribuir com futuras pesquisas e fornecer dados e indicadores que possam ser úteis na formulação de políticas públicas voltadas para o envelhecimento e para a questão da sociabilidade na velhice. 155 4 REFERÊNCIAS ABIGALIL, Albamaria; FERRIGNO, José Carlos. C.; LEITE, Maria Luciana Carneiro de Barros ―Centros e grupos de convivência de idosos: da conquista do direito ao lazer ao exercício da cidadania. In: FREITAS, E. V. et al. Tratado de geriatria e gerontologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. ALCÂNTARA, Adriana de Oliveira. Da velhice da praça à velhice da roça: revisitando mitos e certezas sobre velhos e famílias na cidade e no rural. 2010. 336p. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas – SP, 2010. BARROS, Myrian Moraes Lins; GOLDMAN. Sara Nigri. 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A cadeira de balanço está vazia: os papéis sociais dos idosos participantes de grupos de convivência na cidade de Fortaleza. 2010. 162 p. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade) – Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, 2010. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Gender, health and ageing. Genebra, 2003. Disponível em: < http://www.who.int/gender/documents/en/Gender_Ageing.pdf > Acessos em 06 jan, 2013. 163 APÊNDICES 164 APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA I. Dados pessoais Nome; Idade; Estado civil; Escolaridade; Profissão; Renda individual; Renda familiar; Tipo de moradia (própria/alugada/cedida); Número de cômodos; Bairro. II. Informações familiares Tem filhos? Quantos? (Destacar como é a relação com eles, se mudou algo com chegada da velhice e depois do ingresso no TSI). Com quem reside atualmente? (Idade e grau de parentesco). Como é a relação com as pessoas com as quais reside? (Se há respeito, se suas opiniões são ouvidas, se se sente valorizado por suas vivências; se há, de fato, convívio ou apenas coabitação). Se residir só, apontar o motivo. Quais atividades desempenha dentro da família? (Trabalho doméstico, ajuda financeira, cuidado com os netos...) Acha que hoje tem mais ou menos responsabilidades do que quando era adulto? Por quê? 165 Você acredita que tais responsabilidades afetam na sua participação no Grupo de Convivência? Se sim, como? III. Velhice O que é velhice? Considera-se como velho (a)? O que acha dos termos velho, idoso e terceira idade? Como gosta de ser chamado (a)? Sua visão sobre a velhice mudou de quando você era jovem para agora? Como vê a velhice e os velhos na atualidade? Quais são suas expectativas? IV- Políticas Públicas, Cidadania e Grupos de Convivência na Velhice Conhece alguma lei voltada para os velhos no Brasil? O que acha sobre a oferta de serviços para os velhos no Brasil? Como se percebe na sociedade na atualidade? (Relatar se se acha integrado à sociedade, se sente certo isolamento, o que ainda precisa mudar para que a sociedade esteja pronta para receber o idoso, o que deve permanecer como está). O que acha do tratamento dado aos velhos no Brasil? V – Velhice e Grupo de Convivência: O Trabalho Social com Idosos Quando começou a frequentar as atividades do TSI? (Ano, motivo, que atividade buscou inicialmente); Participa de quais atividades, hoje? Houve alguma mudança na vida cotidiana, social e familiar após ter ingressado no TSI? (Relatar quais – relacionamentos, saúde, independência, humor...). Participa de outro grupo ou associação? O que acha do serviço prestado pelo SESC aos velhos? 166 VI – Sociabilidade e Velhice Como foram seus relacionamentos sociais no decorrer da sua vida (teve muitos amigos)? Conserva alguma amizade até hoje? Como é sua relação com os outros idosos do TSI? Conversa com qualquer idoso ou existe maior aproximação com os que frequentam suas mesmas atividades? Você tem muitos relacionamentos (amigos) no TSI? Esses relacionamentos (amizades) ficam mais dentro do grupo ou conseguem mantêlos fora daqui também (se falam por telefone, conversam pela internet, saem para outros lugares, frequentam a casa um do outro)? Se sim, com quantos idosos? Costuma encontrar-se com outros velhos do grupo fora do SESC? Em caso afirmativo, onde (casa ou rua)? 167 APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Declaro que fui informado(a) sobre a realização desta pesquisa e orientado(a) sobre os objetivos e finalidades deste estudo, não havendo nenhuma dúvida a respeito. Compreendo que não sou obrigado(a) a participar da referida pesquisa, bem como posso me recusar a responder a qualquer questionamento. Estou ciente, ainda, de que posso desistir a qualquer momento. Concordo em participar desta pesquisa e autorizo a utilização das informações por mim prestadas. Fortaleza, _______ de _______________ de 2014. Assinatura do(a) entrevistado(a) Assinatura da entrevistadora