PROCESSOS FORMATIVOS INICIAIS: A CONSTRUÇÃO DA
DOCÊNCIA
SANTOS, Camila Fleck dos – UFSM
[email protected]
BOLZAN, Doris Pires Vargas – UFSM
[email protected]
Eixo Temático: Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho apresenta resultados referentes a pesquisa desenvolvida em um Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC), cujo tema foi “A formação do pedagogo nas vozes discentes”.
Dessa forma, o objetivo da pesquisa foi investigar como os acadêmicos do Curso de
Pedagogia noturno da Universidade Federal de Santa Maria compreendem a formação que
lhes é oferecida. A abordagem metodológica utilizada foi qualitativa, de cunho narrativo. Para
a coleta de dados, foram realizadas entrevistas narrativas semiestruturadas com cinco
estudantes do Curso de Pedagogia noturno. Assim, depois de transcritas, as entrevistas foram
analisadas e agrupadas em duas dimensões categoriais: concepções sobre as práticas
docentes; e concepções dos acadêmicos sobre o contexto formativo. E como elemento
transversal, a simetria invertida e a simetria invertida às avessas. Na primeira dimensão
categorial, é trazida para a discussão a questão do aprender a ser docente e quais as
concepções que os estudantes têm a respeito das práticas docentes. Nesse sentido, parte-se do
entendimento de que tais concepções articulam as vivências dos sujeitos como estudante e as
experiências como docente. Em relação a simetria invertida, o aprender a ser professor está
relacionado com toda a trajetória do sujeito, tudo que este viveu antes de ingressar na
universidade e o que ainda vivenciará no papel de estudante. Todas as experiências que o
acadêmico de licenciatura já teve como estudante o faz refletir a respeito da prática docente. E
a simetria invertida às avessas, de acordo com Oliveira (2009), os docentes, ao invés de
ensinarem em conformidade com as situações de aprendizagem que vivenciaram, Diante
disso, entende-se que tais conceitos permeiam a formação do pedagogo. Então, é importante
que haja coerência entre o que este vivencia na graduação como estudante e o que o aguarda,
como professor irão ensinar de forma distinta ou até oposta a tais experiências de formação.
Palavras-chave: Docência. Formação do pedagogo. Simetria invertida
Introdução
6565
Este trabalho apresenta alguns resultados referentes a uma pesquisa desenvolvida em
um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), cujo tema foi “A formação do pedagogo nas
vozes discentes”. Esta pesquisa faz parte de um projeto maior, denominado “O impacto na
formação dos pedagogos”, realizada pelo grupo de pesquisa GTFORMA1- Trajetórias de
Formação.
A pesquisa em questão tem como objetivo identificar como os acadêmicos do Curso
de Pedagogia Noturno compreendem a formação que lhes é oferecida. A abordagem
metodológica utilizada foi qualitativa, de cunho narrativo. A coleta de dados ocorreu por meio
de entrevistas narrativas semiestruturadas realizadas com cinco estudantes do Curso de
Pedagogia Noturno, as quais foram transcritas na íntegra e analisadas. Os resultados foram
agrupados em duas dimensões categoriais: concepções sobre as práticas docentes; e
concepções dos acadêmicos sobre o contexto formativo. E como elemento transversal, a
simetria invertida e a simetria invertida às avessas.
O foco deste trabalho é elucidar o que os estudantes expressam acerca do processo de
aprender a ser docente. No decorrer da pesquisa foram identificados como elementos
transversais a Simetria Invertida e a Simetria Invertida às avessas que também será abordado
no texto.
DESENVOLVIMENTO
Formação de professores
A formação de professores não é um tema novo, mas atual, é um campo vasto para a
pesquisa, porque quando se investiga algo, surgem novas perguntas que precisam de novas
respostas. Assim, quanto mais se conhecer a formação docente, como o sujeito se constitui
professor, como vê a própria formação, mais se compreenderá sua prática pedagógica. Ao se
referir a práticas pedagógicas, é necessário pensar também em competências, se estas se
desenvolvem ou não ao longo do processo de formação inicial dos docentes. Estas práticas
1
Este grupo de pesquisa tem como coordenadora a professora Dr.ª Silvia Maria de Aguiar Isaia e como vicecoordenadora a professora Dr.ª Doris Pires Vargas Bolzan.
6566
são influenciadas pelo modo como os sujeitos percorreram suas trajetórias, envolvendo a
dimensão pessoal e profissional.
Neste sentido, conforme Tardif (2002), elas representam
[...] um processo de aprendizagem através do qual os professores e professoras
traduzem sua formação anterior e a adaptam à profissão, eliminando o que lhes
parece inultimente abstrato ou sem relação com a realidade vivida e conservando o
que pode servi-lhes, de uma maneira ou outra, para resolver os problemas da prática
educativa (p.181)
Nesta perspectiva, as práticas pedagógicas envolvem todas as atividades educativas
desenvolvidas pelos professores, tendo em vista o que ensinar, para quem ensinar, como
ensinar e para que ensinar, visando a efetiva aprendizagem do estudante. As práticas não
podem estar dissociadas das teorias que as orientam e nem do contexto sociocultural e
histórico em que alunos e professores estão inseridos.
A discussão que envolve a natureza e o perfil do curso de Pedagogia, segundo Silva
(1999) tem evidenciado um conjunto de fatores que delimitam pelo menos três fases dessas
discussões: identidade questionada, de 1939 a 1968; identidade projetada, de 1968 a 1996 e
identidade em discussão, de 1996 em diante.
A terceira fase, denominada identidade em discussão, diz respeito aos debates gerados
a partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96 e atos governamentais dela decorrentes,
dentre esses, a Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de 2006. Dessa forma, o Conselho
Nacional de Educação, em 15 de maio de 2006 com a resolução Nº01, afirma que os
pedagogos podem atuar em diversos segmentos como Educação Infantil, Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos (EJA), situações referentes à gestão,
coordenação e planejamento, assim como em contextos não escolar. A partir desta Resolução,
os Cursos de Pedagogia passaram a ter seus currículos reformulados para se adequarem as
novas Diretrizes Curriculares.
A proposta curricular do Curso de Pedagogia Noturno da UFSM foi construída
primeiramente em 2005/2, quando foi criado o “Curso de Pedagogia – Licenciatura em Anos
Iniciais – noturno”, ancorado nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN
9394/94), no Projeto Político Pedagógico da UFSM (aprovado em 2000) e no Projeto Político
Pedagógico da Pedagogia Diurno, do ano de 2003. No entanto, em 2006 desenvolveram-sereformulações do PPP tendo em vista as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Pedagogia, Parecer CNE/CP 5/2005 (DOU15/05/2006) e Resolução CNE/CP 1/2006 (DOU
6567
15/05/2006). Assim, em 2006, o Curso de Pedagogia noturno passou a Licenciatura Plena,
com ênfase na Educação Infantil e em Anos Iniciais.
O que é Simetria Invertida e Simetria Invertida às Avessas?
Segundo a resolução CNE/CP1, de 18 de fevereiro de 2002, que institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível
superior, curso de licenciatura, de graduação plena, o Artigo 3º, inciso II, um dos norteadores
para o preparo para o exercício profissional é a coerência entre a formação oferecida e a
prática esperada do futuro professor. Tal consideração remete ao conceito de simetria
invertida, qual diz respeito ao preparo do professor, por ocorrer em lugar similar àquele em
que vai atuar, demanda consistência entre o que faz na formação e o que dele se espera.
Stecanela et al (2007), traz que a simetria invertida é um “processo de espelhamento
ou de vários espelhamentos, pelo qual o professor, vivendo o papel de aluno apreende ou
ressignifica o papel de professor” (p. 5). Nesse sentido, o parecer CNE/CP 9/2001, coloca que
a compreensão desse fato evidencia a “necessidade de que o futuro professor experiencie,
como aluno, durante todo o processo de formação, as atitudes, modelos didáticos, capacidades
e modos de organização que se pretende venham a ser concretizados nas suas práticas
pedagógicas” (p. 31).
Corroborando, Zabalza (2007), afirma que mais importante que ensinar conteúdos, dar
explicações, é o que os estudantes veem nos docentes ao agirem como profissionais. Como
exemplo, o autor cita um professor de química. Será que os estudantes do professor de
química aprendem mais quanto vêem o professor agir e atuar como químico ou através de
explicações das fórmulas e conceitos? O último, o estudante pode aprender em livros, já o
primeiro, não.
É imprescindível, ao falar de formação de professores, trazer o conceito de simetria
invertida, pois, o aprender a ser professor está relacionado com toda a trajetória do sujeito,
tudo que este viveu antes de ingressar na universidade e o que ainda vivenciará. Todas as
experiências que o acadêmico de licenciatura já teve como estudante o faz refletir a respeito
da prática docente.
Dessa forma, simetria invertida funciona como uma espécie de efeito espelho, ao
experimentar o papel de estudante do ensino superior, “o acadêmico passa a visualizar
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também sua ação como professor, com o efeito do ‘espelhamento’ ou da ‘reflexividade’, onde
me enxergo a partir do outro, ou em outra via, enxergo o outro a partir de mim”
(STECANELA et al, 2007, p. 5).
Assim como a simetria invertida diz respeito a relação que há entre o que se
experiência durante o processo formativo e as expectativas do que o futuro profissional venha
a fazer, a simetria invertida às avessas, de acordo com Oliveira(2009), os docentes, ao invés
de ensinar em conformidade com as situações de aprendizagem que vivenciaram, irão ensinar
de forma distinta ou até oposta a tais experiências de formação.
A respeito da simetria invertida e simetria às avessas, há pouco referencial teórico,
sendo ainda um assunto novo a ser pesquisado e discutido, pois é um tema de suma
importância, que envolve formação do professor. Diante disso, entende-se que tais conceitos
permeiam a formação do pedagogo, então, é importante que haja coerência entre o que este
experiência na graduação como estudante e o que o aguarda, como professor.
METODOLOGIA
O instrumento utilizado nessa pesquisa para a coleta de dados foi entrevistas narrativas
semiestruturadas. Para a construção das entrevistas, partiu-se de tópicos-guia desdobrados em
doze questões.
As entrevistas não tiveram um caráter de questionamento fechado, dando a
possibilidade para que, tanto o entrevistador quanto o entrevistado, pudessem elaborar e
reelaborar perguntas e respostas. Inicialmente, entrou-se em contato com os sujeitos para a
apresentação da pesquisa e a confidencialidade do sujeito assegurada2. As narrativas foram
gravadas e posteriormente, transcritas na íntegra.
A entrevista narrativa dá a oportunidade aos discentes de resgatarem e refletirem a
respeito da sua trajetória acadêmica. Deste modo, ao descrever sua caminhada profissional, o
sujeito traz na sua fala experiências, conceitos e competências adquiridas no decorrer do
curso.
Neste sentido, o estudante é visto como sujeito de sua própria vida e de seu processo
educativo. Corroborando com essa ideia, Connelly y Clandinin (1995), apontam que
2
A proposta foi aprovada no Comitê de Ética da UFSM pelo Processo nº. 23081.005599/2010-09.
6569
La razón principal para el uso de la narrativa e la investigación educativa es que los
seres humanos somos organismos contadores de historias, organismos que,
individual y socialmente, vivimos vidas relatadas. El estúdio de la narrativa, por
tanto, es el estúdio de la forma em que los seres humanos experimentamos el
mundo. Desta Idea general se deriva la tesis de la educación es la costrución y la reconstrucción de historias personales y sociales; tanto los professores como los
alumnos son contadores de historias y también personajes em las historias de los
demás y em las suyas próprias (1995, p.12).
O intuito, ao utilizar narrativas, foi possibilitar aos acadêmicos que refletissem a
respeito de sua própria formação, pois, enquanto relatavam as suas histórias, vinham à tona as
suas ideias acerca da formação, destacavam o que acreditavam ser importante saber para ser
docente, as dificuldades encontradas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para a análise dos achados, foram identificadas duas dimensões categoriais. A primeira,
diz respeito às Concepções sobre as práticas docentes, e a segunda, refere-se às
Concepções dos acadêmicos sobre o contexto formativo. Neste trabalho, será abordado o
elemento categorial aprender a ser docente, que faz parte da primeira dimensão categorial,
assim como o elemento transversal: simetria invertida e simetria invertida às avessas.
Aprender a ser docente
O aprender a ser docente trata de quais as concepções que os estudantes têm a respeito
das práticas docentes. Nesse sentido, parte-se do entendimento de que tais concepções
articulam as vivências dos sujeitos como estudante e as experiências como docente.
A respeito de aprender, as seguintes narrativas expressam a ideia de construção do
conhecimento, assimilar o novo com o que já se sabe, “o que implica a nossa habilidade de
apreender (...) Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar” (FREIRE,
1996, p. 77).
6570
Que quando a gente compreende, a gente recebe a informação e faz uma assimilação com
o que a gente já sabe, com o que a gente tem com a gente. E aí a gente pode usar o
conhecimento de uma maneira que a gente pode compreender o que foi nos passado.
(Estudante E)
E o aprender é o pegar, o pegar não, mas, não é pegar, não é levar (...) apreender, ter
aquele conhecimento. (Estudante B)
Aprender a ensinar e a se tornar professor são processos que se iniciam anteriormente
a preparação formal, prosseguem no decorrer desta e permeiam toda a prática profissional
vivenciada (MIZUKAMI, 2002). Assumindo tal idéia, é pertinente a fala de C, que coloca a
importância da disposição do docente em aprender sempre.
Eu acho que eu estou aprendendo, eu acho que eu estou aprendendo agora, vou estar
aprendendo ano que vem e o outro ano.(...) Eu acho que eu vou estar sempre aprendendo,
seja com outros profissionais do grupo docente, seja com os alunos, seja no ambiente,
enfim. Eu acho que apta seria uma que eu estaria me responsabilizando muito se eu
falasse: estou apta. Então, eu acredito que não, estou caminhando para isso e vou estar
caminhando para isso, mas ainda não estou apta. (Estudante C)
Nas narrativas, os acadêmicos, que estão em final de curso, inseridos na escola pelas
disciplinas de Estágio Supervisionado e Inserção e Monitoria, reconhecem o seu
inacabamento, tendo consciência de que o processo formativo é continuado, ou seja, é
necessário continuar aprendendo, pois sempre haverá situações novas, inusitadas. Os
estudantes, ao se inserirem na escola, se deparam com a sua fragilidade para atuar em
realidades distintas e muitas vezes não se sentem preparados para atuar em diferentes
contextos. Dessa forma, compreendem que não saem da graduação “formados” totalmente. A
narrativa abaixo ilumina a questão do inacabamento.
Saber que você não está formado. Saber que tu não estás pronto, que tu não saíste da
graduação agora SOU PROFESSOR! Eu acho assim ó, trinta anos de magistério, tu
ainda, não sei se tu és capaz de dizer “sou professor”, porque como eu disse antes, a cada
realidade é uma sala de aula para o professor. Eu acredito que tu vai estar sempre,
sempre, sempre, sempre, eu digo assim, em crise de identidade. E agora? O que eu faço?
Como eu faço? Porque é bem complicado assim, muita gente sai da formação inicial
dizendo: Eu sou professor, chego em sala de aula com os livro embaixo do braço e pronto
para dar aula. Mas não está pronto para dar aula, não estás pronto, eu acho que tu tem que
ter muito chão de sala de aula para poder ter segurança e mesmo assim, como eu disse, a
cada dia pode acontecer alguma coisa que vai te surpreender, eu sei que isso não é só com
professor, mas com professor principalmente, porque tu lida com pessoas, tu mexe com
sentimentos, tu mexe com o emocional, tu mexe com família, tu mexe com muita coisa
do aluno, não é só tu e o aluno, tu mexe com muitas estruturas sendo professor, então eu
6571
acho que para sair formado é necessário essa consciência de não estar pronto. (Estudante
C)
Em outras narrativas, os questionamentos permeiam a prática pedagógica. Como
fazer? O que fazer? Tais dúvidas são vistas como dificuldades, podendo ocasionar
preocupação, no entanto, os acadêmicos compreendem que podem aprender com as situações
e que precisam estar dispostos a isso, como ilustra as narrativas abaixo.
Agora eu comecei o estágio nos Anos Iniciais e eu percebo algumas dificuldades,
principalmente porque a turma é grande, os alunos também tem uma realidade social
difícil, vulnerabilidade social, eles são de classe baixa, alguns passam fome quando não
estão na escola, não tem pai, mora com a avó, ficam assim sabe. (Estudante A)
Em diferentes contextos não, porque eu não sei trabalhar com os índios se eu tiver que dar
aula para eles. E aí, se vem um índio, como é que é?Como é que dá aula para um índio?
Como é que se dá aula na zona rural? (...) Eu não sei como eu me portaria dentro de uma
empresa, eu até nem sei o que um pedagogo faz dentro de uma empresa..(...) Tem
pedagogo até no quartel, e não necessariamente ele tenha que trabalhar na escola militar,
eu descobri que ele dá instrução no campo. Nunca foi comenta do isso aqui na graduação.
Então assim ó, eu acho que tem coisas que tão...não que se eu não tiver numa periferia eu
não vou saber dar aula, isso aí a gente tem que ir atrás. (Estudante D)
Faz um mês que eu tenho contato com essa escola, seriam só trinta horas de observação, e
eu pedi para a regente que eu continuasse tendo contato com a escola porque é uma
possibilidade de lugar que eu vou trabalhar depois de formada e eu vi que realmente eu
precisava de alguém que já estivesse naquele lugar, lidando com aquela situação para que
eu pudesse aprender. Então, eu não me senti preparada e achei válido continuar inserida
naquela realidade para buscar um maior conhecimento assim, de como lidar com as
situações, até algumas eu nem imaginava que pudessem estar juntas, às vezes, várias
situações numa sala de aula. (Estudante E)
Dessa forma, Mizukami et al (2002) colocam que o aprender a ensinar é
desenvolvimental, e requer tempo e recursos para que as práticas sejam modificadas. Quando
o acadêmico ingressa num curso superior de licenciatura, já vem com algumas ideias do que é
aprender, ensinar, avaliar, pois já teve experiências quando foi estudante da escola básica.
Outros aspectos podem influenciar sua compreensão da carreira docente como o convívio
com familiares que exercem a docência. Tais ideias vão sendo desenvolvidas, algumas são
refutadas, outras, consolidadas no processo formativo.
Segundo Mello (2000, p. 102), “a situação de formação profissional do professor é
inversamente simétrica à situação de seu exercício profissional. Quando se prepara para ser
professor, ele vive o papel de aluno.” Assim, as ações efetivas durante a formação do
6572
pedagogo precisam servir de exemplo e estar coerentes com o que se espera dele como
professor. O Parecer CNE/CO 009/2001 traz que
Quando usamos o conceito de simetria invertida, estamos trabalhando com a
definição oficial na qual se entende que a preparação do professor tem duas
peculiaridades muito especiais:a primeira é de que ele aprende a profissão no lugar
similar em que vai atuar, e a segunda é de que se trata de uma situação invertida.
Logo, esta situação sugere que deve haver coerência entre o que se faz na formação
e o que dele se espera como profissional Além disso, com exceção possível da
educação infantil, ele certamente já viveu como aluno a etapa de escolaridade na
qual irá atuar como professor. (Parecer CNE/CP 009/2001).
Nesta perspectiva, é importante repensar como, no ensino superior, as atividades em
sala de aula tem se desenvolvido, uma vez que as experiências do futuro professor neste
contexto servirão de modelo para o trabalho que ele desenvolverá na escola. Abaixo, a
acadêmica expressa em sua fala como seu conceito de professor foi modificado na graduação.
Antes de entrar no Curso a gente achava que ia para a escola para aprender com o
professor, que o professor ensinava e a gente aprendia. Mas, hoje como professora eu
vejo diferente, eu troco conhecimento com eles. (Estudante D)
No entanto, outras crenças e ideias permanecem e refletem na ação pedagógica do
docente. Sobre isso, Bolzan (2002) coloca que “o que os docentes pensam sobre ensinar e
aprender está relacionado às suas experiências e a sua formação profissional, o que exige que
pensemos sobre quem ensina e quem aprende no processo de escolarização” (p 23).
Corroborando, Mizukami et all(2002) e Realli et all (2004) trazem que o modo de pensar, os
valores, os conhecimentos, as práticas, as crenças e as metas dos professores são indicadores
relevantes para compreender como e porque estes agem em sala de aula do modo pelo qual
fazem. Essas idéias podem ser obstáculos para mudanças, ou oferecer quadros de referência, e
até pontos de partida, para interpretar e avaliar novas informações.
Ensinar valores, prevenir a violência, lutar contra preconceitos e discriminações,
contribuir na construção de regras, promover a solidariedade, a responsabilidade e o respeito
são tarefas da escola e do professor, pois a “educação é uma forma de intervenção no mundo”
(FREIRE, 1996, p. 110). Perrenoud (1999) traz que “é preciso que se criem situações que
facilitem verdadeiras aprendizagens, tomadas de consciência, construção de valores, de uma
identidade moral e cívica.” Isso pode ser feito a todo o momento, em situações que surgem no
ambiente escolar, e para que isso ocorra, os docentes precisam estar abertos para ouvir e ver
seus estudantes, buscar compreender a realidade em que estão inseridos.
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Um estudante, que estagiou seis meses numa escola particular de educação infantil do
centro da cidade, onde estudavam crianças de classe média alta, optou por fazer observações
em uma escola de contexto social bem diferente, pois seria válido para a sua formação, uma
oportunidade de vivenciar a docência em contextos diferentes e perceber que ambos têm
problemas, no entanto, diferentes. Na fala a seguir, compreende-se que a formação é um
processo em que o estudante é sujeito autônomo, que, em sua tomada de decisão escolhes as
experiências que pretende ter, como fica evidente:
Quando eu trabalhei, a primeira vez que eu optei por experimentar uma coisa na minha
área, foi numa escola de educação infantil particular no centro. Eram crianças de classe
média alta. E agora fazendo as minhas observações, eu optei por uma escola bem
diferente de contexto social. Ela é uma escola que abrange alunos de famílias de invasão
dos trilhos do trem, então são de uma situação social bem oposta (...).A diferença no trato
é completamente diferente, tanto assim no trato com a equipe que trabalha, com a família
e com os alunos. Uma questão assim de perfil social e cultural mesmo. A gente precisa
muito, muito compreender o contexto da criança, principalmente o familiar, porque as
duas realidades apresentam problemas, só aquela em que o contexto social é mais duro,
eu acho que precisa de uma compreensão mais delicada sobre as coisas, porque a gente
encontra vários agravantes, temos crianças que foram abusadas sexualmente, que tem os
pais, às vezes os dois pais presos, ou que são donos de boca de fumo, aí aconteceu o
tiroteio e a criança não pode ir para a escola porque estavam ameaçando a família. Então
assim, as duas têm problemas, mas são bem diferentes. (Estudante E)
Em outras narrativas, os acadêmicos sugerem, ao invés utilizar o termo ensinar, usar
“trocar conhecimento”. Nesse sentido, Freire (1996) coloca que “saber ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção de conhecimento” (p.52).
Eu acho que quando a gente ensina alguém, é muito, da imposição de que a gente ensina, dá
muito a ideia de que eu sei e estou passando coisas para alguém que não sabe nada. Eu prefiro a
ideia de troca de conhecimento. (Estudante E)
O que eu penso sobre o ensinar?! Eu acho que essa palavra ensinar é muito complexa, é uma
coisa que eu acho dessa palavra, como diz o Freire, ninguém ensina ninguém, a gente troca
conhecimentos. E realmente, hoje eu vejo que é isso. (Estudante D)
Dessa forma, quando os acadêmicos falam em “trocas de conhecimento”, fica implícito
que ambos aprendem, o professor aprende ao ensinar e o estudante ensina ao aprender (Freire,
1996). Nesta mesma direção, Bolzan (2002) diz que
Um dos principais objetivos do ensino é o desenvolvimento do conhecimento
compartilhado entre os indivíduos (ensinantes/aprendentes). Essa abordagem deve
6574
ser um processo que ultrapassa as situações de controle e domínio sobre os
conteúdos escolares a serem aprendidos. (p 27)
Os sujeitos também fazem relação entre o aprender e o ensinar, tendo clareza de que
ambos caminham juntos, como se percebe abaixo:
Eu acredito que o ensinar está profundamente ligado ao aprender. Eu acho que quando tu
estás com o teu aluno ensinando, tu está ensinando e ao mesmo tempo aprendendo e ele
ao mesmo tempo em que está ensinando o colega ele está aprendendo. (...). Até porque,
ao ensinar tu está....; para mim é uma coisa que não dá para dividir, não tem como
separar(...). Está intimamente ligado para mim o ensinar e o aprender, porque é uma coisa
complicada, se eu ensino, mas o que eu sei para ensinar sabe? Será que eu também não
preciso aprender? Eu acho que são coisas muito ligadas - o ensinar e o aprender.
(Estudante C)
Eu acho que eles aprendem através da troca, através desse ensinar que acontece com as
trocas e ali eles aprendem em conjunto. Eu acho que o aprender é uma troca de
conhecimentos, mas que ambos aprendem através do ensino. Eu acho que os dois andam
juntos, acredito que sim. (Estudante D)
Sobre isso, Grillo (2009) coloca que o ensino é uma mediação, pelo qual são
possibilitadas ao aluno condições para que realize sua aprendizagem. Dessa forma, é criado
um espaço de interação entre professor e estudante, e a aprendizagem vai sendo construída
permanentemente, com análises e sínteses entre o conhecido e o novo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
formação
de
professores
tem
suscitado
muitos
questionamentos,
e,
consequentemente as pesquisas nessa área tem crescido. Investigar como o sujeito se constitui
professor, como ele compreende a sua própria formação dá a oportunidade de entender o
processo de formação bem como a sua prática pedagógica.
Nesse sentido, realizar este trabalho que teve possibilitou maior entendimento de como
o acadêmico de um curso noturno tem aprendido a ser professor. Ao identificar, na análise
dos achados, o elemento transversal a simetria invertida e a simetria invertida às avessas,
entendeu-se que é imprescindível, ao falar de formação de professores, trazer o conceito de
simetria invertida, pois, o aprender a ser professor está relacionado com toda a trajetória do
sujeito, tudo que este viveu antes de ingressar na universidade e o que ainda vivenciará no
papel de estudante. Todas as experiências que o acadêmico de licenciatura já teve como
estudante o faz refletir a respeito da prática docente.
6575
Já a simetria invertida às avessas, de acordo com Oliveira (2009), os docentes, ao
invés de ensinarem em conformidade com as situações de aprendizagem que vivenciaram,
irão ensinar de forma distinta ou até oposta a tais experiências de formação. O autor ainda
coloca que isso é um processo de auto-formação, no qual o estudante constrói, reconstrói,
nega ou reafirma conhecimentos, valores e/ou práticas de maneira distinta ou em
contraposição à formação que lhe é proporcionada, ou seja, para poder ensinar de acordo com
o proposto pela sua formação, teria que aprender divergindo do ou contradizendo o que estava
sendo vivenciado na condição de estudante.
Diante disso, entende-se que tais conceitos permeiam a formação do pedagogo. Então,
é importante que haja coerência entre o que este vivencia na graduação como estudante e o
que o aguarda, como professor.
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s.n].
Disponível
<http://www.anped.org.br/reunioes/32ra/arquivos/trabalhos/GT14-5855--Int.pdf>
dia 22 de jun de 2011.
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processos formativos iniciais: a construção da docência