“A VIDA NÃO ME COBRA O FRETE” – AGORA É CONTA-FRETE Por J.G. Vantine O TAC – Transportador Autônomo de Carga popularmente chamado de “caminhoneiro” finalmente sai das trevas financeiras e vira cidadão legal capaz de provar sua renda para financiar seu caminhão novo e ser honrado pela sociedade que usa o que ele transporta. I – INTRODUÇÃO São inúmeras as músicas que tratam da vida do caminhoneiro, exatamente porque por mais paradoxal que seja, apesar das agruras do seu trabalho, suas aventuras despertam o imaginário dos poetas. E dentre eles, especialmente Renato Teixeira com sua música “Frete” tornada mais conhecida pela série “Carga Pesada” na televisão. E dessa música emprestei a frase “A vida não me cobra o frete”. Pelos seus olhos o Caminhoneiro é aquele que : Conhece cada palmo desse chão Carrega a carroceria sobre as costas Conhece todos os sotaques e cidades, e das mulheres todas as vontades; Se acode na estrada quando a saudade morde” Eu acompanho esse mundo há mais de 35 anos, sendo há 25 na atividade de consultoria, e por conta disse me sinto à vontade para, como sempre fiz, usar a minha liberdade de expressão para uma interpretação livre sobre a Lei e a Prática que trata sobre o tema já batizado pelo setor como “Conta-Frete”. II – OS FATOS Permanece (e assim continuará por longos anos à frente) a participação do modal rodoviário com cerca de 60% na matriz de transportes de cargas no Brasil. E se excluir cerca de 25% do ferroviário (minério e graneis), podemos afirmar que “O Brasil circula de caminhão” com cerca de 85%. Gostem ou não os técnicos, ambientalistas e acadêmicos! Quem decide isso é o mercado!; Segundo dados da ANTT (outubro/2011) através do RNTRC – Registro Nacional de Transporte Rodoviário de Carga, dos cerca de 1 610.000 registros emitidos como Transportador, 85% está na categoria “Autônomo, e o restante são empresas e cooperativas; Ainda segundo a mesma fonte, os Autônomos possuem cerca de 720.000 veículos registrados (média de 1,7 TAC) enquanto as empresas possuem cerca de 825.000 (média de 8,7 ETC), e os 267 cooperativas têm pouco mais que 11.000 (média de 42 / COOP); Conforme estatística da ANTT, a idade média da frota dos Caminhoneiros é de 18,4 anos para 7,8 das empresas; Essas médias são bastantes genéricas e não estratificadas, o que pode gerar diferentes interpretações. O TAC em Caminhoneiro pela grande média responde por cerca de 50% de tudo que é transportado no Brasil (excetuando minero e graneis). É um número grandioso, exuberante e inversamente proporcional à importância dada à essa categoria, se levarmos em conta os principais fatores que a caracterizam: 1.) Tecnicamente falando, essa classe se faz representar pela UNICAM – União Nacional dos Caminhoneiros e pelos vários Sindicatos Estaduais. Porém, por pesquisa que realizei, a grande maioria dos Autônomos nem sequer sabem da existência ou mesmo são filiados a essas entidades Há longo tempo convivendo no setor tenho por hábito conversar com caminhoneiros. Na semana em que escrevi esse artigo (2ª semana de outubro-2011), falei com muitos, e em lugares diferentes: Central de Distribuição de uma grande rede de Supermercados na Vila Anhanguera/SP, Posto de Serviço na Via Dutra Jacareí/SP, Posto de Serviço da Via Dutra Guarulhos/SP e no Centro de Atendimento aos Caminhoneiros de uma grande siderurgia no Rio de Janeiro. Não se trata de uma pesquisa técnica, mas de observação qualitativa. 2.) 2 A imagem do Caminhoneiro e seu trabalho Mais errante do que itinerante: Nem é preciso conhecer a realidade ao vivo, basta digitar “Caminhoneiro” no “Youtube” e ali encontrar farto material, principalmente vídeos. No geral o Caminhoneiro sabe onde está (onde entregou a ultima carga) mas não sabe onde vai (esperando carga) e nem quando vai e volta. É um ciclo errático que pode demorar mais de 30 dias; Quando o autor Renato Teixeira diz que o caminhoneiro “carrega a carroceria sobre as costas” é porque a boléia é a sua casa (quarto, sala, cozinha), ora solitário ora levando a mulher e filhos (as vezes até cachorro de estimação). Por que? O problema não é o tempo de trânsito pelas estradas, mas o tempo de espera para carga e descarga. Ele não sabe quando vai ser chamado pelo alto falante e pode passar 2 ou 3 dias de plantão no pátio, e se “bobear” e não escutar, vai para o final da fila. O cenário de um terminal de carga chega a ser tenebroso, especialmente nos grandes embarcadores (indústrias de consumo) e recebedores (atacadistas e varejistas). Por que? Começa pelo mal planejamento logístico entre “Fornecedor – Cliente”, passa pela falta de padronização de processos dessas empresas e uso inadequado de sistemas de informação: A vítima: O Caminhoneiro. Por decorrência do fato anterior vejo a forma degradante, quase desumana como são tratados os Caminhoneiros (se voce esta lendo agora, imagine-se durante 2 dias num pátio, debaixo de sol e chuva, e... sem tomar banho e improvisando banheiro para seu asseio corporal. 3 III – A RELAÇÃO ENTRE AS PARTES Há um abismo entre “Teoria e Prática” entre o “Que se fala e o Que se pratica”. Na esfera técnica se fala em muitas siglas como: CRP – Ressuprimento Contínuo; S&OP – Planejamento integrado “Vendas e Operação”; VMI – Controle de Estoque no ponto de venda feito pelo fornecedor Não quero generalizar (até porque os extremos não são absolutos), mas com mais de 800 projetos que conduzi em mais de 350 empresas, posso assegurar que na ponta do transporte “Tudo mudou para ficar como estava”. Isso quer dizer que ferramentas de base tecnológica não atingiram a eficácia das entregas (ERP, TMS com certeza causaram mais problemas do que soluções, não porque os softwares não sejam muito bons, os Processos é que esta fora de sintonia com os sistemas). E na ponta do Transporte que é mais uma vez a vítima? O Transportador, o Caminhoneiro! O fluxo de pagamento é muito estranho 4 Obs: Essas considerações não se aplicam necessariamente aos TAC AGREGADO” Lei 11.442, artigo 4º, parágrafo 1º) IV – DA CARTA PARA A CONTA: VISÃO JURÍDICA Nem é preciso dizer que é um emaranhado de leis, decretos, resoluções e normas. Como não sou advogado (deixo isso por conta do meu amigo e competente Geraldo Vianna) vou usar a linguagem de fluxo de processo para interpretar A Essa lei (11.442/07) dispõe sobre o TRC, definindo a atividade econômica do setor, da qual destaco: Art. 2º, inciso I: O Transportador Autônomo de Cargas – TAC (O Caminhoneiro) é a pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional. Art. 2º, parag. 1º, inciso I: O TAC deverá comprovar ser proprietário, co-proprietário ou arrendatário de pelo menos 1 5 (um) veículo automotor de carga, registrado em seu nome no órgão de trânsito como veículo de aluguel. Art. 4º: O contrato a ser celebrado entre a ETC e o TAC ou entre o dono ou embarcador de carga e o TAC (diretamente) definirá a forma de prestação de serviço desse último como agregado ou independente. Art. 4º, parag. 1º: Denomina-se TAC_Agregado aquele que coloca seu veículo a ser dirigido por ele próprio ou seu preposto a serviço do contratante, com exclusividade, mediante remuneração certa. Art. 4º, parag. 2º: Denomina-se TAC-Independente aquele que presta os serviços de transporte de cargas em caráter eventual e sem exclusividade, mediante frete ajustado a cada viagem. AQUI É O FOCO DO PROBLEMA DA “CARTA-FRETE” Art. 5º: As relações decorrentes do contrato de transporte de cargas que trata o artigo 4º dessa lei, são sempre de natureza comercial, não ensejando em nenhuma hipótese a caracterização de vínculo de emprego. ISSO FOI UM ALENTO PARA GRANDES EMBARCADORES, ATÉ ENTÃO SOLIDÁRIOS NOS PROCESSOS TRABALHISTAS, E ABRIU CAMINHO PARA O CRESCIMENTO NÃO ORGÂNICO DOS ETC. B Na verdade essa Lei 12.249/10 é uma miscelânea de assuntos (coisa bem típica da legislação brasileira: Escreve muito para ninguém (salvo advogados) entender nada. Lá no meio de tantos assuntos, encontramos o art. 128 pelo qual acrescenta-se à lei 11.442/07, o art. 5º A. AQUI DE FATO NASCE A “CONTA-FRETE”: DIA 10/06/2010 Ali diz: O pagamento do frete do transporte rodoviário de cargas ao Transportador Autônomo de Cargas – TAC deverá ser efetuado por meio de crédito em conta de depósitos mantidas em instituição bancária ou por outro meio de pagamento regulamento pela ANTT. 6 ATÉ A DEFINIÇÃO ESTÁ TUDO CERTO. O PROBLEMA FICOU NO “POR OUTRO MEIO DE PAGAMENTO REGULAMENTADO PELA ANTT”, QUE EM MINHA OPINIÃO CONFUNDIU MAIS DO QUE EXPLICOU. C A resolução 3.658 (de 19/04/2011) mais parece uma tese acadêmica elaborada por quem não conhece o setor do TRC, ou com claras intenções de intervenção do Estado no mercado. Excede em regras difusas permitindo diferentes interpretações e não sei como um TAC, geralmente sem formação escolar além do grau primário, vai conseguir entender. A ANTT complicou o que deveria e poderia ser simples. De todo modo já foi publicada no DOU do dia 27/04/2011. AQUI COMEÇOU A VALER A “CONTA-FRETE”: DIA 27/04/2011 DANDO UM PRAZO “EDUCATIVO” DE 270 DIAS SEM APLICAÇÃO DE SANÇÕES O art. 34 diz: “Exclusivamente no que se refere ao contratante e ao contratado, a fiscalização nos primeiros duzentos e setenta dias, a partir da vigência desta Resolução, terá fins educativos, sem aplicação das sanções prevista nesta Resolução” ESSE PRAZO ESGOTOU-SE 25/10/2100. PORTANTO A DATA DE INÍCIO NA PLENA FORMA DO DIRETO PARA VALER A CONTA FRETE É 24/10/2011 V – CONSIDERAÇÕES FINAIS Ainda no final da década de 80 (século 20) proferi uma palestra num Congresso da NTC&Logística sob o título “TRC: PAGANDO MAIS E GASTANDO MENOS”. Certamente poucos entenderam a mensagem que era “Através do Planejamento da Logística para Suprimento (Inbund) e Distribuição (Outbound) é possível criar modelos de redes de abastecimento eficientes e eficazes, ao contrário da prática da improvisação”. Passados quase 25 anos a realidade não mudou, não obstante hoje existir melhor formação dos logísticos dos embarcadores, da melhor organização das ETC e principalmente com apoio das ferramentas de T.I. amplamente utilizadas. E há pouco tempo escrevi um artigo com o título “Tudo mudou para ficar como era”. Esse não é um pensamento negativo, muito ao contrário eu procuro instigar as empresas para que estendam suas praticas de “Produtividade” para fora dos portões. No mínimo a cadeia logística de um embarcador é formada conforme diagrama sintético abaixo: 7 Se a gente tira o Caminhão, tudo pára porque nesses elos inexistem outros modais disponíveis! Portanto, e isso eu questiono freqüentemente para nossos clientes (90% são embarcadores): Por que o Transporte não é configurado como elemento estratégico do seu negócio? Qualquer produto só tem valor quando chega nas mãos do usuário final (especialmente dos consumidores) A relação entre as partes sempre foi complicada devido ao “velho hábito da compressão do custo a qualquer preço” ao invés da introdução do “Gerenciamento Estratégico dos Transportes”. E nessa “briga” sempre desde a ETC que repasse o prejuízo para o TAC, conforme ilustro a seguir: E porque isso ocorre? Minha opinião com base na experiência no Brasil ( e em muitos outros países): 8 Excesso de concorrência predatória no TRC, e com isso os Embarcadores se valem da lei de oferta-procura transformando-se em ameaça aos ETC; Ausência quase absoluta de “Contratos de Longo Prazo” com mínimo de 3 anos que permita ao ETC mais sustentabilidade econômico-financeira e com isso reduzir seus custos operacionais ou não. (É possível observar o sucesso de algumas ETC´s com seus clientes com uso de Contratos firmes de até 5 anos que permitem frota nova, veículos adequados e dedicados); Havendo contrato de longo prazo entre Embarcadores e ETC, essas podem aumentar a participação dos TAC – Agregados dando a eles o mesmo nível de remuneração , treinamento e status econômicos. CONCLUSÕES: 1.) A CONTA-FRETE é m avanço, pois coloca o TAC na formalidade sócio-econômica; 2.) A CONTA-FRETE não elimina os problemas estruturais, salvo se “por milagre” os embarcadores possuem a entender que de nada adianta uma “super-logística” com um “transporte-pobre”; 3.) VAI SER DIFÍCIL FAZER COM QUE MAIS DE 1,5 milhões de Caminhoneiros possam entender principalmente o emaranhado de artigos da Resolução que regulamenta a CONTA-FRETE. NO PERÍODO DA ENQUETE QUE REALIZEI CONFORME CITADO (SEGUNDA SEMANA DE OUTUBRO/2011), 100% DOS CAMINHONEIROS NUNCA TINHAM OUVIDO FALAR SOBRE A “LEI DA CONTA-FRETE” Assim como foi a Lei do Cinto de Segurança, Lei anti-fumo, e Lei-seca, se não for por conscientização no “bolso”, não vejo caminho natural para o pleno cumprimento porque só se fala de sanções e não de meios para fiscalização eficaz. O respeito aos direitos e à pessoa do Caminhoneiro nasce no embarcador e pela ETC. O RESPEITO AOS DIREITOS E À PESSOA DO CAMINHONEIRO É MAIS QUE UMA OBRIGAÇÃO LEGAL. É O RECONHECIMENTO QUE EMBARCADORES, RECEBEDORES E TRANSPORTADORES DEVEM TER NA IMPORTÂNCIA DELE NO SEU NEGÓCIO! 9