Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 169-173 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Complexo anatéctico de Figueira de Castelo Rodrigo – Lumbrales, Zona Centro Ibérica: análise preliminar do metamorfismo e geoquímica Figueira de Castelo Rodrigo – Lumbrales anatectic complex, Central Iberian Zone: preliminary analysis of the metamorphism and geochemistry I. Pereira1*, T. Bento dos Santos2,3, J. Mata3,4, R. Dias1,5, R. Calvo2, R. Santos2 Artigo Curto Short Article © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: Na região de Figueira de Castelo Rodrigo – Lumbrales ocorrem espacialmente associadas rochas de alto grau metamórfico e diferentes tipos de granitóides. A análise geoquímica preliminar revela uma provável relação genética entre os migmatitos e alguns dos granitóides analisados que, nesta perspectiva, são considerados anatécticos e sin-orogénicos. No entanto na região ocorrem alguns granitóides sem aparente relação genética com os migmatitos aflorantes, que poderão ter sido gerados em período tardi-colisional. Palavras-chave: Complexo anatéctico, Geoquímica, Metamorfismo, Fusão crustal. Abstract: In Figueira de Castelo Rodrigo – Lumbrales region, high grade metamorphic rocks occur in association with different types of granitoids. A preliminary analysis of the geochemistry reveals a probable genetic relationship between the migmatites and some of the analyzed granitoids, here interpreted as anatectic and synorogenic. However some other granitoids do not seem to be cogenetic with the migmatites and are probably associated with the post-collision period. Keywords: Anatectic complex, Geochemistry, Metamorphism, Crustal melting. 1 LIRIO (Laboratório de Investigação de Rochas Industriais e Ornamentais da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora), Portugal. 2 LNEG (Laboratório Nacional de Energia e Geologia), Portugal. 3 Centro de Geologia da Universidade de Lisboa. 4 Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Departamento de Geologia. 5 Centro de Geofísica de Évora, Portugal e Departamento de Geologia da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora. * Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] em condições ultra-metamórficas sob regime de baixa pressão (e.g. Carnicero, 1982). Ainda que a correspondência das manchas graníticas entre os sectores português e espanhol sejam de difícil conciliação, reconhece-se uma predominância de granitos sincinemáticos (Fig. 1). Regêncio Macedo (1988) apresentou vários dados de geocronologia K-Ar para os granitos da região de Pinhel tendo obtido 300 ± 6 Ma (Povoa de El Rei-Sorval) e 319 ± 6 Ma (S. Pedro-Vieiro) para corpos intrusivos considerados sin-D3. Já Ribeiro (2001) datou o granito de Santa Eufémia-Bogalhal em 321 ± 5 Ma com o método Rb-Sr e 308 ± 5 Ma (idade K-Ar). Villar Alonso et al. (2000) considera estes granitos como sin-Cisalhamento Juzbado-Penalva do Castelo, ao qual atribui a idade de 300 ± 8 Ma (idade Rb-Sr no granito de Lumbrales; García Garzon & Locutora, 1981). Estes autores interpretam o granito de Lumbrales num contexto de anatexia, tal como no sector português, onde se observa uma banda de migmatitos com ≈4km que prograda para granitos de 2 micas (tipo-S), pelo que se propõe a adopção da nomenclatura de Complexo Anatéctico de Figueira de Castelo Rodrigo – Lumbrales (CAFCR-L; Fig.1). Este estudo pretende avaliar a relação genética entre os variados granitóides do CAFCR-L com a orla migmatítica circundante, compreendendo se as suas composições geoquímicas indicam uma evolução co-genética. 2. Metamorfismo e migmatização 1. Introdução Na Zona Centro Ibérica, a região entre Figueira de Castelo Rodrigo (FCR) em Portugal e Lumbrales em Espanha é conhecida pela franca exposição de rochas em alto grau metamórfico, ao longo da Zona de Cisalhamento de Juzbado-Penalva do Castelo (ZCJPC; Carvalhosa, 1960; Figuerola & Parga, 1968), interpretáveis como resultantes de processos ocorridos O complexo anatéctico em estudo (CAFCR-L) ocorre associado à Zona de Cisalhamento de Juzbado – Penalva do Castelo, contactando tectonicamente a norte e a sul com rochas de baixo grau metamórfico (fácies dos xistos verdes; e.g. Villar Alonso et al., 2000; Ribeiro, 2001). As fácies mais comuns no complexo anatéctico de Lumbrales são diatexitos e metatexitos de grão médio associados a granitos de duas micas (Villar Alonso et al., 170 2000). É comum a intercalação de rochas calcossilicatadas no seio destas unidades. A migmatização no sector de Lumbrales está associada a paragéneses do tipo biotite-silimanite-moscovite e biotitesillimanite-feldspato potássico, com o pico metamórfico concomitante com S2 (Carnicero, 1982). Estas paragéneses sugerem a fusão incongruente de moscovite dando origem aos primeiros estágios de fusão, com produção peritéctica de silimanite e feldspato potássico (e.g: Spear et al., 1999). Carnicero (1982) estima o pico metamórfico em 660-680 ºC e 3,0-3,5 kbar, com a migmatização a decorrer durante a D23 varisca. Tais valores são similares aos obtidos por García I. Pereira et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 169-173 (1991) com base no par cordierite-feldspato potássico (650 ºC e 3,5 kbar). Estas estimativas devem, no entanto, ser encaradas como um valor mínimo para as condições associadas ao clímax metamórfico nesta região. De facto, considerando exemplos de outros complexos anatécticos similares (Spear et al., 1999; Bento dos Santos et al., 2011), e atendendo à profusão de granitos anatécticos e de diatexitos com evidência para a fusão incongruente de biotite, mas não a exaustão completa da mesma, sugerem que as condições do pico metamórfico terão oscilado entre 700-750 ºC (vejam-se Stevens et al., 1997; Spear et al., 1999). Fig. 1. Mapa litológico do Complexo Anatéctico de Figueira de Castelo Rodrigo – Lumbrales (modificado de Ribeiro & Ferreira da Silva, 2000 e de Villar Alonso et al., 2000). Fig. 1. Lithological map of the Figueira de Castelo Rodrigo – Lumbrales Anatectic Complex (modified from Ribeiro & Ferreira da Silva, 2000 and from Villar Alonso et al., 2000). 3. Síntese petrográfica Para a realização de uma caracterização petrográfica, foram recolhidas na região de Figueira de Castelo Rodrigo 62 amostras. Com base nas suas características texturais e mineralógicas, estas amostras foram agrupadas em metatexitos, encraves paleossomáticos, neossomas, diatexitos (Wimmenauer & Bryhni, 2007) e rochas calcossilicatadas. Seguiu-se a nomenclatura e caracterização dos granitos de Ribeiro (2001) para o sector português e de Villar Alonso et al. (2000) para o sector espanhol (Fig. 1), pelo que não será feita aqui uma descrição exaustiva das características texturais e mineralógicas de cada litótipo granítico (fora do objectivo do presente trabalho). Os metatexitos (melanossomas) apresentam uma textura granolepidoblástica, com abundante biotite e moscovite, bem como plagioclase, feldspato potássico e quartzo, e, acessoriamente, apatite, turmalina, zircão e óxidos. Por sua vez, os neossomas dos metatexitos apresentam uma associação mineral essencialmente constituída por feldspato potássico, plagioclase e quartzo, biotite e moscovite pouco abundantes e como acessórios apatite, zircão e óxidos. Estes litótipos distinguem-se dos diatexitos essencialmente pelas suas relações de campo, mas também petrograficamente, pois os diatexitos apresentam predomínio de feldspato potássico e quartzo e menor quantidade de biotite e moscovite, esta última formada durante a retrogradação e, geralmente, com texturas mais grosseiras. No que diz respeito aos resíduos paleossomáticos, apresentam uma textura granolepidoblástica de grão médio e a associação mais comum é feldspato potássico, plagioclase, quartzo, biotite e/ou moscovite, ocasionalmente silimanite, e como acessórios apatite e esfena. Já as rochas calcossilicatadas apresentam uma textura granolepidoblástica, com plagioclase, quartzo, biotite, anfíbola e clinopiroxena. Como acessórios é comum a esfena, apatite, zircão e óxidos. Complexo Anatéctico de Figueira de Castelo Rodrigo - Lumbrales 4. Geoquímica As amostras foram preparadas e analisadas no LNEG por Fluorescência de Raios-X (elementos maiores e traço) e por ICP-MS (REE, Nb, Hf, Ta, Th e U). Foram analisadas 23 amostras colhidas na região de Figueira de Castelo Rodrigo, nomeadamente 3 encraves restíticos, 4 neossomas de metatexitos, 3 diatexitos, 2 calcossilicatadas e 11 amostras de granitóides da região (ᵞII, ᵞIII, ᵞV, ᵞVIII, ᵞIX e ᵞX; Ribeiro, 2001). Os resultados obtidos foram tratados utilizando o software GCDkit (Janoušek et al., 2006). Todos os grupos de rochas analisadas revelam carácter peraluminoso, excepto uma amostra dos granitos ᵞIX e ᵞX que apresentam carácter metaluminoso (Fig. 2a). Estas mesmas amostras, na classificação TAS (Cox et al., 1979), apresentam uma composição monzonítica (granitos ᵞIX), sienodiorítica (granito ᵞX), enquanto os demais litótipos se enquadram no campo dos granitos (Fig. 2b). Analisando os diagramas Harker é possível reconhecer que os teores em elementos maiores nas amostras de granitóides de tipo ᵞIX e ᵞX referidas anteriormente são claramente distintos dos demais granitóides e migmatitos, apresentando teores em Fe2O3T(≈8%) e MgO (≈3-7%) mais elevados, para teores de SiO2 (≈55%) mais baixos, em comparação com os restantes litótipos com teores de Fe2O3T(≈0-4%) e MgO (≈0-1.5%) mais baixos, para teores de SiO2 (≈65-75%) mais elevados. No que diz respeito aos elementos traço é possível evidenciar que os granitóides ᵞIX apresentam um elevado enriquecimento em Zr (250-300ppm) e Hf (5.5-6ppm), provavelmente associado à presença de zircão, enquanto os demais granitos e migmatitos exibem teores mais baixos nestes elementos (Hf <4ppm; Zr 100-200ppm). A mesma tendência é observada com o La-Hf (La 50-70ppm). Assim, os granitóides ᵞIX e ᵞX, bem como ᵞV apresentam elevados teores tanto em La como em Zr, quando comparado com o verificado nos restantes litótipos (La 1040ppm). Mais, observa-se um empobrecimento em Zr, Hf e La 171 nos neossomas, o que sugere que estes elementos terão ficado retidos em alguma fase mineral nos restitos. No diagrama Rb/Sr vs Sr observa-se que os diatexitos apresentam valores da razão Rb/Sr mais elevados (≈6-8), enquanto os granitos ᵞIX se destacam pelas baixas razões Rb/Sr (<1). Os valores em Nb e Y são francamente mais elevados nos granitóides ᵞIX (20-40 ppm e 20-30 ppm respectivamente) em relação aos demais, tendo como termos intermédios os neossomas (0-15 ppm e 10-15 ppm respectivamente). Já os diatexitos apresentam teores muito próximos aos dos neossomas, a ligeiramente inferiores. Analisando o diagrama ternário Rb/30-Hf-Ta*3 verifica-se o carácter sin-colisional das amostras em estudo, ainda que os granitóides ᵞIX e ᵞX apresentem uma afinidade geoquímica com contextos tardi-pós-colisionais. Estes dados são concordantes com a informação obtida de outros diagramas analisados (De la Roche et al., 1980; modificado por Batchelor & Bowden, 1985; Fig. 3a e b). Os perfis de REE, normalizados relativamente aos condritos (Boynton, 1984), são muito homogéneos e pouco fraccionados, o que indica a ausência de granada residual durante a fusão parcial. Verifica-se que os granitóides ᵞV e ᵞX se destacam por apresentarem anomalia positiva em Eu, sugerindo acumulação de plagioclase. Os mesmos granitóides ᵞV e ᵞX apresentam um enriquecimento relativo em elementos de terras raras pesadas (HREE) em relação aos granitos (Fig. 4a). No entanto, em comparação com os demais litótipos, são os que apresentam menores teores em elementos de terras raras, a par dos neossomas. No spidergram, normalizado para a crosta continental superior (Taylor & McLennan, 1995), observam-se padrões muito distintos para as várias amostras, ainda que seja possível agrupar amostras devido às suas tendências. Assim, apenas os migmatitos e alguns granitóides exibem uma anomalia negativa em Ba, o que poderá ser explicado pela abundante participação de biotite e feldspato potássico nas reacções de fusão parcial (Fig. 4b). Fig. 2. Diagramas discriminantes: a) A/CNK (Shand, 1943); b) TAS (Cox et al., 1979, adaptado por Wilson, 1989). Fig. 2. Discriminating diagrams: a) A/CNK (Shand, 1943); b) TAS (Cox et al., 1979, adaptation from Wilson, 1989). 172 I. Pereira et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 169-173 Fig. 3. Diagramas ternários: a) Rb/30-Hf-Ta*3 (Harris et al., 1986); b) R1-R2 (De la Roche et al., 1980, modificado por Batchelor & Bowden, 1985). Fig. 3. Ternary diagrams: a) Rb/30-Hf-Ta*3 (Harris et al., 1986); b) R1-R2 (De la Roche et al., 1980, modified by Batchelor & Bowden, 1985). Fig. 4. Diagramas de normalização: a) Elementos de terras raras normalizados ao condrito; b) Elementos traço normalizados à crosta continental superior. Fig. 4. Spidergrams: a) REE normalized patterns; b) Trace elements normalized to the upper continental crust. 5. Conclusões Os dados apresentados para a região de Figueira de Castelo Rodrigo sugerem uma afinidade geoquímica entre os granitos ᵞII, ᵞIII e ᵞVIII e os migmatitos, indicando uma ligação genética, provavelmente através de um mecanismo de fusão parcial. Alguns granitóides ᵞIX e ᵞX apresentam um carácter metaluminoso e assinaturas de elementos traço também distintas das dos demais granitóides. Os diagramas discriminantes sugerem para estes granitos metaluminosos uma assinatura pós-colisional, o que indicia que estes dois granitóides poderão ter tido uma génese distinta dos demais pertencentes ao CAFCR-L que apresentam características químicas de ambientes sincolisionais. A análise preliminar de geoquímica aqui apresentada é um contributo inicial para um assunto essencialmente inexplorado até ao momento nesta área. Os dados sugerem que os granitóides ᵞII, ᵞIII e ᵞVIII de Figueira de Castelo Rodrigo ter-se-ão gerado por anatexia, a partir das unidades metassedimentares que deram origem aos migmatitos. Já os granitos ᵞV, ᵞIX e ᵞX poderão ter-se originado a partir de fontes distintas. Agradecimentos Este trabalho é uma contribuição para os projectos PETROGEO (LNEG) e Pest Programme (FCT-PestOE/CTE/UI0263/2011). Inês Pereira agradece ainda à FCT pela atribuição da bolsa SFRH/BGCT/52033/2012 e aos revisores pela sua contribuição para este manuscrito. Referências Batchelor, R.A., Bowden, P., 1985. Petrogenetic interpretation of granitoid rock series using multicationic parameters. Chemical Geology, 48, 43-55. Bento dos Santos, T., Munhá, J.M.U., Tassinari, C.C.G., Fonseca, P.E., Dias Neto, C.M., 2011. Metamorphic P-T evolution of granulites in central Ribeira Fold Belt, SE Brazil. Geosciences Complexo Anatéctico de Figueira de Castelo Rodrigo - Lumbrales Journal, 15(1), 27-51. Boynton, W.V., 1984. Geochemistry of the rare earth elements: meteorite studies. In: P. Henderson, (Ed). Rare Earth Element Geochemistry, Elsevier, 63-114. Carnicero, M.A., 1982. Estudio del metamorfismo existente en torno al granito de Lumbrales (Salamanca). Studia Geologica Salmanticensia, XVII, 7-20. Carvalhosa, A., 1960. Carta Geológica de Portugal à escala 1:50 000, folha 15-D (Figueira de Castelo Rodrigo. 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